Tratamento mais favorável e art. 4.º, n.º 1, do Código do Trabalho português: o fim de um princípio?

«La règle du plus favorable constitue le coeur historique des rapports de la loi et de la convention collective, lorsque ces deux sources sont en concurrence». Georges Borenfreund e Marie-Armelle Souriac,

«Les rapports de la loi et de la convention collective: une mise en perspective», Droit Social, 2003, n.º 1, p. 74.

I. O princípio do favor laboratoris[1]

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A recente aprovação do Código do Trabalho português, publicado em anexo à Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, representou, como é óbvio, um acon­tecimento da maior relevância para todos quantos, directa ou indirectamente, têm o seu quotidiano ligado a este ramo do direito — afinal, a maioria da população portuguesa. Ora, se a relevância do Código do Trabalho é, a todos os títulos, inquestionável, poucos duvidarão de que o art. 4.º constitui uma norma fundamental, um autêntico preceito-chave, na economia do Código. Este artigo analisa-se mesmo, porventura, na mais importante das suas normas, enquanto símbolo de ruptura com o regime jurídico precedente, mas representa ainda, segundo julgo, o caso mais gritante de «publicidade enganosa» naquele contida, visto que o rótulo do preceito não encontra a devida correspondência no respectivo conteúdo.

Na verdade, o preceito codicístico tem como epígrafe «princípio do trata­mento mais favorável», não raras vezes designado pela nossa doutrina como «princípio do favor laboratoris». Ora, pode dizer-se que o significado essencial do favor laboratoris, enquanto princípio norteador da aplicação das normas juslabo­rais — princípio basilar e clássico do Direito do Trabalho, entre nós consagrado no velho e agora revogado art. 13.º/1 da Lei do Contrato de Trabalho (Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969) —, se desdobra analiticamente nas seguintes proposições nucleares:

i) O Direito do Trabalho consiste num ordenamento de carácter protec­tivo e compensador da assimetria típica da relação laboral, desempenhando uma função tuitiva relativamente ao trabalhador assalariado;

ii) Esta função tutelar do Direito do Trabalho é cumprida através de normas que, em regra, possuem uma natureza relativamente imperativa (normas imperativas mínimas ou semi-imperativas, normas de ordem pública social);

iii) Daqui decorre que, no tocante às relações entre a lei e a convenção colec­tiva, o princípio da prevalência hierárquica da lei deve articular-se com o princípio do favor laboratoris (assim, e em princípio, o regime convencional poderá afastar-se do regime legal, desde que a alteração se processe in melius e não in pejus);

iv) O favor laboratoris perfila-se, pois, como uma técnica de resolução de conflitos entre lei e convenção colectiva, pressupondo que, em princípio, as normas juslaborais possuem um carácter relativamente imperativo, isto é, parti­cipam de uma imperatividade mínima ou de uma «inderrogabilidade unidirec­cional»;[2]

v) Trata-se, afinal, de duas faces da mesma moeda: favor laboratoris e impe­ratividade mínima das normas juslaborais. Como bem escreve Mercader Uguina, «el criterio de favor se relaciona en el ordenamiento laboral con el jerárquico, del que representa una modalización, en el sentido de que la fuente de intensidad más fuerte prevalece sobre la más débil solamente en orden a la garantía de las condiciones mínimas. Por encima del mínimo, se impone la norma inferior que prevea condiciones más favorables para los trabajadores. La regla de ordenación jerárquica de las fuentes del derecho del Trabajo asume, así, un valor relativo: frente al criterio de favor, la norma de regulación superior se comporta como norma dispositiva y, por tanto, cede ante la regulación de rango inferior, la cual, a su vez, cede ante la norma de regulación superior cuando ésta asegura la garantía de las condiciones mínimas».[3]

Assim sendo, o art. 13.º/1 da Lei do Contrato de Trabalho (LCT) fixava a directriz fundamental em matéria de relacionamento e coordenação entre a lei e a convenção colectiva, ao prescrever que «as fontes de direito superiores prevalecem sempre sobre as fontes inferiores, salvo na parte em que estas, sem oposição daquelas, estabelecem tratamento mais favorável para o trabalhador». E o art. 6.º da Lei dos Instrumentos de Regulamentação Colectiva (Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro) complementava aquele preceito da LCT, ao determinar que as convenções colectivas não poderiam «contrariar normas legais imperativas» (al. b) e/ou «incluir qualquer disposição que importe para os trabalhadores tratamento menos favorável do que o estabelecido por lei» (al. c).

Ou seja, as normas legais poderiam, como é óbvio, possuir a mais variada natureza (normas supletivas ou imperativas, normas absolutamente imperativas[4] ou relativamente imperativas, etc.), mas o certo é que, nas pala­vras de Jorge Leite, a norma típica do ordenamento juslaboral era constituída «por uma regra jurídica explícita impositiva e por uma regra jurídica implícita permissiva, vedando aquela qualquer redução dos mínimos legalmente garan­tidos e facultando esta a fixação de melhores condições de trabalho (proibição de alteração in pejus e possibilidade de alteração in melius)».[5]

No domínio da concorrência/articulação entre as respectivas fontes, concluía-se, em conformidade, que em Direito do Trabalho a regra era, afinal, a da aplicação da norma que estabelecesse um tratamento mais favorável ao trabalhador, ainda que tal norma se encontrasse contida numa fonte hierarqui­camente inferior. A imodificabilidade in melius da norma superior (ou seja, a imperatividade absoluta desta), bem como a sua modificabilidade in pejus por norma inferior (ou seja, a supletividade daquela), eram excepcionais, pelo que era comum aludir-se à «singular imperatividade» das normas juslaborais, à sua natureza «imperativa-limitativa» ou «imperativa-permissiva», qualquer destas expressões traduzindo a ideia de mínimo de protecção da parte mais débil da relação como traço característico e identitário das normas juslaborais.[6]

II. O art. 4.º, n.º 1, do Código do Trabalho

Surge então o art. 4.º/1 do Código do Trabalho, preceituando que «as normas deste Código podem, sem prejuízo do disposto no número seguinte[7], ser afastadas por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, salvo quando delas resultar o contrário».

Apesar do disposto na sua epígrafe, o n.º 1 deste artigo traduz-se, bem vistas as coisas, num verdadeiro atestado de óbito do favor laboratoris relativa­mente à contratação colectiva, dele se extraindo que, em princípio, o Direito do Trabalho legislado possui um carácter facultativo ou supletivo face à contrata­ção colectiva — ou seja, conclui-se que as normas legais serão, em regra, normas «convénio-dispositivas», isto é, normas livremente afastáveis por convenção colectiva. Destarte, doravante o quadro legal poderá ser alterado in pejus pela convenção colectiva, o que implica uma mutação (dir-se-ia: uma revolução) na filosofia básica inspiradora do Direito do Trabalho: de um direito com uma vocação tutelar relativamente às condições de trabalho, imbuído do princípio da norma social mínima, transitamos para uma espécie de direito neutro, em que o Estado recua e abandona a definição das condições de trabalho à auto­nomia colectiva.

É, pois, um novo Direito do Trabalho aquele que parece resultar do art. 4.º do Código, um Direito do Trabalho menos garantístico e mais transaccional, em que aumenta o espaço concedido à autonomia colectiva em virtude do rela­xamento da regulação estadual das condições de trabalho — um Direito do Trabalho que, assim, muda de alma (alguns dirão: perde a alma).[8]

Em suma, também neste campo — no campo da concorrência e articula­ção das fontes juslaborais — estamos perante um Direito do Trabalho mais flexível (palavra mágica dos nossos tempos, por mais imprecisa que seja a respectiva noção no plano jurídico)[9], em que a contratação colectiva já não é concebida como um instrumento vocacionado para melhorar as condições de trabalho relativamente à lei[10], mas antes como um puro mecanismo de adequa­ção da lei às circunstâncias e às conveniências da organização produtiva. Coerentemente, o art. 533.º do Código, sucessor do supramencionado art. 6.º da Lei dos Instrumentos de Regulamentação Colectiva, continuando embora a prescrever que as convenções colectivas não podem «contrariar as normas legais imperativas», deixa de acrescentar que aquelas também não podem incluir qualquer disposição que importe para os trabalhadores tratamento menos favorável do que o estabelecido por lei.

Registe-se, de todo o modo, que o Anteprojecto de Código do Trabalho apresentado pelo Governo não prenunciava uma alteração, nesta matéria, como aquela que veio a constar do Código aprovado pela Lei n.º 99/2003. Com efeito, no art. 4.º do Anteprojecto podia ler-se: «Entende-se que as normas deste Código estabelecem um conteúdo mínimo de protecção do trabalhador, sempre que delas não resultar o contrário». Ora, semelhante redacção não exprimia qualquer mudança significativa no tocante ao entendimento tradicional do princípio do favor laboratoris, tal como este se encontrava plasmado no art. 13.º/1 da LCT. Porém — e algo surpreendentemente —, quando o Anteprojecto deu lugar à Proposta de Lei n.º 29/IX, a redacção deste art. 4.º surgiu transfigu­rada, implicando o aludido decesso do favor laboratoris no domínio da concor­rência entre lei e convenção colectiva.

O que vem de ser dito vale, repete-se, no cotejo entre lei e convenção colec­tiva. Face ao contrato individual o critério legal é já outro, conforme se extrai do n.º 3 do art. 4.º: «As normas deste Código só podem ser afastadas por contrato de trabalho quando este estabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador e se delas não resultar o contrário». Assim sendo, o art. 4.º do Código do Trabalho parece, afinal, traduzir-se numa disposição legal consa­grada ao culto de Jano (a conhecida divindade romana das duas caras), perfi­lando-se as normas do Código como normas bifrontes ou bidimensionais, isto é, normas relativamente imperativas face ao contrato de trabalho e normas suple­tivas face à convenção colectiva de trabalho — as chamadas «normas convénio-dispositivas».[11]

Note-se, porém, que o art. 4.º/1 não exclui a existência de normas imperati­vas — relativa ou absolutamente imperativas — face à convenção colectiva («salvo quando delas resultar o contrário»), assim como o art. 4.º/3 não exclui a existência de normas absolutamente imperativas, ou de normas supletivas, face ao contrato individual («se delas não resultar o contrário»). Tudo dependerá pois, em última análise, da interpretação da concreta norma em causa, sendo certo que a directriz hermenêutica, o critério que habilita o intérprete a pronunciar-se em caso de dúvida, é agora bipartido ou dual: a norma codicística será, em princípio, supletiva ou relativamente imperativa, consoante o cotejo se dê com a contratação colectiva ou com o contrato indivi­dual de trabalho.

Será o caso, para dar um exemplo, da norma respeitante ao subsídio de Natal. O art. 254.º do Código estabelece que o trabalhador tem direito a auferir um subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição: nestes termos, o valor do subsídio não poderá, decerto, ser reduzido através de cláusula contra­tual (art. 4.º/3), mas já poderá sê-lo através de cláusula convencional (art. 4.º/1). O mesmo valerá quanto à norma relativa à violação patronal do direito a férias: nos termos do art. 222.º, o trabalhador deverá receber, a título de compensação, o triplo da retribuição correspondente ao período em falta, montante este que, não podendo ser reduzido mediante cláusula contratual, já poderá sê-lo mediante cláusula convencional.[12]

De qualquer modo, e retornando ao objecto precípuo desta breve refle­xão — a análise das novidades resultantes do art. 4.º/1 do Código —, o certo é que o tratamento mais favorável ao trabalhador, nas palavras de Monteiro Fernandes, «deixa de constituir referencial interpretativo». No Código do Trabalho, sublinha o autor com inteira razão, «o ponto de partida da operação interpretativa-qualificativa incidente sobre a norma legal (para se saber se pode aplicar-se a fonte inferior de conteúdo diferente) já não é a presunção de que essa norma admite variação em sentido mais favorável ao trabalhador, mas a de que admite variação em qualquer dos sentidos. Tal presunção só é afastada se da norma legal resultar inequivocamente que nenhuma variação é legítima, ou que só o será num dos sentidos possíveis».[13]

III. A Constituição da República Portuguesa

Resta saber se, do ponto de vista jurídico-constitucional, não se terá ido longe demais com este art. 4.º/1 do Código. Com efeito, a concepção transac­cional do Direito do Trabalho que se desprende deste artigo — em que o Estado-legislador dá luz verde para que tudo ou quase tudo seja livremente negociado em sede de contratação colectiva, em benefício ou em detrimento do trabalhador face ao parâmetro legal — parece compatibilizar-se com bastante dificuldade com o nosso «bloco constitucional do trabalho», maxime com o disposto no art. 59.º/2 da Constituição da República Portuguesa (CRP). Na verdade, de acordo com este preceito, «incumbe ao Estado assegurar as condi­ções de trabalho, retribuição e repouso a que os trabalhadores têm direito», através, por exemplo, do estabelecimento e actualização do salário mínimo nacional, da fixação dos limites máximos da duração do trabalho, etc.[14]. Deste modo, a CRP parece impor que o legislador estabeleça, ele mesmo, um estatuto social mínimo, um patamar legal de protecção dos trabalhadores. Esta é, por força da nossa Constituição, uma tarefa fundamental do Estado-legislador, uma missão de que este se encontra incumbido. Constitucionalmente, tem de haver um mínimo legal intangível, os direitos dos trabalhadores legalmente consa­grados deverão situar-se, em princípio, fora do comércio jurídico, não podendo funcionar como simples moeda de troca em sede de contratação colectiva. Ora, com este art. 4.º o Estado-legislador retrai-se e parece mesmo demitir-se das suas responsabilidades: a tarefa constitucional não é cumprida, a missão esta­dual converte-se, afinal, numa autêntica demissão parlamentar/governamental!

Tenho, por conseguinte, sérias dúvidas sobre a conformidade constitucio­nal deste preceito do Código do Trabalho[15]. Note-se que o Tribunal Constitucional português, no Acórdão n.º 306/2003, não chegou a abordar esta questão, embora se tenha debruçado sobre outras dimensões problemáticas do art. 4.º, designadamente as relativas aos instrumentos de regulamentação colec­tiva de natureza administrativa (regulamentos de condições mínimas e regula­mentos de extensão)[16]. A questão permanece, pois, em aberto. Insisto: uma coisa é introduzir alguma flexibilidade adicional no nosso Direito do Trabalho (opção de política legislativa legítima e insusceptível de reparos do ponto de vista constitucional); outra coisa, porém, será flexibilizar o Direito do Trabalho ao ponto de lhe quebrar a espinha dorsal ou a coluna vertebral (esta última será uma opção politicamente discutível, mas já, decerto, constitucionalmente censu­rável).

O que está em causa não é, por conseguinte, a existência de normas legais de carácter supletivo ou «convénio-dispositivo» (figura esta bem conhe­cida e consagrada, por exemplo, no ordenamento juslaboral germânico)[17]. O que se questiona é que esta seja a regra, o que se discute é que este deva ser o princípio, isto é, que, à partida, todas as normas do Código possam ser afasta­das por convenção colectiva, inclusive em sentido menos favorável ao trabalha­dor. Perante isto, é caso para perguntar onde ficará, então, o princípio do Estado Social e a incumbência estadual, resultante da Constituição da República Portuguesa, de assegurar as condições de trabalho, retribuição e repouso a que os trabalhadores têm direito…

IV. Nota conclusiva

Entretanto, e pondo a «questão constitucional» entre parêntesis, o certo é que este simbólico preceito significa que a tradicional «grelha de leitura» das normas laborais terá de ser abandonada pelo intérprete: ao pronunciar-se sobre a natureza de cada norma legal, maxime sobre a susceptibilidade de esta ser alterada in pejus por convenção colectiva, o intérprete deverá substituir os velhos óculos «favor laboratoris» (declarados rígidos e caducos) pelos novos óculos «convénio-dispositivos» (mais dinâmicos e maleáveis, mas, quiçá, menos resistentes…).

Estamos, em todo o caso, perante um preceito codicístico que exprime um inegável abrandamento da actuação interventiva e da postura impositiva do Estado neste domínio, concedendo os poderes públicos novos e mais dilatados espaços regulatórios à autonomia colectiva — ainda que deva acrescentar-se (e este é um aspecto que, a meu ver, não poderá ser menosprezado) que, no campo juslaboral, o reconhecimento da autonomia colectiva não se processou contra a heteronomia estadual, mas sim contra o poder decisório unilateral do empregador. Com efeito, o Direito do Trabalho afirmou-se historicamente e consolidou-se dogmaticamente com base na conjugação dialéctica de dois fenómenos — legislação estadual regulamentadora das condições de trabalho e normação convencional disciplinadora do conteúdo das relações laborais ao nível da empresa, da profissão ou do sector de actividade —, ambos tendo como escopo central a tutela do contraente débil, a compressão da liberdade contratual e a limitação da concorrência entre os trabalhadores no mercado de trabalho. Deste ponto de vista, a autonomia colectiva adiciona-se à heteronomia estadual, não se contrapondo e antes aliando-se a esta em ordem a impedir o arbítrio patronal e a «ditadura contratual» de outro modo imposta pelo contraente mais poderoso.

Através deste preceito visar-se-á outrossim, como alguns afirmam, atri­buir um estatuto de maioridade às associações sindicais, rejeitando qualquer concepção das mesmas como sujeitos hipossuficientes e carenciados de tutela. Mas não deixa igualmente de ser curioso verificar que este estatuto de maiori­dade é concedido aos sindicatos numa época histórica em que tanto se fala na crise estrutural do sindicalismo e, justamente, por parte de um Código que continua a não estabelecer quaisquer exigências de representatividade mínima para que um sindicato possa celebrar uma convenção colectiva de trabalho…[18]

Diminuir a carga injuntiva da lei e conceder, do mesmo passo, espaços regulatórios alargados a interlocutores sindicais débeis poderá assim, a meu ver, revelar-se um caminho contraproducente. Os próximos tempos mostrarão se o favor laboratoris no âmbito do relacionamento entre a lei e a contratação colectiva, ainda que sujeito a excepções várias, não terá de ser ressuscitado, enquanto princípio, pelo legislador do trabalho. Aliás, convém não esquecer que o novo paradigma normativo emergente do art. 4.º/1 do Código também não deixa de suscitar bastantes problemas no tocante à respectiva articulação com o direito comunitário, dado que, por um lado, o direito comunitário detém primazia hierárquica sobre o direito interno e, por outro, as directivas comuni­tárias consagram, via de regra, o princípio da norma social mínima.[19]

 

Notas:
[1] O presente texto serviu de base à comunicação que apresentei nas Jornadas sobre o Código do Trabalho, organizadas pelo Centro de Estudos Judiciários e pela Inspecção-Geral do Trabalho, tendo sido publicado em A Reforma do Código do Trabalho, CEJ-IGT, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, pp. 111-121. Procurando corresponder a uma amável solicitação formulada pelo Senhor Dr. Ricardo Carvalho Fraga, Juiz do Tribunal Regional do Trabalho de Rio Grande do Sul (a quem agradeço vivamente o convite endereçado), republico agora esta breve reflexão em terras brasileiras, tendo aprovei­tado o ensejo para introduzir pequenas alterações e actualiza­ções no texto original.
[2] A expressão é de Marco Novella, «Considerazioni sul regime giuridico della norma inde­rogabile nel diritto del lavoro», Argomenti di Diritto del Lavoro, 2003, n.º 2, p. 518.
[3] «La silenciosa decadencia del principio de norma más favorable», Revista Española de Derecho del Trabajo, n.º 109, 2002, p. 20. A matéria tem sido abundantemente estudada pela doutrina portuguesa, com particular destaque, no respeitante às relações lei-CCT, para o saudoso José Barros Moura, A Convenção Colectiva entre as Fontes de Direito do Trabalho, Alme­dina, Coimbra, 1984, pp. 147-183. Por último, António Monteiro Fernandes, «A convenção colectiva segundo o Código do Trabalho», in Estudos de Direito do Trabalho em Homenagem ao Professor Manuel Alonso Olea, Almedina, Coimbra, 2004, pp. 77 e ss.
[4] Normas imperativas absolutas, ou normas imperativas de conteúdo fixo, são aquelas que não admitem qualquer modificação por fonte inferior, quer a alteração seja em sentido mais ou menos favorável para o trabalhador. É o caso, por exemplo, do regime legal dos feriados (art. 210.º) ou das disposições relativas aos tipos de faltas e à sua duração (art. 226.º). Sobre a tipolo­gia das normas legais quanto à sua (i)modificabilidade, vd., por todos, Barros Moura, A Conven­ção Colectiva…, cit., pp. 148-155.
[5] Direito do Trabalho, vol. I, Serviço de Textos da Universidade de Coimbra, 2003, p. 97.
[6] Note-se, porém, que o princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador (favor labo­ratoris) não deve ser confundido com o princípio da interpretação mais favorável ao traba­lhador (designado, por vezes, por princípio in dubio pro laborator ou pro operario): este é um princípio norteador da interpretação das normas, da fixação do seu sentido e alcance, nos termos do qual, na dúvida sobre se o preceito significa A ou significa B, o intérprete deveria optar pelo sentido mais vantajoso para o trabalhador; aquele é, como se disse, um princípio sobre a aplicação das normas, sobre a qualificação da respectiva natureza, determinando que o preceito, signifique ele A ou B, poderá ser objecto de alteração in melius por fonte inferior.
Sobre o princípio in dubio pro operario (afirmando, de resto, a sua profunda convicção de que este não existe), vd., por todos, Desdentado Bonete, «¿Existe realmente el principio in dubio pro operario?», Relaciones Laborales, 2003, I, pp. 605 e ss.
[7] A ressalva aqui efectuada refere-se aos chamados «regulamentos de condições míni­mas» (sucessores das antigas portarias de regulamentação do trabalho), os quais não poderão afastar as normas do Código. Trata-se de uma regra introduzida no Código na sequência do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 306/2003, de 25 de Junho, de importância prática previ­sivelmente reduzida, pelo que este ponto não irá constituir objecto das linhas subsequentes. Sobre o regulamento de condições mínimas, vd. os arts. 577.º a 580.º do Código.
[8] Na doutrina portuguesa, o autor que mais denodadamente se tinha manifestado a favor de uma alteração normativa do tipo da introduzida por este art. 4.º era, sem dúvida, Bernardo Lobo Xavier. Vd., por exemplo, as considerações tecidas pelo autor sobre o declínio do princípio do tratamento mais favorável nas relações lei/CCT, no seu Curso de Direito do Trabalho, Verbo, Lisboa/São Paulo, 1992, pp. 257-260.
[9] Sobre o ponto, vd., por todos, J. L. Monereo Pérez, Introducción al Nuevo Derecho del Trabajo (una reflexión crítica sobre el Derecho flexible del Trabajo), Tirant lo Blanch, Valência, 1996, pp. 99 e ss.
[10] A este propósito, escrevia, duas décadas atrás, José Barros Moura: «A função da contra­tação colectiva, além de adaptar a lei geral às peculiaridades das categorias abrangidas e de consolidar as conquistas consagradas na lei geral, é, sobretudo, a de melhorar a situação dos trabalhadores» (A Convenção Colectiva…, cit., p. 156).
[11] A propósito deste tipo de normas, vd. M.ª Rosário Palma Ramalho, Estudos de Direito do Trabalho, vol. I, Almedina, Coimbra, 2003, p. 36, n. 31.
[12] Em sentido próximo, quanto a este último exemplo, vd. José Andrade Mesquita, Direito do Trabalho, 2.ª ed., AAFDL, 2004, p. 269.
[13] Direito do Trabalho, 12.ª ed., Almedina, Coimbra, 2004, p. 121.
[14] Como escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira, «o n.º 2 estabelece um conjunto de tarefas (incumbências) dirigidas ao Estado (desde logo ao legislador)». Trata-se, no dizer dos autores, de «direitos positivos dos trabalhadores, a que correspondem obrigações de concretiza­ção (através de leis e outras medidas) do Estado» — Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1993, p. 320, n. VIII.
[15] Na esteira, aliás, das considerações a este propósito expendidas por José João Abrantes e Jorge Leite, em textos publicados no n.º 22 de Questões Laborais vd., respectiva­mente, «O Código do Trabalho e a Constituição», pp. 150-153, e «Código do Trabalho – algumas questões de (in)constitucionalidade», pp. 270-274.
[16] Vd., sobretudo, os pontos II-D) e III-e) do Acórdão.
[17] O  chamado «tarifdispositives Gesetzesrecht». Por todos, Hans Brox e Bernd Rüthers, Arbeitsrecht, 15.ª ed., Verlag W. Kohlhammer, 2002, p. 45.
[18] Sendo ainda certo que o princípio da filiação (eficácia limitada aos trabalhadores filia­dos no sindicato, de acordo com o art. 552.º) vai continuar a vigorar no tocante ao recorte do âmbito pessoal das convenções colectivas. Alertando para os «problemas inumeráveis e irreso­lúveis» resultantes da manutenção do princípio da filiação no novo quadro normativo emer­gente do art. 4.º/1 do Código, vd. Bernardo Lobo Xavier, «Contratação colectiva: cláusulas de paz, vigência e sobrevigência», in Código do Trabalho (alguns aspectos cruciais), Principia, Cascais, 2003, p. 131. Aliás, a ultrapassagem da dualidade de estatutos laborais inerente ao princípio da filiação através do recurso ao instrumento administrativo do regulamento de extensão (arts. 573.º a 576.º do Código) não deixa, também a este nível, de suscitar dificuldades de monta. Com efeito, pergunta-se: será legítimo aplicar, mediante um regulamento de extensão, disposições convencionais menos favoráveis do que as previstas na lei a trabalhadores não filiados no (e, portanto, não representados pelo) sindicato que subscreveu aquela convenção?
[19] Sobre o ponto, vd. Liberal Fernandes, «Alguns aspectos da evolução do Direito do Trabalho», Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, I, 2004, pp. 209-210.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

João Leal Amado

 

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

 


 

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