Resumo: Este artigo trata da teoria da comunicação desenvolvida pelo filósofo alemão Jurgen Habermas e suas contribuições para a implementação do estado democrático de direito.
Palavras-chave: teoria da comunicação – estado democrático de direito –
Abstract: The present article is about the communicative theory developed by the German philosopher Jurgen Habermas and its contributions to the improvement of democratic state of law.
Keywords: communicative theory – democratic state of law –
Sumário: 1. Teoria do Agir Comunicativo; 1.1. Teoria do Agir Comunicativo e a estrutura do agir orientado para o entendimento mútuo; 2. O papel da validade na construção de uma ordem social; 2.1. O agir comunicativo no desenvolvimento do mundo da vida; 3. Validade do direito – suas dimensões; 4. Sistema de direitos e agir comunicativo; Conclusão; Bibliografia.
1. Teoria do Agir Comunicativo
A teoria do agir comunicativo foi desenvolvida por Jurgen Habermas, filósofo e sociólogo alemão, considerado como pertencente à denominada segunda geração da Escola de Frankfurt. Seu livro entitulado “Theorie dês Kommunikativen Handelns” foi publicado em 1981 sendo dedicado à teoria; tendo, posteriormente, tratado do tema sob diferentes perspectivas em escritos posteriores.
Esclarece BERNADETTE ABRÃO (2004, p. 464) que o trabalho de Jurgen Habermas procurou retomar o debate de seus predecessores, como Benjamin, Horkheimer, Adorno e Marcuse, tendo como principal preocupação a superação dos impasses mediante a reformulação da teoria crítica. Nesse sentido, utiliza-a em reflexões quanto à legitimação do Estado moderno, enquanto elabora a teoria da ação comunicativa.
A teoria do agir comunicativo define o agir como um "processo circular no qual o ator é as duas coisas ao mesmo tempo: ele é o iniciador, que domina as situações por meio de ações imputáveis”, bem como é o produto “das tradições nas quais se encontra, dos grupos solidários aos quais pertence e dos processos de socialização nos quais se cria” (Habermas, 1989, p. 166).
Através do exercício da argumentação, as “pretensões de validade”, por meio das quais os agentes se pautam, são tematizadas e problematizadas. Há, assim, o exercício de um discurso prático, no qual é deixada em suspenso a questão da validade de uma norma controversa.
ROGÉRIO LEAL (2009, p. 406) esclarece que, na concepção da teoria do discurso de Habermas:
“(…) “todo o ato comunicativo carrega em si afirmações de validade (verdade, correção e sinceridade), em que a validade reivindicada é capaz de suportar críticas sob as condições de discurso, ou seja, um contexto de justificação argumentativa de suas pretensões que os participantes consideram irrepreensível.”
No entender de HABERMAS (1989, p. 156), a ética do Discurso exige, quando da passagem para a argumentação, o “rompimento com a ingenuidade das pretensões de validade erguidas diretamente e de cujo reconhecimento intersubjetivo depende a prática comunicativa do cotidiano”.
Esclarece o autor (1989, p. 163) que a teoria da ação nos permite verificar o “desenvolvimento das perspectivas sócio-morais em conexão com a descentralização da compreensão do mundo”, bem como o funcionamento das estruturas das interações. Desse modo, o agir comunicativo permite a formulação de uma reconstrução dos estágios de interação. Os estágios de interação, por sua vez, podem ser descritos com fundamento nas estruturas de perspectivas que se encontram implementadas, conforme o caso, em diferentes tipos de agir.
1.1. Teoria do Agir Comunicativo e a estrutura do agir orientado para o entendimento mútuo
A teoria do agir comunicativo pressupõe um modelo de agir orientado para o entendimento mútuo, no qual os atores busquem harmonizar internamente seus objetivos e ações com o acordo – alcançado comunicativamente – existente ou a ser negociado sobre a situação e as conseqüências esperadas.
O entendimento mútuo, portanto, deverá funcionar como mecanismo da coordenação de ações, de modo que aquele decorrerá do assentimento racionalmente motivado a um determinado conteúdo, que advirá de convicções e acordos comuns.
Os acordos comuns, por sua vez, esbarram nos planos de ações individuais que destacam o tema selecionado. Dessa forma, estará determinada a carência de entendimento mútuo que deve ser suprida pela interpretação dos atores que possuem cada um, suas próprias perspectivas, que consolidam um sistema “entrelaçado com um sistema de perspectivas de mundo” (Habermas, 1989, p. 166).
Esclarece LEAL (2009, p. 406) que, segundo “a consideração teorética da comunicação de Habermas sobre a ação social, o que torna possível a ação coordenada é nossa capacidade de chegar a um entendimento mútuo sobre alguma coisa”.
Os agentes, por sua vez, ao se depararem com as questões a serem resolvidas no mundo da vida – entendido como o contexto da situação da ação -, não podem prescindir de levar em conta este último, por conta da contextualização que fornece para os processos de entendimento mútuo e da disponibilização de recursos para esse fim.
No entanto, quando os agentes se dispõem a executar suas ações em comum acordo, também não podem prescindir de “se entender acerca de algo no mundo”, criando um conceito formal do mundo – qual seja a “totalidade dos estados de coisas existentes” que constitui um sistema de referência -, através do qual podem decidir.
Esta representação de fatos constitui, na verdade, apenas uma das três com as quais os intérpretes trabalham, quais sejam: mundo objetivo (referido pelos falantes em suas representações), mundo social (constituído das relações interpessoais legitimamente reguladas) e mundo subjetivo (constituído pelas vivências, pela auto-representação).
A ocorrência ou não de um acordo pode ser verificada pela aceitação ou rejeição das pretensões de validade apresentadas pelo agente – que versam sobre a sua veracidade (representação do estado das coisas), correção (relação interpessoal assegurada) e sinceridade (manifestação de vivência).
O agente poderá, portanto, valer-se de diversas perspectivas de mundo, escolhendo entre os “modos cognitivo, interativo e expressivo do uso lingüístico e entre classes correspondentes de atos de fala constatativos, regulativos e representativos”, podendo se concentrar em questões de verdade, de justiça, de gosto ou de expressão pessoal (Habermas, 1989, p. 168).
A referida diferenciação entre o “mundo da vida” e o “mundo” revela-se ainda importante na constituição de uma compreensão descentrada do mundo, que pressupõe a “diferenciação de referências ao mundo, pretensões de validez e atitudes fundamentais” (Habermas, 1989, p. 169). Essa distinção permite a identificação de informações inquestionadas, aceitas sem serem ao menos objeto de debate, mas que são utilizadas ordinariamente, bem como os conteúdos que podem manipular por conta própria. Essa percepção permitirá ao agente, através do uso da razão, finalmente tematizar essas “verdades sabidas”, as “obviedades”, de modo que os conteúdos comunicados poderão ser validados nesse processo.
2. O papel da validade na construção de uma ordem social
A superada concepção de Estado de Direito foi substituída pela idealização do Estado Democrático de Direito. Essa construção, no entanto, requer a análise alguns aspectos, como legitimidade e validade. A teoria do agir comunicativo, nesse particular, pode trazer uma contribuição determinante.
O entendimento de normatividade como um agir determinado não se coaduna com a racionalidade do “agir orientado pelo entendimento em seu todo”. Tanto a normatividade, quanto a racionalidade cruzam-se no campo do embasamento de intelecções morais, alcançadas através de um enfoque hipotético, com motivação racional; incapazes, por outro lado, de “garantir a si mesmas a transposição das idéias para um agir motivado” (Habermas, 2003, p. 21).
No entender de HABERMAS (2003, p. 21), as referidas diferenças devem ser levadas em consideração, ao se considerar a razão comunicativa, que situa dentro de uma teoria reconstrutivista da sociedade, de modo que os discursos que formam as opiniões e que permitem a realização das decisões possuem em seu interior “o poder democrático exercitado conforme o direito”.
As normas jurídicas formam um ordenamento que viabiliza a existência de sociedades artificiais, nas quais temos membros supostamente livres e iguais, cuja união resulta da ameaça de sanções – que nem sempre se verificam – e da existência de um acordo racionalmente motivado – cujos alicerces estremecem facilmente aos meros questionamentos quanto a sua legitimidade. Desse modo, há uma tensão natural dessa estrutura artificial, uma vez que os fatos e a validade se contrapõem, de modo que, uma vez não solucionadas, apenas aumentam o custo da manutenção dessas ordens sociais.
O agir comunicativo permite que as suposições relacionadas aos fatos dos agentes que pautam seu agir por pretensões de validade assumam relevância imediata para a “construção e a manutenção de ordens sociais” (Habermas, 2003, p. 35), uma vez que estas se manterão graças ao reconhecimento de pretensões de validade normativas. Desse modo, a tensão referida entre facticidade e validade surge na integração de indivíduos que vivem em sociedade, sendo por eles desenvolvida. Assim, o conflito é inserido no debate, razão pela qual as normas, por exemplo, serão perquiridas quanto às razões perante todos, em um espaço no qual a interpretação é aberta e todos têm a sua vez, o seu poder de interagir, de participar, de modo que se tornem legítimas, por serem aceitas racionalmente.
No entanto, as pretensões de validade, como as normas, por exemplo, devem ser colocadas a debate e aceitas ou não no momento em que são postas em discussão, não havendo que se falar em postergação do debate e aceitação até o resultado no novo debate (ou embate). Na verdade, o acordo pressupõe a capacidade de coordenação da ação, de modo que se esse inexiste ou é postergado, o sistema se envenena e se intoxica por essa incapacidade e aceitação de normas não validadas de forma racional.
2.1. O agir comunicativo no desenvolvimento do mundo da vida
À pergunta sobre como é possível o surgimento de uma ordem social a partir de processos de formação de consenso que se encontram ameaçados por uma tensão explosiva entre facticidade e validade, HABERMAS (2003, p. 40) observa que o risco de dissenso sempre estará presente, mas a razão leva a concluir pela necessidade de um acordo, no qual há a possibilidade de se dizer “não”, ocorrendo uma vantajosa “estabilização não-violenta de expectativas de comportamento”. Assim se dá pela presença do agir comunicativo no pano de fundo do debate, do consensualismo, que agrega resistência contra as pressões decorrentes do embate entre facticidade e validade, uma vez que a idealização não encontra mais oxigênio para sobreviver: a dimensão real prevalece no acordo encetado.
A complexidade da sociedade possui elementos próprios, como a pluralização de formas de vida e a individualização de histórias de vida, que refratam as sobreposições de convicções que se encontram na base do mundo da vida, por exemplo. Nesse sentido, essas últimas são diluídas, adquirindo um grau de validade diferenciado, dentro de uma “tradição diluída comunicativamente” (Habermas, 2003, p. 44). No entender do autor (2003, p. 45), cuida-se de um problema típico das sociedades modernas, isto é, a estabilização, na perspectiva dos próprios atores, da validade de uma ordem social, onde as ações comunicativas são autônomas e distintas de interações estratégicas.
Ocorre que a ordem normativa sempre pressupôs um agir orientado por interesses, enquanto nas sociedades complexas atuais temos uma segmentação cada vez maior do pano de fundo, dos elementos de unidade entre estas e dentro das mesmas. Desse modo, para HABERMAS (2003, p. 45), seguindo Durkheim e Parsons, não há possibilidade de estabilização dos complexos de interação através da influência recíproca de atores orientados pelo sucesso, de modo que a integração poderá ser realizada através do agir comunicativo.
O autor (Habermas, 2003, p. 46) entende que as interações estratégicas no mundo da vida podem ocorrer. No entanto, não possuem as características vistas por Hobbes ou pela teoria dos jogos, visto que não são instrumentos para a produção de uma ordem instrumental. Na sua concepção:
“(…) “Interações estratégicas têm o seu lugar num mundo da vida enquanto pré-constituído em outro lugar. Mesmo assim, o que age estrategicamente mantém o mundo da vida como um pano de fundo; porém, neutraliza-o em sua função de coordenação da ação. Ele não fornece mais um adiantamento de consenso, porque o que age estrategicamente vê os dados institucionais e os outros participantes da interação apenas como fatos sociais. No enfoque objetivador, um observador não consegue entender-se com eles como se fossem segundas pessoas.”
O autor (Habermas, 2003, p. 46) indica, logo depois, que “parece haver uma saída através da regulamentação normativa de interações estratégicas, sobre as quais os próprios atores se entendem”. Assim, havendo uma orientação pelo sucesso deve haver delimitações factuais que permitam a modificação dos dados do agente, de modo que este se vê obrigado a adaptar seu comportamento, seguindo a pauta de normas que permitam uma força social integradora, posto que dispõem sobre deveres dos seus destinatários.
3. Validade do direito – suas dimensões
O sentido da validade do direito somente pode ser explicado mediante a “referência simultânea à sua validade social ou fática (Geltung) e a sua validade ou legitimidade (Gültigkeit)” (Habermas, 2003, p. 50) – a primeira pode ser verificada pelo grau em que consegue se impor, enquanto que a segunda, pela resgatabilidade discursiva de sua pretensão de validade normativa (Habermas, 2003, p.50).
Não se cuida ainda, por outro lado, do reconhecimento dos direitos das pessoas reciprocamente, mas segundo leis legítimas que garantam não apenas liberdades iguais, que viabilizem a sua concretização, isto é, sua materialidade. Nesse aspecto, as leis morais suplementam as normas jurídicas, mas o legislador deverá igualmente fazê-lo. Desse modo, no “sistema jurídico, o processo da legislação constitui, pois, o lugar propriamente dito da integração social” (Habermas, 2003, p. 52).
Não por acaso, o conceito de direito moderno absorve o pensamento democrático, desenvolvido por Kant e Rousseau, pelo qual a legitimidade de uma ordem jurídica “construída com direitos subjetivos só pode ser resgatada através da força socialmente integradora da ‘vontade unida e coincidente de todos’ os cidadãos livres e iguais” (2003, p. 52).
Observa Habermas (2003, p. 58):
“(…) “A integração social, que se realiza através de normas, valores e entendimento, só passa a ser inteiramente tarefa dos que agem comunicativamente na medida em que normas e valores forem diluídos comunicativamente e expostos ao jogo livre de argumentos mobilizadores, e na medida em que levarmos em conta a diferença categorial entre aceitabilidade e simples aceitação”.
Será através de uma prática de autodeterminação, pela qual os cidadãos exercem em comum suas liberdades comunicativas, que “o direito extrai sua força integradora, em última instância, de fontes da solidariedade social” (Habermas, p. 63).
4. Sistema de direitos e agir comunicativo
Conforme a doutrina jurídica vem destacando já há muito, não basta a simples previsão de direitos e garantias no ordenamento. Esses direitos devem revelar-se eficazes na re-inserção do cidadão na sociedade como agente de fato e não apenas de direito, ou seja, devem ser disponibilizados instrumentos para que este participe da legitimação da estrutura social o que somente pode ocorrer se lhe for aberto esse espaço.
Não há como esquecer que, aquele que não tem voz, se por um lado não é levado em consideração em estatísticas, ou não tem sucesso em ingressar como consumidor de produtos, como desejam avidamente os grupos econômicos, por outro lado, sequer teve reconhecida a sua cidadania de direito, que dirá de fato. A despeito das previsões constitucionais e na legislação quanto a uma série de direitos dos cidadãos, muitos ainda sequer tiverem a oportunidade de exercê-la, posto que vivem em condições semelhantes ou mais gravosas de períodos tidos como terríveis, como a Idade Média.
Hoje já foi derrubado o mito da suficiência da previsão de direitos e de alguns instrumentos para protegê-los e manejá-los (direitos de primeira, segunda e terceira geração), pois na verdade, ela significa uma outra realidade. O agente ou cidadão deve ser inserido no debate, de modo que possa participar efetivamente da construção e desenvolvimento do organismo social em que vive. Isso significa que ele deve não apenas ter disponíveis mecanismos para defender seus direitos individuais e sociais – aí incluídos aqueles referentes à defesa de instituições e bens públicos, dentre outros -, mas igualmente situações que ultrapassam esses conceitos, e que afetam diretamente a todos – como questões de promiscuidade política e administrativa, decisões de mérito administrativo, dentre outras, através de denúncias ou requerimentos.
Conforme observa HABERMAS (2003, p. 127), os direitos do homem, baseados na autonomia moral dos indivíduos, somente podem assumir uma posição positiva mediante a autonomia política dos cidadãos, pois o “princípio do direito parece realizar uma mediação entre o princípio da moral e o da democracia”.
O agir comunicativo exige a instrumentalização efetiva dos cidadãos. Ela decorre naturalmente da interação daquela com o princípio democrático, pois as pretensões são problematizadas de forma contínua e, como observa HABERMAS (2003, p. 131):
“(…) “o indivíduo singular forma uma consciência moral dirigida por princípios e orienta seu agir pela idéia de autodeterminação. A isso equivale, no âmbito da constituição de uma sociedade justa, a liberdade política do direito racional, isto é, da autolegislação democrática.”
Não por acaso, observa o referido autor que as tradições culturais e processos de socialização são reflexivos, isto é, ao tomar consciência da lógica de questões éticas e morais, presentes nas “estruturas do agir orientado pelo entendimento”, afinal, a conduta consciente da vida da pessoa pode ser medida pela possibilidade de expressão ou “ideal expressivista” da auto-realização, pela “idéia deontológica da liberdade e pela máxima utilitarista da multiplicação das chances individuais de vida” (Habermas, 2003, p. 132). Por outro lado, o caráter ético presente nas formas de vida coletivas pode ser igualmente mesurada: através de utopias de convivência “não-alienada e solidária” mesmo diante de tradições assimiladas, mas desde que o sejam conscientemente e que haja uma revisão, uma possibilidade de crítica permanente; bem como por modelos de sociedade justa, cujos parâmetros permitem analisar as situações fáticas vivenciadas, a regulamentar os comportamentos esperados e os conflitos “no interesse simétrico de todos os atores” (Habermas, 2003, p. 132).
Inexistindo compatibilidade entre os argumentos favoráveis à legitimidade do direito e os princípios morais da justiça, da solidariedade universal, com os princípios éticos de uma “conduta de vida auto-responsável, projetada conscientemente, tanto de indivíduos, como de coletividades”, as respostas fornecidas pelo direito racional às modernas idéias de justiça não encontram amparo nos ideais de vida (Habermas, 2003, p. 133). Desse modo, não pode ser cindido o nexo interno existente entre soberania do povo e direito humanos, que repousa no conteúdo normativo de um sistema de exercício da autonomia política, assegurado a todo o momento, em um sistema de retro-alimentação, pelo agir comunicativo. Sem um sistema normativo que viabilize esse exercício efetivo do agente de sua dimensão política, o referido nexo causal nunca se formará de fato, havendo sim uma situação fática conflituosa com o princípio democrático – sem dúvida, princípio deontológico democrático, no sentido de ser um dever de todos a sua busca e efetividade.
Não há apenas uma mera suspeita, mas entendimento de que essa instrumentalização, ou esse poder finalmente devolvido ao seu destinatário natural, o cidadão, terá como pressuposto a autolegislação, implementada pela teoria do agir comunicativo de forma contínua. Nesse sistema, os direitos humanos estão perceptivelmente inseridos em todo o liame, todo o contexto discursivo, sem os quais evidentemente não há que se falar em legitimidade do ordenamento. Afinal, não se cuidam aqui de meros símbolos, mas de um sistema de ação que deve interagir de forma completa com todos os seus elementos.
Nesse sentido HABERMAS (2003, p. 158) esclarece ainda que o princípio democrático somente pode surgir como núcleo de um sistema de direitos, pois a origem lógica desses direitos constitui um “processo circular, no qual o código do direito e o mecanismo para a produção de direito legítimo, portanto o princípio da democracia se constitui de modo co-orginário”.
No entanto, não bastará o estabelecimento de liberdades subjetivas de ação das pessoas e das liberdades comunicativas dos cidadãos, posto que deve haver igualmente uma extensão desse liame até o poder político, pois um agente de fato não pode ser considerado apolítico ou ceifado dessa possibilidade, sob pena de comprometimento da legitimidade da estrutura e do desenvolvimento de um atrito entre o mundo fático e postulado. Afinal, como visto, o direito deve ser legitimamente estatuído e não poderá ser assim considerado caso não consiga a aceitação racional por parte de todos os membros do direito, “numa formação discursiva da opinião e da vontade” (Habermas, 2003, p. 172).
Desse modo, não é de se estranhar a defesa de HABERMAS (2003, p. 173) quanto à autonomia política dos cidadãos no Estado, afinal, conforme visto, não se trata aqui apenas de uma discussão quanto à forma a ser adotada, mas de legitimidade do poder instituído, que somente possui esse predicado tendo sido resultado de um direito que o possua. Não é por outra razão que a legislação se transforma em um poder dentro do Estado, a ser exercido por todos em uma dinâmica horizontal.
A autonomia política pressupõe, portanto, a formação discursiva da vontade comum, ao emprego de poder administrativo e ao acesso ao sistema político. A formação de um “código do poder”, como define HABERMAS (2003, p. 190), “significa que um sistema administrativo se orienta por autorizações que permitem decisões coletivamente obrigatórias”. O direito deverá ser considerado, para o autor, o mecanismo através do qual o poder comunicativo se transformará em poder administrativo.
Habermas (2003, p. 190) entende que o Estado de direito pode ser interpretado como a exigência de associação entre o sistema administrativo, comandado pelo código do poder, ao poder comunicativo, que viabilizará a formação do direito e o seu afastamento das eventuais distorções pretendidas por grupos de interesses.
CONCLUSÃO
A viabilização da participação política e a consolidação do papel de agentes de forma indiscriminada entre todos os cidadãos, permitindo o desenvolvimento de um ordenamento jurídico de um Estado Democrático e legítimo são processos que pressupõe, conforme verificado anteriormente, um processo dialético no qual o agir comunicativo tem papel preponderante.
Inexistindo a possibilidade de uma discussão dialética sobre os temas fáticos, não há um discurso funcionando de forma plena, o que inviabiliza o filtro das contribuições dos diversos atores, a construção lógica e aceitação racional: “o procedimento democrático deve fundamentar a legitimidade do direito” (Habermas, 2003, p. 191).
Os questionamentos políticos suscitados permitem que a regulamentação de modos de comportamento seja direcionada para finalidades coletivas, em decorrência da influência do direito, o que permite a ampliação dos argumentos nodais para a “formação política da vontade” (Habermas, 2003, p. 192), conforme visto anteriormente.
A autocompreensão coletiva será autêntica na medida em que haja uma escolha racional de estratégias e dos fins estabelecidos, de modo, que a idéia de autolegislação surge mais forte, decorrente da própria autonomia dos agentes que contribuem para a formação coletiva da vontade, havendo o pleno exercício do discurso (Habermas, 2003, p. 197). Desse modo, está formada uma coletividade de parceiros do direito que, como cidadãos, “exercitam sua autonomia no interior de um sistema de direitos carente de interpretação e configuração” (Habermas, 2003, p. 199).
O Estado de Direito demanda a organização do poder público constituído conforme os preceitos do direito, mas este só será legítimo quando o direito for legitimamente instituído, de modo que, na Administração Pública, o poder concentrado deverá regenerar-se a cada passo a partir do poder comunicativo (Habermas, 2003, p. 212).
O direito possui, assim, uma dúplice natureza, qual seja, a de constitutivo e instrumento, pois é através dele que o código do poder é formado, bem como viabiliza a transformação do poder comunicativo em administrativo (Habermas, 2003, p. 212).
Tais fundamentos nos permitem concluir, nesse momento, na esteira das lições do autor, que há possibilidade de desenvolvimento da idéia do Estado democrático com o auxílio de princípios pelos quais “o direito legítimo é produzido a partir do poder comunicativo e este último é novamente transformado em poder administrativo pelo caminho do direito legitimamente normatizado” (Habermas, 2003, p. 212).
Conforme esclarece GISELE CITTADINO (1999, p. 231), não há, ao que parece, outro caminho de “enfrentar as marcantes divisões sociais da sociedade brasileira, buscando superar a cidadania de baixa intensidade, senão conferindo prioridade aos mecanismos participativos que buscam garantir o sistema de direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal”.
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