STF decide competência sobre prevenção

O Supremo Tribunal Federal, recentemente e pela primeira vez, decidiu sobre a competência para apreciar e julgar  questões envolvendo o meio ambiente do trabalho,  nos seguintes termos:

COMPETÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA  –  CONDIÇÕES DE TRABALHO.  Tendo a ação civil pública como causa de pedir disposições trabalhistas e pedidos voltados à preservação do meio ambiente do trabalho e, portanto, aos interesses dos empregados, a competência para julgá-la é da Justiça do Trabalho (RE nº 206.220-1. Rel. Min. Marco Aurélio. 2ª turma, 16/03/1999).

Com esse entendimento, a Turma julgou procedente recurso extraordinário para reformar acórdão do STJ que, ao dirimir conflito negativo de competência estabelecido entre a quarta Junta de Conciliação e Julgamento de Juiz de Fora-MG e o Juízo de Direito da Fazenda Pública, assentara a competência da Justiça comum para o julgamento de ação civil pública, entendendo ser esta uma verdadeira ação de acidente de trabalho (CLT, art. 643, § 2º: “As questões referentes a acidentes de trabalho continuam sujeitas à justiça ordinária, na forma do Decreto nº 24.637, de 10 de julho de 1934, e legislação subseqüente.”). Trata-se, na espécie, de ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais contra vinte e um bancos, em que se busca o cumprimento da legislação trabalhista diante da precariedade das condições e do ambiente de trabalho oferecidas pela rede bancária de Juiz de Fora, quais sejam, a extrapolação da jornada de trabalho e o conseqüente aparecimento de lesões por esforço repetitivo – LER.

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A decisão supra foi proferida em recurso extraordinário contra acórdão do STJ que, apreciando conflito de competência estabelecido entre JCJ e Juiz de Direito da Fazenda Pública, entendeu ser competente para apreciar e julgar questões envolvendo meio ambiente do trabalho a Justiça Comum Estadual, ementando o seu entendimento nos seguintes termos:

CONFLITO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LESÕES POR ESFORÇO REPETITIVO – LER. Ação que tem por objeto a prevenção de lesões oriundas do trabalho. Competência da Justiça Comum Estadual.

Nas razões do recurso extraordinário, articulou-se a infringência do art. 114 da Constituição Federal, uma vez que a pretensão deduzida na ação civil pública, pelo Ministério Público, foi o estabelecimento de preceitos típicos da legislação trabalhista, decorrentes da disciplina em torno da duração da jornada de trabalho, períodos de descanso, intervalos e prorrogação da jornada, como condições especiais de trabalho para a categoria dos bancários. O descumprimento de tais preceitos, como sustentado pelo parquet, vem sendo a causa principal de eclosão e agravamento da LER (Lesão por esforços repetitivos).

As denúncias recebidas pelo Ministério Público, que culminaram com o ajuizamento da ação civil pública, conforme descrito no v. acórdão, consubstanciaram-se na precariedade das condições no ambiente de trabalho oferecidas pela rede bancária de Juiz de Fora, bem assim da extrapolação da jornada de trabalho além do limite legal de duas horas extraordinárias, fatores esses que, aliados ao excesso de serviço; ao não cumprimento do período de onze horas entre duas jornadas e à não-observância de uma pausa de dez minutos para cada cinqüenta trabalhados nas atividades de entrada de dados, além de uma hora de repouso e/ou alimentação após seis horas normais de serviço, contribuíam sobremaneira para o aparecimento da LER e de seu agravamento clínico naqueles casos já preexistentes.

Como se vê, a prestação jurisdicional buscada perante o Judiciário é de índole trabalhista, induvidosamente, haja vista que todas as normas legais embasadoras dos pedidos estão na CLT, nos artigos 224 e seguintes, c/c 59 e na Portaria 3.214/77, do MTb. Assim, não se justifica o entendimento do STJ reconhecendo a competência da Justiça Comum para apreciar questões sobre prevenção do meio ambiente do trabalho, na apreciação do referido conflito. Aliás, o entendimento sobre esta questão tem sido controvertida na própria Corte mencionada, como se infere da ementa abaixo transcrita:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA – AÇÃO DE NATUREZA TRABALHISTA – COMPETÊNCIA DA  JUSTIÇA ESPECIALIZADA.

1)  A Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar as ações tipicamente trabalhistas.

2)  Conflito conhecido e provido para declarar competente a 13ª Junta de Conciliação e Julgamento de Porto Alegre para julgar as duas ações propostas.1

Na decisão aludida, o próprio STJ entendeu que a prevenção do meio ambiente do trabalho é da competência da Justiça do Trabalho, sendo da Justiça Comum a competência apenas para apreciar sobre os acidentes do trabalho já ocorridos, no tocante às indenizações reparatórias.

Nessa linha de entendimento, é importante a lição de Mancuso: O meio ambiente laboral há de ser assegurado, segundo pensamos, de três maneiras:  a)(…);  b)(…);  c) numa instância substitutiva ou supletiva, o meio ambiente laboral haverá de ser assegurado, impositivamente, pela Justiça do Trabalho, quando, no exercício da jurisdição coletiva em sentido largo, ou ainda no âmbito de seu poder normativo (dissídios coletivos, “ações de cumprimento”), estabelece novas condições para o exercício do trabalho de certas categorias… 2

Também nesse mesmo sentido e invocando o art. 114, da Constituição Federal, é o entendimento do renomado Amauri Mascaro Nascimento, nos seguintes termos: A Justiça do Trabalho é competente para apreciar e decidir as mesmas questões aqui denominadas ambientais e que não passam, como foi mostrado, de lides sobre condições de trabalho no sentido das regras de segurança e medicina do trabalho, e que entram no seu âmbito de competência por força do disposto na Constituição Federal, art. 114.3

A respeito dessa polêmica, já nos manifestamos por mais de uma vez, tomando como base a nova regulamentação constitucional, afirmando que, hoje,  a situação é outra, porque, com clareza, a Constituição atual, nos artigos 109-I e § 3º e 114, tratou da competência da Justiça do Trabalho e da competência residual da Justiça Comum, não mais atribuindo a esta, com exclusividade e como ocorreu nas Constituições de 1946, 1967 e 1969, a competência para as questões acidentárias.4

Esta, sem dúvida, foi dividida entre a Justiça Comum e a Justiça do Trabalho.  É da Justiça do Trabalho a competência quando se tratar de prevenção do meio ambiente do trabalho e dos pleitos de indenizações moral e material (artigos 5º, inciso X  e 7º, inciso XXVIII, ambos da CF), estes dirigidos em face do empregador que tenha agido com dolo ou culpa, causando o infortúnio  –  culpa subjetiva.

É da Justiça Comum a competência quando os pedidos de indenização, auxílios-doença e acidentário, aposentadoria por invalidez  e outros benefícios legais forem dirigidos em face do órgão previdenciário – culpa objetiva.

Com efeito e de acordo com o acórdão do E. STF, ora em análise, pediu-se ao Estado-Juiz providências objetivando o respeito à legislação do trabalho. Ora, a competência, na espécie, é definida no artigo 114, da Constituição Federal, ressaltando estar em jogo o meio ambiente do trabalho, direitos coletivos indisponíveis, e, portanto, direito substancial dos próprios empregados, tudo a pressupor relação jurídica empregatícia, ou seja, liame regido pela Consolidação das Leis do Trabalho.

Nessa mesma linha de entendimento, em decisão recente, o C. TST manifestou-se pela primeira vez, afirmando a competência da Justiça do Trabalho para apreciar normas referentes ao meio ambiente do trabalho, assim ementando:

Justiça do Trabalho. Competência. Tratando-se da defesa de interesses coletivos e difusos no âmbito das relações laborais, a competência para apreciar a ação civil pública é da Justiça do Trabalho, nos termos do art. 114, da Constituição Federal/88, que estabelece idoneidade a esse ramo do Judiciário para a apreciação, não somente dos dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores. Mas também de outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho. Recurso de Revista não conhecido quanto ao tema, porque não demonstrada a vulneração ao art. 114 da Carta Política ou a qualquer outro dispositivo legal, mais conhecido e provido quanto aos honorários advocatícios, nos termos do inciso VIII do Enunciado n. 310/TST. 5

Na ação civil pública aludida pelo TST, ajuizada por sindicato profissional em face de entidade bancária, a Justiça do Trabalho (JCJ e TRT) condenou a entidade bancária ré a instalar portas de segurança, no prazo de 30 dias, com multa diária, corrigida mês a mês no caso de descumprimento da decisão. No recurso de revista insurgiu-se a ré, dizendo que a instalação de tal equipamento visa a segurança dos clientes e, portanto, não configura objeto inserido em matéria trabalhista, a ensejar a apreciação pela Justiça do Trabalho.

Tal argumento foi rechaçado pelo v. acórdão, sustentando que no caso de uma agência bancária, tanto quanto os empregados, as providências preconizadas interessam ao público cliente em geral, o que não afasta o interesse dos trabalhadores em questão  e a competência da Justiça do Trabalho para apreciar e julgar o pedido.

Como bem asseverado pelo procurador do trabalho Cristiano Paixão Araujo Pinto: É uma questão de limite constitucional: no que concerne ao risco – a que se submetem os empregados, por uma ação ou omissão empresarial – decorrente da relação de emprego, é nítida a competência da Justiça do Trabalho (o único ramo do Poder Judiciário que pode conhecer da matéria). No que pertine à relação entre banco e clientela, cuida-se de matéria estranha a cognição trabalhista. Como o pedido no caso em apreço, dizia respeito à instalação de portas de segurança – como forma de incrementar as condições de trabalho – , é simplesmente inevitável a conclusão: todo o pedido está inserido na órbita da Justiça do Trabalho. 6

Outro importante aspecto abordado no aludido acórdão da Suprema Corte,  de forma coerente, foi a fixação da legitimidade do Ministério Público do Trabalho para a propositura da respectiva ação civil pública – como um dos legitimados do art. 5º, da Lei 7.347/85 –  perante a Justiça Especializada do Trabalho, nos seguintes termos:  Aliás, a Lei Orgânica do Ministério Público reserva ao Ministério Público do Trabalho a legitimação para a propositura da ação civil pública, sendo que a atuação do órgão não pode ocorrer na Justiça comum.

Atente-se para ao artigo 83, inciso III, da Lei nº 75, de 20 de maio de 1993:

Art. 83. Compete ao Ministério Público do Trabalho o e exercício das seguintes atribuições junto aos órgãos da justiça do Trabalho:

(…)

III – Promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, parta a defesa dos interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos;

(…).

Com isso,  não só se comete à Justiça do Trabalho a competência para conhecer e julgar as questões relativas à prevenção do meio ambiente do trabalho, como também fica claro  de uma vez por todas que o parquet trabalhista, que tem sua atuação perante a Justiça do Trabalho,  é o ramo do Ministério público legitimado para defender o meio ambiente do trabalho, enquanto que o estadual tem sua legitimidade voltada para a atuação no tocante às ações acidentarias típicas, decorrentes das lesões sofridas no ambiente de trabalho inseguro.

Nesse sentido, e explicitamente, manifestou-se  o Ministro Américo Luz, vice-presidente do STJ, ao denegar seguimento a Recurso Extraordinário em que se discutia a matéria, cuja conclusão do r. despacho, no que interessa, ficou assim vazada: Quanto à matéria de fundo, incensurável o acórdão ao demonstrar que o objeto da tutela situava-se na área de atuação do Ministério Público do Trabalho, uma vez que competente era a Justiça do Trabalho para dirimir a questão, por envolver normas relacionadas ao meio ambiente do trabalho. Ressaltou o aresto não se tratar de mera questão acidentária, quando, então, por ser competente a Justiça Estadual para apreciá-la, seria lícita a intervenção do Ministério Público Estadual. 7

Quanto à atuação do Ministério Público do Trabalho na defesa do meio ambiente do trabalho, é importante lembrar e ressaltar que tal decorre da alteração constitucional implementada pelo art. 127, da Constituição Federal, que lhe comete, como igualmente o faz com relação aos demais ramos do Ministério Público, a defesa da ordem jurídico, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Assim, o  parquet trabalhista, que antes tinha atuação quase que exclusiva perante os tribunais, hoje desempenha suas funções muito mais como órgão agente e, com destaque para a defesa do meio ambiente do trabalho, apurando denúncias recebidas, ou de ofício, ao tomar conhecimento da existência de lesões às normas referentes à medicina e segurança do trabalho, tomando termos de ajustamento de conduta (art. 6º, § 5º, da Lei 7.347/85), pelo qual as empresas comprometem-se, mediante cominação de multa, a adequarem o meio ambiente do trabalho e, ajuizando ações civis públicas e outras medidas judiciais, quando necessárias ; na PRT da 15ª Região, por exemplo, cerca de 25% dos inquéritos civis públicos e demais procedimentos investigatórios cuidam sobre segurança e medicina do trabalha, o  que representa induvidosamente um ganho a mais para a sociedade, que paga o custo dos acidentes do trabalho e agora conta com mais um órgão na defesa da saúde do trabalhador, e, diga-se de passagem, bem mais vocacionado para essa tarefa, em razão da vivência e experiência diárias no trato das questões trabalhistas envolvendo empregados e empregadores.

Vê-se de todo o exposto que há uma tendência nos tribunais superiores no sentido de se facilitar a implementação da defesa do meio ambiente do trabalho e da saúde do trabalhador, direitos explicitamente assegurados na Constituição Federal de 1988, pois o órgão ministerial trabalhista e a Justiça do Trabalho estão de fato mais vocacionados e detêm experiências suficientes para tratar da aplicação das normas trabalhistas inerentes ao meio ambiente do trabalho, direito mais importante e indisponível do cidadão trabalhador. Não obstante isso e independentemente da questão competencial, o mais importante é que o Estado e a sociedade organizada, envidem os necessários esforços, inclusive de forma conjunta, para diminuir os acidentes do trabalho e retirar o nosso país dos anais mundiais como recordista em acidentes do trabalho, colocando como mais importante  a defesa da saúde do trabalhador.

 

Notas:

1. STJ – Conflito de Competência nº 3.639-1, DOU de 23.03.93.

2. Ação Civil Pública Trabalhista: Análise de alguns pontos  controvertidos. Revista do Ministério Público do Trabalho, nº 12, pp. 59/60.

3. A defesa processual do meio ambiente do trabalho. Revista LTr, 63-05/585.

4. Meio ambiente do trabalho: Prevenção e reparação. Juízo competente. Revista Trabalho & Doutrina, nº 14, Saraiva, set. 1997.

5. Processo nº TST-RR-402.469/97.1, acórdão, 5ª Turma Revista do Ministério Público do Trabalho, nº 17, março/99.

6.  Ação civil pública. Meio ambiente do trabalho. Competência da Justiça do Trabalho. Revista do Ministério Público do Trabalho, nº 17, março/99, p. 28.

7. RE em mandado de segurança nº 5563-RS, DJU nº 50, seção 1, 14/03/97, p. 6987.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Raimundo Simão de Melo

 

Procurador Regional do Trabalho
Mestre e Doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP
Professor de Direito e Processo do Trabalho
Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho

 


 

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