Na mitologia grega, Sísifo, mestre das artimanhas, era considerado o mais solerte dos mortais, tendo entrado para a Tradição como um dos maiores ofensores dos deuses.
Quando morreu de velhice, após ter driblado a morte por duas vezes (primeiramente ludibriando Tânatos, o deus da Morte, e depois Hades, o deus dos mortos) o arguto Sísifo foi condenado a executar por toda a eternidade, como castigo, um trabalho rotineiro, monótono, repetitivo e cansativo que consistia em rolar uma grande pedra de mármore com suas mãos até ao cimo de uma montanha. Todavia, sempre que ele estava quase alcançando o cume, a pedra rolava de novo montanha abaixo por meio de uma força irresistível, regressando ao ponto de partida. Por esta razão, a tarefa que envolve esforços inúteis passou a ser chamada “Trabalho de Sísifo”.
Contemporaneamente, a figura de Sísifo remonta o ensaio filosófico escrito em 1942 por Albert Camus (1913-1960), escritor e filósofo argelino.
No ensaio “O Mito de Sísifo”, dedicado à Pascal Pia[1], Camus introduz sua filosofia do absurdo.
Faz-se mister ressaltar que “O Mito de Sísifo” integra o “ciclo do absurdo” de Camus, que consiste na trilogia composta de um romance (L’Étranger), de um ensaio (Le Mythe de Sisyphe) e de uma peça de teatro (Caligula).
Nos dizeres de Camus: “O operário de hoje trabalha todos os dias em sua vida, faz as mesmas tarefas, esse destino não é menos absurdo. Mas é trágico quando em apenas nos raros momentos ele se torna consciente”.[2]
Vê-se, pois, que Albert Camus apresenta o mito para demonstrar uma metáfora concernente à vida moderna: a de como certos trabalhadores labutam em empregos inexpressivos dentro de fábricas e escritórios. Ex positis, seria possível estabelecer um liame entre “O Mito de Sísifo” e a atuação do advogado no mercado de trabalho? .
A respeito da temática, Lara Selem e Leonardo Leite em artigo intitulado “Conflitos no Escritório de Advocacia”, publicado na conceituada Revista “Mercado & Negócios ADVOGADOS”, prelecionam que:
“Os deuses condenaram Sísifo a rolar uma rocha sem parar até o topo de uma montanha, de onde a pedra cairia de volta devido ao seu próprio peso.”
“E ele retornaria e começaria de novo, sem descanso, a rolar a rocha morro acima. Incessantemente. Eles, os deuses, pensaram que não haveria punição mais terrível”. (Albert Camus)
“Fazendo uma ponte entre o mito de Sísifo e a Advocacia atual, é de questionar-se: estaríamos nós, advogados, condenados a estar sempre em posição de combate? Será que os termos ‘conflito’ e ‘advocacia’ devem caminhar sempre juntos? Será que ‘advogado’ e ‘litigante’ são sinônimos? Será que o envolvimento de um advogado pressupõe um problema, uma disputa, uma ‘briga’? (…)”
“Essa questão tem, possivelmente, origens históricas e é pautada pela tradição que cerca a profissão, fazendo que o advogado seja, no mundo todo, um dos profissionais simultaneamente mais respeitados e odiados que se tem notícia”.[3]
E continuam dispondo:
“Ao receber, desde os primeiros anos, treinamento sobre leis e jurisprudência em paralelo com o Direito Processual, o acadêmico começa a fixar seu comportamento no aspecto litigante, moldando-o para o combate e fazendo valer seu treinamento de guerreiro. Defender a ética, o cumprimento da lei, das normas, dos direitos, da Justiça, passa, necessariamente, pela luta, pelo conflito, pela briga, pela contenda, pelo contencioso. E isso será, naturalmente, refletido no comportamento do futuro advogado, na sua forma de pensar e agir, na sua lógica. Aqui, a pedra começa a rolar, e Sísifo inicia o cumprimento de sua pena, de sua condenação. (…)”
“Defender o cidadão, a democracia, o estado de direito e a liberdade é básico numa sociedade e num país como o nosso, e a advocacia sempre levantou essa bandeira. Surge assim, claramente, mais um ingrediente importate para moldar o comportamento do advogado. A pedra continua rolando, e Sísifo continua a empurrá-la montanha acima, sem parar.”
“Passamos ao terceiro e último ponto de nossa análise, que diz respeito ao cotidiano da Advocacia nos dias de hoje. (…)”
“Por isso, fazer parte de uma equipe, nos dias de hoje, é quase imperativo, seja num escritório, seja num departamento jurídico. E é aqui que o comportamento do advogado, moldado para o combate e para a beligerância, entra em xeque. (…) esses comportamentos podem-se tornar negativos para a produtividade e até mesmo para a efetiva defesa dos interesses de um cliente.”
“Em equipe, mais do que espírito combativo, é preciso ter espírito colaborativo, (…)”
“Trabalhar em equipe é olhar em conjunto para um objetivo maior e comum. Muito mais que luta, precisa integrar forças, habilidades e talentos. Enquanto todos os soldados estiverem preocupados com o objetivo da ‘guerra’ coletiva, não perderão energia e tempo em ‘batalhas’ pela defesa de seus pontos de vista individuais”.[4]
Para ao fim e ao cabo arrematarem com suas opiniões sobre a questão, concluindo que:
“Podemos concluir, então, que ‘conflito’ e ‘advocacia’ não precisam e não devem andar juntos o tempo todo. Que ‘advogado’ não é sinônimo de ‘litigante’. E que a Advocacia, cada vez mais complexa e sofisticada, envolve muitas outras capacidades, competências e habilidades que precisam e podem ser desenvolvidas desde já por todos os profissionais do Direito. Basta querer. Basta mudar.”
“Assim fazendo, nos libertaremos da condenação do comportamento voltado apenas para o conflito. Não precisaremos rolar uma rocha sem parar até o topo da montanha por infinitas vezes, como Sísifo. A opção é nossa!!”.[5]
Refletindo acerca de tais palavras, recordei-me de uma conhecida parábola chamada “O Sábio Samurai”, que peço vênia para transcrever:
“Perto de Tóquio, vivia um grande samurai, já idoso, que agora se dedicava a ensinar Zen aos jovens.”
“Apesar de sua idade, corria a lenda de que ainda era capaz de derrotar qualquer adversário.”
“Certa tarde, um guerreiro, conhecido por sua total falta de escrúpulos, apareceu por ali. Era famoso por utilizar a técnica da provocação. Esperava que seu adversário fizesse o primeiro movimento e, dotado de uma inteligência privilegiada para observar os erros cometidos, contra-atacava com velocidade fulminante. O jovem e impaciente guerreiro jamais havia perdido uma luta. Conhecendo a reputação do samurai, estava ali para derrotá-lo e aumentar sua fama.”
“Todos os estudantes se manifestaram contra a idéia, mas o velho e sábio samurai aceitou o desafio. Foram todos para a praça da cidade. Lá, o jovem começou a insultar o velho mestre. Chutou algumas pedras em sua direção, cuspiu em seu rosto, gritou todos os insultos que conhecia, ofendendo, inclusive, seus ancestrais. Durante horas fez tudo para provocá-lo, mas o velho sábio permaneceu impassível. No final da tarde, sentindo-se exausto e humilhado, o impetuoso guerreiro desistiu e retirou-se.”
“Desapontados pelo fato de o mestre ter aceitado tantos insultos e tantas provocações, os alunos perguntaram: — Como o senhor pôde suportar tanta indignidade? Por que não usou sua espada, mesmo sabendo que poderia perder a luta, ao invés de se mostrar covarde e medroso diante de todos nós?”
“Se alguém chega até você com um presente, e você não o aceita, a quem pertence o presente? — perguntou o Samurai.”
“A quem tentou entregá-lo — respondeu um dos discípulos.”
“O mesmo vale para a inveja, a raiva e os insultos — disse o mestre. — Quando não são aceitos, continuam pertencendo a quem os carrega consigo. A sua paz interior, depende exclusivamente de você. As pessoas não podem lhe tirar a serenidade, só se você permitir!”.
Além do evidente choque de gerações entre aqueles que já ultrapassaram o segundo “retorno de Saturno” e os que ainda não chegaram sequer ao primeiro, depreende-se dessa parábola que a idealística estrada para se tornar um verdadeiro mestre, inclusive profissionalmente, é pavimentada com uma postura mais resiliente e despida de qualquer ferida narcisista diante dos problemas. Talvez seja por isso que na frenética e imediatista sociedade contemporânea – onde tudo tem que ser instantâneo e as pessoas dispõem de um tempo bastante exíguo para digerir uma avalanche de informações – existam muitos professores, mas tão poucos mestres. Todavia, retornando à analise do artigo supracitado, receio, infelizmente, que uma solução que não transponha os umbrais de uma escolha pessoal não consiga se coadunar com a vasta gama de situações, das mais variadas ordens, com que o advogado se depara no exercício de seu mister. Que bom seria se assim fosse! Contudo, como preconiza uma antiga fraseologia, na vida as coisas não são nem pretas nem brancas, mas sim em tons de cinza. Na verdade, no cotidiano do labor judicial, existem certas realidades prementes que se impõem ao advogado independentemente de sua vontade e opção.Hodiernamente, afora a nítida constatação de que o advogado não se constitui mais num “Ser Ibseniano”[6], o que se tem de fato percebido é que a figura do “advogado-incendiário” que inflama seu cliente para o litígio, que gosta de processar e “fazer confusão”, encontra-se em vias de extinção, parecendo irremediavelmente destinada a ser relegada aos escaninhos da história. Não é de hoje que esse perfil de causídico vem progressivamente perdendo terreno para o “advogado-bombeiro”, aquele que “apaga o fogo”, apaziguando o ânimo entre as partes, buscando uma conciliação. Trata-se de uma tendência atual e para o futuro; existindo muitos que preferem “um mau acordo à uma boa briga”.
Entretanto, mesmo inserido nesta perspectiva, o advogado (na qualidade de vigilante dos direitos individuais e elo efetivo entre estes direitos elementares de cidadania e a justiça), de um modo geral, não deixa de se envolver numa certa dose de conflitos de interesses, querela, seja para alimentar a brasa, seja para extingui-la. Mesmo quando as duas partes pleiteiam um acordo, isso significa que elas estão lutando por seus direitos, os quais in casu, convergem para um mesmo fim colimado.
Destarte, qual seria, então, a sina do advogado?
Em minha humilde opinião, penso que em face do exposto e de uma sociedade na qual desde os tempos bíblicos a injustiça ocupa o lugar do Direito e a iniqüidade ocupa o lugar da justiça (Eclesiastes 3:16), só me resta encerrar estas linhas com o célebre pensamento de Ruy Barbosa (1849-1923), o “Águia de Haia” ou a “Águia de Haia”[7]:
“Quem não luta pelos seus direitos não é digno deles”.
Advogado/PA. Bacharelado em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e pós-graduando em Direito Médico com capacitação para o ensino no magistério superior pela Escola Paulista de Direito (EPD).
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