“(…) o trabalho humano é uma chave, provavelmente a chave essencial de toda a questão social, (…)”.
João Paulo II, in Encíclica Laborem Exercens
As empresas, no mar da concorrência, procuram transformar custos fixos em custos variáveis, tornar externo (externalizar) o que é interno, responder com flexibilidade às flutuações da procura (teletrabalho, trabalho a tempo parcial, trabalho à tarefa, etc.). Pode-se dizer, assim, que há cada vez mais trabalho, mas menos emprego na economia global. A estabilidade dos mercados e das estruturas organizacionais em que assentou a criação e o desenvolvimento de muitas empresas, sucedeu, pois, a incerteza e a necessidade, conseqüente, de flexibilização permanente das organizações. Daí, também, que se tenha evoluído no sentido de novas formas de relação contratual e do recurso ao outsourcing, por exemplo. É, então, esta realidade que, pondo em causa as bases de um certo modelo de direito do trabalho nos assusta. Mas, ao contrário, deveria criar em nós a esperança de um mundo novo e melhor (VILAR, 1999).
No Brasil, a terceirização tem seu marco inicial na década de 70, sendo mais utilizada nos setores de vigilância e limpeza, e hoje, consagrou-se de forma generalizada no setor de serviços, transformando-se em mecanismo essencial de redução de custo para o meio empresarial.
O instituto da terceirização foi formulado por estudiosos da Administração de Empresas, com o intuito de reduzir a estrutura das corporações, de modo a aperfeiçoar a produção e diminuir os custos.
Consoante ensinamentos de ALVES (2004), na verdade, foi a lógica do capital que impulsionou a formação do mercado mundial, o imperialismo e a denominada globalização ou mundialização do capital, além disso, por trás das transformações produtivas que atingem o modo de produção de mercadorias, o que pode ser entendido hoje como sendo a reestruturação produtiva, está o capital. O que significa que as inovações técnico-organizacionais da produção de mercadorias no Ocidente ocorreram determinadas pela lógica do capital. É o caso, por exemplo, do surgimento da manufatura e da divisão manufatureira do trabalho, ou ainda o aparecimento da maquinaria e da grande indústria e especificamente a busca da redução dos custos de produção objetivando o mercado globalizado ou internacional.
No entendimento de DORNELES (2002), a filosofia do toytismo[1] (modelo de produção enxuta) prega que o mercado não deve mais se adaptar ao ritmo da produção, mas o contrário. Com o intuito de reduzir o máximo de custos, as empresas abandonam a estrutura vertical típica do taylorismo/fordismo[2] (Taylor propôs a divisão e a especialização das tarefas produtivas, enquanto Ford introduziu em suas fábricas a esteira rolante, de forma a retirar do trabalhador o ritmo da produção e reduzir o tempo ocioso) e se horizontalizam. Atividades consideradas não essenciais passam a ser terceirizadas (grifo nosso), ou seja, delegadas a outras empresas especializadas que oferecem o mesmo serviço a preços menores. Ainda, o ritmo da produção passa a ser ditado a partir do mercado, e se flexibiliza. O toytismo opera com a idéia de estoque mínimo e, nos períodos de baixa demanda de mercado, a produção diminui, da mesma forma que aumenta na alta demanda, de modo a oscilar constantemente. Dessa forma, um sistema jurídico que consagra uma inserção estável de trabalhadores no sistema produtivo, passa a ser visto como entrave e, assim, surge a doutrina da flexibilização do Direito do Trabalho.
Para ALVES (2004), um detalhe essencial neste paradoxo do mercado é que, para que o capital se desenvolva como modo de produção social, é preciso que a força de trabalho seja tratada como mercadoria. É preciso assim, que apareça a figura do trabalhador “livre”, isto é, homens e mulheres “livres”, ou expropriados da propriedade dos meios de produção de sua vida material. Ou ainda “livres” para serem “explorados” pelo capitalista, o dono dos meios de produção. O trabalhador “livre” é o trabalhador despossuído de suas condições objetivas (e subjetivas) de vida social (os expulsos da terra ou os que perderam a atividade artesanal). É, enfim, o proletário, aquele que possui sua própria prole e que, para sobreviver, é obrigado a vender, no mercado, a força de trabalho.
Considerados os estudos preliminares apresentados sobre a História do Trabalho, vimos que o mundo do trabalho vem passando por diversas modificações ao longo da história. Alterações estas influenciadas pelo desenvolvimento tecnológico, pela organização dos meios de produção, pela filosofia de governo, pelo manejo de capital entre os diversos integrantes do mundo globalizado.
Expressa CAMPOS JORGE (2004), que após o início do trabalho assalariado, em plena vigência do Estado Liberal, o engenheiro Frederick Taylor elaborou um modelo de divisão do trabalho que procurava controlar o tempo e o rendimento da produção, visando racionalizar essa produção, como forma de neutralizar a resistência operária e aumentar a produção capitalista. O modelo taylorista controlava o tempo mediante a fragmentação das atividades de planejamento das de execução, de forma que cada trabalhador era controlado e treinado para determinado posto de trabalho, devendo executar a mesma tarefa dentro de tempo a ser determinado pelo empregador, sem levar em conta a aptidão, a criatividade e a capacidade, levando ao que se chamou de expropriação do saber operário pelo capital.
Destaca a autora que o chamado modelo taylorista foi incorporado ao novo modelo de produção denominado fordista. Henry Ford, em 1903, organizou a Ford Motor Company, para a produção de automóveis e para se segurar dos riscos do mercado ele verticalizou e hierquizou a linha de produção, combatendo o desperdício, reduzindo o tempo e aumentando o ritmo de trabalho, visando a intensificação das formas de exploração, graças à linha de montagem, onde os trabalhadores[3] eram alinhados ao longo de uma esteira rolante para exercer, mecânica e repetidamente seu ofício em determinada etapa da produção, sempre em ritmo cada vez mais acelerado, passando a integrar a máquina[4].
Já com a terceira revolução industrial ou a revolução tecnológica ou robótica acompanhadas da microeletrônica, da microinformática, do teletrabalho[5], das empresas virtuais com o avanço da internet, aliadas à possibilidade de fusão, desmembramento e aquisição de empresas multinacionais, desvirtuam-se completamente do modelo de produção taylorista/fordista, que preconizava estabelecimentos fixos, grandes fábricas e a alta produção visando o estoque. Pois, para atender a essa nova demanda do sistema capitalista neoliberal, a organização política do Estado mínimo e as empresas, em sintonia com o novo modelo de Estado passam a adotar fórmulas redutoras, sempre com vistas a aumentar seus lucros. Estrutura-se assim, o modelo toyotista de produção cuja filosofia consiste na horizontalização da produção, enxugamento da máquina, aumento da eficiência para garantir a qualidade total e conquistar mercados. Da empresa se diz que, quanto menor melhor, empresa magra ou enxuta.
Assevera CAMPOS JORGE (2004), que esse novo modelo de gestão e organização da produção, o toytismo, foi desenvolvido no Japão, implantado na empresa Toyota pelo engenheiro Ohno, priorizando regimes de contratos de trabalho mais flexíveis e o controle de qualidade dos serviços. E, para atender a esse novo modelo, surgem dois eixos de contratação e dois grandes tipos de trabalhadores: o primeiro – ligado ao grupo central das empresas – é seleto e bem pequeno, altamente qualificado, que goza de maior segurança dentro da empresa, labora em tempo integral, tem possibilidades de promoções, etc. O segundo eixo – grupo periférico de empresas – abrange dois subgrupos distintos, sendo o primeiro subgrupo composto por trabalhadores em tempo integral com habilidades determinadas e disponíveis no mercado de trabalho, como o pessoal do setor financeiro-administrativo, secretárias, etc., que com menos acesso a oportunidades de carreira tende a ser altamente rotativo; e, o segundo subgrupo oferece uma flexibilidade numérica maior, inclui trabalhadores em tempo parcial, eventual, por prazo determinado, temporário, subcontratação, treinados com subsídio público (estagiários e aprendizes), com ainda menos segurança que os primeiros.
Relata CAMPOS JORGE (2004) que existe uma forte tendência para redução do primeiro subgrupo com o incremento do segundo, com a precarização generalizada das condições de trabalho, tendo em vista favorecer o interesse da empresa com a redução cada vez maior dos custos trabalhistas. Nesse cenário entra a terceirização que; segundo dicionário especializado; é a forma de organização estrutural que permite a uma empresa transferir à outra suas atividades-meio, proporcionando maior disponibilidade de recursos para a atividade-fim, reduzindo: a estrutura operacional, diminuindo custos, economizando recursos e desburocratizando a administração.
COCCO (2002) sintetiza suas reflexões sobre o deslocamento paradigmático do Fordismo/Taylorismo para o Pós-Fordismo no quadro abaixo:
FORDISMO/TAYLRISMO | PÓS-FORDISMO |
Vende-se o que já foi produzido A produção comanda a reprodução | Produz-se o que já foi vendido A reprodução integra a produção e vice-versa |
Trabalhador desqualificado | Trabalhador polifuncional: |
Executa mecanicamente Suas relações cooperativas (e comunicativas) são incorporadas na maquinaria …como indivíduo pré-programado que trabalha silenciosamente | Trabalha falando e tomando iniciativas aleatórias, imprevisíveis Implicação paradoxal É uma força de Trabalho mensurável |
Ao silêncio humano do ateliê corresponde o barulho mecânico da produtividade A produtividade é o indicador paradigmático | A produtividade depende da integração de fluxos comunicacionais A produtividade não é mais mensurável |
A fábrica é o núcleo: | A fábrica é um elo: |
Estruturador dos fluxos materiais e humanos que atravessam o território social Suas maquinarias são instrumentos de decomposição dos fluxos na economia Da produção de massa | Integrado e estruturado pela cadeia produtiva social e comunicativa Suas maquinarias são máquinas lingüísticas de fluidificação da informação na economia Da circulação de massa |
O papel de produtividade | A crise da produtividade |
Os ganhos de produtividade constituem-se na decomposição dos fluxos Os ganhos de produtividade são endógenos | A produtividade baseia-se nas capacidades de modulação lingüístico-comunicativa da cooperação dentro e fora da fábrica Os ganhos de produtividade são exógenos, dependem do não pagamento das externalidades (os custos sociais) |
É a inserção na relação produtiva que legitima a cidadania | É a cidadania que determina a inserção produtiva |
Não obstante a expressão terceirização já estar incorporada ao vocabulário jurídico, sendo largamente utilizada pela doutrina e jurisprudência brasileiras, até há pouco tempo atrás, não era encontrada nos dicionários da língua portuguesa. Tratava-se de neologismo utilizado pela ciência da Administração, significando uma forma de reestruturação administrativa, pela qual uma empresa transfere a outra(s) determinadas atividades produtivas, em regra, não relacionadas diretamente ao seu objeto principal. É uma decorrência da filosofia de qualidade total.
A palavra terceiro origina-se do latim – tertius – estranho a uma relação entre duas pessoas.
No direito francês, usa-se a expressão externalización; no espanhol: arrendamiento de servicios: nos países de língua inglesa: outsourcing; no direito português: subcontratação e no italiano: sucontrattazione.
Muitos preferem utilizar termos como: subcontratação, recontratação, focalização, desverticalização, descentralização, exteriorização do emprego, parceria ou terciarização.
Terceirizar significa atribuir a outrem determinadas etapas do processo produtivo.
A terceirização é a contratação de serviços por meio de empresa intermediária entre o tomador de serviços e a mão-de-obra, mediante contrato de prestação de serviços. Onde a relação de emprego acontece entre o trabalhador e a empresa prestadora de serviços, e não diretamente com o contratante destes.
A terceirização trabalhista também, pode ser conceituada como uma ferramenta de gestão empresarial, que consiste no repasse de algumas atividades ou até mesmo de processos, compostos de diversas atividades a terceiros, num regime contratual ou de parceria, permitindo à empresa tomadora concentrar suas energias em sua principal vocação do negócio.
BARRETO (2004) ressalta que a terceirização consiste na possibilidade de contratar terceiro para a realização de atividades que não constituem o objeto principal da empresa. E, em princípio, para a autora, a vantagem da terceirização está na possibilidade da sociedade empresarial contratante de centralizar seus esforços na atividade fim ou principal, deixando as atividades secundárias ou meio para um terceiro realizar. Essa contratação pode envolver tanto a produção de bens, como de serviços, como de limpeza, de vigilância, etc.
Gabriela Neves DELGADO (2003) ensina:
A terceirização de serviços é a relação trilateral que possibilita à empresa tomadora de serviços (empresa cliente) descentralizar e intermediar suas atividades acessórias (atividades-meio), para terceirizantes (empresa fornecedora), pela utilização de mão-de-obra terceirizada (empregado terceirizado), o que, do ponto de vista administrativo, é tido como instrumento facilitador para a viabilização da produção global, vinculada ao paradigma da eficiência nas empresas.
Rodolfo PAMPLONA (2002) explica que “a terceirização é a transferência do segmento ou segmentos do processo de produção da empresa para outras de menor envergadura, porém de maior especialização na atividade transferida”.
Para Cezar MIOLA (2002), trata-se de uma modalidade de descentralização empresarial, através da qual ocorre a contratação de empresas com autonomia, aparelhamento administrativo, pessoal próprio, idoneidade econômica e especialização técnica, com vistas a obter a prestação de serviços em atividades secundárias.
MELCHIOR (2004) conceitua terceirização como a contratação, feita por uma empresa de serviços prestados por uma pessoa física (profissional autônomo, por exemplo) ou jurídica (Empresa Especializada), para realizar determinados serviços de que necessite, desde que não relacionados às suas atividades-fim e sem a existência dos elementos caracterizadores da relação de emprego que são: subordinação, habitualidade, horário, pessoalidade e salário.
Assim, a terceirização surge como uma conseqüência da mudança nas relações econômicas provenientes do mercado sem fronteiras ou de âmbito mundial.
Para MARCANTE (2005), pode-se afirmar que, desde a Revolução Industrial, já se utilizava o instituto da terceirização em serviços contábeis e jurídicos, mas a forte incidência começou nos Estados Unidos, a partir da segunda guerra mundial, com o escopo de atender à enorme demanda de material bélico. Na França, foi editada a Lei nº. 72-1, versando sobre o trabalho temporário.
Trata-se de fenômeno relativamente novo no ordenamento jurídico brasileiro. A intensificação desse instituto no Brasil tem início na década de 70[6], quando surgem os primeiros avanços da globalização no território nacional, pois, a antiga organização do sistema produtivo vertical (Fordismo/Taylorismo) não atendia mais as necessidades do mercado internacional. As novas exigências do mercado não se adequavam mais à rústica organização da produção, pois a competitividade é imensa, os custos precisavam ser reduzidos, é necessária maior dinâmica na criação de novos métodos de gerenciamento da atividade produtiva. A verticalização então existente do sistema produtivo deve ser descentralizada, sendo substituída pela horizontalização (Toytismo): distribuição das atividades antes realizadas pela empresa a outras especializadas em uma determinada área (BARRETO, 2004).
Interessante ressaltar que o instituto da terceirização surgiu como fenômeno social e não como reflexo da criação de um sistema trilateral de contratação consolidado pelo legislador, pois, as sociedades privadas passaram a adotar crescentes práticas de terceirização, independentemente da existência de legislação autorizativa.
SARATT, SILVEIRA, DAIBERT e MORAIS (2000) lecionam que as atividades empresariais, podem ser classificadas em três grupos:
– Atividades-meio de apoio;
– Atividades-meio essenciais;
– Atividades-fim ou vocacionais.
· Atividades-meio de apoio – são aquelas que não agregam valores à produção ou negócio do tomador de forma direta. Trata-se, evidentemente, de um serviço necessário, mas facultativo, ou seja, não essencial, tais como – conservação e manutenção predial, limpeza, vigilância, refeitório, transporte de empregados, serviços contábeis, serviços advocatícios, etc. Sendo estas atividades, pelas suas características, indicadas para a terceirização;
· Atividades-meio essenciais – são aquelas que tratam dos serviços ligados operacionalmente ao negócio ou ao empreendimento, vinculado no sentido amplo, ao fornecimento de matéria prima, ou seja, são as atividades sem as quais não pode existir o produto final: insumos, componentes ou até mesmo, partes do processo produtivo. A empresa pode optar entre produzir esses itens diretamente, contratar serviços de terceiros (terceirização), fornecendo ou não a matéria-prima para produzi-los no mercado;
· Atividade vocacional ou atividade fim – é aquela relacionada diretamente com o negócio, que, segundo o entendimento jurisprudencial predominante, não pode ser terceirizada, devendo ser realizada diretamente. É o know-how da empresa, no qual reside o seu diferencial, competitivo. É como esta se apresenta ao mercado.
MELCHIOR (2004) expressa-se de modo prático que atividades-meio são todas aquelas não essenciais da empresa, ou seja, as que têm a finalidade de dar suporte às atividades principais constantes em seus objetivos sociais. Logo, as atividades principais estao descritas na cláusula objeto do contrato social das empresas e são chamadas de atividades-fim[7].
Com o intuito de facilitar a análise do tema, colheu-se a diferenciação feita por Maurício Godinho DELGADO (2004):
Atividades-fim podem ser conceituadas como as funções e tarefas empresariais e laborais que se ajustam ao núcleo dinâmico empresarial do tomador dos serviços, compondo a essência dessa dinâmica e contribuindo inclusive para a definição de seu posicionamento e classificação no contexto empresarial e econômico. São, portanto, atividades nucleares e definitórias da essência da dinâmica empresarial do tomador dos serviços. Por outro lado, atividades-meio são aquelas funções e tarefas empresariais e laborais que não se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador dos serviços, nem compõem a essência dessa dinâmica ou contribuem para a definição de seu posicionamento no contexto empresarial e econômico mais amplo. São, portanto, atividades periféricas à essência da dinâmica empresarial do tomador de serviços.
Consoante legislação consolidada e legislação complementar a terceirização é permitida nos seguintes casos:
· Atividades de segurança e vigilância[8];
· Atividades de conservação e limpeza[9];
· Serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador de serviços;
· Trabalho temporário[10]: para atender à necessidade transitória de substituição de pessoal regular e permanente ou a acréscimo extraordinário de serviços[11].
De acordo com o Manual de Orientação ao Tomador de Serviços: Terceirização – Trabalho Temporário (2001) um ponto comum à terceirização, nas atividades de asseio, conservação, segurança, vigilância e de serviços especializados relacionados com as atividades-meio, é a proibição expressa de existência de pessoalidade e subordinação com o tomador de serviços, sendo que, constatada a presença de tais requisitos, a relação de emprego se estabelece com este tomador. Tal fato não ocorre, contudo, quando o tomador for ente da administração pública, diante da necessidade de aprovação prévia em concurso público, como determina a Constituição Federal. Da mesma forma, no qual a subordinação se manifesta entre trabalhador e as empresas fornecedoras a cliente.
As situações-tipo de terceirização lícita estão claramente apontadas no texto do Enunciado 331 do TST e constituem-se em quatro grandes grupos de situações assim delimitadas:
I – Situações empresariais que autorizem a contratação de trabalho temporário[12];
II – Atividades de vigilância regidas pela Lei nº. 7.102/83;
III – Situações que envolvam contratação de atividades de vigilância e limpeza;
IV – Contratação de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador.
Define-se o trabalho temporário como aquele prestado por pessoa física a uma empresa, para atender à necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e permanente ou a acréscimo extraordinário de serviços, conforme art. 2º, da Lei nº. 6.019/74[13].
Já empresas de trabalho temporário são empresas que proporcionam emprego através de postos de trabalho existente nas empresas suas clientes e para as quais os trabalhadores de trabalho temporário laboram com base num contrato laboral. Cada trabalhador na modalidade de trabalho temporário possui um contrato de trabalho escrito, sem termo e em relação ao qual todas as regalias e contribuições são válidas (FILGUEIRAS-RAUCH, 2000).
A Lei nº. 6.109/74 criou a relação justrabalhista trilateral, que se repercute, mutatis mutandis, nas demais situações de terceirização: a) Empresa de Trabalho Temporário (ETT) ou empresa terceirizante; b) trabalhador temporário; c) Empresa Tomadora de Serviços (ETS) ou empresa cliente, (DELGADO, 2004).
De forma apropriada, Guilherme Machado DRAY (2003) justifica a inclusão do trabalho temporário entre as situações de precarização do trabalho no ordenamento português;
“Por essa razão, face à precariedade da posição do trabalhador temporário, que não se integra, nem nos quadros da entidade onde presta a sua actividade, nem daquela que o contratou, o regime jurídico do trabalho temporário, aprovado entre nós pelo Decreto-Lei nº. 358/89, de 17-10 (LTT), é movido por uma preocupação fundamental de garantir a clarificação do exercício da actividade e a protecção social dos trabalhadores temporários. O trabalho temporário insere-se num fenômeno geral de flexibilização da relação de trabalho. Trata-se, tal como noutros casos, de uma modalidade contratual atípica, no sentido do contrato de trabalho por tempo indeterminado”.
KOVÁCS (2004) sustenta que o trabalho temporário assemelha-se ao contrato de duração determinada. Uma das diferenças essências reside na existência de uma relação triangular entre a empresa de trabalho temporário (ETT) como empregador, a empresa utilizadora e o trabalhador. O trabalhador trabalha na empresa utilizadora, mas tem vínculo contratual com a ETT[14].
Enquanto que para ABRANTES; et alli (2002), o TT serve ainda como prática de recrutamento. Pois, com esta prática a empresa pretende que o período de trabalho (necessariamente curto) do TT sirva como forma de seleção e, se se quiser, de estágio, minimizando os riscos associados à contratação de trabalhadores para o quadro permanente da empresa. É assim freqüente a inserção profissional de um TT[15] servir, simultaneamente, como uma prática de pré-recrutamento. É possível medir esta prática a partir da identificação do número de TT que passam a trabalhadores permanentes e/ou contratados e esta prática tem conseqüências evidentes ao nível do papel socioeconômico deste tipo de forma de emprego.
O trabalho temporário garante uma enorme flexibilidade de entrada e de saída do mercado de trabalho. Em que, como se diz, o empregador contrata quem não emprega e o utilizador emprega quem não contrata; onde há uma fragmentação dos poderes empresariais: o poder de direção para um e o poder disciplinar para outro; onde há uma balcanização do estatuto jurídico do trabalhador temporário, que não se sindicaliza, que não faz greves, com a terrível limitação dos direitos individuais e coletivos, consciente de que será um eterno estrangeiro no utilizador, com a desconfiança, também, dos demais trabalhadores que sentem nele uma ameaça. As empresas de trabalho temporário serão os novos negreiros na época da globalização? O trabalho temporário será uma nova forma de escravatura? O trabalhador temporário nada reivindica à espera de melhores dias que podem nunca surgir. E o branqueamento dessa modalidade atípica de contratação é visível nos grandes grupos econômicos que têm sempre uma empresa satélite para alimentar as suas necessidades de pessoal. Pode considerar-se uma forma especial de externalização ou de outsourcing, mas ainda mais precária. Os problemas que aqui se colocam são das renovações, dos limites máximos de duração, da formação profissional, do premio di fine lavoro ou das compensações de fim do contrato, também questões fundamentais que passam pelo contrato de trabalho a prazo (MOREIRA, 2004).
A Lei nº. 6.019/74 específica as circunstâncias hábeis (hipóteses de pactuação) a autorização a contratação, pela empresa tomadora (empresa cliente), de trabalhadores temporários, cedidos pela empresa terceirizante (empresa de trabalho temporário)[16].
Com o crescimento desenfreado da terceirização, as empresas, na busca de redução dos seus custos, perderam suas equipes de controle gerencial dos processos contratuais, provocando um grande passivo trabalhista devido ao descumprimento, por partes das fornecedoras de mão-de-obra, das obrigações trabalhistas e previdenciárias. Neste cenário de despreparo e desconhecimento dos profissionais que atuam nesses setores, nasce mais um instituto – a Quarteirização ou delegação da gestão de contratos com terceiros, que consiste no gerenciamento e acompanhamento de toda a relação, cuidando-se, para que os produtos ou serviços sejam fornecidos nas condições previamente estabelecidas, exigindo-se dos contratantes a apresentação de documentos e quitação dos encargos sociais, cujo objetivo, é evitar a solidariedade e/ou subsidiariedade nos processos judiciais.
Com a quarteirização, passa-se a administrar a relação, e não apenas o contrato; a administrar o risco econômico, e não apenas o jurídico. Cada vez mais a realidade demonstra que diversos processos de compra e venda de serviços fracassaram, fazendo com que muitos tomadores voltassem a realizar atividades de maneira direta (desterceirização), premidos pelo insucesso da relação, conseqüência da inexistência de gestão. Não se pode esquecer que terceirizar não significa abandonar a atividade. É como só se pode administrar o que se conhece, a gestão deve ser exercida por especialistas. É necessário que o gestor dos contratos tenha conhecimento técnico das atividades contratadas para avaliar e controlar a qualidade e adequação do produto ou serviço fornecido (SARATT, SILVEIRA, DAIBERT e MORAIS, 2000).
A quarteirização representa a empresa especializada em administrar contratos oriundos das terceirizações[17].
A disseminação dos contratos de trabalho por tempo determinado (trabalho temporário) foi duramente criticada pelo Prof. MOREIRA (2004), especialmente a aplicada na Europa. As revoluções burguesas e industriais da Europa no Século XVIII. A Revolução Industrial, especialmente a inglesa, trouxe dos campos uma mão-de-obra faminta, em busca do sonho de uma vida melhor nas cidades. Mas o que essas pessoas, sobretudo mulheres e crianças, encontraram foi exploração, sendo aproveitadas como mão-de-obra dócil e barata pelas indústrias. A exploração foi a marca de origem da industrialização e essas questões existem até hoje. Para o ilustre mestre lusitano, o momento atual, em que a sociedade vive os efeitos de uma outra revolução – a tecnológica[18] – caracteriza-se pela supervalorização de funções intelectuais e pela disseminação do trabalho precário; decorrência do fechamento de milhões de postos de emprego. Para ele, vivemos a crise do Welfare State, ou Estado de bem-estar social. Na sua avaliação, o que se pronuncia é o fim do Direito do Trabalho clássico, com a proliferação de formas marginais de trabalho. E, entre as formas de precarização do trabalho, criticou particularmente o Trabalho Temporário. Para o acadêmico português, o trabalho temporário não diminui a taxa de desemprego, não faz face apenas a necessidades provisórias, gera instabilidade econômica e psicológica para o trabalhador, com reflexos em sua vida social e familiar, não cria espírito de equipe nem espírito de empresa, além disso, o trabalhador temporário não se sindicaliza, não faz greve, não faz reivindicações e não se mobiliza. Essas formas de trabalho, também, acabam sendo um prolongamento do trabalho do menor, já que empregam quase que exclusivamente jovens adultos e reforça a discriminação da mulher por causa dos baixos salários pagos.
Por fim, a terceirização é considerada regular pela maioria da doutrina e jurisprudência no ordenamento laboral brasileiro quando se tratar de exploração de atividades cujo fim é o apoio, a instrumentalidade do processo econômico, especificamente a atividade-meio. Em caso contrário, se a atividade explorada coincidir com os objetivos da sociedade empresarial ou atividade do empresário, a terceirização não é permitida, formando-se consequentemente vínculo entre o trabalhador e a tomadora dos serviços.
Professor Universitário. Auditor Fiscal do Trabalho. Autor das seguintes obras: Manual de Rescisão de Contrato de Trabalho. 4 ed. Editora LTr, 2011 e Manual Prático de Direito do Trabalho. 3 ed. Editora LTr, 2011.
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