Sistema Regional Europeu De Proteção Aos Direitos Humanos

European Regional System For The Protection Of Human Rights

Rita de Cássia Carvalho Tenório – Delegada de Polícia Civil do Estado do Amazonas – Especialista em Direito Constitucional/UNISUL – Mestranda em  Função Social do Direito/FADISP. E-mail: rita.tenorio83@gmail.com . Área do direito abordada no artigo: Direito Internacional.

Resumo: Embora o Sistema Europeu de Proteção aos Direitos Humanos seja o sistema regional mais antigo e avançado dentre os demais existentes, trata-se de tema pouco explorado no mundo acadêmico, em total descompasso com a sua relevância. Tendo a Declaração Universal dos Direitos do Homem como principal arcabouço, a Convenção Europeia, assim como seus Protocolos Adicionais, tornou-se o maior e mais importante instrumento de proteção aos direitos humanos no continente europeu, sobretudo onde Estados-membros ratificaram-na, servindo de parâmetro para criação e desenvolvimento dos demais sistemas de proteção aos direitos humanos, a nível global e regional. Conflitos armados, como a guerra entre Rússia e Ucrânia, assim como graves violações aos direitos e liberdades individuais, como a prisão das brasileiras na Alemanha, após terem malas trocadas por bagagem contendo drogas, reacendem discussões e reflexões. Visando compartilhar pesquisa realizada nos mais diversos meios disponíveis, por meio de escassas doutrinas atualizadas, artigos jurídicos e acesso eletrônico ao sítio do Tribunal Europeu, o presente artigo científico, sem o intuito de esgotar o tema, traz relevantes e minuciosas informações acerca do sistema.

Palavras-chave: Direitos Humanos. Sistema Regional. Convenção Europeia.

 

Abstract: Although the European System for the Protection of Human Rights is the oldest and most advanced regional system among the existing ones, it is a subject that has been little explored in the academic world, completely out of step with its relevance. Having the Universal Declaration of Human Rights as its main framework, the European Convention, as well as its Additional Protocols, has become the largest and most important instrument for the protection of human rights on the European continent, especially where Member States have ratified it, serving as a parameter for the creation and development of other human rights protection systems, at global and regional levels. Armed conflicts, such as the war between Russia and Ukraine, as well as serious violations of individual rights and freedoms, such as the imprisonment of Brazilian women in Germany, after having suitcases exchanged for luggage containing drugs, reignite discussions and reflections. Aiming to share in-depth research carried out in the most diverse means available, through scarce updated doctrines, legal articles and electronic access to the European Court website, this scientific article, without the intention of exhausting the subject, brings relevant and detailed information about the system .

Keywords: Human rights. Regional System. European Convention.

 

Sumário: Introdução. 1.Sistema Regional Europeu de Proteção aos Direitos Humanos. 2. O Tribunal Europeu de Direitos Humanos. 3. Competências e estrutura da Corte Europeia. 4. Principais Instrumentos de Proteção aos Direitos Humanos;4.1Convenção Europeia; 4.2Protocolos Adicionais. 5.Regras de admissibilidade. 6.Comitê de Ministros, executoriedade e discricionariedade das decisões da Corte Europeia. 7.Medidas Provisórias. 8. Julgamento Piloto. 9. Caso Prático julgado pela Corte Europeia. 10. Organograma do Sistema Europeu de Proteção aos Direitos Humanos. Considerações Finais. Bibliografia.

 

Introdução

A 2ª guerra mundial ocorreu entre os anos de 1939 e 1945, ou seja, 06 anos de um conflito global, que iniciou no continente Europeu, mas se alastrou por diversos continentes. Durante tal período ocorreram eventos catastróficos e impactantes, como o holocausto e o lançamento de bombas atômicas nas cidades de Hiroshima e Nagasaki, por exemplo, com consequências devastadoras, resultando na morte de mais de 60 milhões de pessoas.

Embora já se falasse em direitos humanos, ao fim da guerra o mundo passou a se preocupar com a efetiva proteção de tais direitos, e para isso, países decidiram se unir para implementar uma nova ordem internacional que visasse salvaguardar tais direitos e promover a paz e a segurança mundial. Daí, participantes de 50 países, que se encontravam na Conferência sobre Organização Internacional, em São Francisco, decidiram elaborar a Carta das Nações Unidas,  criando a Organização das Nações Unidas – ONU, organização intergovernamental existente desde outubro de 1945, tendo como objetivos manter a segurança e a paz mundial, promover direitos humanos, auxiliar no desenvolvimento econômico e social, proteger o meio ambiente, prover ajuda humanitária em casos de fome, desastres naturais e conflitos armados.

Assim surge o Sistema Internacional de Proteção aos Direitos Humanos, podendo ser definido como um conjunto de normas, instrumentos e procedimentos internacionais desenvolvidos para serem observados por todos os países, possuindo como principias instrumentos de proteção os tratados internacionais, principalmente os tratados internacionais de direitos humanos. O grande marco no avanço da proteção a nível internacional foi a promulgação da Declaração Universal de Direitos Humanos, em 1948, que estabeleceu o caráter universal desses direitos.

 

1.Sistema Regional Europeu de Proteção aos direitos humanos

A preocupação com a proteção dos direitos humanos não ficou restrita ao âmbito global, de forma que em alguns continentes surgiu a ideia de se construir relações pacíficas e duradouras, com vistas a estreitar a união entre seus Estados-membros e fortalecer o estado de direito, a democracia, o progresso econômico e social, bem como os direitos humanos. Surge então o sistema regional de proteção aos direitos humanos, sistema menor, formado pela reunião de países pertencentes ao mesmo bloco continental, com características históricas e culturais em comum, mas não dissociado do sistema global, devendo obediência aos tratados internacionais de direitos humanos.

Segundo Smith (apud PIOVESAN, 2013, p.86):

Na medida em que o número menor de Estados está envolvido, o consenso político se torna mais facilitado, seja com relação aos textos convencionais, seja quanto aos mecanismos de monitoramento. Muitas regiões são ainda relativamente homogêneas, com respeito à cultura, à língua, e às tradições, o que oferece vantagens”.

Seguindo essa tendência internacional, em 1948 foi realizado o Congresso de Haia, que por sua vez resultou na Conferência Europeia, no ano de 1949, mesmo ano em que foi assinado o Tratado de Londres, onde criava o Conselho da Europa, com a finalidade de unificar o continente europeu.

Criado o Conselho da Europa, no ano seguinte os Estados-membros aprovaram, em Roma, a Convenção Europeia, que só veio entrar em vigor 3 anos após, em 1953, com a adesão inicial de 10 Estados-membros.

Os Estados-membros do Conselho criaram, então, o Sistema Regional Europeu de Proteção aos Direitos Humanos, sistema regional pioneiro e mais avançado, servindo atualmente de paradigma aos demais Sistemas Regionais, quais sejam, Africano e Interamericano. Assim aduz Piovesan (2014, p.127), quando afirma que, dos sistemas regionais existentes, o europeu é o mais consolidado e amadurecido, exercendo forte influência sobre os demais – os sistemas interamericano e africano.

Vale ressaltar que todos os Estados-membros do Conselho da Europa ratificaram a Convenção Europeia, reconhecendo-a como instrumento de proteção dos direitos humanos a que devem obediência, atualmente contando com 46 membros. Até março de 2022 havia 47 membros, no entanto, houve a saída da Federação Russa, que após suspensa sua participação do Conselho da Europa em fevereiro de 2022, diante de constantes violações aos direitos humanos, decidiu pedir a exclusão do Conselho, apenas se efetivando tal exclusão seis meses após a carta emitida à Assembleia Geral, conforme disposto no Art. 58 da Convenção Europeia.

 

2.O Tribunal Europeu de Direitos Humanos

Visando assegurar o cumprimento e respeito aos direitos e deveres previstos na Convenção Europeia, foi criado, em 1959, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Quando criado, não se tratava de um Órgão permanente, apenas passando a sê-lo com a entrada em vigor do protocolo 11, no ano de 1998. É da competência do Tribunal Europeu todas as questões referentes à interpretação e à aplicação da Convenção Europeia de Direitos Humanos e respectivos Protocolos Adicionais.

Ele é composto por um número de juízes igual à quantidade de Estados- membros que compõem o Conselho da Europa, eleitos a partir da indicação de cada governo por meio de uma lista tríplice, que submetido à Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, elegerá apenas um deles, devendo possuir elevada respeitabilidade moral, possuir as qualificações necessárias para as Cortes judiciais superiores, ou devem ser juristas de reconhecida competência. Assim prevê a Convenção Europeia de Direitos Humanos, in verbis:

 

 

ARTIGO 20

Número de juízes

Número de juízes O Tribunal compõe-se de um número de juízes igual ao número de Altas Partes Contratantes.

ARTIGO 21

Condições para o exercício de funções

  1. Os juízes deverão gozar da mais alta reputação moral e reunir as condições requeridas para o exercício de altas funções judiciais ou ser jurisconsultos de reconhecida competência.
  2. Os juízes exercem as suas funções a título individual.
  3. Durante o respectivo mandato, os juízes não poderão exercer qualquer atividade incompatível com as exigências de independência, imparcialidade ou disponibilidade exigidas por uma atividade exercida a tempo inteiro. Qualquer questão relativa à aplicação do disposto no presente número é decidida pelo Tribunal.

 

 

Tais juízes, apesar de provenientes de uma lista tríplice elaborada pelo ente Estatal a que pertencem, exercem suas funções a título individual, ou seja, não representam o Estado em nome do qual são eleitos, visto serem totalmente independentes, estando impedidos de exercerem qualquer atividade que comprometa sua independência e imparcialidade. Ademais, vale destacar que a Corte Europeia, ao apreciar alguma queixa, pode realizar audiência pública e convidar ou autorizar terceiro interessado a se apresentar na condição de amicus curiae, assim como pode incentivar a conciliação, sempre priorizando uma solução amistosa.

 

  1. Competências e estrutura da Corte Europeia

A Corte Europeia possui competência consultiva e contenciosa. Nos termos do Art. 47 da Convenção, cabe à Corte, por solicitação do Comitê de Ministros, formular opiniões consultivas sobre questões jurídicas relativas à interpretação da convenção e de seus protocolos. Ocorre que tais opiniões consultivas sofrem restrições, pois a consulta não pode referir-se a qualquer questão afeta ao conteúdo ou alcance dos direitos e liberdades enunciados no título I da Convenção ou em seus protocolos, ou em outras questões que, em virtude do recurso previsto pela Convenção, possam ser submetidas à Corte ou Comitê de Ministros. Essas inúmeras restrições certamente esvaziam o poder consultivo da Corte Europeia, o que justifica a mínima atuação da corte na realização de tal papel, levando-se em consideração que até 2018 houve apenas 2 opiniões consultivas.

No que tange à competência contenciosa, as decisões da Corte são juridicamente vinculantes e tem natureza declaratória. Vale destacar, ainda, o pleno locus standi que os indivíduos tem perante a Corte Europeia, já que o art. 34 da Convenção permite a qualquer pessoa, grupo de pessoas ou organização não governamental, além de Estados-membros, a acessarem diretamente o Tribunal. Apesar de o Tribunal possuir ambas competências, a contenciosa é quase que a única praticada pela Corte Europeia.

A sede do Tribunal Europeu fica em Estrasburgo, na França, possuindo como línguas oficiais o francês e o inglês. A Corte é articulada em 4 níveis, sendo elas: juiz singular, Comitê de três juízes, Câmara (Chambre) de sete juízes e Grande Câmara (Grande Chambre) composta por 17 juízes.

O Juiz singular, sozinho, pode declarar a inadmissibilidade da queixa. O mesmo ocorre com o comitê de 3 juízes, que além de poder declarar a inadmissibilidade da queixa, também pode declará-la admissível e proferir decisão nos casos em que a jurisprudência do Tribunal já estiver assentada. A Grande Câmara, composta por 17 juízes, julga os casos que lhe são remetidos após a renúncia da jurisdição por uma Câmara ou quando um pedido de remessa foi aceito pela Corte.

Atualmente o TEDH possui 5 seções, onde funcionam as câmaras. Cada seção possui o presidente e o vice-presidente, além de 07 juízes. O juiz que fica responsável pelas medidas provisórias é, em regra, o vice-presidente de cada seção, cabendo também a eles substituir o presidente, quando de sua ausência na seção.

 

  1. Principais instrumentos de proteção aos direitos humanos no sistema europeu

Dentre os instrumentos de proteção aos direitos humanos do sistema europeu, destacam-se a Convenção Europeia, por realizar um papel preponderante na fundamentação das decisões da Corte, e os Protocolos Adicionais, por regulamentarem a estrutura e a fase procedimental do Tribunal Europeu.

 

4.1 Convenção Europeia

A Convenção Europeia de Proteção aos direitos humanos foi aprovada em Roma, em 1950, apenas entrando em vigor 3 anos após, em 1953. Seu preâmbulo enfatiza o reconhecimento e a aplicação dos enunciados da Declaração Universal dos Direitos Humanos à Convenção, tendo servido como fonte primária para elaboração do instrumento convencional.

Vale ressaltar que a Convenção somente exige o seu cumprimento pelos Estados-membros pertencentes ao Conselho da Europa e que ratificaram a Convenção Europeia. Estão amparadas pelos direitos nela previstos todas as pessoas que estejam sob jurisdição de alguma alta parte contratante, residente ou não no país.

A Convenção se divide em 3 partes: (i) Título I – Dos direitos e deveres individuais; (ii) Título 2 – Tribunal Europeu de Direitos Humanos; (iii) Título 3 – Disposições diversas. Foi emendada e modificada por diversos Protocolos Adicionais a fim de aprimorar e modernizar os direitos nela previstos, possuindo maior expressividade os protocolos 11 e 14, que logo serão analisados.

 

4.2 Protocolos Adicionais

Os Protocolos adicionais nada mais são que emendas (alterações e acréscimos) à Convenção Europeia com o objetivo de modernizá-la, garantindo a efetiva proteção dos direitos nela previstos diante da evolução social. Até agora já tiveram 16 protocolos adicionais, cada um com a sua devida importância, embora os de maior relevância sejam os de números 11 e 14.

O Protocolo adicional n. 11 foi instituído devido à necessidade de reestruturação do mecanismo de controle da Convenção, para manutenção e reforço da eficácia dos direitos e liberdades nela previstos. Tal protocolo nada mais que extinguiu a Comissão Europeia, deixando o Sistema Europeu de ser bifásico para se tornar monofásico. Melhor esclarecendo, antes as queixas eram submetidas a um controle de admissibilidade pré judicial perante a Comissão Europeia, formada por experts em direitos humanos, sem função jurisdicional. Com o protocolo 11, a Comissão deixou de existir e o Sistema Europeu tornou-se totalmente jurisdicional, ou seja, apenas juízes passaram a exercer o controle de admissibilidade, a tentativa de conciliação, e demais atividades concernentes ao Tribunal, deixando ainda de atuar de forma temporária, tornando-se permanente.

Essa alteração foi demasiadamente importante porque o Sistema Europeu sofria severas críticas por conta da demora na apreciação das queixas até chegar à Corte, isso quando chegava, já que cerca de 90% das queixas eram consideradas inadmissíveis pela comissão, sendo arquivadas de pronto. Ocorre que esse pleno acesso à Corte, apesar de ser positivo, teve um efeito “bumerangue”, pois apesar de solucionar o problema de acesso à Corte, houve um aumento demasiado no número de demandas decorrente da crescente adesão dos Estados-membros ao Conselho da Europa, acrescido ao amplo acesso à Corte, considerando que qualquer indivíduo pode, sozinho, mesmo sem advogado, apresentar queixa ao Tribunal Europeu. A solução para essa avalanche de demandas somente foi amenizada com o protocolo n. 14, que veremos a seguir.

O protocolo 14 foi instituído para reestruturar não o mecanismo de controle, que foi solucionado pelo Protocolo 11, mas a estrutura da Corte, que urgentemente, necessitava de reforma para solucionar o problema das demasiadas demandas ao Tribunal. Com isso, tal Protocolo além de estabelecer um novo período de mandato aos juízes, (09 anos, sem recondução) e idade máxima (70 anos), criou critérios mínimos de admissibilidade para recebimento das queixas, sob pena de não as reconhecer. Também adotou uma definida divisão de tarefas, permitindo ao juiz singular, sozinho, fazer juízo de inadmissibilidade, função também atribuível ao Comitê de Juízes, que além de declarar inadmissível, também podem decidir pela admissibilidade e proferir decisão, desde que a jurisprudência do tribunal já esteja assentada. Além do juiz singular e do Comitê de juízes, a Corte ainda foi dividida em Câmara (Chambre) e Grande Câmara (Grand Chambre), a primeira inserida nas 5 seções com 7 juízes cada, e a última composta por 17 juízes. Insta salientar que o problema da elevada demanda não foi solucionado, mas foi amenizado com tal restruturação.

 

  1. Regras de admissibilidade

São 4 os requisitos para ingresso de queixa perante o Tribunal, sob pena de a Corte considerá-la inadmissível: (i) Exaurimento dos recursos internos (ressaltar que a atuação da corte europeia é subsidiária das instituições do sistema nacional de proteção aos direitos humanos, somente podendo atuar após o esgotamento de todas as instâncias internas possíveis; (ii) Prazo de 4 meses para recorrer ao Tribunal, a iniciar-se da decisão interna final (antigamente a pessoa tinha o prazo de até 06 meses para demandar a Corte Europeia. Tal prazo foi reduzido para 04 meses; (iii) Queixas baseadas na Convenção Europeia (somente queixas de violação aos direitos previstos na convenção europeia e contra estados membros pertencentes ao Conselho da Europa poderão ser apreciados pela Corte; (iv) O requerente ter sofrido um prejuízo significativo (esse requisito carece de tamanha subjetividade, já tendo o tribunal se pronunciado acerca da necessidade de exame de fundamentação do assunto.

Qualquer Estado-Membro, pessoa, grupo de pessoas ou entidade não governamental que se sentir lesada tem legitimidade para apresentar uma petição em busca de seus direitos. O sistema de peticionamento é simples e dispensa a presença de advogado, embora se faça necessário a partir da notificação do Estado requerido. Não é necessário possuir a nacionalidade do Estado-réu ou sequer que a estadia no território seja regular. Mesmo estrangeiros em situação irregular podem processar um Estado-réu perante a Corte. Em contrapartida, o legitimado passivo será sempre o Estado, visto que não se julga indivíduos (pessoas físicas) por violação de direitos humanos, e caso ocorra algum tipo de violação, o Estado quem deve responder em virtude de sua omissão.

 

  1. Comitê de Ministros, executoriedade e discricionariedade no cumprimento das decisões

O Comitê de Ministros é formado pelos Ministros das Relações Exteriores de cada Estado-Membro. À época da existência da Comissão, ao Comitê cabia apreciar demandas, decidindo, por maioria de 2/3, se houve violação de direitos humanos e como o Estado seria responsabilizado.

A partir da edição do Protocolo n. 9, ao Comitê cabe a supervisão da execução da sentença proferida pelo Tribunal Europeu. Seus ministros se reúnem 4 vezes ao ano, trimestralmente, ocasião em que se pronunciam através da emissão de resoluções provisórias, com relação a decisões ainda não implementadas, ou definitivas, quanto às decisões já implementadas pelo Estado-Membro, em conformidade com o decidido pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos.

Os Estados Partes são obrigados a respeitar a sentenças definitivas da Corte Europeia, conforme previsão do Art. 46 da Convenção:

Artigo 46

Força Vinculante e Execução das Sentenças

  1. As Altas Partes Contratantes obrigam-se a respeitar as sentenças definitivas da Corte nos casos em que forem partes.
  2. A sentença definitiva da Corte será transmitida ao Comitê de Ministros, o qual deve supervisionar sua execução.

 

Mesmo que contrárias às decisões internas de alguma das Altas Partes contratantes, uma vez ratificada a Convenção, o Estado-Membro deve ter respeitabilidade e dar cumprimento às decisões da Corte Europeia. Diante de seu caráter subsidiário, por se tratar de uma Corte que somente deve ser acionada após decorridos e esgotados todos os recursos internos, há quem a considere, portanto, uma Corte contramajoritária.

No que tange à executoriedade das decisões prolatadas pelo Tribunal Europeu, vale salientar que o Comitê não possui mecanismos necessários para exigir o cumprimento das sentenças, limitando-se a solicitar informações aos Estados-Membros, restringindo-se aos esclarecimentos prestados pelo Estado contratante condenado. Não havendo prestação de informações através de um plano de ação, o Tribunal pode obter informações de ONGs e demais integrantes da Sociedade Civil.

Em seu mister de órgão fiscalizador, o Comitê de Ministros acompanhará o cumprimento dos julgados da Corte, que podem ser de três tipos: (i) pagamento de quantia em dinheiro (a chamada satisfação equitativa); (ii) cumprimento de medidas individuais; e (iii) implementação de medidas estruturais gerais.

Após o trânsito em julgado do julgamento da Corte, o Estado deve encaminhar um plano de ação ao Comitê com as medidas já adotadas ou em planejamento. Diante disso, há duas vias para a fiscalização. São eles: procedimento reforçado e procedimento padrão. Procedimento reforçado: Para os casos de medidas individuais, estruturais ou procedimento piloto, bem como nas demandas interestatais. Procedimento padrão: Para os casos de mera satisfação equitativa. Em caso de descumprimento de uma decisão, pela falta do pressuposto da força estatal, não podendo haver uma execução forçada, o Estado réu pode ter como penalidade a pena de suspensão/exclusão do Conselho da Europa, além de outras medidas diplomáticas.

Ainda que as sentenças sejam definitivas e que os Estados Partes estejam obrigados a cumpri-las, cabe ao próprio Estado criar mecanismos para cumprir as sentenças, criando mecanismos internos mais adequados para a reparação devida. A sentenças possuem natureza declaratória e os Estados geralmente cumprem as decisões adaptando suas legislações internas à Convenção Europeia. A possibilidade de reparação do dano existe, mas desde que o ordenamento interno faça previsão.

 

  1. Medidas Provisórias

Adotado pelo Sistema Europeu de Proteção aos Direitos Humanos, embora não previsto na Convenção Europeia ou em seus protocolos adicionais, mas apenas no regulamento interno da Corte, medida provisória nada mais é que um remédio jurídico adotado para casos graves e urgentes, que visem evitar dano irreparável.

No âmbito do Sistema Europeu, tais medidas se aplicam principalmente em casos de extradição e expulsão. A força de sua decisão pode atingir tanto o Estado demandado, quanto o peticionante, este último em questões relacionadas à greve de fome e tentativa de suicídio, por exemplo, quando se faz necessário que o Estado Parte adote medidas urgentes visando sanar ou minimizar alguma violação de direitos humanos.

Assim como na interposição de uma queixa, a medida provisória se submete a requisitos de admissibilidade, sob pena de sequer ser conhecida. Os requisitos para ingressar com uma MP são: a. informação fundamentada; b. enviado por fax ou correio (vetado o envio via e-mail); c. petição enviada em tempo hábil; d. não haver recursos de efeito suspensivo disponíveis na jurisdição interna; e. continuidade e acompanhamento da demanda por parte do requerente. Necessário, ainda, que se anexe todos os documentos pertinentes à demanda, principalmente decisões domésticas.

 

  1. Julgamento Piloto

Após a universalidade de acesso à Corte Europeia com a edição do protocolo adicional n. 11, visando evitar que o Sistema Europeu de Proteção aos Direitos Humanos entrasse em colapso com as demandas repetitivas, também chamadas demandas clones, adotou-se algumas providências necessárias, a fim de que o sistema não sofresse solução de continuidade. A primeira providência foi a implantação da possibilidade de o Comitê de 03 juízes declarar, unanimemente, uma demanda procedente em razão de o tema já estar pacificado pelo Tribunal. A segunda providência foi a possibilidade de a demanda seguir o procedimento do julgamento piloto.

Mas o que seria o julgamento piloto? Julgamento piloto consiste na identificação, em um caso individual, de causas estruturais de violação de direitos humanos, permitindo à Corte apontar aos Estados-réus medidas gerais que visem solucionar todos os demais casos semelhantes, evitando, portanto, o surgimento de outros novos recursos.

No que tange às revisões de sentenças proferidas pela Corte Europeia, resta salientar que somente é possível a revisão das sentenças em dois casos: Caso surja fato novo não conhecido pela Tribunal Europeu ou para fins de retificação de erros manifestados ou erros de cálculo.

 

  1. Caso Prático

            Por ser o mais antigo e inovador sistema regional de Proteção aos Direitos Humanos, certamente é o Tribunal que mais proferiu julgamentos até a presente data, servindo suas decisões como paradigma para diversos outros Tribunais, não se resumindo aos Tribunais de proteção aos Direitos Humanos. Um caso emblemático, julgado pela Corte Europeia, e que merece ser relembrado é a Queixa n. 33290/96 – Salgueiro da Silva Mouta x Portugal. O caso trata-se de uma disputa judicial do poder parental de um pai homossexual, que, ao fim, contrariando a decisão interna do Tribunal Português, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos condenou Portugal por discriminação em função da orientação sexual.

 

  1. Organograma – Sistema Regional Europeu

            Visando a fixação do estudo acerca do sistema europeu de proteção aos direitos humanos, através do presente organograma há uma síntese dos principais pontos abordados e temas mais relevantes.

 

Considerações Finais

Como podemos vislumbrar, o sistema europeu de proteção aos direitos humanos foi o pioneiro, mas não é o único, nem mais importante sistema regional de proteção, também havendo os sistemas interamericano e africano de proteção aos direitos humanos. Todos os sistemas regionais, embora sejam sistemas menores, que abarcam países de um mesmo continente com similaridades históricas e culturais, são complementares ao sistema internacional de proteção aos direitos humanos. Tratam-se de sistemas complementares ao sistema global, todos com o objetivo comum de universalizar e proteger os direitos do homem e do cidadão.

Embora cada sistema possua suas peculiaridades, competências e jurisdição, atualmente as cortes dialogam e discutem temas relevantes, sempre em busca de uma melhor proteção nacional e internacional. Prova desse intercâmbio entre os sistemas são as ultrapassagens de barreiras continentais das decisões proferidas, sendo bastante comum que decisões europeias ou africanas fundamentem suas decisões baseadas em jurisprudências da corte interamericana, também ocorrendo o contrário. É a chamada interamericanização do sistema europeu, ou europeicização do sistema interamericano, podendo ainda ambos influenciarem o terceiro e mais novo sistema regional que é o africano, sistema peculiar diante da falta de homogeneidade política no continente.

A implementação dos sistemas regionais foi um sobressalto bastante significativo na proteção dos direitos humanos, entretanto ainda há muito o que se construir. As decisões da Corte Europeia, por exemplo, ainda carecem de autoexecutoriedade, ficando a mercê dos Estados-Membros cumprirem com o que foi ratificado em Convenção, sendo a Europa um continente considerado de alta respeitabilidade diante das decisões proferidas pelo Tribunal Europeu, ou seja, boa parte das decisões são cumpridas pelas Altas Partes contratantes, mas longe do que seria ideal.

Esta falta de autoexecutoriedade recai no velho debate: Até onde os direitos humanos podem relativizar a soberania estatal? Essa resposta talvez jamais seja respondida a contento diante das adversidades no mundo continental em que vivemos, cada um com seus valores e dotados de historicidade. O que temos certeza é que para assentar e solidificar o tema direitos humanos foi necessária uma segunda guerra mundial e diversas outras atrocidades que resultaram em milhões de mortes. Somente diante de eventos catastróficos o mundo se uniu e passou a se preocupar com os direitos humanos.

 

Bibliografia

European Court of Human Rights. Disponível em: https://echr.coe.int/Pages/home.aspx?p=home . Acesso em 13/03/2023.

 

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Justiça Internacional: um estudo comparativo dos sistemas regionais europeu, interamericano e africano. 5.ed.rev.,ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014.

 

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

 

RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. Saraiva. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2022.

 

_______Curso de Direitos Humanos. 10ª ed.. São Paulo: Saraiva, 2023.

 

ROBICHEZ, Juliette. Os Sistemas Regionais de Direitos Humanos na Perspectiva de uma Nova Ordem Mundial. Salvador: Studio Sala de Aula, 2021.

 

SALA, José Blanes; GASPAROTO, Ana Lúcia. O Sistema Europeu de Proteção dos Direitos Humanos. Revista do Instituto Brasileiro de Direitos Humanos. Disponível em: https://revista.ibdh.org.br/index.php/ibdh/article/view/301 .

 

Âmbito Jurídico

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