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Tentativas de desestabilização dos Conselhos de Contribuintes

Os tradicionais Conselhos de Contribuintes, criados pelo Decreto nº 20.350/31, atualmente composto de três Conselhos com as respectivas competências definidas pelo Decreto-lei nº 70.235/72, são órgãos diretamente ligados ao Ministério da Fazenda, gozando de independência em relação aos atos expedidos pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, o que assegura imparcialidade e confiabilidade das decisões desses órgãos colegiados compostos de representantes do fisco e dos contribuintes.

Não bastassem os instrumentos normativos cada vez mais truculentos contra os contribuintes (sonegação de certidão negativa, inabilitação do CNPJ, protesto da certidão de dívida ativa, arrolamento de bens, medida cautelar fiscal, inscrição no cadin, penhora on line, indisponibilidade universal de bens etc.) inaugurou, de uns tempos para cá,  um processo de desestabilização do órgão de defesa dos contribuintes, que parece não ter fim.

Tudo isso resulta, em última análise, do inusitado aumento da carga tributária, reduzindo a capacidade contributiva dos agentes produtores de riquezas. Esses instrumentos normativos violentos, nebulosos ou insidiosos, que se afastam do referencial ético-moral, destinam-se a induzir, por via da coerção indireta, a boa vontade dos contribuintes em cumprir religiosamente suas obrigações tributárias cada vez maiores, não para a melhoria da sociedade em geral, mas para aumentar os benefícios e vantagens pessoais dos detentores do poder.

A partir da década de 90, inaugurou-se um processo de desestabilização do órgão de defesa dos contribuintes, com a fracassada a tentativa de subordinação dos Conselhos de Contribuintes à estrutura da então Secretaria da Receita Federal.

Fracassada aquela tentativa, o Secretário da Receita Federal obtinha, por meio da Portaria MF 110/95, delegação de competência para exonerar e nomear os titulares e substitutos dos Conselhos de Contribuintes.       Na época o Instituto dos Advogados de São Paulo foi instado a se manifestar a respeito. Fomos designado relator do processo respectivo. Opinamos pela inconstitucionalidade da citada Portaria, por violar ostensivamente o princípio do contraditório e ampla defesa, e pela sua ilegalidade por implicar subversão d o princípio da hierarquia dos órgãos da administração, propondo sejam encaminhadas cópias do parecer às autoridades competentes. A Portaria em questão foi revogada.

Em 2004, por meio do Parecer nº 1087/04, a Procuradoria da Fazenda Nacional veio acenar com a possibilidade de a Fazenda anular judicialmente as decisões do Conselhos de Contribuintes contrários à Fazenda. Desrespeitando o princípio da vinculação da Administração a seus próprios atos, o citado parecer viabilizava a ação da Fazenda contra ela mesma. É de se perguntar: quem paga a sucumbência?

A sepultada MP nº 232, que apelidamos de “tsunami tributário”, praticamente, abolia o acesso ao colegiado por meio do estabelecimento de alçada superior a R$50.000,00, de um lado, e exclusão de matérias concernentes às obrigações acessórias, restituição e compensação, de outro lado. Além disso, permitia a criação de turmas especiais temporárias a juízo do Ministro da Fazenda. A criação dessas turmas especiais foi repetida na MP nº 252/05, conhecida como MP do Bem, que, por ter caducado teve seus dispositivos transplantados para o bojo da MP nº 255/05, convertida na Lei nº 11.196/05. Esta lei, prevê em seu art. 112, a permissão para o Ministro da  Fazenda criar turmas especiais nos Conselhos de Contribuintes, de caráter temporário, para julgar processos que envolvam “valores reduzidos ou matéria recorrente ou de baixa complexidade”. A cilada representada pela expressão negritada, inserida pelo astuto legislador palaciano, passou desapercebida pelos membros do Parlamento Nacional que a aprovaram . O governo, não logrando êxito na tentativa de bloquear o acesso do contribuinte ao colegiado, resolveu criar ‘turma especiais’ com conselheiros pro tempore, violando ostensivamente o princípio do juiz natural.

A puxada final do tapete veio com o novo Regimento Interno dos Conselhos de Contribuintes, aprovado recentemente por portaria ministerial, que impede, na prática, o conselheiro representante dos contribuintes de exercer a advocacia, conforme inciso II, do parágrafo 1º do art. 15. Os conselheiros representantes da Fazenda exercem a função de julgar sem prejuízo dos vencimentos do cargo a que estão integrados, ao passo que, os representantes dos contribuintes só podem sobreviver com o exercício da advocacia. Por outro lado, nomear pessoas leigas ou de pouca experiência no ramo do Direito Tributário como representante dos contribuintes acabaria por quebrar o princípio da paridade, tendo em vista o conhecimento especializado e a longa experiência dos representantes da Fazenda.

A inconstitucionalidade daquele inciso II salta aos olhos pela violação do princípio da paridade e do tratamento igualitário com os representantes da Fazenda, o que traz reflexos imediatos no princípio do contraditório e da ampla defesa, transformando o órgão colegiado em um órgão monocrático de fato, isto é, em mero órgão homologador das arbitrárias decisões  proferidas pelas Delegacias de Julgamento integradas na estrutura da Secretaria da Receita Federal do Brasil.

E mais, os julgamentos no âmbito dos Conselhos de Contribuintes vêm  sendo monitorados por agentes do fisco, que promovem anotações a pretexto de acompanhar a jurisprudência do órgão administrativo de segunda instância, com vistas ao aprimoramento da legislação tributária,  o que, em tese, é um objetivo muito nobre.

Acontece que, por conta da presença ostensiva dos agentes do fisco nas sessões de julgamento,  seguida de “anotações” , para “aprimoramento” da legislação tributária, a qualidade das decisões proferidas pelos Conselhos de Contribuintes vem caindo aos olhos vistos, retirando a credibilidade dos órgãos colegiados. O receio de não recondução ao cargo de conselheiro está ensejando prolação de decisões direcionadas a favor do fisco. No segundo Conselho de Contribuintes, que julga os recursos em matéria de IPI, IOF e CPMF, além de apreensões de mercadorias nacionais encontradas em situação irregular, todas as decisões sumuladas são contra os contribuintes.

Instrumentos normativos retromencionados padecem, não só dos vícios de ilegalidade e inconstitucionalidade, como também revelam a perda do referencial ético-moral que deveria ser levado em conta nas atividades legislativas lato sensu.

SP, 28-8-07.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Kiyoshi Harada

 

Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

 


 

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