Resumo: Trata-se de tema de grande relevância a análise da competência ou não da Justiça do Trabalho quando do ajuizamento de lide por servidor público em que se pleiteia verbas trabalhistas, seja ele federal, estadual ou municipal, tendo em vista as mudanças introduzidas na Constituição Federal com o advento da Emenda Constitucional nº. 45 de 2004, a qual ampliou o campo de atuação desta especializada, abarcando não mais apenas das relações de emprego, mas também as relações de trabalho, gerando grande número de controvérsias e discussões jurisprudenciais e doutrinárias.
Sumário: 1. Introdução. 2. Justiça do Trabalho: brevíssima evolução histórica. 3. Competência da Justiça do Trabalho para julgar as demandas que envolvam os servidores públicos: análise do art. 114, inciso I da CRFB. 4. O posicionamento doutrinário acerca da matéria.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo analisar a competência da Justiça do Trabalho, modificada pela Emenda Constitucional nº 45/04, diante das ações que envolvam, de um lado, o servidor público e de outro, a Administração Pública, esclarecendo os casos em que a demanda deverá ser julgada por esta especializada e os casos em que a demanda deverá ser apreciada pela Justiça Federal ou Estadual, conforme o ente público envolvido.
Sabe-se que até a edição da referida emenda a competência da Justiça do Trabalho se resumia a relações de emprego, ou seja, as relações que envolvessem empregado e empregador, competência esta que foi enormemente alargada após o ano de 2004.
Diversas foram as relevantes modificações inseridas no âmbito trabalhista após o ano de 2004, entretanto, no presente trabalho vamos nos ater à discussão dos servidores públicos federais, estaduais e municipais, observando o seu regime de contratação, o qual determinará o destino de sua reclamação trabalhista.
Para melhor entendimento da questão, serão analisadas as posições jurisprudenciais e doutrinárias acerca do tema, principalmente o posicionamento do Colendo Superior Tribunal Federal, o qual já fixou entendimento acerca do tema através de seus julgados.
2. JUSTIÇA DO TRABALHO: BREVÍSSIMA EVOLUÇÃO HISTÓRICA.
A competência da Justiça do Trabalho (em razão da matéria e da pessoa) pode ser conferida no art. 114 da CRFB, que hoje traz em seus nove incisos diversos casos em que compete a esta especializada a apreciação. Nem sempre foi assim.
Ainda bem antes da Constituição de 1988, se voltarmos às constituições anteriores, em especial a Constituição Imperial de 1824 e a Constituição Federal de 1934, podemos observar que estas são omissas no que diz respeito à matéria trabalhista. Apenas na Constituição Federal de 1937 é que vamos encontrar a criação de uma justiça especializada em questões trabalhistas, sem, entretanto, fazer parte do Poder Judiciário da época. A Constituição de 1946 foi a primeira a incluir a Justiça do Trabalho no sistema judiciário.
Mas foi apenas em 31 de dezembro de 2004, após diversos anos de discussões e audiências públicas, que foi publicada no Diário Oficial a EC nº 45, que introduziu diversas modificações na estrutura do Poder Judiciário.
Interessa, no presente estudo, em especial, as disposições dessa Emenda concernentes à competência da Justiça do Trabalho, mais precisamente em relação às causas em que forem parte, de um lado, o servidor público e de outro a União, os Estados ou os Municípios. Façamos, a seguir, uma análise do art. 114, inciso I da CRFB, introduzido pela referida Emenda.
3. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO PARA JULGAR AS DEMANDAS QUE ENVOLVAM OS SERVIDORES PÚBLICOS: ANÁLISE DO ART. 114, INCISO I DA CRFB.
De acordo com o caput do art. 114 da CRFB, por força da redação imposta pela EC nº 45/04, cabe à Justiça do Trabalho processar e julgar os conflitos de interesse nele previstos. Seu inciso primeiro alude às “as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.
Diversas foram as indagações que surgiram quando da entrada em vigor do dispositivo supra mencionado, porém, aqui analisaremos apenas um delas: a questão do servidor público. A pergunta que aqui se faz é: estaria, após o advento da EC nº 45/04, a Justiça do Trabalho responsável pelo julgamento das ações ajuizadas por servidores públicos?
Ab initio, devemos lembrar que os servidores públicos podem ser regidos pelo regime estatutário ou pelo regime celetista, que é fixado no edital de abertura do concurso para sua contratação.
Quando da entrada em vigor da nova redação do art. 114, inciso I, a Justiça do Trabalho recebia as demandas que envolviam servidores públicos, tanto celetistas, quanto estatutários, por entender que o servidor público, assim como todo empregado, coloca sua força de trabalho à disposição do seu empregador, que neste caso é Administração Publica.
A Lei nº. 8.112/90, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das Autarquias e das Fundações Públicas Federais, em seu art. 240, alínea “e”, atribuiu competência à Justiça do Trabalho para apreciar as lides decorrentes de relação de trabalho envolvendo servidores públicos estatutários. Não obstante a determinação do artigo em apreço, o Supremo Tribunal Federal revogou a mencionada letra “e”, entendendo que a competência para apreciar tais causas é da Justiça Federal[1]. O entendimento do Colendo Tribunal se fundou na interpretação de que o termo “trabalhador” previsto no art. 114 da Constituição Federal não abrangeria o “servidor público” investido em cargo, ou seja, estatutário[2].
Em apertada síntese, releva explicar que o Supremo Tribunal Federal se pronunciou acerca do tema em diversos julgamentos que chegaram ao seu apreço, em especial, cumpre mencionar a ADI 3.395, cuja liminar foi dada pelo Ministro Nélson Jobim, suspendendo ad referendum toda e qualquer interpretação dada ao inciso I, do art. 114 da Constituição Federal, na redação dada pela EC n. 45/2004 que inclua na competência da Justiça do Trabalho as ações entre servidores públicos regidos pelo regime estatutário e o Estado.
O Supremo Tribunal Federal entendeu que a proposta originária do artigo 114 excluía da competência da Justiça do Trabalho as causas que envolvessem servidores públicos estatutários e que, tal ressalva apenas não foi publicada no artigo por um erro no processo legislativo de aprovação da Emenda, que suprimiu a expressão indevidamente, não fazendo qualquer ressalva a respeito da competência da Justiça do Trabalho quanto aos sujeitos da relação jurídica.
Em suma, quando os servidores públicos federais forem contratados com base no regime celetista, será de competência da Justiça do Trabalho o julgamento das demandas em que estes figurem no pólo passivo. Com relação aos servidores estatutários, a competência será da Justiça Federal.
Isto porque, conforme entendimento adotado pelo Supremo, nas demandas ajuizadas por servidores públicos estatutários, os princípios constitucionais aplicáveis são diferentes dos princípios aplicados às relações de trabalho acobertadas pela CLT. No caso dos empregados acobertados pela CLT o que caracteriza a relação é a hipossuficiência do empregado diante do seu empregador, enquanto na Administração Pública, temos a aplicação do princípio constitucional da Supremacia do Interesse Publico, o qual prevalece no momento do julgamento.
Em relação aos servidores públicos estatutários da Administração Pública Estadual e Municipal também não paira nenhuma dúvida, restando a Justiça Comum competente para julgar as demandas que envolvam estes servidores, pois, neste caso, o vínculo não é de emprego, mas sim de adesão. Enquanto os empregados públicos celetistas da Administração Pública Estadual e Municipal, será de competência da Justiça do Trabalho, conforme interpretação do Supremo Tribunal Federal, pois neste caso, o vínculo é de emprego, contratual.
4. O POSICIONAMENTO DOUTRINÁRIO ACERCA DA MATÉRIA
O entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, que fixou a incompetência da Justiça do Trabalho para julgar as ações que envolvam servidores estatutários e a Administração Pública, não foi recebida de forma pacífica por toda a doutrina.
Doutrinadores conceituados se mostram contrários a este entendimento do Supremo, dentre eles, por exemplo, Mauro Schiavi.
Para o referido autor, os servidores públicos estatutários se encaixam perfeitamente na definição de “empregado” encontrada no art. 3º da CLT, ou seja, trabalham de forma subordinada, habitual, onerosa e pessoal para o empregador que, neste caso é Administração Pública. Assim, entende o respeitável autor tratar-se de uma autêntica relação de emprego, ainda que o vínculo entre o empregado (servidor estatutário) e o empregador (Administração Pública) seja regido pelo regime administrativo, estando presentes todos os requisitos dos artigos 2º e 3º da CLT, razão pela qual entende que a competência para apreciar as demandas que envolvam os mesmos deveria ser da Justiça do Trabalho.
Ressalta, por fim, que não há motivo para a justiça do Trabalho ser competente para julgar as causas em que o Estado contrata sob a égide da CLT e incompetente para julgar as causas oriundas de contratações regidas pelo regime estatutário.
De acordo com os dizeres de Maurício Godinho Delgado, em que pese o entendimento do Supremo Tribunal Federal acerca da matéria, o qual leva em conta a proposta originária do art. 114 da Constituição Federal, onde se verificava a existência de uma ressalva no tocante às causas em que fossem partes os servidores públicos estatutários e os entes da Administração Pública, o texto efetivamente publicado não faz nenhum tipo de restrição quanto aos sujeitos da relação jurídica, razão pela qual a competência seria da Justiça do Trabalho, se não fosse a decisão liminar do Supremo, que suspendeu a aplicação do referido artigo, de maneira a retirar tal competência desta especializada.
Por Fim, cumpre salientar, ainda, o posicionamento de Manoel Teixeira Filho, que entende a decisão do Supremo de afastar da competência da Justiça do Trabalho as causas de servidores públicos estatutários se baseia em interesses políticos, não concordando, expressamente, com o entendimento do Supremo.
Advogada. Pós-graduanda em Direito Previdenciário (Universidade Cândido Mendes) e Pós Graduação em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho (Universidade Veiga de Almeida).
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