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Severo enfoque do crime permanente (Ou “Quando uma andorinha faz verão”)

Julgando o recurso especial 642615, interposto pelo Ministério Público em relação a acórdão do Tribunal Regional da 5.ª Região, a 5.ª Turma do STJ, pelo voto da Ministra Laurita Vaz, acompanhada unanimemente, afirmou, examinando estelionato praticado contra a Previdência Social, cuidar-se de crime permanente, protraindo-se a consumação até o momento da cessação do recebimento do benefício previdenciário. Cuidava-se de beneficiário com 70 anos de idade, cortando-se, em princípio, o prazo prescricional em metade, nos termos do artigo 115 do Código Penal.

A decisão é catoniana, significando, em termos de proteção da honestidade na percepção de benefícios, um forcejamento da dogmática respeitante a concurso de crimes (concurso formal, material e crime continuado). Para ajustar a conduta à necessidade de repressão, a culta Ministra separou todos os comportamentos no tempo, contando-os, é evidente, um a um, para depois juntá-los numa só unidade. Em outros termos, é como se tivesse alinhado muitas maçãs e, no fim, transformado todas numa fruta só, tudo para o fim de permitir, com isso, a deglutição repressiva. Deu-se a isso a conotação de crime permanente, ou seja, aquela conduta primitiva, concernente à primeira absorção ilícita dos dinheiros do benefício, constituiria infração cujos efeitos permaneceriam no tempo. Em termos mais rudes, o aquinhoamento do benefício restaria em estado latente no bolso do infrator, juntando-se a outras parcelas vindouras e inadmitindo contagem provinda de cada ato de absorção pelo agente.

Evidentemente, a solução encontrada pela 5.ª Turma é mais política que jurídica. Dá-se nisso, obviamente, uma curiosa confusão em relação ao crime continuado. Leia-se: “Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos em continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços” (Artigo 71 do Código Penal). A jurisprudência comentada (da qual ainda não se tem o acórdão) parece admitir que cada recebimento indevido teria constituído conduta ilícita cuja consumação estaria protraída no tempo. Em síntese, cada estelionato tipificaria uma infração. Na medida em que vários seriam os comportamentos ilícitos praticados de 30 em 30 dias, o resultado seria uma verdadeira paliçada de infrações permanentes, todas postas à perplexa anatomia do julgador, mais se assemelhando, até por impossibilidade de solução doutrinária regular, a concurso material de crimes, a menos que se quisesse embolar toda a permanência numa só, preparando-se para tanto, como sugadouro, o último comportamento corporificado. Em suma, uma parafernália.

Mais razoável seria – e é – a captação de tais condutas na característica do crime continuado, prescrevendo cada qual autonomamente, nos termos do artigo 119 do Código Penal (“No caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um, isoladamente”). Assim, se o agente tivesse cometido uma série de infrações consumadas mês a mês, estariam prescritas aquelas atingidas pelo cômputo adequado, aplicando-se a redução em metade do prazo prescricional, valendo, para tanto, o máximo abstratamente previsto no dispositivo. Se e quando se der a prescrição nos termos assinalados, em função de alguns ou da quase totalidade dos crimes, restará ao juiz computá-la, aplicando a sanção exclusivamente em relação aos remanescentes, desprezando, é claro, o acréscimo resultante continuidade. O Código Penal manda, na hipótese, que se faça, para efeito da prescrição, contagem seccionada. A violação de tal preceito levaria os tribunais à aplicação do  mesmo resultado em infrações outras. A título de exemplo, todo aquele que tivesse consigo a denominada “res furtiva” (é bom, de vez em quando, usar o latim) seria autuado em flagrante, mesmo se colhido anos depois da subtração. Isso, não se pode negar, é tautológico…

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Paulo Sérgio Leite Fernandes

 

Advogado criminalista em São Paulo e presidente, no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas do Advogado.

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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