Nos últimos anos, a discussão sobre a legalidade da suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e do passaporte em casos de dívida ativa ganhou relevância nos tribunais e no debate público. Essa prática, utilizada como medida coercitiva para garantir o pagamento de débitos, gera dúvidas quanto à sua constitucionalidade e compatibilidade com os princípios fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro. Neste artigo, abordaremos os aspectos legais, fundamentos jurisprudenciais e implicações dessa medida.
A dívida ativa é constituída por créditos devidos à Fazenda Pública, seja de natureza tributária ou não tributária, como impostos, taxas, multas ou outros valores devidos ao governo. Quando o contribuinte não quita a dívida dentro do prazo estabelecido, ela é inscrita na dívida ativa e pode ser cobrada judicialmente por meio de uma execução fiscal.
Após a inscrição, o devedor pode ser alvo de diversas medidas para a recuperação do crédito. Essas medidas incluem bloqueios de bens, penhora de valores em contas bancárias e, mais recentemente, a suspensão de direitos como a CNH e o passaporte.
A suspensão da CNH e do passaporte de devedores não está prevista diretamente na Lei de Execuções Fiscais (Lei nº 6.830/1980). No entanto, essa prática tem sido justificada com base no artigo 139, inciso IV, do Código de Processo Civil (CPC), que confere ao juiz o poder de determinar medidas coercitivas necessárias para garantir o cumprimento de ordens judiciais.
Esse dispositivo legal permite ao magistrado adotar medidas atípicas para garantir a efetividade da execução, desde que sejam proporcionais, razoáveis e adequadas ao caso concreto. Nesse contexto, a suspensão da CNH e do passaporte tem sido interpretada como uma forma de pressionar o devedor a quitar suas obrigações.
A legalidade da suspensão da CNH e do passaporte por dívida ativa deve ser analisada à luz da Constituição Federal, que assegura diversos direitos fundamentais ao cidadão. Entre os princípios constitucionais mais relevantes para essa discussão estão:
Os defensores da medida argumentam que a suspensão da CNH e do passaporte é uma forma legítima de forçar o devedor a cumprir suas obrigações. Para eles, essa prática está alinhada com o objetivo de garantir a efetividade da execução judicial, especialmente quando outras medidas tradicionais, como bloqueio de bens, não são eficazes.
Outro argumento é que o dispositivo do CPC que permite a adoção de medidas coercitivas é amplo o suficiente para englobar a suspensão de documentos. Desde que aplicada de forma proporcional, a medida não violaria direitos fundamentais, pois estaria restrita a casos específicos e fundamentados.
Por outro lado, críticos da prática apontam que a suspensão da CNH e do passaporte pode ser desproporcional e até mesmo inconstitucional. Isso porque tais medidas podem comprometer o direito de ir e vir do devedor, além de afetar seu sustento e dignidade.
A CNH, por exemplo, pode ser essencial para que o devedor exerça sua profissão, como no caso de motoristas, entregadores e representantes comerciais. Já o passaporte pode ser necessário para atividades profissionais ou pessoais, como viagens internacionais a trabalho ou para visitar familiares.
Ademais, argumenta-se que a medida configura uma espécie de “coação pessoal”, que seria incompatível com o direito brasileiro, baseado em garantias patrimoniais.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem se manifestado sobre o tema em decisões recentes. De modo geral, a Corte admite a possibilidade de adoção de medidas atípicas previstas no CPC, incluindo a suspensão da CNH e do passaporte, desde que atendam aos critérios de proporcionalidade, adequação e necessidade.
Em um julgamento paradigmático, o STJ decidiu que a suspensão da CNH e do passaporte é válida como medida coercitiva, mas deve ser usada em caráter excepcional e sempre fundamentada. Além disso, cabe ao magistrado analisar se a medida é adequada ao caso concreto e se não há outras formas menos gravosas de compelir o devedor a pagar a dívida.
Apesar do posicionamento do STJ, a aplicação dessa medida ainda gera divergências nos tribunais. Em alguns casos, juízes têm considerado a suspensão da CNH e do passaporte desproporcional e incompatível com os direitos fundamentais do devedor.
Por outro lado, há decisões que corroboram a validade da medida, desde que seja demonstrado que o devedor possui capacidade de pagamento, mas se recusa a quitar a dívida de forma deliberada.
Caso o devedor tenha sua CNH ou passaporte suspenso, ele pode recorrer ao Poder Judiciário para tentar reverter a decisão. É fundamental que o devedor demonstre que a medida compromete seus direitos fundamentais, como a dignidade ou o sustento.
Entre os argumentos que podem ser utilizados estão:
Além disso, é recomendável buscar um acordo com o credor para evitar a adoção de medidas coercitivas.
A suspensão da CNH e do passaporte pode causar diversos impactos negativos na vida do devedor. Além de limitar sua locomoção e capacidade de exercer atividades profissionais, a medida pode gerar constrangimentos sociais e comprometer sua reputação.
Em casos mais graves, a suspensão pode inviabilizar viagens internacionais importantes ou prejudicar o devedor em processos de recolocação profissional, especialmente em setores que exigem viagens frequentes.
Antes de adotar medidas extremas, como a suspensão da CNH e do passaporte, o Judiciário pode recorrer a alternativas menos gravosas para garantir a execução fiscal. Entre as possibilidades estão:
Essas medidas são amplamente aceitas e possuem menor impacto nos direitos fundamentais do devedor.
A suspensão da CNH e do passaporte por dívida ativa é uma medida polêmica, que exige um equilíbrio delicado entre a necessidade de garantir a efetividade da execução fiscal e a proteção dos direitos fundamentais do devedor. Embora a prática seja legalmente possível, ela deve ser adotada com cautela e em caráter excepcional, respeitando os princípios de proporcionalidade e razoabilidade.
O debate sobre o tema reflete a tensão entre os interesses da Fazenda Pública e os direitos individuais, sendo essencial que o Poder Judiciário atue com responsabilidade e fundamentação ao determinar medidas coercitivas. Para os devedores, é importante conhecer seus direitos e buscar o auxílio de um advogado especializado para contestar medidas que possam ser abusivas ou desproporcionais.
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