Resumo: A imputação do pagamento consiste numa importante forma de adimplemento das obrigações que pode ensejar poucas controvérsias, principalmente, quando se entende a classificação das suas situações.
Palavras-chave: Obrigações; pagamento; crédito; direito.
Abstract: The imputation of the payment consists of an important form of quittance of the obligations that can cause few controversies, mainly, when it understands each other the classification of their situations.
Sumário. 1. Uma comparação dos conceitos legais. 2. A interpretação pelo Poder Judiciário.
1. Uma comparação dos conceitos legais.
Tendo em vista a vigência do atual Código Civil brasileiro, de 1º de janeiro de 2003, dentre o estudo de diversos assuntos obrigacionais, figura a imputação do pagamento como um de grande importância para as relações entre credor e devedor.
Assim, importante a verificação comparativa da atual situação da imputação do pagamento e da antiga disposta pelo revogado Código Civil.
Segue o anterior texto normativo:
“Art. 991. A pessoa obrigada, por dois ou mais débitos da mesma natureza, a um só credor, tem o direito de indicar a qual deles oferece pagamento, se todos forem líquidos e vencidos.
Sem consentimento do credor, não se fará imputação do pagamento na dívida ilíquida, ou não vencida.
Art. 992. Não tendo o devedor declarado em qual das dívidas líquidas e vencidas quer imputar o pagamento, se aceitar a quitação de uma delas, não terá direito a reclamar contra a imputação feita pelo credor, salvo provando haver ele cometido violência, ou dolo.
Art. 993. Havendo capital e juros, o pagamento imputar-se-á primeiro nos juros vencidos, e, depois, no capital, salvo estipulação em contrário, ou se o credor passar a quitação por conta do capital.
Art. 994. Se o devedor não fizer a indicação do art. 991, e a quitação for omissa quanto à imputação, esta se fará nas dívidas líquidas e vencidas em primeiro lugar. Se as dívidas forem todas líquidas e vencidas ao mesmo tempo, a imputação far-se-á na mais onerosa.”
E, por conseguinte, apesar da diversa localização e numeração dos artigos e, em face da nova sistemática de codificação, o conteúdo normativo deste instituto obrigacional não sofreu relevante alteração. Verifica-se que a imputação do pagamento situa-se no Capítulo IV, do Título III, que trata do adimplemento e extinção das obrigações, adiante a nova regulamentação proposta pelo Novo Código Civil:
“Art. 352. A pessoa obrigada, por 2 (dois) ou mais débitos da mesma natureza, a um só credor, tem o direito de indicar a qual deles oferece pagamento, se todos forem líquidos e vencidos.
Art. 353. Não tendo o devedor declarado em qual das dívidas líquidas e vencidas quer imputar o pagamento, se aceitar a quitação de uma delas, não terá direito a reclamar contra imputação feita pelo credor, salvo provando haver ele cometido violência ou dolo.
Art. 354. Havendo capital e juros, o pagamento imputar-se-á primeiro nos juros vencidos, e depois no capital, salvo estipulação em contrário, ou se o credor passar a quitação por conta do capital.
Art. 355. Se o devedor não fizer a indicação dos art. 352, e a quitação for omissa quanto à imputação, esta se fará nas dívidas líquidas e vencidas em primeiro lugar. Se as dívidas forem todas líquidas e vencidas ao mesmo tempo, a imputação far-se-á na mais onerosa.”
A imputação do pagamento incide sobre a constituição de vários débitos entre um mesmo devedor e um mesmo credor; por exemplo: “A” deve a “B” dinheiro por empréstimo, “A” deve a “B” alugueres de um imóvel e “A” deve a “B” quantia referente à compra de um carro. Esta situação entre o credor “B” e o devedor “A”, que envolve distintos negócios jurídicos, comporta três obrigações, estando todas elas vencidas e sendo líquidas e não tendo “A” dinheiro disponível para saldar todas, mas, desejando adimplir parcialmente, paga a “B” uma determinada quantia. Exatamente, a imputação consiste em indicar qual das dívidas será considerada quitada, possibilitando determinar a seqüência das parciais quitações, até que esteja satisfeito integralmente o credor.
2. A interpretação pelo Poder Judiciário.
A extinção da obrigação pela imputação do pagamento ocorre na existência de várias obrigações líquidas e vencidas, não sendo o pagamento suficiente para extingui-las, o devedor (art. 991 CC/revogado e art. 352 do Novo Código), ou o credor (art. 992 CC/revogado e art. 353 do Novo Código), ou por ordem de vencimento ou de valor (art. 994 CC/revogado e art. 355 do Novo Código), fica determinado qual obrigação o pagamento extinguirá. E, se alguma das dívidas for de juros e não houver pacto em contrário, esta será imputada em primeiro lugar (art. 993 CC/revogado e art. 354 do Novo Código).
“205000 – EMBARGOS À EXECUÇÃO – JUROS DE MORA – ATUALIZAÇÃO DE PRECATÓRIO – Incidem juros de mora enquanto não pago integralmente o valor do principal, devendo-se observar, em relação ao pagamento por conta, a regra de imputação prevista no art. 993 do Código Civil.” (TRF 4ª R – AC 96.04.64224-3 – RS – 2ª T. – Rel. Juiz Teori Albino Zavascki – DJU 16.04.97)
“700581 – LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA – CÁLCULO DE ATUALIZAÇÃO – PAGAMENTO POR CONTA – MODO DE IMPUTAÇÃO – INCIDÊNCIA DE JUROS MORATÓRIOS E COMPENSATÓRIOS ATÉ A DATA DO EFETIVO PAGAMENTO DO CAPITAL – PROIBIÇÃO DE ANATOCISMO – CRITÉRIOS A SEREM OBSERVADOS – O cálculo de atualização de débito fixado em liquidação de sentença deve observar as seguintes premissas necessárias: a) a atualização do cálculo não pode impor modificação dos critérios adotados pela sentença que, homologando a respectiva conta, decidiu a ação de liquidação de sentença originalmente, eis que sobre tal matéria há a eficácia do trânsito em julgado; b) conseqüentemente, na atualização da conta o campo de cognição sobre indexadores limita-se aos indexadores a serem adotados para a correção monetária relativa ao período de tempo não incluído na conta original; c) quanto a juros, a atualização da conta deve ter presente que, por força da sentença proferida na ação de conhecimento, os juros moratórios e compensatórios têm como termo final de incidência a data do pagamento da prestação devida; porém, não está autorizado o cômputo de juros sobre juros (anatocismo); e d) o pagamento por conta está sujeito à regra de imputação prevista no artigo 993 do Código Civil, ou seja, havendo capital e juros, imputar-se-á primeiro nos juros vencidos, e, depois, no capital.” (TRF 4ª R – AI 93.04.02056-5-PR – 5ª T – Rel. Juiz Teori A. Zavascki – DJU 20.03.96)
A pessoa obrigada, por dois ou mais débitos, da mesma natureza, a um só credor, tem o direito de indicar a qual deles oferece pagamento, se todos forem líquidos e vencidos, sem prejuízo do direito que assiste ao credor de exigir, pelos meios apropriados, a prestação sobre a qual não recaiu a imputação.
Por outro lado, é direito do devedor fazer imputações de pagamento e obter a respectiva quitação, sem prejuízo, naturalmente, do direito que assiste ao credor de exigir do devedor, pela via apropriada, o pagamento da divida sobre a qual não recaiu a imputação.
Existem dois problemas sérios: a segunda parte do art. 991 CC/revogado dispunha que “sem consentimento do credor, não se fará imputação do pagamento na dívida ilíquida, ou não vencida”, foi suprimida pelo art. 352 do Novo Código Civil, tal supressão, a princípio, indica que não mais será possível à imputação do pagamento em dívida ilíquida ou não vencida.
A outra questão é saber se prevalecem opiniões sobre a interpretação da expressão do Código, “a um só credor”, que incluem os credores solidários de diversos débitos se forem os mesmos.
Ora, em relação ao primeiro problema, se um devedor de várias prestações não vencidas ou ilíquidas que pretender oferecer em pagamento uma determinada quantia ao credor, não havendo outra dívida vencida ou líquida, não se poderá mais falar em imputação do pagamento, restando à relação jurídica dependente do termo de vencimento ou da liquidez da dívida?
A resposta parece ser definitiva no sentido de que a autonomia da vontade tanto do credor quanto do devedor não pode ultrapassar os limites estabelecidos na lei, nesse sentido, a supressão legal referida não impede que haja dação em pagamento, novação, ou, até mesmo o pagamento do art. 304 do Novo Código Civil –art. 930, caput, CC revogado -, no entanto, a imputação do pagamento somente será utilizada em hipótese de dívida líquida e vencida, conforme art. 352 do Novo Código Civil, não comportando mais a autonomia da vontade do credor em aceitar a imputação do pagamento sobre dívidas não vencidas ou ilíquidas.
Sobre a segunda questão, não parece que seja correto admitirem-se os preceitos dos arts. 896 a 903 do antigo CC, que foram revogados, à imputação do pagamento. Dessa maneira pronuncia-se a doutrina. Como não há referência expressa das normas da imputação do pagamento à solidariedade, esta que não se presume, apenas e, se a reconhecendo pela lei ou pela vontade se pode admiti-la, ademais, se pelo contrato são solidários os credores e os devedores, isto pouco importa, então, para a sistemática da imputação do pagamento, tendo em vista que a norma do art. 991 CC/revogado e do correspondente art. 352 do Novo Código Civil, menciona “a pessoa obrigada” e “um só credor”, ficando nítida a intenção de se estabelecer uma limitação da imputação do pagamento a relação jurídica decorrente de dois ou mais débitos entre o devedor e o credor, não podendo ser entendido como “um só credor” o conjunto de credores solidários, bem como acontecendo o mesmo com “a pessoa obrigada”.
Finalizando, a imputação do pagamento consiste numa importante forma de adimplemento das obrigações que pode ensejar poucas controvérsias, principalmente, quando se entende a classificação das situações aqui explanadas em três espécies, a imputação do devedor (art. 352 do Novo Código Civil), a imputação do credor (art. 353 do Novo Código Civil) e a imputação legal (arts. 354 e 355 do Novo Código Civil).
Advogado. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1990), Mestre em Direito das Relações Sociais (Direito do Trabalho) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1996), Doutor em Direito (Filosofia e Teoria do Direito) pela Universidade Federal de Santa Catarina (2002) e Especialista em Direito e Gestão de Empresas pela Universidade Federal de Santa Catarina (2004). Professor Adjunto 4 do Departamento de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC. Integra a Marinha Mercante – habilitação pelo DPC em 1999.
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