Resumo: : O Direito Tributário Brasileiro é um verdadeiro Sistema Constitucional Tributário. Logo, ao estudo correto da norma de competência, se torna imprescindível delinear qual é o alcance dos princípios constitucionais em matéria tributária, com o objetivo de se fazer uma verdadeira interpretação dos dispositivos que especificam e delimitam este ramo do direito, tornando possível entendê-lo de forma particular, algo que, por consequência, possibilitará compreender de forma mais acurada, também, o restante do ordenamento jurídico, até em razão de sua proximidade e de sua indissociabilidade com o Direito Constitucional. É o que veremos no presente artigo.
Sumário: 1. Introdução; 2. Sistema constitucional tributário: critérios de delimitação de competência; 3. Conclusão. Referências bibliográficas.
1 Introdução
O Brasil, nesse início de Século XXI, é tido como um dos países com a maior carga tributária do mundo. Essa característica é ratificada pela Constituição Federal do Brasil que, sendo a mais extensa e minuciosa em termos de tributação distancia-se daquelas dos países europeus, de tradição jurídica romano-germânica (com poucos princípios tributários) às quais possui ligação pela filiação lusitana[1].
Somente por este tratamento dispensado pela Carta Magna do Brasil já é possível verificar a relevância do tributo no ordenamento – bem como do Direito Tributário Brasileiro como um todo – sendo este um instituto presente em qualquer forma de governo que se estabeça, do qual se refere o grande mestre Aliomar Baleeiro nas seguintes palavras:
“O tributo é vetusta e fiel sombra do poder político há mais de 20 séculos. Onde se ergue um governante, ela se projeta sobre o solo de sua dominação. (…) No curso do tempo, o imposto, atributo do Estado, que dele não pode prescindir sequer nos regimes comunistas de nosso tempo, aperfeiçoa-se do ponto de vista moral, adapta-se às cambiantes formas políticas, reflete-se sobre a economia ou sobre os reflexos desta, filtra-se em princípios ou regras jurídicas e utiliza diferentes técnicas para execução prática”. [2]
Como dito, o Direito Tributário brasileiro é, de todo, permeado por princípios e regras fundamentais e estudá-lo é, em grande parte, acabar estudando o próprio Direito Constitucional. Destarte, qualquer relação jurídico-tributária entre contribuinte e Estado, portanto, passará obrigatoriamente pelo crivo da Constituição da República Federativa do Brasil, pois é exatamente nela que se encontra a repartição de competências tributárias entre a União, os Estados Federados, os Municípios e o Distrito Federal.
2. Sistema constitucional tributário: Critérios de Delimitação de Competência
O Direito Tributário Brasileiro é um verdadeiro Sistema Constitucional Tributário, do qual o doutrinador Geraldo Ataliba, se refere nos seguintes termos[3]:
“Em matéria tributária tudo foi feito pelo constituinte, que afeiçoou integralmente o sistema, entregando-o pronto e acabado ao legislador ordinário, a quem cabe somente obedecê-lo, em nada podendo contribuir para plasmá-lo”.
Logo, ao estudo correto da norma de competência, se torna imprescindível delinear qual é o alcance dos princípios constitucionais em matéria tributária, com o objetivo de se fazer uma verdadeira interpretação dos dispositivos que especificam e delimitam este ramo do direito, tornando possível entendê-lo de forma particular, algo que, por consequência, possibilitará compreender de forma mais acurada, também, o restante do ordenamento jurídico, até em razão de sua proximidade e de sua indissociabilidade com o Direito Constitucional.
O Direito Tributário, no que atine aos seus princípios específicos previstos na Constituição, é de uma aplicabilidade ímpar, pois, caso haja algum tipo de confronto com outros princípios de natureza geral, presentes ou não no mesmo diploma, ele acaba por não dar espaço a interpretações e abstrações, impondo ao intérprete do direito uma conduta única a ser realizada no caso concreto. O Direito Tributário tem caráter impositivo, não afeito às situações teóricas ou subsidiárias às quais, em regra, o direito, em suas outras ramificações, normalmente se socorre dos princípios.
Nesse sentido, assim leciona Ricardo Alexandre[4]:
“A moderna doutrina considera que boa parte dos denominados princípios constitucionais tributários, por não poderem ser ponderados quando parecem conflitar com outros princípios, seriam na realidade regras, visto que são disjuntivos, aplicando-se ou não a cada caso concreto, sem qualquer ponderação.”
Citando o autor Celso Antônio Bandeira de Mello, o mesmo Ricardo Alexandre assim explicita o que é princípio no direito tributário[5]:
“É, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.”
Com efeito, a importância no Direito Tributário brasileiro dos dispositivos constitucionais é enorme exatamente porque na Constituição da República Federativa do Brasil é que se encontra disposto o conteúdo referente a temas como imunidade ou repartição de receitas. [6]
Porém, pela função primordial que desempenham, destas disposições destacam-se, de maneira significativa, aquelas que tratam das competências tributárias, podendo ser entendidas como as responsáveis pela atribuição dada aos entes políticos no tocante à edição de normas de imposição tributária – as regras-matrizes de incidência tributária – que são as instituidoras dos tributos, principalmente quando se trata de Impostos.
Os impostos têm todas as suas competências tributárias impositivas descritas de forma expressa na Constituição da República Federativa do Brasil, sendo o critério utilizado na divisão dessas competências o da materialidade, cerne da norma. Em outras palavras, leva-se em conta o aspecto material da hipótese de incidência ao se realizar a divisão de competências, que nada mais é que o enquadramento de um determinado fato praticado pelo contribuinte em uma norma específica de imposição tributária. Separam-se, assim, as matérias passíveis de tributação, entregando parcelas, em caráter exclusivo, aos diversos entes políticos Federados – União, Estados, Distrito Federal e Municípios – conforme a inteligência dos Artigos 153 a 156, guardando exceção nas hipóteses compreendidas pelo Artigo 154, inciso I, de competência residual.[7]
As regras de competência de tais tributos, expoentes do que é comumente chamado pela doutrina de tributos não-vinculados, apontam os respectivos critérios materiais, excepcionando-se as hipóteses da competência residual da União (art. 154, I, CRFB). Os seus fatos são “gerados pelo contribuinte” e não estão adstritos a qualquer atividade estatal específica, ligada ao sujeito passivo, que legitime a cobrança. São de natureza contributiva, ou seja, a compulsoriedade de sua cobrança não retira o caráter eminentemente solidário do contribuinte para com os objetivos do Estado.
Os tributos vinculados, por sua vez, competem ao ente político cuja atuação servirá de causa à contraprestação pecuniária por parte dos contribuintes circunscritos à hipótese tributária. Os fatos geradores, neste caso, são atribuídos ao Estado, que ao prestar um serviço ou realizar uma conduta específica em relação ao sujeito passivo, acaba por caracterizar o aspecto material ensejador da cobrança. Exemplos desta vinculação, quanto à hipótese de incidência, são as taxas e contribuições de melhoria, que, por não serem objeto deste trabalho, não receberão um estudo mais detalhado. Sobre tributos vinculados e não-vinculados, assim versa de forma precisa o grande tributarista, Sacha Calmon Navarro Coêlho[8]:
“Pois bem, o constituinte de 1988, como de resto ocorreu com a Constituição de 1967, adotou, em sede doutrinária, a teoria jurídica dos tributos vinculados e não-vinculados a uma atuação estatal para operar a resolução do problema da repartição das competências tributárias, utilizando-a com grande mestria.
Predica dita teoria que os fatos geradores dos tributos são vinculados ou não-vinculados. O vínculo, no caso, dá-se em relação a uma atuação estatal. Os tributos vinculados a uma atuação estatal são as taxas e as contribuições: os não-vinculados são os impostos. Significa que o fato jurígeno genérico das taxas e contribuições necessariamente implica em uma atuação do Estado. No caso das taxas, esta atuação corporifica ora um ato do poder de polícia (taxas de polícia), ora uma realização de serviço público, específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto a sua disposição (taxas de serviço). Na hipótese da contribuição de melhoria, a atuação estatal materializa-se através da realização de uma obra pública capaz de beneficiar ou valorizar o imóvel do contribuinte. Nas contribuições previdenciárias é benefício à pessoa do contribuinte ou de seus dependentes. O fato gerador, como é usual dizer, ou fato jurígeno, como dizemos nós, ou ainda, a hipótese de incidência, como diz Geraldo Ataliba, implica sempre, inarredavelmente, uma atuação estatal. Exatamente por isso as taxas e as contribuições de melhoria e previdenciárias apresentam hipóteses de incidência ou fatos jurígenos que são fatos do Estado, sob a forma de atuações em prol dos contribuintes. Com os impostos as coisas se passam diferentemente, pois os seus fatos jurígenos, as suas hipóteses de incidência, são fatos necessariamente estranhos às atuações do Estado (lato sensu).”
Sintético, Geraldo Ataliba demonstra bem a distinção dos tributos quanto à sua vinculação[9]:
“Examinando-se e comparando-se todas as legislações existentes– quanto à hipótese de incidência – verificamos que, em todos os casos, o seu aspecto material, das duas, uma, a) ou consiste numa atividade do poder publico (ou numa repercussão desta) ou, pelo contrário, b) consiste num fato ou acontecimento inteiramente indiferente a qualquer atividade estatal. Esta verificação permite classificar todos os tributos, pois –segundo o seu aspecto material de sua hipótese de incidência consista ou não no desempenho de uma atividade estatal – em tributos vinculados e não vinculados.”
Cabe ressaltar, nesse sentido, que as diretrizes básicas do sistema tributário nacional estão contidas, basicamente, nas normas de competências legislativo-tributárias, onde está traçado, com maior ou com menor rigor, o campo de incidência dos tributos divididos entre os entes federados enumerados no Artigo 145 da CFRB. Para tanto, é preciso indicar os contornos das hipóteses de incidência tributária que podem ser adotadas pela legislação instituidora dos tributos de cada uma dessas pessoas – a saber, os Municípios, os Estados, o Distrito Federal e a União.
O legislador infraconstitucional, ao enunciar a regra-matriz de incidência tributária de qualquer dos impostos nominados na Constituição da República federativa do Brasil, deverá fazê-lo sempre observando o critério material indicado na respectiva norma de competência constitucional. Esse é o ensinamento do doutrinador Roque Antônio Carrazza, em seu Curso de Direito Tributário Constitucional[10]:
“O que queremos significar é que quem pode tributar pode, do mesmo modo, aumentar o tributo, minorá-lo, parcelar seu pagamento, isenta-lo, no todo ou em parte, remi-lo, anistiar as infrações fiscais ou, até, não-tributar, observadas sempre, é claro, as diretrizes constitucionais. Tudo vai depender de uma decisão política, a ser tomada pela própria entidade tributante.
Temos, pois, que o titular da competência tributária não pode nem substancialmente modificá-la, nem aliená-la, nem renunciá-la.”
Pois, neste tipo de tributo, que prescinde de uma determinada atuação estatal específica, o critério de partilha se apoia na tipificação de situações materiais (os fatos geradores) que servirão de suporte para a incidência. São exemplos de tipo identificados pela própria Constituição e partilhados entre os vários entes políticos, a “renda”, no que atine ao Imposto de Renda – IR, e a “prestação de serviços de qualquer natureza”, no que atine ao Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN.
Elucidando o significado de critério material da hipótese tributária, esta é a lição de Paulo de Barros Carvalho[11]:
“O critério material ou objetivo da hipótese tributária resume-se, como dissemos, no comportamento de alguém (pessoa física ou jurídica), consistente num ser, num dar ou num fazer e obtido mediante processo de abstração da hipótese tributária”.
Muito embora seja das pessoas políticas a competência para criar impostos, conforme concessão constitucional já mencionada, é defeso ao legislador de qualquer um dos entes federados escolhidos como destinatários da repartição de competência de incidência tributária, desbordar daquilo previsto na CRFB, seja qualitativamente seja quantitativamente. Ou seja, com o risco de incorrer em alguma inconstitucionalidade, não poderá o legislador infraconstitucional avançar sobre fatos diversos daqueles estabelecidos pelo constituinte, na inteligência das normas de competência dos impostos, como rol passível de receber tributação. Novamente recorre-se a Carrazza[12]:
“Indaga-se, amiúde, se o legislador, ao exercitar a competência tributária, encontra limites jurídicos. Parece-nos induvidoso que sim.
Um primeiro limite ele encontra na observância das normas constitucionais. O respeito devido a tais normas é absoluto e sua violação importa irremissível inconstitucionalidade da lei tributária. De fato, as normas legais têm sua validade vinculada à observância e ao respeito aos limites erigidos pelas normas constitucionais.”
3. Conclusão
Ante o exposto, fica evidente que os conflitos de competência em Direito Tributário são, em verdade, em quase sua totalidade, solucionados por sua própria fonte, a Lei (lato sensu).
Por fim, não é errado dizer que a Constituição Federal, fonte primeira das normas de competência tributária já “soluciona” os conflitos, pois ao determinar as materialidades dos impostos, não dá oportunidade a interpretações feitas pelo aplicador, pelo que os limites já estão traçados nas próprias regras de competência tributária.
Professor servidor do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná mediador judicial e advogado licenciado. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Londrina – UEL 2009 pós-graduado em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná 2011 e em Direito Civil e Empresarial pela Faculdade de Direito Professor Damásio de Jesus 2015. Aluno especial do Mestrado em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina – UEL 2012/2014 e 2016. Colaborador em projetos de pesquisa da UEL
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