O controle de constitucionalidade decorreu da natural evolução da sociedade na busca da preservação dos direitos individuais e sociais em face do poder, valendo a célebre expressão de Hegel, tantas vezes lembrada pelo mestre Pinto Ferreira: A história é a consciência progressiva da liberdade.[1]
A partir do momento em que se sentiu imperativa a salvaguarda do sistema jurídico em que se funda a estrutura estatal, começou a florescer os institutos delineadores do controle de constitucionalidade.
A necessidade desse controle nasce não da preservação da lei per si, que compõe o ordenamento, há de se compreender que a ratio encontra-se na preservação da norma determinante, reguladora expressa na lei. A lei ou ato normativo ao surgir para compor o ordenamento jurídico, traz desde seu nascedouro o respeito a um conjunto normativo anterior e hierarquicamente superior, que legitimará sua existência e permanência no ordenamento.
Esse respeito consubstancia-se no respeito às normas constitucionais, preceituadoras dos direitos e garantias fundamentais e da organização do estado, normas essas dotadas de força normativa (Hesse), pois ela, a Constituição, reside no ápice da escala hierárquica da normatividade jurídica, significando isto, que todas as outras normas hão de conformar-se com ela.[2] Desse pressuposto, emerge a preeminência normativa constitucional, fundamento do controle de constitucionalidade.
Para a concretização desse controle hierárquico é necessário um conjunto de institutos permissivos, que no direito brasileiro são representados pelas ADIN, ADECON, ADPF, SÚMULA VINCULANTE E A REPERCUSSÃO GERAL, que condensam o controle abstrato de constitucionalidade e “centralizam a própria dinâmica do controle difuso, uma vez que eventual decisão díspar de qualquer juízo nacional, nestas hipóteses, pode ser objeto de reclamação perante o STF.”[3]
Cada um desses institutos tem por eficácia e potencialidade enxugar o ordenamento de leis e atos normativos que infrinjam os requisitos formais (devido processo legislativo) e materiais (normas material e/ou formalmente constitucionais) da Carta Magna; preservar as decisões (e seus efeitos) constitucionais, proferidas pelo STF, emanadas das ações objeto do controle concentrado de constitucionalidade; do controle difuso (através dos recursos extraordinários); das súmulas vinculantes que representam o entendimento jurisprudencial consolidado daquela corte de respeito e aplicação obrigatória; ou mesmo a repercussão geral da questão discutida em recurso extraordinário (art. 102, § 3º, CF/88) onde a lei 11.418/2006 introduziu o art. 543-A no CPC, que, em seu § 3º, trouxe hipótese de presunção absoluta de repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal.
A presunção é plenamente justificável, pois reforça a força vinculativa das decisões do STF, não somente daquelas incluídas em enunciado de súmula vinculante (já protegidas de maneira enérgica pela permissão de utilização da reclamação constitucional), mas também dos enunciados de súmula não-vinculante (“súmula simples”) e à jurisprudência dominante não-sumulada.[4]
Mais interessante ainda, ampliando o tema nos termos da centralização da dinâmica do controle difuso pelo controle concentrado deu-se a partir da publicação da súmula vinculante n.º10 do STF, pois tem surgido um alvoroço interpretativo para tal entendimento sumular.
O Prof. Ives Gandra da Silva Martins se manifestou nos seguintes termos:
“A redação ofertada pelo S.T.F. à Súmula Vinculante de n. 10 tem provocado perplexidade nos meios jurídicos e está a merecer, por parte do Pretório Excelso, maior explicitação quanto ao seu conteúdo.(…) É que, pela literal interpretação do texto sumulado, a partir de sua edição, nenhum magistrado de 1ª e 2ª instâncias ou de Tribunais Superiores poderá decidir sobre questões que envolvam direta ou indiretamente inconstitucionalidades, a não ser que o plenário dos Tribunais declare o dispositivo inconstitucional.(…) O controle difuso é, portanto, fulminado pela Súmula. Os magistrados – se for esta a interpretação da Suprema Corte, que não creio – terão que se julgar incompetentes para decidir questões que envolvam, direta ou indiretamente, a alegação de incidência inconstitucional de norma. Os mandados de segurança passam a ser peças de arqueologia tributária, pois qualquer lesão a direito individual implica necessariamente uma inconstitucionalidade. As turmas e Câmaras de Direito Público perdem sua razão de ser, visto que, no que diz respeito principalmente ao direito público, o afastamento de normas quando sua incidência viola a Constituição – que conta com 344 artigos (250 normas permanentes e 94 transitórias) – é matéria recorrente em suas decisões.
Pior ainda, o Supremo Tribunal Federal e os órgãos especiais dos Tribunais Federais e Estaduais do país, ficarão entulhados de processos, visto que para as matérias que, em controle difuso, foram levantadas questões constitucionais, todos os magistrados passarão a ser incompetentes para julgá-las. A referida Súmula, para além de desbordar do art. 97, reformula, portanto, toda a tradição do direito brasileiro, desde a introdução, há mais de 100 anos, do mandado de segurança, mediante o qual pode qualquer magistrado de 1ª. instância afastar norma cuja incidência se mostre inconstitucional. A matéria merece profunda reflexão de juristas, professores e magistrados. E da própria Suprema Corte.”[5]
Já o Prof. Nagib Slaibi Filho leciona:
“Antes, a argüição de inconstitucionalidade constituía simples procedimento processual para levar o tema da constitucionalidade do órgão fracionário para o Pleno do Tribunal, de forma a garantir a presunção de que somente se pode declarar a inconstitucionalidade acima de qualquer dúvida razoável. A percepção atual do fenômeno jurídico é bem diversa, felizmente, muito mais pela consciência progressiva dos membros da comunidade sobre os amplos horizontes que se descortinam para o debate das questões públicas no denominado Estado Democrático de Direito, com a judicialização das questões políticas, nos termos constantes dos arts. 480 a 482 do Código de Processo Civil, e pelo reforço normativo da mencionada Súmula vinculante nº 10. A argüição de inconstitucionalidade viceja hoje como uma das mais belas flores do controle concentrado de constitucionalidade, pois finalmente se libertou restrita dimensão de eficácia dentro dos limites subjetivos da lide para alcançar os efeitos normativos próprios de ato de conteúdo legislativo, genérico e abstrato, típicos do Poder Legislativo e daqueles órgãos que a Constituição e a ordem jurídica deferiram efeitos normativos, como as resoluções das agências reguladoras e tantos outros entes”.[6]
Pois bem, a partir desses excertos, percebe-se que o controle difuso enquanto herança do modelo norte-americano vem passando por mudanças substanciais, onde numa espécie de simbiose entre os institutos do controle concentrado e o difuso se estabelece uma relação intrínseca e interdependente, que convenhamos, demonstra inegavelmente um domínio do controle concentrado sobre o difuso, ao ditar o caminho que deve ser trilhado e a velocidade estabelecida.
Graduado em Direito pela Universidade Estadual do Piauí – UESPI; Especialista em Direito do Estado (Constitucional, Tributário e Processo) pela Universidade Católica de Brasília – UCB (Subárea de concentração – Direito Constitucional Processual); Membro Associado da Academia Brasileira de Direito Processual Civil – ABDPC; Servidor do Tribunal Regional Eleitoral do Piauí – TRE/PI; Foi Coordenador (2006) e Professor (2006, 2007, 2008) do Curso de Direito da Universidade Estadual do Piauí – UESPI/Campus Dom José Vasquez Diaz
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