1. Introdução
O ano de 1998 surpreendeu, já no primeiro mês, com a aplicação de uma alternativa contratual, trabalhista, cujos fins resumiram-se na tentativa de estimular a criação de mais empregos e de minimizar a profunda crise que assola o mercado de trabalho. Foi devido ao tratamento que o novo contrato de trabalho por prazo determinado ofereceu a alguns direitos dos trabalhadores assegurados em dispositivos constitucionais, ao conteúdo que o texto da Constituição Federal adquire em função dos princípios estruturantes do Estado democrático de direito e ao descuro à supremacia da Lei Maior, que restou a induvidosa indispensabilidade de proceder às considerações que passam a ser expostas.
2. Inconstitucionalidade
2.1. Estado democrático brasileiro: princípios e direitos
As razões que levam à certeza da constatação da inconstitucionalidade daquela referida alternativa contratual, são de fácil comprovação.
Os direitos atingidos pelo recente contrato de tempo determinado têm segurança nos incisos, inclusive parágrafo, no que concerne aos domésticos, do art. 7º da Lei Maior, como direitos que visam a melhoria da condição social dos trabalhadores urbanos e rurais (caput do 7º art.). Este detalhe é do conhecimento de todos. Contudo, faz-se necessário pesquisar a Constituição um pouco mais profundamente antes mesmo de prosseguir e abordar os efeitos que a última contratação por tempo determinado acompanhada da represália, justificada pelos males econômicos, ao exercício de direitos sociais laborais provoca.
Dispõe o 1º art. da CF que o Brasil constitui-se em Estado democrático de direito, reiterando o Preâmbulo, a fonte básica de qualquer interpretação constitucional que se desejar implementar, o marco diretor da própria Carta, o qual frisa a instituição do “Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos da sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social (…)”. Pois bem, resta alcançar a compreensão da expressão Estado democrático e de democracia, do termo igualdade, um princípio que integra a noção de democracia de acordo com a autenticidade daquele, e de direitos sociais.
Democracia é uma forma de vida social que exige a cooperação na coexistência que há entre os indivíduos membros de uma organização estatal; supõe, como fundamentos, a liberdade e a igualdade, princípios cujas bases são encontradas no espírito de solidariedade e no respeito às diferenças que existem entre as pessoas e, conseqüentemente, aos seus diferentes interesses.
Consistindo um princípio fundamental do Estado democrático de direito, democracia não é, nessa condição, compreendida como um aspecto puramente político. Ocorre que, os direitos desta ordem, políticos, não podem ter verdadeira validade se não for assegurada e efetivada a dignidade dos homens, isto é, se não for garantida uma condição de vida que confirma na existência de cada um o exercício e a eficácia dos direitos sociais, uma projeção dos direitos individuais, também conhecidos como direitos de liberdade, no âmbito social.
E, Estado democrático de direito, é a qualificação do Estado com duas idéias indissociáveis: a prévia regulamentação legal e a democracia.
Uma organização política onde a vontade popular é soberana e onde é verificável a dignidade da pessoa humana com a eficácia dos direitos e liberdades fundamentais, perfazendo uma sociedade justa, solidária e igualitária, o Estado democrático de direito tem manifestação em virtude da unificação daquelas duas citadas componentes, que constituem, respectivamente, o Estado de direito e o Estado democrático.
O Estado de direito denota a subordinação de toda a atividade estatal a uma regra jurídica preexistente, ou seja, a legalidade é inseparável desta forma de Estado, pois, o exercício do poder tem seu controle e fundamento na lei, expressão da vontade geral.
E, completando a compreensão de Estado de direito, o Estado democrático tem base na supremacia da vontade popular, que é conhecida por meio da participação de todos os integrantes da sociedade nas tomadas de opinião, pois todos os cidadãos devem ser sempre consultados, para posterior decisão e positivação subseqüente, em todas as instâncias do poder. Tal participação, que está aliada aos fins e objetivos do próprio Estado, pode ser feita individualmente ou através de organizações sociais e profissionais para conferir a todo sistema legal a legitimidade. Além disso, a democracia, que se estabelece com a participação do povo na direção do Estado, torna-se plena somente quando estendida aos setores econômico e social, que, em amplo sentido, alcança os assuntos relacionados com o livre acesso à cultura e informação.
A respeito da legitimidade do sistema legal, importa ressaltar, como foi dito há pouco, que a mesma está alicerçada na ampla e efetiva participação do povo no exercício do poder e na produção legislativa. É a participação que proporciona à população a oportunidade de manifestar livremente, no resultado de cada pesquisa, um consenso geral sobre a configuração do próprio Estado e o desenvolvimento de suas atividades. Desse modo, resta dizer, completando, que a descoberta do interesse comum, síntese de uma grande diversidade de interesses, o consenso, só é possível porque o Estado democrático de direito reconhece que, na realidade, toda a sociedade é pluralista.
Daí que, a maior finalidade do Estado democrático de direito, é o aprofundamento da democracia participativa para atingir a igualdade real entre os homens, efetivando a completa democracia econômica e social. Tais ângulos da democracia participativa se consubstanciam da seguinte maneira: no caso da democracia econômica, no planejamento democrático da economia com a participação e intervenção dos cidadãos nas resoluções que são pertinentes à mesma, de um modo geral, e especialmente dos trabalhadores no controle e gestão dos vários setores da produção; e, na área social, com a total satisfação das prestações sociais e na correção de suas desigualdades.
E, ainda, se não bastassem estas constatações, vale notar que, os direitos dos trabalhadores que perderam eficácia naquele mencionado contrato, são arrolados no 7º artigo. É importante este detalhe porquanto o 7º preceito constitucional, encontrando-se no capítulo II, relativo aos direitos sociais, compõem o Título II da Constituição, isto é, está alinhado junto com os direitos e garantias fundamentais.
Acerca dos direitos fundamentais, os quais representam, na verdade, situações reconhecidas juridicamente sem as quais o homem é incapaz de alcançar sua própria realização e desenvolvimento plenamente, há de se notar que, consistindo o resultado da luta dos homens por um direito ideal, justo e humano, foram e vão sendo aperfeiçoados e estendidos ao longo do tempo, isto é, a evolução daqueles direitos acompanha a história da humanidade. E, em função deste seu aspecto evolutivo, importa saber que os mesmos designam direitos que se erguem constantemente diante do poder estatal, limitando e disciplinando a ação do Estado, um simples instrumento a serviço da coletividade, que tem como fonte a vontade soberana do povo.
Estabelecendo faculdades da pessoa humana, os direitos fundamentais permitem sua breve classificação do seguinte modo: 1) os direitos de liberdade, como por exemplo, a liberdade de consciência, de propriedade, de manifestação do pensamento, de associação, etc; 2) os direitos de participação política, tais como a igualdade de sufrágio, o direito de voto e de elegibilidade, o direito de petição, entre outros; 3) os direitos sociais, que abrangem os direitos de natureza econômica, como por exemplo, o direito ao trabalho, de assistência à saúde, à educação, etc; 4) os direitos chamados de quarta geração, por exemplo, o direito à preservação do meio ambiente e à qualidade de vida.
Assim, identificados como uma das dimensões que os direitos fundamentais do homem podem assumir, os direitos sociais objetivam concretizar melhores condições de vida ao povo e aos trabalhadores, demarcando os princípios que viabilizarão a igualdade social e econômica, isto é, a própria democracia.
Por conseguinte, analisando a profundidade dos princípios básicos e fundamentais do Estado democrático de direito brasileiro, indicados na redação do texto da Lei Maior, resta confirmada a inconstitucionalidade de qualquer ato dos órgãos do Estado que venha a repudiar o exercício de direitos sociais dos trabalhadores, visto que perfazem os direitos fundamentais e são afirmados desde o Preâmbulo da Máxima Lei.
Sustenta-se esta afirmação por várias razões que, como se pôde ver, são resgatadas da profundidade que a letra do texto constitucional oferece, o qual deve ser estudado sistematicamente, a contar do Preâmbulo e do 1º artigo. Faz-se, na verdade, alusão aos seguintes argumentos: 1) a valorização do conceito de Estado democrático de direito e de seus princípios estruturantes, dentre os quais identifica-se a plena satisfação dos direitos sociais (exatamente como é a orientação inscrita no Preâmbulo da CF), exigência da realidade da democracia; 2) o conteúdo do significado de democracia, que requer a participação e, por conseguinte, a igualdade; 3) o conhecimento de que o fundamento do Estado democrático de direito encontra-se na democracia e na legitimidade do sistema legal, ou seja, no aspecto participativo que a democracia encerra na tomada das decisões e na igualdade designada pela efetividade atual do exercício de direitos; 4) e a certeza de que a democracia supõe a total satisfação dos direitos sociais, uma das dimensões dos direitos fundamentais, que, de acordo com a Constituição Federal, limitam e disciplinam toda ação estatal, inclusive as atividades de teor legislativo.
2.2. Supremacia da Constituição
É estudando a Constituição da República Federativa do Brasil, os seus arts. 59 a 69, em especial, os quais cuidam do processo legislativo brasileiro, que se pode constatar a supremacia da própria Carta, porquanto, segundo a redação da mesma, só é do conhecimento da Lei Fundamental a elaboração de leis que lhe são obrigatoriamente subordinadas e hierarquicamente inferiores.
Observa-se, com a assertiva acima, que, seguindo a disciplina dos termos expostos no art. 59, o qual deixa claro, desde a referência às emendas à Constituição, que toda a norma infraconstitucional, como, por exemplo, a lei complementar, que é complementar à Lei Maior, é considerada uma lei em relação à Constituição, posto que sua existência e eficácia dependem da verificação de sua constitucionalidade, isto é, de sua submissão e consonância com as prescrições da Lei Suprema.
Talvez um dos grandes problemas da atualidade, no que diz respeito ao exercício de poderes pelo Estado pós-moderno, corresponda à elaboração de leis que sejam capazes de atender as premências contemporâneas sem ferir os limites que os próprios princípios básicos estruturantes da realidade do Estado democrático de direito interpõem à criatividade do governo, o representante de uma Nação, e do poder legislativo, a qual está adstrita à vontade popular, inscrita na Lei Fundamental. E, é exatamente aí, que tem início a questão da supremacia da Constituição.
A Constituição consiste a lei superior que rege a vida e existência de um Estado e cuja força valorativa subordina necessariamente toda legislação ordinária, ou melhor, toda legislação infraconstitucional, às suas disposições. Quer dizer, as normas inferiores terão subsistência e eficácia apenas se não contrariarem as previsões da Lei Maior (entre os atos normativos infraconstitucionais encontram-se as leis, os atos administrativos, as sentenças, os contratos particulares, etc.).
Daí que, a supremacia da Constituição pressupõe indubitavelmente a subordinação de todas as leis que lhe são posteriores, e também de todas que lhe são hierarquicamente inferiores (todas as obras legislativas passadas, atuais e futuras), ao teor de seus preceitos.
Consoante o art. 59 da Carta de 88, compõe o processo legislativo brasileiro a elaboração de emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções, os mecanismos legislativos que complementam, explicam e dão eficácia à vontade expressa na Lei Maior.
Convém advertir que inclusive as emendas à Constituição, o único instrumento legislativo que pode alterar e modificar as disposições constitucionais, extinguir direitos e criar novos, estão submetidas às prescrições da Lei Maior, visto que indicam uma atividade legislativa que tem suas maiores restrições no 4º parágrafo do art. 60 da Lei Suprema. Tal parágrafo veda a deliberação em propostas que tendam a abolir: a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação de Poderes; os direitos e garantias individuais. Ou seja, os quatro itens do referido parágrafo delimitam a ação normativa através de emendas, erguendo as cláusulas pétreas do Estado brasileiro, os dispositivos constitucionais que não admitem extinção.
No entanto, a Constituição Federal, apresentando em primeiro lugar no art. 59 as emendas, esclareceu que há a possibilidade, quando se fizer manifesta a vontade popular, em consideração àquele princípio básico estruturante do Estado democrático de direito (faz-se referência à participação, por meio das consultas populares, na tomada das decisões), de alterações em seu texto e adaptações do mesmo às condições da realidade evolutiva histórico-social da Nação brasileira.
O termo emenda, utilizado na expressão emenda à Constituição, é apropriado para indicar uma reforma parcial da Lei Fundamental, porquanto diz respeito a uma técnica especial de alteração que, de acordo com o art. 60 daquela, só pode ocorrer, respeitadas as cláusulas pétreas, se forem verificados os seguintes pressupostos: 1) ter origem na proposta de um terço dos membros, no mínimo, da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, ou do Presidente da República ou, ainda, na manifestação, pela maioria relativa de seus membros, de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação; 2) a votação, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, de três quintos dos respectivos membros, aprovando a proposta.
Estes itens relacionados são os pré-requisitos constitucionais de aprovação de qualquer alteração, atualização e adequação dos dispositivos da Constituição, haja vista a sua superioridade, bem como de eliminação da eficácia de preceitos que relacionam os direitos fundamentais dos trabalhadores, dentre os quais os direitos sociais do 7º art. da CF, provisoriamente ou não.
Resulta disso a conclusão de que a Carta brasileira admite alterações e adequações aos seus preceitos apenas se houver a legitimidade do poder constituído para realizá-las. Tal legitimidade está baseada necessariamente no consenso da vontade popular expresso através do quorum especial e qualificado, daquelas pessoas supra indicadas, de aprovação de qualquer modificação constitucional que se pretender.
Neste momento, é oportuno dizer que, a eliminação do exercício de direitos fundamentais, designados pelo teor da Constituição da República, em um contrato de trabalho criado através de um recurso legislativo infraconstitucional, representa um bom exemplo de tentativa infrutífera de dar fim ao vigor de certos artigos da Lei Suprema. Esta alteração, não se efetuando via emenda, e, por conseguinte, frustrada, mantém os direitos e as contribuições sociais constitucionais em pleno vigor, os quais permanecem intactos e atingem obrigatoriamente todo e qualquer ato normativo, seja de origem estatal, seja particular, eivando a todos que não respeitarem a letra da Lei Maior de inconstitucionalidade.
Assim, resta induvidosa a inadequação da utilização de alguma outra medida legislativa que não corresponda à atividade de emenda, tal como uma lei ordinária ou complementar ou medida provisória, para tornar ineficaz, nos contratos de trabalho, direitos sociais resguardados pela Constituição da República como fundamentais, embora as justificativas de urgência e relevância.
Isso ocorre porque, ultrapassando a obrigatória alteração anterior do texto da Lei Suprema via emenda constitucional, a tentativa de invalidar a eficácia de direitos sociais não recebe o reconhecimento jurídico. Esta falta de reconhecimento jurídico decorre da aberta oposição aos dispositivos da Carta, que prosseguem intactos e em pleno vigor. Daí que, cumpre concluir, contrariando aquela Norma Superior, a norma infraconstitucional torna-se terminantemente inconstitucional, ineficiente e sem valor.
3. Desvalorização do trabalho humano e da relação de emprego
O último contrato coletivo de trabalho por tempo determinado, pretendendo apresentar uma resposta às reivindicações da Nação brasileira, acabou apontando para um caminho de compressão de direitos sociais assegurados na Constituição de 1988, a começar pelos termos de seu Preâmbulo, os quais foram desatendidos.
Deixando de atentar para o vigor que a constitucionalidade de determinados direitos sociais têm, a referida alternativa contratual eliminou o exercício de muitos, essenciais à manutenção da dignidade do trabalhador e qualificadores de uma relação de emprego consoante as determinações combinadas dos arts. 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho, associadas ao art. 7º constitucional – o qual, cumpre frisar, é relativo ao trabalho urbano e rural (os rurais, no entanto, raramente são contratados por tempo indeterminado) e cuja eficácia alcança também os contratos de prazo determinado de acordo com os arts. 443 e 479 da CLT -, levando impreterivelmente, numa progressão geométrica, à provável extinção da relação laboral de emprego.
A recente contratação por tempo determinado, anulando inconstitucionalmente obrigações sociais, apresenta facilidades atraentes que a fazem ganhar a preferência dos empresários. Transformando todo trabalhador, daquela oportunidade legislativa infraconstitucional em diante, em mero prestador de serviços, sem acesso à segurança das garantias fundamentais que auxiliam a conduzir ao equilíbrio a contraprestação por suas atividades, a referida norma deixou de lembrar, ademais, que a tamanha catástrofe em índices de desemprego está a mostrar a gravidade dos problemas econômicos, macroeconômicos, dentre os quais a falta de estímulo ao reaquecimento da produção.
Por fim, é afirmado, de modo indireto e imprudente, com a prática da citada alternativa contratual, que danos à economia provém da eficácia de direitos tais como o recolhimento de contribuições sociais, FGTS, décimo-terceiro salário, férias e a indenização compensatória à despedida arbitrária. Ou seja, utilizando uma medida inconstitucional, limparam o contrato de trabalho dos direitos que lhe são peculiares e indispensáveis, penalizando e culpabilizando injustamente uma das partes do negócio jurídico de adesão obrigatória – o trabalhador -, pela seriedade do momento econômico, enfatizando, sem guardar esse objetivo, que a queda dos investimentos também é provocada pelo exercício daqueles direitos.
A nova versão do contrato por tempo determinado, cuja maior característica corresponde à supressão do exercício, por via legislativa infraconstitucional (convém lembrar que qualquer lei ordinária, inferior à Lei Suprema, não pode alterar e nem impedir a eficácia de direitos salvaguardados na Constituição, exceto a emenda, com as ressalvas já comentadas), de alguns direitos sociais dos trabalhadores, demonstrou a intervenção pública no sentido de arrefecer a força do desemprego. Mas, no entanto, a iniciativa estatal acabou comprometendo a legitimidade e a constitucionalidade de dito contrato, como foi denotado, facilitando a permanência do jugo do trabalhador à imperativa submissão a uma contraprestação desequilibrada por seu esforço laboral, agora com a perda de direitos e garantias que qualificariam um contrato de trabalho como relação de emprego e assinalariam sua existência.
Além disso, a aludida versão contratual pode extinguir, paulatinamente, com oportunidades de aplicação de autênticos contratos de emprego, porquanto compromete a futura permanência de colocações voltadas para o trabalho que os designem verdadeiramente consoante as definições encontradas na Consolidação das Leis do Trabalho. E, ainda, favorecendo a desvalorização do trabalho humano, transforma o trabalhador em frágil prestador de serviços à mercê da sorte de um contrato de prazo determinado livre das contribuições sociais concernentes a alguns dos direitos fundamentais previstos na Constituição da República.
4. Desatenção à autonomia normativa
Outro aspecto resultante da aplicação do recente contrato de prazo determinado isento do cumprimento de contribuições e direitos sociais ao trabalhador, corresponde à desatenção ao estímulo que a Constituição Federal fornece à autonomia normativa. Por outras palavras, aquela contratação termina inibindo, ademais, com qualquer possibilidade de negociação direta e espontânea entre os parceiros sociais da produção, porquanto ofereceu uma pretendida solução, pronta e acabada, desestimulando a ocorrência do diálogo entre patrões e empregados no sentido de encontrar alternativas criativas, adequadas aos particulares problemas do ambiente de trabalho de uma determinada unidade produtiva ou da categoria ou, ainda, da empresa, por exemplo.
No Brasil, a Constituição da República apontou a alta relevância da autocomposição dos conflitos de interesses antagônicos entre os fatores sociais da produção no art. 7°, incisos VI, XIII, XIV e XXVI; e, art. 8°, inciso VI, o qual tornou obrigatória a participação dos sindicatos de categoria nas negociações coletivas de trabalho (de um certo modo, também configurando um estímulo ao diálogo, vale recordar que o art. 11 da CF criou o representante único, cuja responsabilidade consiste a manutenção do entendimento direto com o empresário, e que há outras possíveis representações, previstas na CLT, como, por exemplo, as seções sindicais e os delegados, ambos lembrados e permitidos no art. 517, parágrafo segundo, da Consolidação, as comissões mistas admitidas no art. 621 da mesma, as quais podem ser reguladas em convenções e acordos coletivos de trabalho).
A função negocial do sindicato tem especial importância por permitir o desenvolvimento de um processo de positivação da norma jurídica através da negociação entre as partes sociais envolvidas no processo produtivo para o estabelecimento das condições de trabalho; a criação normativa, um fenômeno próprio do Direito do Trabalho, é grandemente divulgada no nível coletivo.
O esforço das partes envolvidas na negociação, trabalhadores e empregadores, de preparar leis laborais para suprir as falhas e a incapacidade do Estado para a solução de todos os problemas tipicamente trabalhistas, tem como resultado a perda do monopólio legislativo deste mesmo, o qual se faz através das autoridades públicas competentes, que passa para a autonomia dos grupos profissionais e econômicos.
Consoante o ordenamento brasileiro, o sindicato, o legítimo representante dos interesses econômico-laborais, ou dos trabalhadores ou dos empresários, é elevado à categoria de fonte primária de direito. A indicação que a atuação das associações sindicais fornece revela que as mesmas detêm poder social, isto é, que constituem autoridade estritamente nos assuntos que lhe são pertinentes, os organizativos, econômicos e laborais. A faculdade normativa criadora, o poder de produzir normas jurídicas aplicáveis e extensíveis, por exemplo, numa negociação de âmbito nacional, a todos os envolvidos na produção, determina que, esta prerrogativa de elaborar normas, só pode ser exercitada quando houver a presença de ambos os seus protagonistas: trabalhadores, de um lado, e empresários, de outro.
Correspondendo a um aspecto da autonomia dos sindicatos, a negociação coletiva pressupõe, para tornar-se efetiva, uma reserva de competência em favor daqueles referidos fatores sociais: é preciso que o Estado admita o autônomo poder normativo das entidades. A respeito desta autonomia, impende salientar que, o que se deu na Constituição Federal, foi a declaração do poder, relativo às entidades sindicais, de elaborar leis de regulamentação dos relacionamentos laborais. A eficácia das normas de origem não-estatal é garantida pelo Estado, através do reconhecimento de seu valor à construção e atualização do Direito, desde que formalizem pactos convencionais lícitos que respeitem a supremacia da Constituição.
A declaração de autonomia normativa dos particulares é percebida naqueles artigos constitucionais apontados há pouco, combinados com os termos do inciso I do art. 8?, o qual veda terminantemente interferências e intervenções dos poderes públicos na vida da organização sindical e que, por conseguinte, proíbe a demarcação de restrições à realização de todas as atividades organizativas das entidades classistas. Dentre estas diligências organizativas, destaca-se a autocomposição dos conflitos, em especial as atividades negociais.
Sendo assim, é possível notar que a autonomia coletiva negocial manifesta, enfim, um fenômeno de descentralização do poder normativo estatal para alcançar centros periféricos menores que expressam a realidade da dinâmica dos problemas laborais e que não estabelecem órgãos públicos estatais. Significa isso apenas o reconhecimento da capacidade normativa ínsita às organizações de trabalhadores e de empregadores, da autonomia dos mesmos para resolver sobre seus particulares interesses amplamente, com a reserva dos pontos básicos e elementares que mantém a eqüidade em uma relação laboral, como é o caso dos direitos sociais trabalhistas, uma das faces dos direitos fundamentais, ou seja, ressalvada a constitucionalidade de todo ato normativo.
A este respeito, cumpre acrescentar que, consistindo uma tendência forte do sindicalismo no plano internacional, a negociação direta vem sendo verificada como uma das mais importantes atividades das organizações sindicais desenvolvidas, nas últimas décadas, nos países de ambiente democrático mais adiantado.
Esta questão é aqui abordada porque tem sido notado que é justamente através do incentivo à prática da negociação espontânea e voluntária em vários e ilimitados âmbitos de contratação que muitas alternativas originais têm sido descortinadas para transpor os males econômicos (a solução dos problemas sociais está relacionada em linha direta com a dos econômicos), definindo a verdadeira expressão da autonomia normativa e da autocomposição de conflitos, a fonte primeira do Direito do Trabalho.
5. Conclusões
Verificou-se a inconstitucionalidade do recente contrato de trabalho por tempo determinado, isento do cumprimento de obrigações sociais, tais como o FGTS, o 13º salário, as férias e a indenização compensatória, da seguinte maneira: – desde o Preâmbulo da Constituição da República, observou-se que ficam definidos, entre os fins e objetivos do Estado democrático de direito brasileiro, a plena realização dos direitos sociais, os quais, fazendo especial referência àqueles inscritos no art. 7º constitucional, integram o Título da Constituição relativo aos direitos e garantias fundamentais; – e, que a supremacia da Lei Fundamental impede a eficácia de qualquer ato normativo que lhe é inferior, subordinado, e contrário às suas disposições ainda em vigor.
A eliminação, em um contrato de trabalho criado através de um recurso legislativo infraconstitucional, do exercício de direitos fundamentais, consiste tentativa infrutífera de dar fim ao vigor de certos artigos da Lei Suprema, os quais permanecem intactos e atingem obrigatoriamente todo e qualquer ato normativo, seja de origem estatal, seja particular, eivando a todos os que não respeitarem sua letra de inconstitucionalidade. O mencionado contrato desvaloriza profundamente o trabalho humano, transformando todo o trabalhador, daquela oportunidade legislativa infraconstitucional em diante, em mero prestador de serviços (que assume uma condição semelhante à daquele que, contratado por prazo indeterminado, apenas completou o período de experiência), sem acesso legal à garantias fundamentais que auxiliam a conduzir ao equilíbrio a contraprestação por suas atividades, bem como, põe em risco, numa progressão geométrica, a continuidade da existência de oportunidades que permitam uma relação de emprego.
Outro aspecto resultante da aplicação do contrato de prazo determinado livre de contribuições sociais, corresponde à desatenção ao estímulo que a Constituição Federal fornece à autonomia normativa, visto que termina inibindo, ademais, com qualquer possibilidade de autocomposição de conflitos de interesses antagônicos, em especial a negociação direta e espontânea entre os parceiros sociais da produção, o diálogo. É importantíssimo o incentivo à prática da negociação espontânea e voluntária em vários e ilimitados âmbitos de contratação, porquanto é desse modo que muitas alternativas originais têm sido descortinadas para transpor os males econômicos, definindo a verdadeira expressão da autonomia normativa, a fonte primeira do Direito do Trabalho.
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