INTRODUÇÃO
‘Trabalho decente’ é um termo estratégico da Organização Internacional do Trabalho para unificar aspectos qualitativos e quantitativos do progresso social[1]. Com esta perspectiva a OIT pretende abranger em rede de proteção social aqueles trabalhadores que não estão vinculados diretamente numa relação de emprego clássica além de monitorar o respeito dos países membros aos direitos fundamentais no trabalho. Pode-se dizer que a noção de “trabalho decente” unifica a ação da OIT para com a finalidade de atingir os objetivos previstos na sua Constituição, resumidos na busca da justiça social.
Para a Organização Internacional do Trabalho[2] o paradigma do trabalho decente significa uma política institucional que procura impulsionar a atenção mundial em torno de quatro pilares laborais: os direitos fundamentais[3] (trabalho com liberdade, igualdade e não forçado ou infantil), o emprego como fator de desenvolvimento para todos, proteção social (redes de amparo em situações de vulnerabilidade) e o diálogo social (busca de consenso entre governo e organizações de trabalhadores e de empregadores sobre condições justas e dignas de trabalho e o emprego) .[4]
A OIT forneceu ao atual mundo globalizado uma expressão comum “trabalho decente” que facilita a compreensão partilhada dos múltiplos problemas da vida laboral. “Trabalho decente” revitalizou debates sobre temas laborais nos foros internacionais, tendo sido afirmado como prioridade no Fórum Econômico Mundial e Fórum Social em 2000, Cúpula do Milênio das Nações Unidas (de onde o trabalho foi considerado decente como sendo um dos ODM – Objetivo de Desenvolvimento do Milênio), Cúpula Mundial das Nações Unidas de 2005 e Declaração do Conselho Econômico e Social da ONU de 2006. A política do trabalho decente foi reafirmada pela OIT através da Conferência Internacional do Trabalho de 2008 na qual foi elaborada a “Declaração da OIT sobre a justiça social para uma globalização eqüitativa.”
O trabalho decente vem definido pela OIT como “aquele desenvolvido em ocupação produtiva, justamente remunerada e que se exerce em condições de liberdade, eqüidade, seguridade e respeito à dignidade da pessoa humana[5]“.
O propósito deste artigo é explicitar o conteúdo do conceito ‘trabalho decente’ a partir de duas perspectivas: a dignidade da pessoa humana e o contexto ambiental no qual o trabalho deveria se desenvolver de forma sustentável. Conforme o primeiro ponto de vista, trabalho decente é trabalho digno. De acordo com o segundo, trabalho decente é trabalho ecologicamente adequado, o que denominaremos “trabalho sustentável”, conceito correlato ao de “desenvolvimento sustentável”.
Os elementos da definição da OIT serão relacionados a estas duas acepções de trabalho digno. “Ocupação produtiva”, “justamente remunerada”, “que se exerce em condições de liberdade e eqüidade” serão abordados como determinações do conteúdo de “trabalho digno”. Por sua vez, “em condições de seguridade” será relacionada ao tema do trabalho sustentável.
I. TRABALHO DECENTE COMO TRABALHO DIGNO
1.1. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E TRABALHO DECENTE
Trabalho digno é o que promove a dignidade da pessoa humana trabalhadora. Esta afirmação necessita que se explicite o conceito de dignidade[6]. A dignidade da pessoa humana[7] se expressa na noção de que “o ser humano é sempre um valor em si e por si, e exige ser considerado e tratado como tal, e nunca ser considerado e tratado como um objeto que se usa, um instrumento, uma coisa”[8] e, mais, “tudo o que existe sobre a terra deve ser ordenado em função do homem, como seu centro e seu termo”.[9]
Analiticamente, compreende-se o conceito de dignidade humana como o passível de ser articulado nas esferas de dignidade jurídica, política, econômica e moral da pessoa humana.[10]
Do ponto de vista jurídico, a pessoa é sujeito e fim do direito. O direito protege atributos da personalidade do homem, negando o domínio de uma pessoa sobre a outra. A dignidade humana é pressuposto da determinação do direito, como é também o seu limite, visto que introduz no ordenamento jurídico o respeito recíproco, que restringe a esfera de ação de cada indivíduo. O direito é produzido pelo homem e para o homem. O trabalho digno é aquele em que há a defesa dos direitos fundamentais da pessoa humana como trabalhadora. Do ponto de vista da dignidade jurídica, o trabalhador é sujeito de direitos que o protegem na sua autonomia e nas exigências do bem-estar no ambiente laboral.
Por sua vez, a dignidade política é complementar à dignidade jurídica, considerando o ser humano enquanto princípio, partícipe e fim do Estado[11]. Certas aspirações humanas são limitadas pelas imposições estatais, visando ao bem comum. Porém, há certos elementos da dignidade humana que precedem a sociedade política e, por isso, o Estado, como comunidade política, deve favorecer a realização do cidadão. Portanto, as relações de coordenação entre os indivíduos, bem como as de ‘subordinação’ destes ao Estado, pressupõem direitos e deveres recíprocos, sustentados no primado da dignidade política da pessoa humana. Nestes termos, o trabalho digno é aquele no qual estão assegurados ao trabalhador os direitos de alcance político próprios do mundo laboral: liberdade de associação (sindicalização), liberdade de ação pública (direito de greve), liberdade de expressão (manifestação e discussão pública das pretensões laborais), etc.
Na dimensão econômica da dignidade, importa que a economia esteja a serviço do homem, para satisfazer a necessidade da sociedade como um todo. O trabalho, desta forma, vincula-se à dignidade humana de forma inalienável porque através dele o homem faz uso das riquezas da terra e aperfeiçoa sua personalidade. É redutiva a consideração do homem como homo oeconomicus, cuja atividade serve à economia, e não o contrário. O trabalho humano possui caráter econômico e ético, contemplando valores de natureza moral: proporciona o imprescindível para a satisfação das necessidades humanas e é meio de afirmação da personalidade do trabalhador. A dignidade econômica da pessoa rejeita a lógica neoliberal, que considera o máximo proveito de algumas pessoas em detrimento de outras. Deste modo, o trabalho digno demanda a não redução do trabalhador a instrumento do sistema produtivo, para obtenção de vantagens econômicas para si ou para outrem.
De um ponto de vista moral, cada sujeito tem direito a ser reconhecido, isto é, a ter o seu valor afirmado pela comunidade. É a partir da mediação do outro, do seu reconhecimento, que o ser humano constitui a própria identidade. A pessoa, como sujeito moral, existe nestas relações de reconhecimento, que formam a dimensão ética da vida comunitária. No tocante à pessoa do trabalhador, a sua dignidade moral precisa ser afirmada no interior do sistema produtivo, e não como uma exigência normativa de caráter externo. Para tanto, urge revisão à idéia de que o mercado de trabalho tem uma natureza moralmente neutra, na qual as interações seriam orientadas somente pelo auto-interesse. Ao contrário, é imperativo seja o mercado de trabalho concebido como tendo atributos morais internos que lhe conferem um caráter normativo, um dever ser com relação ao modo como é exercida a atividade produtiva[12]. Os imperativos morais no exercício do trabalho no mercado de trabalho, indicadores de patamares básicos de dignidade do trabalhador, se expressam em dois requisitos ou pressupostos: de um lado, uma remuneração mínima como exigência de justiça, ou seja, o trabalhador merece ter suas necessidades atendidas, uma vez que sua atividade considera às carências de outrem. Em segundo lugar, que se dê às atividades desempenhadas uma forma que permita reconhecê-las como contribuição para o bem comum. O trabalhador é reconhecido socialmente como alguém que exerce uma atividade relevante para a comunidade. Nas relações de trabalho é imperativo moral que cada pessoa seja valorizada concretamente, ou seja, reconhecida pela sua contribuição pessoal e intransferível na execução da parte que lhe coube na divisão social do trabalho[13]. O trabalho decente, em uma consideração a partir da dignidade moral do trabalhador, é o trabalho justamente remunerado e reconhecido.
1.2. O CONTEÚDO DO TRABALHO DIGNO
Após termos explicitado analiticamente o conceito de trabalho digno a partir das dimensões da dignidade da pessoa humana, faz-se necessário examinar a orientação da própria OIT. O trabalho decente na definição da OIT, pode ser desdobrado, de um lado, em um princípio geral – condições de respeito à dignidade humana[14] , que de fato, determina o trabalho decente como trabalho digno, e por outro, nas especificações deste princípio nas seguintes características: ocupação produtiva, justamente remunerada e que se exerce em condições de liberdade, eqüidade, seguridade.
1.2.1.OCUPAÇÃO PRODUTIVA E JUSTAMENTE REMUNERADA
Trabalho decente[15] significa ocupação e criação de postos de trabalho que possuam qualidade aceitável, incluindo a idéia de que o trabalhador, por sua atividade, contribui de modo eficaz para o bem-estar geral. Nesse sentido, a OIT promove programas que enfrentam o problema do emprego, da desocupação e da pobreza, de modo integrado, sempre com a participação tripartite dos atores sociais (governos, empregadores e empregados). Com relação ao trabalho produtivo, a OIT incentiva a política de emprego mediante a formação profissional como é a lição espelhada na Convenção nº 142 sobre o “Desenvolvimento dos Recursos Humanos”, de 1975.
A ocupação produtiva é vista como um modo de afirmar a autonomia e valor do trabalhador diante da sociedade: ele deve ser reconhecido primeiramente não como objeto de tutela, mas como protagonista do bem da sociedade. A atividade laboral resulta deste modo, para o trabalhador, em reconhecimento social e auto-respeito.
O trabalho decente exige ser justamente remunerado, enfrentando-se o problema central da redistribuição de riquezas, em uma dimensão de crescimento econômico sustentável e equilibrado. O mercado de trabalho possui duas exigências morais: afirmar a dignidade da pessoa que exerce a atividade produtiva e atribuir a esta, em decorrência do labor, uma justa remuneração, capaz de assegurar uma subsistência digna. Para tanto, o trabalho realizado profissionalmente deve ser dotado de um salário mínimo como exigência moral, normativa[16].
Num sentido social e econômico mais específico, é preciso que a remuneração contemple as necessidades vitais mínimas do trabalhador. Busca-se que o salário mínimo signifique, efetivamente, condições de sobrevivência digna do trabalhador. A OIT aponta, nesta linha, para a Convenção nº 131 “Fixação de Salários Mínimos” de 1970.
O trabalho decente como ocupação produtiva e justamente remunerada é o trabalho que atende a dignidade moral do trabalhador, no qual a atividade laboral é vista como uma relação de justiça.
1.2.2. EM CONDIÇÕES DE LIBERDADE E EQÜIDADE.
Com a busca do “trabalho decente em condições de liberdade” pretende a OIT promover a liberdade de associação e direito à negociação coletiva. As diretrizes traçadas pela Convenção nº 98 – relativa a “Liberdade Sindical e Proteção ao Direito de Sindicalização”, de 1948 indicam o direito a ser livremente exercido de trabalhadores e empregadores, sem distinção alguma, de organizarem-se para fomentar e defender seus direitos respectivos[17]. Reforça-se, pela OIT, a implementação do diálogo social que requer participação dos atores do campo laboral na elaboração de seus direitos e deveres. Se o trabalho se dá em condições de liberdade é meio de assegurar resolução de conflitos e garantir a participação dos trabalhadores na produção e divisão de riquezas.
No tocante ao “trabalho decente em condições de eqüidade”, a OIT apóia a prática de políticas laborais facilitadoras da igualdade nas relações laborais, o que vem explicado no tratamento das questões de gênero. As taxas de atividade feminina[18] estão em progressão em relação às masculinas. A transformação estrutural das economias, as mudanças demográficas, as novas formas de conceber o tempo e o espaço de trabalho dão novos contornos na vida funcional de homens e mulheres. Na Convenção nº 100 e Recomendação nº 90 da OIT fica estabelecido o princípio da igual remuneração para homens e mulheres em trabalho de igual valor. Pretende-se abolir, ainda, todas as outras manifestações da discriminação no ambiente laboral. Nessa trilha é lembrada a Convenção nº 111 sobre “Discriminação no Emprego e Ocupação”, do ano 58 e a importante Convenção nº 156 sobre “Trabalhadores com Responsabilidades Familiares” de 1981, estabelecendo igualdade de tratamento de gêneros quando os trabalhadores possuam responsabilidades familiares similares.
Aqui vê-se claramente o intuito de proteger a dignidade política do trabalhador, por meio, ilustrativamente de políticas de ações afirmativas e criação de direitos específicos para grupos vulneráveis. O trabalho decente é o trabalho digno, e este possui uma dimensão política que lhe é inerente.
II. TRABALHO DECENTE COMO TRABALHO SUSTENTÁVEL
2.1 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E TRABALHO SUSTENTÁVEL
O trabalho humano sempre está situado em relação a um meio circundante, local que deve ser tratado como uma ‘morada’, um lugar em que o homem possa estar e habitar, recordando-nos a idéia de ‘oikos’. Em prol da harmonia entre trabalho e ambiente impõe-se que as necessidades humanas de trabalho decente e ambiente saudável sejam resgatadas como valores. Ambiente e trabalho não são bens em conflito, como poderia supor uma análise economicista em que estes fatores de produção competem por recursos, mas devem ser examinados como exigências da dignidade que se complementam e interagem.
Neste contexto, o trabalho decente revela-se como trabalho ecológico ou sustentável. Isto porque a forma como o homem trata o ambiente está estreitamente vinculada ao modo como o homem trata a si próprio e ao seu semelhante[19].
Se é possível a visualização da questão laboral : “trabalho decente em condições de liberdade e igualdade” a partir dos ditos direitos fundamentais de primeira e segunda geração, a emergência do paradigma ambiental e da teoria dos direitos humanos de terceira geração opera revisão teórica para fins de articulação dos direitos sociais já conquistados, com a defesa e promoção ambiental[20].
Na medida em que reinterpretam os direitos sociais, as novas situações impõem que os trabalhadores interajam com um bem que é de todos: o ambiente.
A Declaração das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente de 1972, conhecida como Conferência de Estocolmo, foi imprescindível para traçar rumos do debate ambiental. Ressaltou as conseqüências ambientais de todos os atos humanos. Conclamou a responsabilidade geral pelo meio ambiente: Estado, sociedade civil (cidadãos e comunidade), as empresas e as instituições são agentes na defesa do desenvolvimento sustentável e o ambiente recebe uma face humana. O conceito de meio ambiente anteriormente reduzido às condições naturais foi superado e ampliado de modo que o fator humano passou a integrá-lo, acentuando-se a conexão existente entre os problemas do homem e as questões ambientais[21].
Do mesmo modo, a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992) e a chamada “Agenda 21” estabeleceu as diretrizes de desenvolvimento econômico e social para o século XXI. Introduziu pelos princípios 1, 3 e 8 da Declaração, a noção de desenvolvimento sustentável, com a premissa de que “o direito ao desenvolvimento deve ser exercido, de modo a permitir que sejam atendidas eqüitativamente as necessidades de desenvolvimento e ambientais de gerações presentes e futuras”[22].
Um primeiro princípio é extraído da Declaração do Rio de1992:
“Os seres humanos constituem o centro das preocupações relacionadas com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva em harmonia com a natureza”.
Este direito à vida saudável e produtiva é que se podemos chamar de trabalho sustentável, e, portanto, uma parte integrante do trabalho decente.
A Agenda 21 elegeu, entre os seus objetivos, que os países procurassem a promoção e ratificação das convenções da OIT com pertinência ambiental. Sugeria-se o estabelecimento de mecanismos bipartites e tripartites sobre segurança, saúde e desenvolvimento sustentável, a redução dos índices estatísticos de acidentes, ferimentos e moléstias do trabalho e o aumento de oferta de educação, treinamento e reciclagem para os ambientes de trabalho. Ao todo, 19 Convenções da OIT traçam diretrizes e recomendações práticas em matéria de ambiente, segurança e saúde de trabalhadores envolvidos em diversos setores.
Na lógica da Agenda 21, trabalho sustentável é aquele exercido em condições de seguridade e com responsabilidade socioambiental, de modo que homem e ambiente não sejam esgotados, mas se mantenham íntegros e produtivos[23].
2.2. O CONTEÚDO DO TRABALHO SUSTENTÁVEL
Segundo dados da OIT, mais de 160 milhões de trabalhadores ficam enfermos anualmente por conta da precariedade e ausência de segurança e higiene do trabalho[24].
A carência de serviços básicos de saúde e a falta de bem estar social é um desafio para o conceito de trabalho sustentável, pelo qual se pretende a melhoria das condições de vida sem o exaurimento dos recursos naturais. Isso é possível através de medidas integradas para um desenvolvimento econômico pautado pela ética da sustentabilidade, o que significa também políticas concretas e eficazes para a melhoria da qualidade de vida do ser humano que trabalha.
A deterioração do meio ambiente diz respeito a pautas de produção e consumo insustentáveis que põe em perigo a subsistência do homem trabalhador, especialmente aquele imerso na maior pobreza. O trabalho que expõe o agente a maiores riscos de acidentes e enfermidades, via de regra, é o realizado por crianças, mulheres e migrantes, além de outras pessoas em situação de exclusão social: é aquele lançado para a informalidade e, quando formal, manifesta-se como trabalho insalubre, perigoso e socialmente não reconhecido. Politicamente, é preciso, hoje, a criação de sistemas sociais e econômicos que garantam segurança básica e emprego, além de prepararem o trabalhador para atuar em circunstâncias variáveis de um mercado global altamente competitivo. Isso significa que a OIT busca a proteção social e a formação dos trabalhadores para que estes e suas comunidades lidem com as vulnerabilidades e riscos no trabalho.
A OIT entende que o meio ambiente do trabalho é parte integrante e importante do meio ambiente considerado em sua totalidade, refletindo-se a melhoria da parte, no todo: ou seja, um meio ambiente do trabalho[25] saudável projeta-se no meio ambiente em geral e vice-versa.
O trabalho sustentável é fonte de preocupações da OIT e de seus programas que buscam a melhoria do meio ambiente e a proteção da saúde do trabalhador.
Nesse sentido, a OIT se empenha em promover a adesão aos princípios das Convenções nº 155 sobre “Seguridade e Saúde dos Trabalhadores” e Convenção n.161 sobre “Serviços de Saúde no Trabalho”, além da Convenção de nº 102, sobre “Seguridade Social”.
Pela Convenção 155 ( com o Protocolo Adicional de 2002) o termo “saúde” com relação ao trabalho abrange a ausência de afecções ou de doenças e na linha da definição da OMS para a qual saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, não somente a ausência de doença ou enfermidade. Com o Programa SafeWork de 2003, a OIT visa ampliar o debate sobre trabalho sustentável promovendo a Seguridade, Saúde e Meio Ambiente do Trabalho. A partir deste programa surgiu a Convenção 187 sobre Saúde e Segurança no Trabalho (SST). Através desta Convenção prioriza-se que o país membro da OIT estabeleça nacionalmente uma cultura de prevenção para práticas positivas no meio ambiente do trabalho.
Além do programa de Saúde e Segurança no Trabalho (SST), importante trabalho da OIT diz respeito ao Relatório Green Jobs (Empregos Verdes: rumo ao Trabalho Decente em um mundo sustentável), apresentado em 2008[26], pelo qual se visualiza a possibilidade de geração de milhares de empregos pela adoção de políticas ambientais limpas no mundo globalizado.
“Trabalho decente em condições de seguridade”, portanto, diz respeito à necessidade de proteção da saúde física e mental do trabalhador, com preocupações de resguardo e ampliação da qualidade do meio ambiente do trabalho, mediante a adoção concreta de medidas que sejam expressão do princípio ambiental da prevenção[27].
Como o problema ambiental está vinculado estreitamente ao direito à vida, o direito ao meio ambiente equilibrado é um direito e dever fundamental[28], representando uma síntese das demais gerações ou dimensões de direitos humanos.[29] Com o paradigma ambiental não se desprezam os direitos de liberdade e igualdade no trabalho, já assegurados como patamares civilizatórios mínimos, tidos por “jus cogens laborais” mas estes são redimensionados e integrados. O estudo do meio ambiente do trabalho saudável sublinha os fortes vínculos presentes entre direitos de uma mesma geração e intergeracionais. Provoca-se uma verdadeira integração horizontal de direitos de uma mesma geração. No caso dos direitos sociais não se pode falar de saúde, sem moradia, alimentação, sem trabalho digno. Há, ainda, uma integração vertical de direitos de geração distintos, visto que inexiste meio do ambiente equilibrado para o trabalhador se não estão garantidos a este direitos de liberdade e os direitos de igualdade. Nesse ponto, sublinha-se a estreita vinculação entre direitos fundamentais dos trabalhadores proclamados pela OIT (ausência de trabalho forçado e infantil, trabalho sem discriminação e com liberdade) e trabalho sustentável ou ecológico[30]. De fato, se observa empiricamente que a violação de um direito fundamental repercute na negação nos demais. A partir destas considerações, conclui-se que não é possível considerarmos o meio ambiente do trabalho saudável quando: o homem que trabalha nele o faz em condições análogas a de escravo; se é permitido o trabalho infantil não remunerado e sem proteção social; ou, ainda, quando se dissemina, sem fiscalização ou repressão, a prática de ocupações exercidas de modo ilegal, ou de forma precária e degradante.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O conceito de trabalho decente representa uma tentativa da OIT de orientar os debates acerca das condições de trabalho no contexto da globalização.
Este conceito insere a questão laboral em duas aspirações que marcam a civilização contemporânea: a idéia de dignidade da pessoa humana e o cuidado com o meio ambiente.
De fato, o trabalho decente deve ser entendido, de um lado, como concretização, no âmbito do trabalho, do princípio da dignidade da pessoa humana: é o trabalho digno. De outro, como vinculação à temática ambiental: temos assim o trabalho decente como trabalho sustentável.
Como trabalho digno, o trabalho decente inclui as exigências de uma ocupação produtiva, isto é, que seja apreendida pelo trabalhador e valorizada pela sociedade como uma contribuição eficaz ao bem geral. Inclui igualmente a justa remuneração, expressão do dever de justiça diante de uma prestação que beneficia, no limite, a todos. Também está contido no conceito de trabalho digno a atividade realizada em condições de liberdade e equidade (igualdade), que exige tratar igualitariamente os trabalhadores, afirmando, para todos, sua condição de sujeitos dotados de autonomia.
Como trabalho sustentável, o trabalho decente manifesta a conexão entre mundo do trabalho e meio ambiente. O trabalho sustentável nada mais é senão o trabalho que preserva a vida e o bem-estar do trabalhador, não comprometendo sua integridade física e psíquica, prevenindo as situações de vulnerabilidade, fomentando a preservação das circunstâncias materiais e sociais da atividade laboral a longo prazo.
Juíza do TRT4 e Professora adjunta da Universidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRGS. Doutora e Mestre em Direito. Pós-doutorado pela Universidade de Edimburgo
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