Royalties do pré-sal


O que são royalties do petróleo?


A mídia batizou de “royalties” a compensação financeira referida no § 1°, do art. 20 da CF in verbis:


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 “§ 1º – É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração.”


A inclusão no texto de órgãos federais, que não têm personalidade jurídica própria, como beneficiários dessa retribuição pecuniária deve ser entendida como entrega de recursos financeiros à União com destinação preestabelecida na forma da lei.


Outrossim, é importante observar, desde logo, que a expressão “no respectivo território” constante do texto constitucional vincula os Estados e os Municípios beneficiários da compensação financeira.


Quem paga os royalties?


A compensação financeira foi instituída pela Lei n° 7.990 de 28-12-1989, sendo que a sua distribuição é regulada pela Lei n° 8001/90.


Nos termos da Lei n° 8.001, de 13-3-1990, essa compensação é devida:


a) pelos concessionários de serviço de energia elétrica pela utilização dos recursos hídricos na base de 6,75%[1] sobre o valor da energia elétrica produzida;


b) pelos titulares de direito de recursos minerais pela sua exploração na base de até 3% sobre o valor do faturamento líquido resultante da venda do produto mineral (art. 6º, da Lei nº 7.990/89);


c) pela Petrobrás e suas subsidiárias, pela extração de óleo bruto e gás natural na base de 10% sobre o valor de venda desses produtos, podendo ser reduzido até ao mínimo de 5% (art. 47 e § 1° da Lei n° 9.478/97).


Quem são os beneficiários?


I) No que tange à exploração de energia elétrica:


a) 45% aos Estados e 45% aos Municípios em cujos territórios se localizam as instalações destinadas à produção de energia elétrica ou tenham sido invadidas pelas águas dos respectivos reservatórios.


b) 3% ao Ministério do Meio Ambiente;


c) 3% ao Ministério de Minas e Energia;


d) 4% ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico FNDCT.


II) No que tange a recursos minerais:


a) 23% para os Estados e o Distrito Federal;


b) 65% para os Municípios;


c) 2% para o FNDCT;


d) 10% para o Ministério de Minas e Energia para serem separados ao Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM – que deverá destinar 2% à proteção mineral em regiões mineradoras, por intermédio do IBAMA.


III) No que tange à exploração de petróleo e gás natural:


1. Até 5% do valor da produção:


a) 70% aos Estados produtores;


b) 20% aos Municípios produtores;


c) 10% aos Municípios onde se localizarem instalações marítimas ou terrestres de embarque ou desembarque de óleo bruto e/ou gás natural.


2. No que exceder os 5% do valor da produção, de acordo com o art. 49 da Lei n° 9.478, de 6-8-1999:


2.1- Quando a lavra ocorrer em terra ou em lagos, rios, ilhas fluviais e lacustres:


a) 52.5% aos Estados onde ocorrer a produção;


b) 15% aos Municípios onde ocorrer a produção;


c) 7,5% aos Municípios, que sejam afetados pelas operações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural, na forma e critérios estabelecidos pela ANP;


d) 25% ao Ministério da Ciência e Tecnologia com destinações específicas previstas em lei;


2.2- Quando a lavra ocorrer na plataforma continental:


a) 22,5% aos Estados produtores confrontantes;


b) 22,5% aos Municípios produtores confrontantes;


c) 15% ao Ministério da Marinha para atender aos encargos da fiscalização e proteção das áreas de produção;


d) 7,5% aos Municípios que sejam afetados pelas operações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural, na forma e critérios estabelecidos pela ANP;


e) 7,5% para constituição de um Fundo Especial, a ser distribuído entre todos os Estados, territórios e Municípios;


f) 25% ao Ministério da Ciência e Tecnologia com destinação específica prevista em lei.


A descoberta do pré-sal e as disputas políticas em torno dos royalties


Com a descoberta do pré-sal seguida de perspectivas de crescimento da produção de petróleo, a propiciar fantástico volume de recursos financeiros a título de compensação financeira, recrudesceram-se nos últimos tempos a disputa em torno da divisão desse rico filão.


O Congresso Nacional está discutindo um novo critério de rateio dos royalties do petróleo.


O Senado Federal aprovou, em 19-10-2011, o projeto legislativo que prejudica violentamente os Estados e Municípios produtores.


O projeto de lei em questão procurou repartir esses recursos financeiros entre Estados e Municípios, como se tratassem de produto de arrecadação de impostos (IPI e IR) que a União destina a todos os Estados e Municípios por meio de Fundos: FPE e FPM.


Para se definir o critério correto desse rateio entre Estados e Municípios é preciso definir antes a natureza jurídica dessa compensação financeira instituída pela Lei n° 7.990/89 como sucedâneo da participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos e de recursos minerais no respectivo território.


Como veremos ao final, a natureza jurídica dessa compensação financeira não é a mesma para as três entidades políticas.


Qualquer critério, que despreze o privilégio geral dos Estados e Municípios produtores ou confrontantes, e o privilégio qualificado dos Municípios diretamente afetados pelas operações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural, será inconstitucional.


Da natureza dos royalties


É noção elementar de Direito Financeiro de que toda receita pública há de ser classificada segundo a Lei n° 4.320/64. No que tange à participação nos royalties pela União, por meio de seus órgãos, transparece de forma nítida a natureza de receita patrimonial, tendo em vista que todos os recursos naturais pertencem à União (art. 20 incisos III, IV, V, VI, VIII, IX da CF).


Assim, nos termos do art. 11 e § 4° da Lei n° 4.320/64 os royalties, percebidos pelos órgãos da União classificam-se na categoria de receitas correntes de natureza patrimonial.


Por isso, não aceitamos a natureza tributária dos royalties sustentada por parcela da doutrina. A compensação financeira não decorre da relação de poder como acontece com os tributos, mas da relação de propriedade, isto é, ela envolve contraprestação de bens pertencentes à União. Não há entre a União, proprietária dos bens, e os concessionários de recursos hídricos ou minerais uma relação de poder a legitimar a imposição tributária.


Qual a natureza jurídica dos royalties pagos aos Estados e Municípios que não são titulares de recursos naturais?


Do exame do texto do § 1º, do art. 20 da CF, bem como do critério adotado pela lei para distribuição desses royalties, conferindo privilégio geral aos Estados e Municípios produtores e privilégio qualificado em relação aos Municípios afetados pelas operações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural, é possível vislumbrar a natureza indenizatória desses royalties.


Dessa forma, o ingresso de recursos financeiros aos cofres dos Estados e Municípios a título de compensação financeira, por exclusão, corresponde à categoria de receita corrente, classificando-se como “outras receitas correntes” (art. 11, § 4° da Lei n° 4.320/64).


É preciso atentar que não pode existir receita pública sem classificação na Lei n° 4.320/64, sob pena de impossibilitar a fiscalização e o controle de execução orçamentária.


Muito embora a compensação financeira tenha sido instituída como sucedâneo da participação no resultado da exploração de recursos naturais não há como classificá-la como receita originária em relação aos Estados e Municípios que não são titulares dos recursos naturais explorados. Só em relação à União ou a seus órgãos é que os royalties têm natureza de receita originária classificada na categoria de receita corrente de natureza patrimonial como vimos.






Nota:
[1]
A Lei n° 9.984 de 17-7-2000 elevou o percentual de 6% para 6,75% incluindo os órgãos da União.




Informações Sobre o Autor

Kiyoshi Harada

Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.


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Equipe Âmbito Jurídico

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