Categories: FilosofiaRevista 85

Sobre a legitimidade do direito enquanto fruto do agir comunicativo

Descrição: Neste trabalho é realizado um breve estudo sobre a Teoria da Ação Comunicativa, criada pelo filósofo alemão Jürgen Habermas, como legitimadora do Direito, bem como o papel deste como instrumento de integração social em um Estado democrático.


Palavras-chave: direito; teoria da Ação Comunicativa.


Abstract: At this work is performed a brief study on the Theory of Communicative Action, created by the German philosopher Jürgen Habermas, as legitimating of the law and the role of this as an instrument of social integration in a democratic State.


Keywords: law; Theory of Communicative Action.


Sumário: 1. Considerações sobre o Direito a partir da Teoria da Ação Comunicativa 2. O Direito como instrumento de integração social 3. Considerações finais. Referências.


1. Considerações sobre o Direito a partir da Teoria da Ação Comunicativa


A abordagem crítica deste trabalho funda-se na teoria da ação comunicativa de Jürgen Habermas. De acordo com Boufleur, a pretensão de Habermas ao criar a teoria da ação comunicativa foi construir uma nova racionalidade, criticando o racionalismo positivista:


“Em busca de uma teoria crítica que tenha esse maior alcance, Habermas propõe uma mudança de paradigma: o parâmetro de racionalidade e de crítica deixa de ser o sujeito cognoscente que se relaciona com os objetos a fim de conhecê-los e manipulá-los, passando a ser a relação intersubjetiva que os sujeitos entre si estabelecem a fim de se entenderem sobre algo” (BOUFLEUER, 2001, p. 14).


Percebe-se que Habermas utiliza a ação comunicativa como uma estratégia para o alcance de uma nova racionalidade, contudo nessa teoria existem condições a serem alcançadas para que se obtenha êxito:


“Para nos situarmos rapidamente podemos dizer que Habermas tematiza e reconstrói teoricamente certas condições desde sempre pressupostas na convivência humana. Especificamente são as condições pressupostas nas interações em que dois ou mais sujeitos utilizam a linguagem com a finalidade de se entenderem sobre aspectos do mundo em que vivem e do qual fazem parte. (…) Resgatada e devidamente identificada, a racionalidade comunicativa mostra-se atuante no processo de reprodução da sociedade sob o ponto de vista de sua estruturas simbólicas: as tradições culturais, as solidariedades sociais e as identidades pessoais. Com isso o agir comunicativo mostra-se importante e fecundo no campo das ciências sociais, uma vez que revela o modo de racionalidade presente em processos de reprodução da sociedade. Reprodução no sentido de integração social operada através da reprodução simbólica do mundo da vida” (BOUFLEUER, 2001, p. 15).


De acordo com a teoria da ação comunicativa os sujeitos agem de um modo estratégico, a positividade, a legalidade e o formalismo formam o direito privado burguês:


“Conforme o entendimento de Habermas, somente a etapa pós-convencional do Direito, portanto, no direito moderno, as estruturas da consciência moderna materializam-se no sistema jurídico, o que a seus olhos acontece, precisamente com o direito privado burguês, que se caracteriza através da positividade, da legalidade e do formalismo”. (MOREIRA, 2002, p. 36)


 Para Habermas o formalismo regula as condutas através da negatividade, ou seja, é permitido fazer o que a lei não proíbe. A legalidade é o limite às condutas das pessoas, há uma obediência ao direito, caso contrário, haverá uma sanção. E por fim a positividade significa que há a regulamentação do direito moderno a partir das leis criadas por um legislador soberano (HABERMAS, 2003).


A respeito da legitimação da dominação legal, Moreira leciona que ela ocorre desde a criação das leis até a sua aplicação:


“Segundo Habermas, legitimação segundo um procedimento não significa o recurso às condições formais de justificação das normas jurídicas, mas quer dizer a observância de procedimentos da gênese à aplicação do Direito, ou seja, da etapa de sua criação legislativa até a sua interpretação e aplicabilidade jurisdicional. Assim, a legalidade significa a concordância ao juridicamente vigente e ao que é estatuído de fato como Direito” (MOREIRA, 2002, p. 42-43)


A legitimidade do direito advém da verificação da correção processual de todas as suas etapas de formulação. Num sistema jurídico a existência de institutos capazes de promoverem a sua legitimação é essencial, no caso dos Estados Democráticos de Direito, os direitos humanos fundamentais assumem esse papel de legitimadores (MOREIRA, 2002). Verifica-se que o direito ao devido processo legal, enquanto direito fundamental, também é um dos institutos que promovem a legitimação do Estado Brasileiro, principalmente no tocante ao exercício da jurisdição, assim se há a esse princípio durante algum procedimento pode-se questionar até mesmo a legitimidade de todo o sistema jurídico.


De acordo com Habermas a ação comunicativa pode ser utilizada enquanto meio de propagação de ideias uma vez que as proposições feitas pelos sujeitos advêm de pensamentos, os quais extrapolam as experiências de um indivíduo e por isso são depreendidos por outros sujeitos, diferentemente das representações, que são individuais. Um pensamento geral pode ser depreendido das regras lingüísticas e gramaticais, e, portanto, existe uma solidificação de significados dentro de uma comunidade. Quanto aos juízos feitos pelos indivíduos a respeito do pensamento, se este é ou não verdadeiro, o fato de os pensamentos estarem além da esfera individual faz com que a verdade seja transcendental, que extrapole os limites de tempo e espaço, por estar interligada com acontecimentos históricos, por isso não estaria limitada a uma comunidade ou a algumas comunidades.


“Exatamente porque os pensamentos são expressos através de proposições é que precisamos do medium lingüístico para expressarmos a distinção entre pensamentos e representações. Nisto consiste, para Habermas, que as expressões lingüísticas tenham significado idêntico para os mais diversos usuários. Isso quer dizer que uma dada comunidade de linguagem tem a mesma compreensão sobre uma certa expressão gramatical. Nas mais diversas situações em que são empregadas, essas expressões conservam o mesmo significado. Isso quer dizer que, ao serem empregadas, as expressões compartilham de uma certa transcendência que lhes é peculiar” (MOREIRA, 2002, p. 105).


Numa análise do entendimento de Habermas sobre Pierce, conclui-se que não mais se constrói a experiência pelas realizações da “consciência transcendental mas por um processo de interpretação coletivo, cumulativo e autorregulado” (DUTRA, 2005, p. 105). Habermas citando Charlie Pierce:


“the real, then, is that which, sooner or later, information and reasoning would finally result in, and which is therefore independent of the vagaries of me and you. Thus, the very origin of the conception of reality shows that this conception essentially involves the notion of a community, without defines limits, and capable of a definite increase of knowledge.” (HABERMAS, 1997, p. 32)[1].


Cada indivíduo deve agir de forma que seus atos sejam passíveis de entendimento pelos demais envolvidos no processo de comunicação, e dessa forma o seu agir comunicativo teria credibilidade, tais afirmações não eximem os indivíduos de uma comunidade de interpretações divergentes, contudo o desenvolvimento dos atos da fala, que não possuem limites de tempo e espaço, sanariam gradativamente esses conflitos. Segundo Boufleuer:


“(…) no agir comunicativo pressupõe-se que os participantes possam chegar, por manifestações de apoio ou de crítica, a um entendimento acerca do saber que deve ser considerado válido para o prosseguimento da interação. Nesse caso, as convicções intersubjetivamente compartilhadas constituem um potencial de razões que vinculam os sujeitos em termos de reciprocidade” (BOUFLEUER, 2001, p. 26).


Utilizar significados idênticos para as expressões lingüísticas é pressuposto para a interação dos entre os indivíduos para que esses tenham coordenação de entendimento. As normas e enunciados têm validade espaço-temporal ilimitada porque seu descumprimento é sancionado moralmente, estão, portanto, solidificadas pelo entendimento da sociedade, contudo as pretensões da fala de um sujeito não carregam em si a mesma credibilidade. De acordo com o autor é imprescindível que as pretensões tenham uma aceitação local para que alcancem a validade almejada e com base no juízo de valor sejam racionalmente aceitas.


“A noção de “racionalidade” emerge exatamente dessa capacidade de o homem agir sobre a natureza e de interagir (simbolicamente) com os outros. Na realidade somente às pessoas atribuímos o predicado de racionais ou de irracionais e isso tão-somente sob o ponto de vista do que falam ou do que fazem. Interagindo pela fala ou agindo pela intervenção na natureza, as pessoas podem comportar-se re forma mais ou menos racional” (BOUFLEUER, 2001, p. 28).


Racional, de acordo com Buefleuer, é o sujeito que age motivadamente, que tem um propósito (BUEFLEUER, 2001, p. 28)


 Nas sociedades arcaicas a aceitação dos institutos justificava-se pelo temor das sanções das entidades sagradas e sobrenaturais, hodiernamente esses conflitos podem ser resolvidos de forma estratégica desde que haja normas intersubjetivas entre os sujeitos. Na teoria habermasiana o mundo da vida é o plano de fundo para o agir comunicativo. Estabelecer a ordem social pela comunicação é possível somente se houver consenso sobre o significado e a valorização dos institutos, tem-se, por conseguinte, uma constante tensão entre facticidade e validade.


Complicada se mostra a integração entre mundos de vida não mais vinculados a autoridades sagradas, o agir comunicativo e a quebra da comunicação são duas alternativas para integrar socialmente os indivíduos em uma sociedade. Quanto aos que agem comunicativamente existem os que se orientam pelo auto-sucesso, caso em que a linguagem é apenas utilizada como um instrumento, bem como os sujeitos que agem comunicativamente se orientando para o entendimento intersubjetivo. Em qualquer dos casos é necessário que os sujeitos tenham identidade quanto às pretensões de validade para que esses indivíduos estejam integrados. Nesse sentido Buefleuer leciona:


“O agir comunicativo resulta da aplicação, em contextos de ação social, do modelo de racionalidade que emana dos processo de entendimento lingüístico que buscam o reconhecimento intersubjetivo de pretensões de validez criticáveis. Já o agir estratégico resulta da aplicação, em contextos de ação social, do modelo de racionalidade que emana dos processos de intervenção na natureza com o fim de uma manipulação com êxito. No primeiro caso a linguagem aparece com todo o seu potencial de motivar a convicção e de gerar consenso. No segundo ela não passa de um meio de transmissão de informações e de influência de uns sobre outros e sobre a situação da ação, induzindo o comportamento” (BOUFLEUER, 2001, p. 30).


Na teoria da ação comunicativa a validade do direito está interligada com a liberdade. Há um elo entre facticidade e validade, uma vez que as normas jurídicas factualmente obrigatórias são resultado da validade do direito. O direito por si só tem o poder de coerção, contudo sua validade depende da garantia da liberdade dos sujeitos. A obediência às de normas de direito justifica-se primordialmente pela moral, por regras éticas, sendo a coerção vista apenas como promessa de sanção por eventual desobediência, ou seja, não é o temor de ser castigado que freia as ações de um sujeito, mas sim a validade atribuída ao direito.


A validade do direito subdivide-se em validade social, demonstrada pela quanto o direito pode ser imposto numa sociedade, sendo um conjunto de normas que regulam a vida na sociedade. Por outro lado a validade do direito enquanto legítimo somente pode ser verificada se há consciência social de que as regras jurídicas são destinadas ao alcance do bem comum, e por isso são aceitas, contudo o autor leciona que a credibilidade dos membros de uma sociedade para que atribuam a validade fática e social ao direito advém da fé em sua legitimidade, e o quanto menor a legitimidade de um sistema jurídico maior será o uso de sanções para serem obedecidas. Tal legitimidade seria alcançada “através da força socialmente integradora da ‘vontade unida e coincidente de todos’ os cidadãos livres e iguais.” (HABERMAS, 1997, p. 53)


No que toca às relações internas dos aspectos de facticidade e validade do direito, para a teoria habermasiana a oposição entre ideia e realidade, tipicamente oposta pela tradição platônica passou a ser vista de modo ontológico e de acordo com os moldes da filosofia da consciência. Percebeu-se, então que há identidade entre a validade universalmente aceita e as expressões lingüísticas. O agir comunicativo, entendido como o uso da linguagem com a finalidade de entendimento, depende da coordenação das ações dos sujeitos envolvidos num processo de comunicação, tem-se a partir daí o medium de integração social. Existem duas alternativas àqueles envolvidos no agir comunicativo, ou se aceita as convicções ou as rejeita. Quando se rejeita uma convicção pelo uso de argumentos na verdade existe uma troca no discurso, troca de opiniões e valores. Argumentos podem ser utilizados para dar sustentação ao discurso ou prejudicá-lo têm a capacidade de derrubar standarts sociais. Em razão da instabilidade do conjunto de ações dos indivíduos   na sociedade sempre haverá necessidade de integração social por meio da ação comunicativa. De acordo com Habermas:


“A integração social, que se realiza através de normas, valores e entendimento, só passa a ser inteiramente tarefa dos que agem comunicativamente na medida em que normas e valores forem diluídos comunicativamente e expostos ao jogo livre de argumentos mobilizadores, e na medida em que levarmos em conta a diferença categorial entre aceitabilidade e simples aceitação.” (HABERMAS, 1997, p. 58)


     O direito moderno é capaz de promover a integração social pela aplicação de sanções. As normas jurídicas são aceitas por terem a característica de serem coercitivas, contudo sua validade, ou seja, sua legitimidade está atrelada aos valores aceitos pelos destinatários dessas normas. O processo de legitimação dessas normas é contínuo, e para isso o direito necessita de aparato que regule a discussão em relação à essa legitimidade.


Habermas leciona ainda que o direito enquanto instrumento de integração social possui dois aspectos, quais sejam a positividade e a pretensão à aceitabilidade racional, nesse sentido:


“A positividade do direito significa que, ao se criar conscientemente uma estrutura de normas, surge um fragmento de realidade social produzida artificialmente, a qual só existe até segunda ordem, porque ela pode ser modificada ou colocada fora de ação em qualquer um de seus componentes singulares” (HABERMAS, 1997, p. 60)


Comparativamente a validade do direito advém mormente da ligação entre a positividade e a legalidade do que em decisões arbitrárias. O poder político imposto é uma dimensão do emprego do direito. No Estado de Direito existe a prática da auto-legislação pelos cidadãos, os quais criam normas que protegem o próprio direito do poder político ilegítimo.   


2. O Direito como instrumento de integração social


O agir comunicativo tem a função de integração social ao “liberar o potencial de racionalidade da linguagem”. De acordo com Habermas o direito é um instrumento de integração social.


“Na medida em que o conteúdo ideal de validade do direito se esclarece inicialmente nos termos jurídico-racionais de uma organização e auto-organização consciente da comunidade jurídica, colidindo com os imperativos funcionais da economia de mercado e da administração burocratizada, a autocompreensão normativa passa a estruturar um crítica no nível das ciências sociais” (HABERMAS, 1997, p. 65)


Contudo o direito deve prezar para que a integração social leve em conta a sociedade como um todo, contradizendo os sistemas dirigidos pelo dinheiro e pelo poder administrativo, assim o direito é vítima de críticas sociológicas, segundo as quais para que se insira na sociedade, o direito deve prescindir de normatividade, e isso, de acordo com Habermas, é contrário à teoria do discurso, a qual preza pela normatividade do direito.


Originalmente o direito por si só era suficientemente legítimo para ordenar a sociedade. Todavia esse posicionamento passou a ser questionado pela doutrina da sociedade natural, a qual confrontava a teoria do direito racional com as práticas e costumes tradicionais de uma determinada sociedade, opondo-se ao “prescritivismo” e ao “racionalismo”. As teorias contratualistas que têm o direito natural como base da sociedade, na visão de Habermas somente podem ser aceitas com plausibilidade quando partem do pressuposto de que todos os homens são livres e iguais e que por ato de vontade contratam. Mesmo tendo havido teorias contrárias ao naturalismo, para Habermas aqueles que vêem na sociedade civil o início socialização política têm um afinidade com o naturalismo estudado por Hobbes.


Adam Smith e David Ricardo criaram a economia política, a sociedade era por eles vista como um complexo de relações econômicas advindas das relações de trabalho e do comércio, não havia um regulamento específico para essas relações. Assim Habermas expõem que Hegel também não utiliza a teoria naturalista para explicar as relações sociais, segundo o qual os indivíduos se relacionavam por questão de necessidade. Marx, com sua visão crítica da economia política, via a sociedade burguesa como um agente anônimo que controla a sociedade através do capital, de acordo com o pensamento deste o direito não é mais a principal forma de integração social , não eram mais as normas que mantinham coesa a sociedade e sim as relações econômicas. A Teoria Funcionalista do sistema, posterior ao modelo marxiano, tratava a sociedade com um conjunto de sistemas, separados entre si, horizontalmente estruturados, sem interferência direta em si. Um ponto fundamental a se observado por Habermas é que após Marx o direito foi marginalizado nos estudos da sociologia do direito. Em sentido amplo era apenas um conjunto de modelos de conduta idealizados pela sociedade, e em sentido estrito abrangia as normas e situações jurídicas.


A internalização de normas de comportamento é resultado de um conflito entre o ator consigo mesmo através da escolha dentre as várias possibilidades de valores que existem em sua consciência por aquele que é comum aos demais atores em uma sociedade. Por ato voluntário o ator se submete às mesmas normas que os demais. Entretanto somente essa internalização de valores atinentes à legitimidade da norma são insuficientes para garantir sua validade, uma vez que nem todos os atores as tomam, como válidas racional e axiologicamente, a partir desse ponto o direito assume um papel fundamental como garantidor da eficácia das normas sociais. O papel do direito de sancionar condutas socialmente desaprovadas advém de um consentimento que se fundamenta nas mais diversas espécies de valores e crenças.


As normas jurídicas somente podem ser feitas diante princípios para fundamenta-las, como forma de legitimação. O Estado Democrático de Direito se legitima a partir de sua atuação conforme as leis, e não por ser pautado pela opinião popular.


De acordo com Habermas, Parsons considera o Estado Democrático de Direito como resultado da juridificação do poder político. A comunidade social é que legitima o Estado tendo como esteio o direito moderno. Os conflitos passam a ser resolvidos através do direito e os cidadãos invocam o seu status de titular de direitos fundamentais universais.


Igualdade concreta dos cidadãos é essencial para concretizar o processo de legitimação. Essa igualdade advém do oferecimento das mesmas oportunidades, inclusive de cidadania.


O direito moderno tem a função de possibilitar o exercício desses direitos. A evolução do sistema do direito está ligada à evolução da sociedade civil. Principalmente os direitos políticos são invocados e protegidos por associações criadas com o aval do Estado, a tutela desses direitos é possível apenas se o direito moderno tiver a postura de “lugar-tenente” da comunidade societal.


“Parsons entende o direito moderno como uma correia de transmissão abstrata e obrigatória, através da qual é possível passar solidariedade para as condições anônimas e sistemicamente mediadas de uma sociedade complexa, portanto para as estruturas pretensiosas de reconhecimento recíproco, as quais nós descobrimos nas condições de vida concretas” (HABERMAS, 1997, p. 107).


Parsons, segundo Habermas, vê a cidadania como instrumento de realização do direito moderno. Constata-se que atualmente há uma expansão dos direitos dos cidadãos, tanto os direitos liberais quantos os direitos sociais, contudo isso não é sinônimo do crescimento de liberdades individuais. O Estado pode tutelar direitos liberais, tais como propriedade privada, ou sociais como saúde e educação, sem que os cidadãos tenham o controle real sobre esses direitos, Habermas vê uma relação de cliente e fornecedor entre cidadão e Estado.


Habermas entende que a conceituação de direito subjetivo é importantíssima para que se compreenda o direito na modernidade: “Ele (direito subjetivo) corresponde ao conceito de ação subjetiva: direitos subjetivos (rights) estabelecem os limites no interior dos quais um sujeito está justificado a empregar livremente sua vontade” (HABERMAS, 1997, p. 113), liberdade até o ponto que não interfira nos direitos dos outros cidadãos. Esse conceito é semelhante ao dado pela Declaração dos direitos do Homem e do Cidadão.


Segundo Habermas o direito moderno deve se realizar a partir de uma integração social, a qual é possível desde que haja a realização individual de normas morais. Na visão do autor o direito moderno e sua forma de realização extraem do público o “fardo da moralidade”, ou seja as leis é que carregam consigo os valores que devem ser assumidos pelo público, uma vez que foram elaboradas legitimamente, por um processo legislativo idôneo: “ Com o auxílio de direitos que garantem aos cidadãos o exercício de sua autonomia política, deve ser possível explicar o paradoxo do surgimentos da legitimidade a partir da legalidade”. (HABERMAS, 1997, p. 115)


O sistema de direitos é a forma assumida pelo direito quando estabiliza os conflitos sociais. Assim devem ser garantidos os direitos subjetivos para que os sujeitos aceitem como legítimas as decisões tomadas ao se criar leis que tolhem sua liberdade de ação em razão dos interesses da coletividade. A figura do Estado surge quando há necessidade de impor sanções a condutas contrárias ao interesse social.


Ao tratar sobre o princípio da democracia, Habermas leciona que são legítimas somente as normas jurídicas obtidas através do assentimento de todos aqueles envolvidos com o direito, posteriormente a uma ampla discussão sobre o tema, além de esse princípio estabelecer o porque de os membros de uma sociedade reconhecerem-se mutuamente como titulares de direitos. De acordo com o princípio da democracia podem as questões práticas serem decididas e fundamentadas racionalmente, contudo é a teoria da argumentação que dá ao princípio da democracia a possibilidade de legitimar leis porque a aplicação desse princípio depende de uma consciência política previamente formada.


O que é mais importante a se analisar é se o direito é legitimamente aceito, não importando somente sua forma, faz-se necessária a aceitação pelos seus destinatários, refletindo, assim no poder político estatuído, que é somente válido se de acordo com a opinião dos membros da comunidade jurídica. No paradigma de Estado Democrático estabelecido pela teoria do discurso existe a formação de ideias e opiniões através da difusão de ideias e pensamentos pelos cidadãos de forma descentralizada, sem que haja identificação de grupos de pessoas, a soberania existiria pela “circulação de consultas e de decisões estruturadas racionalmente, começa a fazer sentido a frase segundo a qual no Estado de direito não pode haver um soberano” (HABERMAS, 1997, p. 173)


3 CONSIDERAÇÕES FINAIS


Nesse estudo pôde-se perceber que a teoria da ação comunicativa propõe a integração social através do uso da linguagem. O entendimento mútuo entre os sujeitos envolvidos na comunicação dá-se pelo uso de expressões pré-estabelecidas, e tais sujeitos orientam-se para o entendimento.


O direito enquanto instrumento de integração social é legítimo desde que haja aceitação social, através da consciência de sua validade. São as regras morais presentes na consciência de cada indivíduo e aceitas pela comunidade que proporcionam a validade do direito, e não o medo da sanção imposta. Partindo-se do pressuposto que a validade do direito dá-se através da sua legitimidade, sendo esta realizada pela plena consciência popular de que as normas estão de acordo com as regras morais, o direito é legítimo quando aceito pelos jurisdicionados.


Ao se utilizar o direito para restringir direitos individuais historicamente conquistados, e ao se criar leis que diminuam o direito de os jurisdicionados discutirem suas pretensões perante o Poder Judiciário, está-se criando “suprimentos” para sua ilegitimidade.


 


Referências

BOUFLEUER, José Pedro. Pedagogia da Ação Comunicativa: uma leitura de Habermas. 3. ed. Ijuí: Unijuí, 2001.

DAVID, René. Os Grandes Sistemas do Direito Contemporâneo. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002

DUTRA, Delamar José Volpato. Razão e consenso em Habermas: a teoria discursiva da verdade, da moral do direito e da biotecnologia. 2. ed. ver. Atual. Florianópolis: Editora da UFSC, 2005.

HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre a facticidade e a validade. vol. 1. tradução: Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

HABERMAS, Jürgen. Teoría de la acción comunicativa: Racionalidad de la acción y racionalizacíon social. Vol. 1. 4. ed. Madrid: Taurus Humanidades, 2003.

MOREIRA, Luiz. Fundamentação do Direito em Habermas. 2. ed. rev. atual. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002.


Nota:

[1] Tradução livre: o real, então, é no que, mais cedo ou mais tarde, informação e razão irão finalmente resultar, e o que é, portanto,  independente de  mudanças incontroladas  advindas  de mim  ou de  você.  Deste modo, a origem genuína do conceito de realidade mostra que essa concepção essencialmente envolve a noção de comunidade, sem definir limites, e certamente capaz de aumentar o conhecimento.”

Informações Sobre o Autor

Lígia Maria Silva Quaresma

Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros


Equipe Âmbito Jurídico

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