Resumo: Em seu artigo 1.597, o Estatuto Civil de 2002 enumera as hipóteses em que vigora a presunção de filiação de prole concebida na constância da relação conjugal, em que pese, em decorrência dos avanços da ciência genética em estabelecer a certeza absoluta na exclusão da paternidade em uma quase-certeza na aferição da paternidade, na ordem de até 99,99%, sendo de pouca importância atrair a essa presunção quando desestruturada por meio científicos de identificação genética, desde que uma vez observados os lapsos temporais para as impugnações e dissensões doutrinárias e jurisprudenciais acerca da prescrição, decadência ou imprescritibilidade da impugnação de paternidade. Com destaque, é possível sublinhar que a presunção relativa (juris tantum) da paternidade na filiação proveniente do casamento era alicerçada na impossibilidade de ser diretamente provado o elo paterno. Ao lado disso, não é possível olvidar que em uma época na qual a maternidade era sempre certa e o pai da criança era o marido da mãe, estatuindo a lei, como até hoje faz a legislação de regência, um sucedâneo de hipóteses de incidência da presunção de filiação conjugal, salvo produção de prova em contrário, cuja legitimidade de impugnação da paternidade por presunção ser conferida ao marido, exceto se houver prova de erro ou falsidade de registro.
Palavras-chaves: Filiação. Presunção de Paternidade. Pater is est.
Sumário: 1 Comentários Introdutórios: A Filiação à Luz do Princípio da Igualdade entre os Filhos; 2 A Presunção de Paternidade no Direito das Famílias; 3 Hipóteses de Presunção da Filiação; 4 A Filiação por presunção na fecundação assistida: 4.1 Inseminação Artificial Homóloga; 4.2 Embriões Excedentários; 4.3 Inseminação Artificial Heteróloga e a Presunção de Filiação; 5 Singelos Apontamentos à Presunção de Paternidade pela Recusa: Explicitações ao Verbete Sumular Nº 301 do Superior Tribunal de Justiça
1 Comentários Introdutórios: A Filiação à Luz do Princípio da Igualdade entre os Filhos
Em sede de comentários introdutórios, cuida destacar que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, buscando promover um diálogo entre os anseios da sociedade e as maciças modificações insertas na sociedade, em decorrência do cenário contemporâneo, estabeleceu um sucedâneo de alterações em valores que, até então, estavam impregnados de aspecto eminentemente patrimonial. Nesta senda, denota-se que as disposições legais que norteavam as relações familiares, refletindo os aspectos característicos que abalizavam a Codificação de 1916, arrimada no conservadorismo, estavam eivadas de anacrocidade, não mais correspondendo aos desejos da sociedade. Nesta toada, é possível pontuar que, com clareza solar, o artigo 227 da Constituição Federal, em seu parágrafo 6º, hasteia o princípio da isonomia entre os filhos, afixando que “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”[1]. Por oportuno, cuida evidenciar que o ideário de igualdade, enquanto flâmula orientadora, tem o condão de obstar as distinções entre filhos, cujo argumento de fundamentação é a união que estabelece o liame entre os genitores, casamento ou união estável, além de repudiar as diferenciações alocadas na origem biológica ou não. “Não há mais, assim, a possibilidade de imprimir tratamento diferenciado aos filhos em razão de sua origem. Sequer admite-se qualificações indevidas dos filhos”[2]. Ora, com a promulgação da Carta de 1988, verifica-se que o Constituinte, sensível ao cenário contemporâneo apresentado, bem como impregnado pela mutabilidade, passou a valorar as relações familiares enquanto emolduradas pelo aspecto de afetividade.
Desta feita, com supedâneo em tal sedimento, é plenamente possível anotar que todo e qualquer filho gozará dos mesmos direitos e proteção, seja em órbita patrimonial, seja em âmbito pessoa. Destarte, todos os dispositivos legais que, de maneira direta ou indireta, acinzelem algum tratamento diferenciado entre os filhos deverão ser rechaçados do Ordenamento Pátrio. Operou-se, desta sorte, a plena e total equiparação entre os filhos tanto na constância da entidade familiar como aqueles tidos fora de tal entidade, bem assim os adotivos. Ademais, não mais prosperam as regras discriminatórias que antes nomeavam os filhos como sendo ilegítimos. Trata-se, com efeito, da promoção da dignidade da pessoa humana, superprincípio hasteado pelo Ordenamento Pátrio como pavilhão, que fora, em razão dos costumes e dogmas adotados pelo Códex de 1916 olvidados. Colaciona-se, além disso, o entendimento jurisprudencial que obtempera:
“Ementa: Direito de Família. Filiação Adulterina. Investigação de Paternidade. Possibilidade Jurídica. I – Em face da nova ordem constitucional, que abriga o princípio da igualdade jurídica dos filhos, possível é o ajuizamento da ação investigatória contra genitor casado. II – Em se tratando de direitos fundamentais de proteção a família e a filiação, os preceitos constitucionais devem merecer exegese liberal e construtiva, que repudie discriminações incompatíveis com o desenvolvimento social e a evolução jurídica.” (Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ REsp 7.631/RJ/ Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira/ Julgado em 17.09.1991/ Publicado no DJ em 04.11.1991, p. 15.688).
Nesse diapasão, a mais proeminente consequência da afirmação do corolário da isonomia entre os filhos é tornar o interesse menorista o essencial critério de solução de conflitos que envolvam crianças ou adolescentes, inserindo robustas alterações no poder familiar. Ao lado disso, cuida citar as ponderações de Madaleno, “embora ainda não tenha sido atingido o modelo ideal de igualdade absoluta da filiação, porque esquece a lei a filiação socioafetiva, ao menos a verdade biológica e a adotiva não mais encontram resquício algum de diferenciação e tratamento”[3]. Sobreleva ponderar que a isonomia propalada no Texto Constitucional compreende a prole havida ou não durante a constância do matrimônio, bem como “os filhos adotivos e aqueles havidos por inseminação artificial heteróloga (com material genético de terceiro)”[4], como bem destacam Flávio Tartuce e José Fernando Simão. Neste sentido, é possível colacionar que “a licença maternidade conferida às mães adotantes encontra-se embasada no princípio da isonomia insculpido na Carta Magna, que garantiu tratamento igualitário aos filhos naturais e adotivos, consoante disposto no art. 227, da CR/88”[5]. Com toda a propriedade e pertinência, as modificações propiciadas pelos anseios da coletividade e pela contemporaneidade, as quais influenciaram o Constituinte na elaboração da Carta Cidadã, permitiram que fossem extirpadas do Ordenamento Pátrio as discriminatórias expressões de filho adulterino e filho incestuoso, tal como a nomenclatura de filho espúrio ou filho bastardo, que refletiam o tratamento diferenciador existente durante o Estatuto Civil de 1916, o qual privilegiava a família pautada no conservadorismo e no patrimônio. Ora, a norma abrigada no Texto Constitucional estabelece a isonomia entre toda a prole, consagrando, por mais uma vez, os aspectos de afetividade, não permitindo mais a diferenciação que vigia.
Insta salientar que, conquanto a legislação não tenha consagrado à proteção a filiação socioafetiva, os Tribunais de Justiça, com fincas no superprincípio da dignidade da pessoa humana, têm ofertado respaldo a tal situação. Afora isso, impender negritar que a estruturação de uma relação pautada em liames socioafetivos, de maneira indelével e robusta, a existência do filho afetivo assegura o direito subjetivo, inclusive, de vindicar em juízo o reconhecimento desse vínculo. No mais, deve a filiação socioafetiva ser inconteste, reunindo, via de consequência, além do óbvio convívio entre os possíveis genitores e os pretensos filhos, elemento concretos, que demonstrem, com segurança, que aqueles detinham o desejo de exercerem a condição de pais, conjugado com o nome, o tratamento e os fatores caracterizadores da posse do estado de filho. Cita-se, oportunamente, o seguinte entendimento jurisprudencial que se coaduna com o lançado a campo:
“Ementa: Civil e Processual Civil. Recurso Especial. Família. Reconhecimento de Paternidade e Maternidade Socioafetiva. Possibilidade. Demonstração. 1. A paternidade ou maternidade socioafetiva é concepção jurisprudencial e doutrinária recente, ainda não abraçada, expressamente, pela legislação vigente, mas a qual se aplica, de forma analógica, no que forem pertinentes, as regras orientadoras da filiação biológica. 2. A norma princípio estabelecida no art. 27, in fine, do ECA afasta as restrições à busca do reconhecimento de filiação e, quando conjugada com a possibilidade de filiação socioafetiva, acaba por reorientar, de forma ampliativa, os restritivos comandos legais hoje existentes, para assegurar ao que procura o reconhecimento de vínculo de filiação sociafetivo, trânsito desimpedido de sua pretensão. 3. Nessa senda, não se pode olvidar que a construção de uma relação socioafetiva, na qual se encontre caracterizada, de maneira indelével, a posse do estado de filho, dá a esse o direito subjetivo de pleitear, em juízo, o reconhecimento desse vínculo, mesmo por meio de ação de investigação de paternidade, a priori, restrita ao reconhecimento forçado de vínculo biológico. […]” (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ REsp 1189663/RS/ Relatora Ministra Nancy Andrighi/ Julgado em 06.09.2011/ Publicado no DJe em 15.09.2011).
“Ementa: Direito civil. Família. Recurso Especial. Ação de anulação de registro de nascimento. Ausência de vício de consentimento. Maternidade socioafetiva. Situação consolidada. Preponderância da preservação da estabilidade familiar. […] – O descompasso do registro de nascimento com a realidade biológica, em razão de conduta que desconsidera o aspecto genético, somente pode ser vindicado por aquele que teve sua filiação falsamente atribuída e os efeitos daí decorrentes apenas podem se operar contra aquele que realizou o ato de reconhecimento familiar, sondando-se, sobretudo, em sua plenitude, a manifestação volitiva, a fim de aferir a existência de vínculo socioafetivo de filiação. Nessa hipótese, descabe imposição de sanção estatal, em consideração ao princípio do maior interesse da criança, sobre quem jamais poderá recair prejuízo derivado de ato praticado por pessoa que lhe ofereceu a segurança de ser identificada como filha. – Some-se a esse raciocínio que, no processo julgado, a peculiaridade do fato jurídico morte impede, de qualquer forma, a sanção do Estado sobre a mãe que reconheceu a filha em razão de vínculo que não nasceu do sangue, mas do afeto. – Nesse contexto, a filiação socioafetiva, que encontra alicerce no art. 227, § 6º, da CF/88, envolve não apenas a adoção, como também “parentescos de outra origem”, conforme introduzido pelo art. 1.593 do CC/02, além daqueles decorrentes da consanguinidade oriunda da ordem natural, de modo a contemplar a socioafetividade surgida como elemento de ordem cultural. – Assim, ainda que despida de ascendência genética, a filiação socioafetiva constitui uma relação de fato que deve ser reconhecida e amparada juridicamente. Isso porque a maternidade que nasce de uma decisão espontânea deve ter guarida no Direito de Família, assim como os demais vínculos advindos da filiação. – Como fundamento maior a consolidar a acolhida da filiação socioafetiva no sistema jurídico vigente, erige-se a cláusula geral de tutela da personalidade humana, que salvaguarda a filiação como elemento fundamental na formação da identidade do ser humano. Permitir a desconstituição de reconhecimento de maternidade amparado em relação de afeto teria o condão de extirpar da criança – hoje pessoa adulta, tendo em vista os 17 anos de tramitação do processo – preponderante fator de construção de sua identidade e de definição de sua personalidade. E a identidade dessa pessoa, resgatada pelo afeto, não pode ficar à deriva em face das incertezas, instabilidades ou até mesmo interesses meramente patrimoniais de terceiros submersos em conflitos familiares. […]” (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ REsp 1000356/SP/ Relatora Ministra Nancy Andrighi/ Julgado em 25.05.2010/ Publicado no DJe em 07.06.2010).
Com realce, a realidade inaugurada pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[6], notadamente a robusta tábua principiológica que a influencia, concatenada com os anseios da sociedade, rendeu ensejo a um polimorfismo familiar, manifestado precipuamente no princípio da diversidade das entidades familiares, viabilizando que núcleos familiares distintos gozem do amparo legal e reconhecimento, bem assim especial proteção do Ente Estatal, como instrumento de afirmação dos feixes irradiados pela dignidade da pessoa humana. Não se pode olvidar que os princípios constitucionais concernentes a institutos típicos de direito privados passaram a nortear a própria interpretação a ser conferida à legislação infraconstitucional.
O bastião robusto da dignidade da pessoa humana passou a assumir dimensão transcendental e normativa, sendo a Carta de 1988 içada a centro de todo o sistema jurídico, irradiando, por conseguinte, seus múltiplos valores e conferindo-lhe unicidade. No mais, cuida pontuar que o direito é fato, norma e valor, motivo pelo qual a modificação maciça do fato deve, imperiosamente, conduzir uma releitura do fenômeno jurídico, iluminado pelos novos valores hasteados. Destarte, a família é um fenômeno fundamentalmente natural-sociológico, cuja gênese é antecedente a do próprio ente Estatal e cuja salvaguarda assegurar a constituição e formação do ser humano.
2 A Presunção de Paternidade no Direito das Famílias
À sombra dos argumentos expendidos, cuida salientar que filiação consiste na relação de parentesco consanguíneo, em primeiro grau e em linha reta, que estabelece um liame entre uma pessoa àquelas que a geraram, ou mesmo a receberam como se a tivessem gerado, “sendo que no parentesco consanguíneo em linha reta estão estruturadas todas as regras de filiação, do pai que gerou o filho e este o seu próprio filho, neto daquele e assim por diante”[7], afixando-se os vínculos em linha reta ascendente ou descendente entre genitores e prole. Tal como pontuado algures, inexiste qualquer discriminação conceitual com referência à filiação, sendo todos considerados iguais perante a lei, não mais subsistindo a odiosa distinção entre filhos legítimos ou ilegítimos, estes últimos subdivididos entre naturais e espúrios, em conformidade com a existência, ou não, de impedimento matrimonial. Os filhos espúrios, por seu turno, poderiam ser adulterinos, se algum ou ambos os genitores fossem casados, ou incestuosos, caso os pais tivessem vínculos próximos de parentesco, tal como pai e filha, o irmão e a irmã produzindo descendência. Quanto aos nomeados filhos espúrios, Maria Helena Diniz firma magistério no sentido que:
“Espúrios, os oriundos da união de homem e mulher entre os quais havia, por ocasião da concepção, impedimento matrimonial. Assim, são espúrios: a) os adulterinos, que nascem de casal impedido de casar em virtude de casamento anterior, resultando de um adultério. O filho adulterino pode resultar de duplo adultério, ou seja, de adulterinidade bilateral, se descender de homem casado e mulher casada; ou, ainda, de adulterinidade unilateral, se gerado por homem casado e mulher livre ou solteira, caso em que é adulterino a patre, ou por homem livre ou solteiro e mulher casada, sendo, então, adulterino a matre; os provenientes de genitor separado não são adulterinos, mas simplesmente naturais […]; b) os incestuosos, nascidos de homem e de mulher que, ante parentesco natural, civil ou afim, não podiam convolar núpcias à época de sua concepção. Hoje, juridicamente, só se pode falar em filiação matrimonial e não matrimonial; vedadas estão, portanto, quaisquer discriminações”[8].
Conquanto tenham desaparecido as designações acerca da legitimidade da prole, quando decorrente das chamadas justas núpcias, atualmente, à luz dos robustos influxos constitucionais, todos os filhos são iguais e naturais, ainda que o Estatuto de 2002 reporte, de maneira exclusiva, à filiação conjugal, quando, na redação do artigo 1.597[9], afixa os pressupostos de presunção conjugal de paternidade, no sentido de conferir reconhecimento à presunção de paternidade nas hipóteses expressamente consagradas nos incisos do sobredito dispositivo legal. “Ocasião, então, que nascendo um filho na constância do casamento, essa prole é presumida por lei, como fruto do matrimônio e o registro civil da criança pode ser feito por iniciativa da mãe, querendo, bastando provar seu casamento”[10].
Inexiste na codificação de regência dispositivo legal que permite a presunção de paternidade dos filhos, em sede de união estável, apesar de ser constitucionalmente acampada como entidade familiar. “Diante da situação gerada pela exclusão da incidência da presunção pater is est na união estável, concluímos que, apesar da regra expressa na Constituição Federal de proibição de todo e qualquer tratamento discriminatório entre os filhos”[11], subsiste uma distinção teórica e prática na legislação civil. Com efeito, ao aplicar a presunção de paternidade tão apenas no casamento, a Lei Nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002[12], que institui o Código Civil, estatuiu diferentes categorias de filhos, quais sejam: os filhos de pessoas casadas, que gozam de presunção e podem, automaticamente, reclamar os seus direitos decorrentes do parentesco paterno, e os filhos de mulheres não casadas, que, não dispondo de presunção, precisam de reconhecimento pelos seus pais e, não ocorrendo de forma espontânea, precisam investigar a paternidade, aguardar a prolação da decisão judicial para, somente então, vindicar os direitos respectivos.
Salta aos olhos, o flagrante tratamento discriminatório entre os filhos dispensado pela legislação infraconstitucional, aviltando a filosofia isonômica constitucional, sendo, em decorrência disso, reclamada uma interpretação concatenada com os ditames constitucionais, estendendo-se, dessa forma, os efeitos práticos da presunção também à união estável. A mesma situação ocorre em referência aos filhos gerados da filiação entre pessoas solteiras e divorciadas, ou das pessoas formalmente separadas, ou cujos casamentos foram julgados nulos ou, ainda, foram anulados, tal como as pessoas viúvas há pelo menos trezentos dias subsequentes à dissolução de sua sociedade conjugal. Apenas com o escopo de ilustrar a situação vertida nos autos, é possível trazer à colação o paradigmático posicionamento explicitado pelo Ministro Athos Gusmão Carneiro, ao relatoriar o Recurso Especial Nº. 23/PR, quando explicitou que:
“Além desta ponderável linha de argumentação, outra já agora se poderá opor relativamente ao tema filiação: a que resulta da equiparação, que a nova ordem constitucional fez, entre todos os filhos, os quais, “havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação” – Constituição Federal, art. 227, §6º. Numerosos dispositivos das leis civis, alusivo ao Direito de Família, terão agora necessariamente de ser repensados ou interpretados sob esta nova visão, pois ampliados aos filhos nascidos fora do casamento civil aqueles direitos ou posições antes reservados àqueles nascidos de justas núpcias. […] Incontestada a vida “more uxório”, sob o pálio do casamento eclesiástico, induvidosa a “união estável” que a vigente Constituição protege e define como entidade familiar, tenho em que presumem-se (sic) filhos do casal os nascidos durante a aludida união estável, aplicando-se-lhes a antiga parêmia do pater est […] Negar esta presunção aos filhos nascidos de “união estável”, sob o pálio de casamento religioso, com vivência como marido e mulher, será manter funda discriminação, que a Constituição não quer e proíbe, entre filhos nascidos da relação de casamento civil, e filhos nascidos da união estável que a vigente Lei Maior igualmente tutela”[13].
3 Hipóteses de Presunção da Filiação
Em seu artigo 1.597 d a Lei Nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002[14], que institui o Código Civil, enumera as hipóteses em que vigora a presunção de filiação de prole concebida na constância da relação conjugal, em que pese, em decorrência dos avanços da ciência genética em estabelecer a certeza absoluta na exclusão da paternidade em uma quase-certeza na aferição da paternidade, na ordem de até 99,99%, sendo de pouca importância atruir a essa presunção quando desestruturada por meio científicos de identificação genética, desde que uma vez observados os lapsos temporais para as impugnações e dissensões doutrinárias e jurisprudenciais acerca da prescrição, decadência ou imprescritibilidade da impugnação de paternidade. “Firma o Código a presunção de que é pai aquele que o casamento demonstra; assim, presume a lei que o filho de mulher casada foi gerado por seu marido. Pai, até prova em contrário por ele próprio produzida, é o marido”[15].
Com destaque, é possível sublinhar, com bastante proeminência, que a presunção relativa (juris tantum) da paternidade na filiação proveniente do casamento era alicerçada na impossibilidade de ser diretamente provado o elo paterno. Ao lado disso, não é possível olvidar que em uma época na qual a maternidade era sempre certa e o pai da criança era o marido da mãe, estatuindo a lei, como até hoje faz a legislação de regência, um sucedâneo de hipóteses de incidência da presunção de filiação conjugal, salvo produção de prova em contrário, cuja legitimidade de impugnação da paternidade por presunção ser conferida ao marido, exceto se houver prova de erro ou falsidade de registro. “Na estrutura do Código Civil brasileiro, a presunção da paternidade no casamento vigora para os nascimentos ocorridos dentro de um determinado lapso temporal, correspondente ao período em que é possível conciliar com a decorrência de relacionamento sexuais do casal”[16].
Ao analisar o tema em debate, cuida assinalar que a primeira hipótese agasalhada pelo artigo 1.597 do Estatuto Civilista de regência faz menção aos filhos nascidos 180 (cento e oitenta) dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal e não do dia da celebração do ato nupcial, eis que, como é cediço, há situações de casamentos por procuração. Desta feita, “se a criança nasceu 6 meses após o casamento, presume-se ser filha do casal; se veio à luz antes desse prazo, não há qualquer presunção de sua filiação”[17], como bem assinala Diniz. Entrementes, ainda no que concerne ao tema, não é possível elidir a presunção de paternidade, nem mesmo contestar a filiação do nascido antes do período assinalado no inciso I[18] do dispositivo supramencionado, exceto o cônjuge, que detém o direito de contestar a paternidade de filho nascido de sua mulher, como, com clareza solar, pontua o artigo 1.601 da Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002[19], que institui o Código Civil.
Durante a vigência do Diploma Civilista de 1916, o direito à contestação da paternidade não era imprescritível, caso o filho nascesse antes do prazo legal e o genitor tivesse conhecimento de que: (a) antes de casar, tinha conhecimento da gravidez da mulher, situação em que há presunção de que, de modo implícito, admitia que o filho era seu ou que desejava assumir essa paternidade por altruísmo, ainda que não fosse responsável por ela, para poupar sua consorte, preservando-lhe a honra; e, (b) assistiu, pessoalmente, ou por procurador, à lavratura do termo do nascimento do filho, sem contestar a paternidade. “De forma que se deixasse que o recém-nascido fosse levado a registro com indicação de seu nome, não poderia alegar, mais tarde, sua ilegitimidade”[20]. Caso quisesse contestar a paternidade, devia o cônjuge comparecer em cartório, ordenando a abertura do termo de nascimento do filho de sua mulher, ressalvando que, como o nascimento ocorrera antes de seis meses da convivência conjugal, o bebê não era o sei filho, consignando, expressamente, que se reservava o direito de propor, oportunamente, a ação negatória de paternidade.
A segunda hipótese contida no artigo 1.597 faz alusão à prole nascido dentro dos trezentos dias subsequentes à dissolução do casamento por morte, separação, divórcio, nulidade ou anulação, eis que a gestação humana não vai além desse prazo. “Já os trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal também têm em mira um período máximo de gestação, que seria de dez meses ou mais, ao contrário dos noves meses habituais”[21]. Por via de consequência, o filho que nasceu dez meses após a dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal é considerado matrimonial, pois poderia ter sido concebido no último dia de vigência do enlace matrimonial. Todavia, caso tenha nascido após esse prazo legal, foi concebido após a morte do consorte ou mesmo após a nulidade ou anulação do casamento, separação judicial ou divórcio, não há que se invocar a presunção relativa consagrada no inciso II do artigo 1.597[22].
Comportando prova em contrário, se a mulher, antes do lapso temporal de dez meses, vier a contrair novas núpcias, em razão de viuvez ou de seu primeiro casamento ter sido invalidado, e lhe nascer algum filho, este se presume do primeiro marido, caso nascido dentro dos trezentos dias a contar da data do falecimento deste, e do segundo se o nascimento se der após esse período e já transcorrido o ínterim de cento e oitenta dias depois de estabelecida nova convivência conjugal, como afiança o artigo 1.598[23]. “Essa presunção de paternidade de filho nascido de bínuba é juris tantum, logo cederá, mediante prova em contrário (p.ex., teste de DNA), efetuada em ação ordinária provocada pelo interessado” [24]. Emprestando interpretação extensiva ao dispositivo legal ora aludido, no que concerne à sua aplicabilidade em sede de uniões estáveis, o Superior Tribunal de Justiça decidiu:
“Ementa: Recurso Especial – Nomem Iuris – Demanda – Princípio romano da mihi factum dado tibi jus – Aplicação – União Estável – Entidade Familiar – Reconhecimento do ordenamento jurídico – Requisitos – Convivência pública, contínua e duradoura – Objetivo de constituir família – Deveres – Assistência, guarda, sustento, educação dos filhos, lealdade e respeito – Artigo 1.597, do Código Civil – Presunção de concepção dos filhos na constância do casamento – Aplicação ao instituto da união estável – Necessidade – Esfera de proteção – Pai Companheiro – Falecimento – 239 (duzentos e trinta e nove dias) após o nascimento de sua filha – Paternidade – Declaração – Necessidade – Recurso Especial Provido. I – Desimporta o nomem iuris dado à demanda pois, na realidade, aplicar-se-á o adágio romano da mihi factum dado tibi jus. II – O ordenamento jurídico pátrio reconhece, como entidade familiar, a união estável entre pessoas (ut ADPF N. 132/RJ, Rel. Min. Ayres Brito, DJe de 14/10/2011), configurada na convivência pública, contínua e duradoura estabelecida com o objetivo de constituição de família (artigo 1723, do Código Civil), com atenção aos deveres de lealdade, respeito, assistência, de guarda, sustento e educação de filhos (artigo 1724, do Código Civil), de modo a permitir aplicação, às relações patrimoniais, no que couber, das regras pertinentes ao regime de comunhão parcial de bens (artigo 1725, do Código Civil). III – A lei não exige tempo mínimo nem convivência sob o mesmo teto, mas não dispensa outros requisitos para identificação da união estável como entidade ou núcleo familiar, quais sejam: convivência duradoura e pública, ou seja, com notoriedade e continuidade, apoio mútuo, ou assistência mútua, intuito de constituir família, com os deveres de guarda, sustento e de educação dos filhos comuns, se houver, bem como os deveres de lealdade e respeito.IV – Assim, se nosso ordenamento jurídico, notadamente o próprio texto constitucional (art. 226, §3º), admite a união estável e reconhece nela a existência de entidade familiar, nada mais razoável de se conferir interpretação sistemática ao art. 1.597, II, do Código Civil, para que passe a contemplar, também, a presunção de concepção dos filhos na constância de união estável. V – Na espécie, o companheiro da mãe da menor faleceu 239 (duzentos e trinta e nove) dias antes ao seu nascimento. Portanto, dentro da esfera de proteção conferida pelo inciso II do art. 1.597, do Código Civil, que presume concebidos na constância do casamento os filhos nascidos nos trezentos dias subsequentes, entre outras hipóteses, em razão de sua morte. VI – Dessa forma, em homenagem ao texto constitucional (art. 226, §3º) e ao Código Civil (art. 1.723), que conferiram ao instituto da união estável a natureza de entidade familiar, aplica-se as disposições contidas no artigo 1.597, do Código Civil, ao regime de união estável. VII – Recurso especial provido.” (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ REsp 1194059/SP, Relator: Ministro Massami Uyeda/ Julgado em 06.11.2012/ Publicado no DJe em 14.11.2012).
Em sede de atual Código Civil, já emoldurado pelos avanços científicos surgidos no campo da pesquisa em DNA, acabou sendo afixado um sistema aberto de impugnação da paternidade, não mais prosperando sedimento que justifique o esquema hermético, para conferir especial proteção a filiação do casamento com presunções quase absolutas de paternidade. “A jurisprudência brasileira tem exercido um compreensível controle das impugnações de paternidade, sobremodo na filiação socioafetiva da chamada adoção à brasileira”[25]. Ao se abordar a presunção pater is est, não se pode esquecer que se trata de presunção legal, imposta pelo legislador, como instrumento de provar à paternidade diante da impossibilidade de demonstrar de outro modo a relação paterno-filial, e assim expressa um regramento imperativo, com liame à própria instituição do casamento. Ao lado disso, não se pode olvidar que aludida união é considerada como sagrada e institucionalmente regulada, dela decorrendo as obrigações dos consortes, de coabitação e fidelidade, e se presentes este rol de deveres, a filiação é naturalmente presumida, até que sobrevenha prova em contrário, que, na atualidade, alcança absoluta certeza científica, tornando anacrônicos os demais sistemas existentes.
De qualquer modo, cuida rememorar que, de uma banda, a presunção aqui estabelecida é relativa e, de outro lado, a existência de mecanismos seguros de determinação científica da filiação, por meio da comparação genética através de DNA. Com isso, “não se pode negar a premente necessidade de adaptação do sistema de presunções do Direito de Família à nova realidade científica. Daí a conclusão a que chegamos de que os incisos I e II do multicitado comando 1.597 da Lei Civil são de pouquíssima importância prática”[26], não mais encontrando arrimo no panorama científico contemporâneo. Em mesmo sentido, Rolf Madaleno, em seu magistério, pondera que “com a análise técnica do material genética do DNA, capaz de fornecer as indicações de certeza absoluta no caso de exclusão da paternidade, ou da maternidade, e assim colacionando índices de afirmação da vinculação genética na ordem dos 99,99%”[27].
4 A Filiação por presunção na fecundação assistida
Em seus incisos III, IV e V, o artigo 1.597 contempla três novas hipóteses de presunção da filiação no casamento proveniente de reprodução assistida, lançando mão da técnica da fecundação artificial homóloga, ainda que já falecido o marido; subsistindo a presunção de serem filhos do casamento aqueles havidos a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentes de concepção artificial eminentemente homóloga, e os filhos havidos por inseminação artificial heteróloga, embora seja imprescindível prévia autorização do marido. Entrementes, o artigo 1.597 da Lei Nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002[28], que institui o Código Civil, não contemplou com a mesma presunção os filhos oriundos de uma união estável, não obstando a criança nascida da convivência, e não reconhecida espontaneamente pelo convivente pai, poder exercer o seu direito de reconhecimento de paternidade, utilizando as vias legais da investigação oficiosa ou mesmo fazer uso da investigação judicial de paternidade, com perícia genética em DNA, tal como utilizando, como forte indício, o vínculo genético a concomitância da união estável.
Neste passo, a inseminação artificial, como forma de fecundação assexual, consiste na união do sêmen ao óvulo por mecanismos não naturais de cópula, com o fito de promover a gestação, diante da deficiência pelo processo reprodutivo normal. “É a introdução do esperma masculino diretamente no útero da mulher, ausente o ato sexual. A inseminação ou a introdução do sêmen no útero feminino, em procedimento laboratorial não garante a fecundação, porque o óvulo e i espermatozoide podem não se fundir”[29]. Consiste em um procedimento simples, com poucos recursos tecnológicos, nos quais os espermatozoides do marido (inseminação homóloga) ou de um banco de esperma (inseminação heteróloga) são coletados, selecionados, preparados e transferidos para o colo do útero. É possível, ainda, robustecer as ponderações estruturadas, ao trazer à baila o Enunciado Nº. 105 da I Jornada de Direito Civil:
“Enunciado Nº 105 – Art. 1.597: as expressões “fecundação artificial”, “concepção artificial” e “inseminação artificial” constantes, respectivamente, dos incs. III, IV e V do art. 1.597 deverão ser interpretadas como “técnica de reprodução assistida”[30].
4.1 Inseminação Artificial Homóloga
A prole decorrente de fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido, são considerados como filhos daquele, em razão do regramento irradiado pelo inciso III do artigo 1.597[31]. Antes de tecer qualquer comentário, é curial deixar explicitado que as hipóteses dizem respeito à fecundação homóloga, portanto com material genético do casal, colhido com o consenso recíproco. Naturalmente, para que a hipótese se torne viável faticamente, mister faz-se que o sêmen ou o próprio embrião tenham sido preservados criogenicamente e somente implantados no corpo da mulher, após o óbito do cônjuge. Maria Helena Diniz, ao lecionar acerca do tema, pondera que “o filho concebido post mortem terá, por ficção jurídica, um lar, possibilitando a sua integração familiar e social, tendo em vista que a família monoparental é protegida constitucionalmente”[32]. Com efeito, o legislador não estabeleceu qualquer referência à necessidade, ou não, de prévia autorização doo marido para o uso de seu embrião depois de sua morte.
“Outrossim, não mencionou se a mulher em quem se implantará o sêmen ou embrião precisa manter o estado de viuvez – o que parece fundamental, uma vez que se vier a convolar novas núpcias a presunção de paternidade se dirigirá ao novo cônjuge”[33]. Em razão de tal cenário, foi consolidado o entendimento no sentido de exigir, para a incidência de presunção de paternidade, que a mulher, ao se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com o material genético do falecido, esteja ainda na condição de viúva, devendo haver ainda autorização escrita do marido para que seja utilizado o material genético, após sua morte. Ora, desatendidas tais prescrições, não incidirá a presunção pater is est, o que, com efeito, não impede que o filho ajuíze ação de investigação de paternidade post mortem para obter o reconhecimento de seu estado filiatório. É possível trazer à colação o enunciado nº 106 da I Jornada de Direito Civil:
“Enunciado Nº 106 – Art. 1.597, inc. III: para que seja presumida a paternidade do marido falecido, será obrigatório que a mulher, ao se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com o material genético do falecido, esteja na condição de viúva, sendo obrigatório, ainda, que haja autorização escrita do marido para que se utilize seu material genético após sua morte[34].
Não é demais robustecer a advertência erigida anteriormente, no sentido de que o concebido depois da morte de seu pai não terá direitos hereditários na sucessão legítima do falecido. Isto é, o complexo cenário apresentado pelas novas técnicas reprodutivas apresenta ímpar situação jurídica, na qual uma pessoa será filha de outra já morta, porém não será seu herdeiro legítimo. Se o extinto não consentiu expressamente o uso de seu embrião, após o seu óbito, mas o deixou congelado e a esposa veio a utilizá-lo, conquanto não seja caso de incidência da presunção de paternidade, caso será de determinação biológica da filiação. Neste passo, o filho não ficará sem pai. Em tom de arremate, Rolf Madaleno, em seu magistério, pontua que “a viúva não poderá exigir que a clínica de reprodução assistida lhe entregue o material genético armazenado, para ser nela inseminado, se em vida o marido não houver expressado esta vontade, devendo ser equiparada a utilização do sêmen à do doador anônimo”[35], não sendo possível atribuir a paternidade por simples presunção legal.
No que concerne à sucessão testamentária, cuida salientar que o artigo 1.800, §4º, do Código Civil[36], com clareza solar, preserva durante dois anos os direitos legados pelo testador ao herdeiro ainda não concebido, cujos bens reverterão aos herdeiros legítimos, caso decorra este prazo sem que haja o nascimento ou a concepção, exceto se contrariamente dispuser o testador, ao testar acerca de eventual substituição testamentária. “Assim, na sucessão legítima a criança nascida da inseminação artificial post mortem não tem capacidade sucessória passiva, porque teria de estar viva ou ter sido concebida na data da abertura da sucessão, pela exigência legal da coexistência temporal da morte do sucedido”[37], com a consequente concepção ou nascimento com vida do herdeiro. Ao reverso, em sede de sucessão testamentária, é possível realçar que inexiste a exigência da coincidência entre a morte e a concepção ou o nascimento com vida, eis que o de cujus pode indicar por testamento, herdeiro ou legatário, filhos ainda não concebidos ao tempo de sua morte.
4.2 Embriões Excedentários
Por força do inciso IV do artigo 1.597 do Estatuto de 2002[38], os filhos havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, advindos de concepção artificial homóloga, ou seja, dos componentes genéticos oriundos do marido e da mulher. Cuida salientar que aludidos embriões sobejaram, remanesceram, de uma fertilização assistida realizada anteriormente. “Enfim, são embriões resultantes de técnicas de procriação medicamente assistida que não foram implantados no útero da mulher e, por isso, foram congelados até ser decidido o seu destino”[39], como bem destacam Farias e Rosenvald. Ao lado disso, insta salientar que os embriões em comento serão preservados pelo prazo mínimo de três anos, se outro maior não tiver pactuado contratualmente pelas partes, em consonância com os ditames da Lei de Biossegurança[40]. No transcorrer desse lapso temporal, o casal poderá apresentar interesse em realizar uma nova fecundação, empregando, para tanto, o embrião criogenizado remanescente. Em ocorrendo tal situação, a paternidade do filho nascido será presumida.
Situação complexa pode surgir na hipótese do casal vier a dissolver o casamento, durante o prazo no qual o embrião está congelado. Ora, com o escopo e evitar a imposição de uma paternidade a alguém que já não mais tem interesse, há que se sublinhar que a utilização dos embriões excedentários só seria possível mediante prévia autorização do marido, evitando, dessa maneira, a má-fé. “Com esse pensar, evita-se que, após a ruptura da vida conjugal, um dos ex-cônjuges se aproveite da situação e venha a ‘engravidar’ do outro, com o auxílio dos métodos científicos, através de embriões excedentários”[41]. Neste sentido, é possível colacionar o Enunciado Nº 107 da I Jornada de Direito Civil:
“Enunciado Nº 107 – Art. 1.597, IV: finda a sociedade conjugal, na forma do art. 1.571, a regra do inc. IV somente poderá ser aplicada se houver autorização prévia, por escrito, dos ex-cônjuges para a utilização dos embriões excedentários, só podendo ser revogada até o início do procedimento de implantação desses embriões[42].
Desta feita, caso a esposa vier a utilizar embrião excedentário, sem a anuência do marido ou ex-marido, conquanto não seja hipótese de incidência da presunção, a filiação será determinada pelo critério biológico, não ficando a prole sem genitor. Trata-se de situação que, em razão da ausência do elemento volitivo, afasta a incidência da presunção contida no dispositivo legal, invocando, sim, os laços biológicos que identificam a prole. Doutra banda, caso seja demonstrado, por meio de acervo documental robusto, que o uso do embrião excedentário foi ilícito, o prejudicado poderá reclamar indenização de quem ocasionou o dano. “Em ambas as hipóteses, a presunção pater is est assume feição relativizada, comportando prova em contrário”[43], como bem obtemperam Farias e Rosenvald.
4.3 Inseminação Artificial Heteróloga e a Presunção de Filiação
Diz-se heteróloga quando a inseminação artificial utiliza o sêmen de um doador que não o marido ou companheiro, sendo imprescindível o expresso consentimento do parceiro, consoante alusão feita pelo inciso V do artigo 1.597 da Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002[44], que institui o Código Civil. Quadra salientar que, comumente, a fertilização artificial heteróloga somente é empregada pelos geneticistas como último recurso para tratar de uma infertilidade, após ter se detectado, sob todos os aspectos técnicos, a sua irreversibilidade. Como bem pontua Rolf Madaleno, “o esperma do doador é, de regra, armazenado em banco de sêmen, passando por rotineira verificação de sua qualidade, havendo sigilo sobre a identidade do doados, mas fornecidos os dados respeitantes ao seu porte físico, suas características morfológicas”[45], incluídos o grupo sanguíneo, cor da pele, dos cabelos e dos olhos, cujas informações são cruciais aos donatários.
Pontuar se faz carecido, a exemplo das demais situações espancadas, que a exigência legal da concordância expressa do marido tem o fito de confirmar o aspecto plural da filiação, reclamando uma maior participação do pai (registral) no processo gestacional. Com realce, inferir é possível que quem consente na produção de um filho, utilizando, para tanto, o sêmen de outro, não pode estabelecer uma relação temporária que se alicerce ou desfaça em consonância com a sua simples manifestação de vontade. “A ratio do dispositivo é alvejante: consentindo o marido em que sua esposa se submeta a um procedimento de fertilização assistida com material genético de terceiro, presume-se a paternidade do filho nascido”[46], como bem pontuam Farias e Rosenvald. Em alinho ao tema, é possível, ainda, trazer a lume o Enunciado Nº 111 da I Jornada de Direito Civil:
“Enunciado Nº 111 – Art. 1.626: a adoção e a reprodução assistida heteróloga atribuem a condição de filho ao adotado e à criança resultante de técnica conceptiva heteróloga; porém, enquanto na adoção haverá o desligamento dos vínculos entre o adotado e seus parentes consanguíneos, na reprodução assistida heteróloga sequer será estabelecido o vínculo de parentesco entre a criança e o doador do material fecundante”[47].
Na fertilização heteróloga, a aquiescência do cônjuge assume substancial relevância, afigurando-se como uma espécie de reconhecimento prévio do filho ou como adoção antenatal. Trata-se de típica situação de filiação socioafetiva, não sendo, via de consequência, admitida a impugnação da paternidade, com âncora na prova pericial biológica, porquanto o vínculo paterno-filial se estruturou no instante em que se concedeu a concordância do procedimento fertilizatório do cônjuge. Com toda evidência, é que o inciso V do multicitado artigo 1.597, ao hastear uma presunção de paternidade advinda da anuência do marido para que sua esposa seja fecundada com sêmen de terceiro, esvaziou o conteúdo biológico da filiação, privilegiando, com robusto suporte, a filiação socioafetiva. “O marido ao aceitar a inseminação heteróloga de sua esposa ou o parceiro em sua companheira, não tem o direito de negar a paternidade”[48], segundo o magistério apurado de Rolf Madaleno.
Doutro modo, aquele que não autorizou o nascimento do filho medicamente assistido deverá promover, de maneira imediata, uma ação negatória de paternidade genética, antes de ser materializada uma paternidade afetiva, em razão da admissão indireta da filiação socioafetiva. De fato, esta é a única hipótese de presunção absoluta de paternidade inserta no mencionado dispositivo legal, não comportando contraprova, já que a filiação deriva da construção dos laços afetivos e não sanguíneos. Tal fato deriva da premissa que objetiva resguardar o anonimato do doador de sêmen, motivo pelo qual, caso não fosse a situação de presunção absoluta, poderia o filho ter obstada a determinação de seu estado filiatório.
5 Singelos Apontamentos à Presunção de Paternidade pela Recusa: Explicitações ao Verbete Sumular Nº 301 do Superior Tribunal de Justiça
Em um primeiro momento, cuida salientar que o Superior Tribunal de Justiça editou o verbete sumular nº 301, o qual aduz “em ação investigatória, a recus do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade”[49]. Com efeito, da simples análise do verbete ora colacionado, cuida reconhecer que a jurisprudência coroou a aplicação da presunção de paternidade juris tantum de paternidade pela simples recusa doo indigitado pai submeter-se ao exame de DNA. Concomitantemente, o verbete ora mencionado sufragou o absolutismo do valor jurídico da verdade biológica. Consoante magistério acurado de Madaleno, “esse fantástico progresso científico de elucidar a filiação pelos marcadores genéticos do DNA tornou-se, para o consenso jurídico, agora consolidado pela edição do enunciado nº 301 do STJ”[50].
No mais, ressoando o cenário contemporâneo, o exame de comparação de material genético, passou a figurar como uma prova conclusiva, que sequer aceitam mais os julgadores em progredir com a tradicional instrução processual de uma ação de investigação de paternidade, orientando todos os elementos probatórios ao julgamento da prova científica. Mais que isso, verifica-se, com edição do verbete em comento, a extrema radicalização da presunção da vinculação parental no caso de recusa do investigado em submeter-se à perícia de comparação de material genético pelo Superior Tribunal de Justiça[51].
“Como já referido se chega ao extremo de a recusa ter valor probatório superior ao próprio percentual máximo alcançado pelo exame de DNA, porque a perícia só consegue índices de 99,9999%, enquanto a margem de recusa é superior, pois sendo absoluta a presunção de paternidade, e como dispensa os outros elementos de prova, acaba alcançando de 100% de prova absoluta pela presunção”[52].
Cuida estabelecer, adequadamente, limites aos efeitos produzidos pela aplicação do verbere em análise por entender que a sua incondicional aplicação não pode resultar em negação de paternidade derivada do estado de filiação socioafetiva, recobrindo-se, neste tocante de substrato. Contudo, nas ações investigatórias de paternidades promovidas para desconstituir a longa relação parental de registro civil socioafetivo a investigar os vínculos genéticos de pai biológico já falecido para fins essencialmente patrimoniais. Ao lado disso, o verbete sumular em apreço reclama restrições quando a investigação de paternidade se ressentir dos demais elementos probatórios indiciários, não permitindo a aplicação isolada por presunção, já que não existe a hierarquia das provas produzidas por meios judiciais, sendo incumbência do magistrado motivas o seu pronunciamento judicial.
Com efeito, não é admissível a aplicação de o verbete sumular de maneira indiscriminada e despida de demais elementos probatórios que possibilitem a construção de uma motivação substancial. O pronunciamento judicial que se escora apenas na presunção apresentada pelo verbete sumular nº 301 se reveste de fragilidade, adotando uma maneira simplista para a emissão de um pronunciamento. Além disso, a recusa nem sempre será indício satisfatório para admissão de paternidade, como comodamente o verbete sumular nº 301 do Superior Tribunal de Justiça[53] faz crer.
Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES
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