Os vários princípios tributários esculpidos na Constituição Federal, dentre eles, aqueles voltados para a proteção dos direitos e garantias fundamentais, impedem os desvios de finalidade, tanto no plano do processo legislativo, como no plano da aplicação da lei.
Os tributos devem ser instituídos pelas entidades políticas nos estreitos limites da competência impositiva outorgada pela Carta Magna. E devem ser cobrados pelos meios legais competentes, isto é, com a observância das leis de regência da matéria.
No plano administrativo, o tributo deve ser exigido por meio de notificação de lançamento que assegure ao sujeito passivo da obrigação tributária o exercício do contraditório e ampla defesa, observado, ainda, o princípio constitucional do devido processo legal. O processo administrativo tributário é regulado por lei de cada entidade política, observadas as normas gerais aplicáveis no âmbito nacional.
Na esfera do Judiciário, o crédito tributário deve ser cobrado por meio de uma ação, cuja inicial deverá indicar apenas o juiz a quem é dirigida a petição, o pedido e o requerimento para a citação do devedor, instruída com a certidão de inscrição na dívida ativa, tudo nos termos do art. 6º da Lei nº 6.830/80, que rege o processo de execução fiscal com a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil somente na hipótese de omissão do estatuto específico. Daí a ilegalidade das petições fazendárias padronizadas onde consta indicação de bens a serem apenhados, sem observância da gradação estabelecida em lei.
Causa espécie, outrossim, a tendência jurisprudencial de mesclar os dois regimes distintos de execução para apegar-se às normas do CPC naquilo que favorece apenas uma das partes da relação jurídica.
Ao Judiciário incumbe somente aplicar a lei vigente sendo-lhe vedada a atividade legislativa a pretexto de interpretar as normas. Na prática, está se criando, por via interpretativa, uma terceira legislação que se situa entre a genérica e a específica, sem qualquer respaldo em lei em sentido estrito, com manifesta afronta ao princípio constitucional da independência e harmonia dos Poderes.
Entretanto, o que mais nos assusta é a proliferação fantástica das chamadas sanções políticas. Ora, se existe uma lei específica para cobrança coativa do crédito tributário não há espaço para utilização de meios de coação indireta para a sua cobrança. As sanções políticas contra devedores de tributos de há muito perderam fundamento constitucional. A inscrição no Cadin; o protesto de certidão de divida ativa; a indisponibilidade universal de bens; a sonegação de certidão negativa, ou da certidão positiva com efeito de negativa; a proibição de sócio de empresa inadimplente constituir ou participar de outra empresa; a proibição de empresa inadimplente imprimir talonários etc, configuram instrumentos de coerção indireta para pagamento de tributo exigível. Representam verdadeiras sanções políticas contra o devedor de tributos, que são reprimidas pelo menos por três Súmulas do STF, as de números 70, 323 e 547.
Indiferente às decisões sumuladas da mais Alta Corte do País, o legislador ordinário continua implementando instrumentos normativos truculentos para suprir deficiências do processo de execução fiscal regido pela Lei nº 6.830/80, que obedece aos princípios do devido processo legal, do contraditório e ampla defesa.
Muitos contribuintes, coagidos de forma ilegítima e inconstitucional, acabam abrindo mão do contraditório e, quando possível financeiramente, pagando o que, na verdade, não devem, como meio de manter sua subsistência.
A morosa atuação do Judiciário não consegue impedir, a tempo, a aplicação desses instrumentos truculentos editados em nome da eficiência na arrecadação tributária a todo custo. Os fins justificam os meios! O afastamento definitivo, pela Corte Suprema, de determinado instrumento legislativo de coerção indireta para a cobrança do crédito tributário exigível, pode levar dezenas de anos como nos casos adiante mencionados. E nem todas as empresas podem aguardar tanto tempo.
Empresas que operam no ramo de empreitada com o poder público, por exemplo, não poderão participar de certame licitatório se e tiver pendências de natureza tributária porque o inciso II do art. 1º da Lei nº 7.711/88 exige a prova de quitação de créditos tributários exigíveis como condição para participar de habilitação e licitação promovida por órgãos da administração direta, indireta ou fundacional, ou por entidade controlada direta ou indiretamente pela União. Caracteriza-se, no caso, sanção política à medida que agride o principio do livre exercício de qualquer atividade econômica (parágrafo único do art. 170 da CF).
Nesse sentido foi a decisão do STF. Em Adin aparelhada pela CNI a Corte Maior explicitou que o citado art. 1º, II da Lei nº 7.711/88 está revogado pelo art. 27, IV da Lei nº 8.666/1993, que exige como condição para habilitar-se em processo licitatório mera “ certidão de regularidade” que tem o sentido de “exigibilidade da quitação quando o tributo não seja objeto de discussão judicial ou administrativa” (Adin nº 173, Rel. Min. Joaquim Barbosa. DJE de 20-3-2009). Na mesma Adin foram julgados inconstitucionais os incisos I, III e IV e §§ 1º e 3º do art. 1º da Lei nº 7.711/88, que ao exigirem a apresentação prévia da prova de quitação de créditos tributários exigíveis para a prática dos atos referidos nos dispositivos atacados afronta o princípio do livre acesso ao Judiciário (art. 5º, XXXV da CF), à medida em que esses dispositivos impedem a discussão judicial quanto à validade do crédito tributário.
Em outra Adin impetrada pela OAB Nacional o STF declarou a inconstitucionalidade de outros dispositivos da mesma Lei nº 7.711/88, precisamente do inciso II do art. 1º, do parágrafo 2º e do art. 2º pelos mesmos fundamentos aduzidos na Adin nº 173-DF (Adin 394 Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJE de 20-3-2009).
Realmente, caracteriza sanção política a vinculação dos atos adiante enumerados à apresentação prévia da prova de quitação de tributos exigíveis: a) transferência de domicílio para o exterior (art. 1º, I); b) registro de contrato social perante o registro público competente (art. 1º, III); c) o registro de contrato ou outros documentos perante o Cartório de Tributos e Documentos (art. 1º, IV) etc.
As duas decisões proferidas nas citadas Adins têm eficácia contra todos e efeitos vinculantes aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.
Para o cabal cumprimento das decisões da Corte Suprema devem as Procuradorias Jurídicas das entidades políticas editar orientação normativa para que órgãos públicos e as autoridades a eles vinculadas se abstenham de exigir a certidão negativa de tributos nas hipóteses previstas nos dispositivos legais declarados inconstitucionais.
Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
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