Resumo: O presente trabalho tem como objetivo analisar as principais teorias da regulação que levam os Estados a intervir em determinados mercados e os principais motivos da regulação do mercado de capitais: garantir a proteção aos investidores e a eficiência do mercado. Em seguida, analisa-se as espécies de auto regulação e as principais experiências no mercado de capitais do Brasil, que inspiram a análise da criação de órgãos e entidades auto reguladores no mercado de capitais brasileiro.
Palavras-Chave: Mercado de Capitais. Regulação. Auto Regulação.
Sumário: Introdução 1. Regulação do Mercado de Capitais. 1.1. Noções Gerais. 1.2. Teorias da Regulação. 1.2.1. Teoria do Interesse Público. 1.2.2. Teoria da Captura. 1.2.3. Teoria Econômica. 1.3. Objetivos da Regulação. 1.3.1. Proteção aos Investidores. 1.3.2. Eficiência do Mercado. 1.4. Evolução Histórica e Estrutura Atual.
Incipiente até meados da década de 1990, o mercado de capitais brasileiro vem se desenvolvendo desde então, a ponto de ser considerado um dos principais mercados mundiais atualmente. Esse desenvolvimento se deve ao bom momento econômico vivido pelo país a partir da implementação do plano real e, consequentemente à busca de novas formas de investimento.
O crescimento do número de pessoas físicas investindo no mercado de capitais combinado com o aumento no numero de empresas que realizaram Ofertas Públicas de Ações trouxe a tona a necessidade de adequação da ordem jurídica brasileira aos padrões internacionais do mercado de capitais e de governança corporativa.
Ao mesmo tempo em que seu mercado se desenvolve em ritmo acelerado, o Brasil enfrenta um problema estrutural que atinge todas as áreas da economia: a insegurança jurídica. Apesar de todos os esforços, a legislação brasileira está longe do que seria aceitável em países com mercado de capitais desenvolvido, permitindo ainda que diversos abusos sejam cometidos em detrimento dos acionistas minoritários.
Não obstante os desafios a serem enfrentados para o seu desenvolvimento, o mercado de capitais no Brasil apresentou surpreendente evolução nos últimos dez anos, tanto em termos qualitativos, como quantitativos. Graças à globalização e à crescente competitividade internacional, a regulação ganhou importância como forma de garantir a confiança e a segurança dos investidores.
Em um mercado em efervescência e com um maior número de participantes, as companhias se veem obrigadas a se aperfeiçoarem para manter a liquidez de seus papeis, alterado seus estatutos sociais e adotando melhores práticas de governança corporativa, assegurando maior respeito aos acionistas. Dessa forma, os próprios agentes econômicos passaram a ser organizar e estabelecer normas mais rígidas do que aquelas instituídas pelo Estado com vistas a valorizar seus ativos e com isso atrair novos investidores.
Nesse contexto de desenvolvimento do marcado de capitais, começa a ganhar força no Brasil o movimento de auto regulação, que inicia-se com a bem sucedida experiência da ANBID e posteriormente com a criação do Novo Mercado. Diante desse sucesso, a auto regulação passou a ser encarada pelos agentes econômicos como uma solução aos problemas regulatórios do setor, a ponto de atualmente a estar-se sob discussão na BM&F Bovespa a criação de um Comitê de Aquisições e Fusões, para garantir os direitos dos acionistas nas operações de reorganização societária.
Para entender a auto regulação, é essencial que se compreenda os motivos que levam o regulador estatal a regular um determinado mercado. Assim, serão demonstradas as Teorias da Regulação que a partir de diferentes premissas, buscam explicar a atuação regulamentar do Estado e os objetivos que a regulação do mercado de capitais busca alcançar.
1. Regulação do mercado de capitais
1.1. Noções Gerais
Não há na literatura jurídica, nem tampouco na literatura econômica um consenso quanto à definição do significado do termo regulação. Entretanto, pode-se definir regulação como:
“a atuação predominantemente estatal (embora não necessariamente exercida pelo Estado, como no caso da auto regulação, realizada pelos próprios membros de determinada indústria) no sentido de editar normas, fiscalizar seu cumprimento, no contexto de um determinado mercado, limitando a liberdade de atuação de seus agentes”.[1]
Na implementação de suas políticas públicas cabe exclusivamente ao Estado a decisão de regular determinado mercado com vistas a proteger aqueles bens jurídicos que ele entende serem mais importantes. Assim, a decisão de regular certos mercados é uma decisão política e social do Estado, que considera a importância de um mercado para o país e a necessidade da intervenção estatal para garantir seu correto funcionamento.
A regulação, portanto, tem como objetivo fazer com que os recursos alocados em um mercado que o Estado julga importante obtenham o máximo de retorno e ao custo mais baixo. Entretanto, em alguns casos, os mercados conseguem solucionar suas falhas de maneira independente, sem a intervenção do Estado. A atuação estatal nesses casos é desnecessária e até mesmo perigosa uma vez que jamais será tão eficiente quanto as forças do mercado. Ademais, ao optar não por intervir em tal mercado o Estado pode concentrar seus recursos escassos em outros setores que efetivamente necessitam.
Nesse sentido, apesar de ser uma decisão política, a implementação da regulação de determinado mercado deve observar não apenas a sua importância para a política econômica, mas também suas características para apurar se a intervenção estatal é realmente necessária. Assim, observada a importância e a necessidade de intervenção de determinado mercado, o Estado deverá optar pela substituição das forças de mercado pela sua atuação ou por deixar o mercado livre de qualquer controle.
No caso específico do mercado de capitais, a regulação importa na limitação da liberdade de atuação dos seus participantes, restringindo suas condutas ou os bens negociados. Em um modelo de economia de livre mercado, o Estado não estabelece qualquer restrição aos agentes econômicos, disciplinando tão somente os direitos de propriedade e as relações contratuais, sem intervir no direito de uso dos bens ou exigir um conteúdo mínimo aos contratos. Por outro lado, alguns países com crença capitalista menos consolidada entendem que o desenvolvimento do mercado de capitais depende da ampla intervenção do Estado.
1.2. Teorias da Regulação
Para explicar os motivos que levam o Estado a optar por regular determinado mercado, diversas escolas de pensamento econômico elaboraram teorias para explicar motivos e as consequências da intervenção estatal. Alguns autores entendem que essas teorias estabelecem apenas as razões para a regulação de qualquer mercado e o que varia para a sua aplicação são os objetivos que o Estado deseja alcançar com a regulação. [2]
Apesar das teorias estabelecerem as razões para a regulação de mercados em geral, deve-se atentar para o fato de que a regulação, como decisão política do Estado, é implementada por legislações elaboradas de acordo com a política econômica do Estado em um dado momento. Por mais díspares que essas teorias possam parecer, todas reconhecem que a regulação é minimamente necessária para a consecução dos seus objetivos, quais sejam a proteger os investidores e garantir a eficiência do mercado. Assim, ainda que abordem aspectos diferentes para a regulação de mercados, essas teorias se complementam e juntas fornecem os elementos básicos para a compreensão dos motivos que levam um Estado a regular determinado mercado.
1.2.1. Teoria do Interesse Público
De acordo a teoria do interesse público, defendida pela escola tradicional do pensamento econômico, a regulação é uma resposta à demanda social para a correção de práticas ineficientes ou não equitativas em um determinado mercado. Essa teoria pressupõe essencialmente que os mercados são frágeis, seja porque operam ineficientemente ou porque não são equitativos quando não possuem qualquer intervenção estatal, e que a regulação governamental ocorre sem custos significativos.
Deste modo, a teoria do interesse público entende que a intervenção estatal em determinado mercado é uma resposta à demanda social para a correção de falhas de tal mercado, como problemas de competição imperfeita ou excessiva (monopólio natural), externalidades, informações imperfeitas e assimetria de informações. Segundo os adeptos dessa teoria, em função das falhas do mercado, a população exigiria que o Estado implementasse a regulação para solucionar tais falhas que as forças de mercado por si mesmas não conseguiram resolver.
A principal crítica à teoria do interesse público é que suas premissas nem sempre são verdadeiras, uma vez que a regulação não ocorre sem custos significativos, que muitas vezes podem ser superiores aos benefícios por ela gerados. Além dos custos inerentes à elaboração e implementação de normas, em um país como o Brasil há que se levar em conta o custo do tempo de tramitação de um projeto de lei na Câmara dos Deputados e no Senado Federal que chegam a levar anos para serem aprovados.
Outra falha dessa teoria consiste no fato de que nem sempre a demanda social pela defesa do interesse público é convertida em regulação pelo Estado. A teoria não fornece qualquer evidência de que a insatisfação da população ou de uma parte dela com determinadas falhas de certo mercado geraria uma demanda desse grupo social por regulação, ou mesmo que haja qualquer disposição de políticos, legisladores e reguladores atuarem em benefício do interesse público.
Ressalte-se ainda que diversos estudos comprovaram que não há correlação entre falhas de mercado e a atuação das agencias reguladoras uma vez que, apesar de serem criadas – como o próprio nome estabelece – para regular – essas agências frequentemente acabam por atuar, não no apoio ao interesse público, mas no apoio a indústrias em setores de atividades onde não existem formas caracterizadas de falhas de mercado.[3]
Os defensores modernos da teoria do interesse público reconhecem essas críticas e admitem que a regulação não seja perfeita, porém entendem que ainda é a melhor solução em caso de falhas de mercado, desde que seus custos não excedam seus benefícios[4]. Esses defensores entendem que muitas imperfeições não serão removidas pela regulação, principalmente em função de problemas na sua redação e implementação, que poderiam ser corrigidos sem custos significativos. Dessa forma, entendem que as agências reguladoras seriam importantes no processo de intervenção estatal, porém são mal administradas ou pouco independentes, inviabilizando sua atuação.
1.2.2. Teoria da Captura
Apesar de reconhecer a importância do interesse público e da existência de falhas de mercado, a teoria da captura entende que a regulação é uma resposta às demandas de grupos de interesse organizados, atuando para maximizar os interesses de seus membros. Com isso, as agências reguladoras tenderiam a sofrer influências não transparentes de grupos privados do setor que regulam, ou mesmo pelo governo, uma vez que geralmente estes grupos possuem poder político e econômico suficientes para pressionar o processo de elaboração e aplicação da lei. Nesse sentido, Marçal Justen Filho aduz:
"A doutrina cunhou a expressão ‘captura’ para indicar a situação em que a agência se transforma em via de proteção e benefício para setores empresarias regulados. A captura configura quando a agência perde a condição de autoridade comprometida com a realização do interesse coletivo e passa a produzir atos destinados a legitimar a realização dos interesses egoísticos de um, alguns ou todos os segmentos empresariais regulados. A captura da agência se configura, então, como mais uma faceta do fenômeno de distorção de finalidades dos setores burocráticos estatais". [5]
A “captura” de uma agência reguladora é possível graças a fatores como a indicação política de cargos, o patrocínio de campanhas a interferência partidário-eleitoral; a dependência da agência na obtenção de informações das empresas reguladas, a possibilidade dos ex-funcionários das agências virem a trabalhar nas empresas, ou mesmo de ex-empregados das indústrias virem a compor o quadro técnico da instituição reguladora. Outro ponto que facilita a “captura” de uma agência ocorre quando os beneficiários da regulação são difusos, enquanto os prejudicados concentrados. Nesses casos, a agência reguladora tende a ser mais sensível aos interesses bem definidos dos prejudicados do que com seus beneficiários difusos.
Como a “captura” da agência reguladora ocorre de maneira sigilosa, longe dos olhos da população, a principal crítica que se faz a essa teoria é que ela seria apenas uma suposição sem qualquer evidência prática. Apesar das críticas, a teoria da captura possui grande importância por trazer a tona a questão da importância da manutenção da independência das agências reguladoras.
1.2.3. Teoria Econômica
A teoria econômica da regulação foi desenvolvida a partir da teoria da captura, de acordo com os estudos de George Stigler, fundador da Escola de Chicago e, mesmo admitindo a existência de falhas de mercado e do interesse público para que o Estado as resolva, entende que a regulação pode servir aos interesses dos grupos privados.
Esta teoria vai mais além da teoria da captura ao admitir a possibilidade de captura de uma agência reguladora por outros grupos além dos por ela regulados. Segundo Stigler, o poder de coerção do Estado é um recurso que não pode ser dividido nem com o mais poderoso dos cidadãos[6]. Como esse poder regulamentar do Estado é capaz de conferir benefícios a determinados grupos, a regulação pode ser vista como um “produto” e sua alocação regida pelas leis da oferta e da procura, em função dos custos e benefícios da obtenção da legislação favorável.
Nesse sentido, ao regular um mercado o Estado dificilmente o faria com o interesse público como prioridade e sim em benefício dos grupos privados que o capturaram ou mesmo em seu próprio benefício. A demanda por regulação e sua obtenção funcionariam de modo muito similar a um mercado qualquer, em função da lógica política em que os representantes partidários, para se manterem no poder, “vendem” serviços regulatórios, e são “remunerados” por meio de apoio político. O Estado, no exercício da atividade regulatória, funcionaria então como suporte aos grupos econômicos bem organizados e financeiramente privilegiados.
Ademais, os adeptos dessa teoria entendem que a intervenção do Estado em determinado mercado afetaria a livre concorrência e teria efeitos semelhantes ao de um cartel, com preços superiores aos preços praticados em um mercado de livre competição.
Por outro lado, os críticos dessa teoria, alegam não haver quaisquer evidências empíricas de que o regulador tenha menos incentivo a trabalhar honestamente do que qualquer empregado privado (pode querer promoção, gozar de boa reputação e etc.). Além disso, as agências reguladoras possuem seus orçamentos estabelecidos pelo Congresso e, juntamente com seus diretores, são obrigadas por lei a prestar contas ao Legislativo e ao Executivo.
Ademais, a teoria econômica da regulação não demonstra por que um grupo e não outro (por exemplo, os consumidores organizados) é beneficiado pela regulação. Essa teoria não prevê a possibilidade de que a sociedade, preocupada com a habilidade dos grupos de interesse em manipular o processo político, estabeleça instituições de tutela do interesse público para influenciar a adoção de políticas públicas como, por exemplo, um poder Judiciário independente.
1.3. Objetivos da Regulação
Conforme dito acima, a regulação do mercado de capitais, assim como de qualquer outro mercado, consiste na atuação do Estado através da edição de normas de conduta para seus participantes e da fiscalização do seu cumprimento. Assim, apesar do caráter político da decisão de regular determinado mercado, em regra, o objetivo principal da regulação do mercado de capitais é fazer com que os recursos alocados pelos investidores obtenham o maior retorno possível, com o menor custo possível.
Com efeito, a atuação do Estado pode ser dividida em duas modalidades: a regulação prudencial, que consiste no controle dos riscos de liquidez e de solvência das entidades supervisionadas, e a regulação de condutas, que trata dos procedimentos impostos aos agentes, para obter um melhor funcionamento do mercado. Em regra, todo órgão regulador se vale das duas modalidades de atuação, mas alguns são mais regulados de forma prudencial e outros através da limitação de condutas[7].
Nesse sentido, aponta Nelson Eizirik:
“Assim, a intervenção do Estado no mercado de capitais, sob a forma de regulação, dá-se mediante normas que estabelecem genericamente as condições de acesso, exercício, as condutas que devem ser mantidas e, principalmente, as informações que devem ser prestadas aos investidores. Não se verificam, a não ser excepcionalmente, casos de regulação substantiva, em que o Estado escolhe discricionariamente os participantes do mercado, fixa preços para as emissões públicas de ações ou interfere nas cotações, ou mesmo julga o mérito de determinados títulos, impedindo eventualmente sua distribuição pública por considerá-los de má qualidade. Com efeito, a regulação substantiva pode ser fonte de graves imperfeições, particularmente quando há poucas possibilidades de controles políticos, por parte do Poder Legislativo e do público em geral, sobre a atuação das agências reguladoras governamentais, como ocorre entre nós”.[8]
Tanto a doutrina nacional quanto a estrangeira apontam diversos objetivos da regulação, ainda que estes variem de acordo com a sua ênfase, tais como proteção aos investidores, eficiência do mercado, criação e manutenção de instituições confiáveis e competitivas, evitar a concentração de poder econômico, impedir a criação de situações de conflito de interesses, entre outras. Entretanto, todos esses objetivos estão relacionados entre si e possuem como idéia principal o interesse público.
O mercado de capitais possibilita que pessoas, físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras, invistam em empresas, financiando a atividade produtiva, sendo mais uma fonte de recursos para as empresas e estimulando a competição entre os emprestadores, propiciando, por conseguinte, a redução do custo do capital. Entretanto, para alocarem seus recursos no mercado de capitais, os investidores necessitam ter confiança de que estão negociando em igualdade de condições com o resto do mercado, sob pena de aplicarem seus recursos em outros investimentos. Dessa forma, compete à regulação do mercado garantir o funcionamento eficiente deste mercado e proteger o investidor.
1.3.1. Proteção aos Investidores
A legislação da maioria dos países possui como objetivo principal da regulação do mercado de capitais a tutela daqueles que aplicam seus recursos financeiros nos valores mobiliários emitidos publicamente e negociados no mercado. A proteção dos investidores é fundamental para o desenvolvimento do mercado de capitais, uma vez que são eles os responsáveis pela aquisição dos valores mobiliários emitidos e negociados.
Os investidores devem poder confiar que os retornos de suas aplicações deverão ser proporcionais aos riscos dos investimentos, que as instituições intermediárias são integras e ainda que todas as informações divulgadas pela emissora dos valores mobiliários são verdadeiras.
Entretanto, é importante ressaltar que a regulação não tem como objetivo eliminar os riscos do mercado de capitais, que são de sua essência. Ao estabelecer obrigações como divulgação de informações relevantes e a proibição ao uso de informações privilegiadas, a regulação concede aos investidores mais informações para tomarem decisões conscientes e permite redução dos riscos de operações fraudulentas. Embora não tenha como objetivo aumentar a taxa de retorno dos investidores, indiretamente a regulação pode promover esse aumento uma vez pode diminuir certos riscos dos negócios gerando assim maior demanda entre os investidores e consequentemente elevando os preços dos títulos.
Com efeito, para a proteção dos investidores, a regulação deve estabelecer normas que obriguem as companhias emissoras de valores mobiliários a prestar diversas informações sobre suas situações patrimoniais e principalmente sobre atos e fatos julgados relevantes. No Brasil, a Instrução CVM Nº 358/07 estabelece em seu artigo que se considera relevante qualquer ato ou fato que possa influir (i) na cotação dos valores mobiliários (ii) na decisão dos investidores de comprar, vender ou manter aqueles valores mobiliários; ou (iii) na decisão dos investidores de exercer quaisquer direitos inerentes à condição de titular de valores mobiliários emitidos pela companhia[9].
Outro ponto importante para a proteção dos investidores diz respeito à atuação dos administradores das companhias investidas. Como se sabe, o mercado de capitais brasileiros se caracteriza por possuir companhias com acionistas controladores bem definidos e que efetivamente exercem seus poderes. Assim, é essencial para o investidor saber que os administradores dessas companhias atuarão no interesse da própria companhia e não no dos acionistas controladores que o elegeram. Nesse sentido, a Lei das S.A. estabelece que os administradores devem atuar de maneira diligente, exercer suas atividades no interesse da Companhia, servir com lealdade à companhia, evitar em operações que tiverem interesses conflitantes com a companhia e informar eventuais valores mobiliários da companhia que venham a deter[10].
Ressalvadas as exceções previstas em lei, o artigo 129 da Lei das S.A. consagrou o princípio do majoritário, de forma que as deliberações das reuniões e assembleias das companhias necessitam da maioria absoluta dos votos presentes para serem aprovadas. Entretanto, ciente da característica de controle concentrado das companhias brasileiras, o legislador estabeleceu certos mecanismos para evitar o abuso do poder dos acionistas controladores em prejuízo dos acionistas minoritários. Assim, a Lei das S.A. estabelece que o acionista controlador deve usar o seu poder para fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, sob pena de responder por abuso de poder[11]. Além de proibir certos comportamentos do acionista controlador, a Lei das S.A. conferiu aos acionistas minoritários diversos direitos, como direito de retirar-se da companhia, mediante reembolso do valor das suas ações em caso de discordância de determinadas deliberações e o direito de venda conjunta em caso de alienação do controle da companhia[12].
Por outro lado, em alguns casos, a proteção conferida pelo regulador aos acionistas minoritários é tamanha que eles acabam por possuir mais poderes do que os próprios acionistas controladores, negando assim o princípio do majoritário consagrado pela Lei das S.A. Assim, ao conferir diversos direitos aos acionistas minoritários para proteger os investidores, o regulador deve atentar-se para evitar que seja possível haver um “abuso da minoria”.
Outra forma de proteção dos investidores ocorre mediante a atuação do regulador para garantir a qualidade dos intermediários financeiros, através de normas para coibir práticas de manipulação do mercado, eliminar conflitos de interesses, impedir a discriminação entre seus clientes, entre outros pontos. No Brasil, geralmente os intermediários financeiros fazem partes de conglomerados que oferecem diversos serviços aos participantes do mercado, aumentando assim o risco de conflito de interesse e de uso de informações privilegiadas[13]. O conflito de interesse e o uso de informações privilegiadas podem ser evitadas através da proibição de “venda casada” de serviços e a segregação de atividades nas instituições financeiras, conhecido como chinesewall.
Outro ponto de preocupação do regulador com relação aos intermediários financeiros é quanto a sua solidez e competitividade. Para isso, o regulador vale-se das medidas prudenciais, como aquelas que estabelecem restrições à atuação dos intermediários com instituição de limites mínimos de capital para operar no mercado de capitas e requisitos para que profissionais possam atuar no mercado financeiro, como no caso de analistas financeiros. Essas regras visam tornar as instituições mais hígidas para suportarem eventuais crises financeiras sem prejudicar os investidores e o mercado em geral, gerando assim maior estabilidade institucional.
1.3.2. Eficiência do Mercado
Ao analisar como irá investir seus recursos, o investidor considera não apenas a proteção que a lei lhe confere, como também a eficiência do mercado alvo, possibilitando que seus retornos sejam compatíveis com seus investimentos. Em um mercado eficiente, há maior competitividade entre as emissoras de valores mobiliários e as instituições intermediárias, melhorando a qualidade dos produtos e serviços ofertados e consequentemente, atraindo mais investidores.
A apuração da eficiência do mercado pode ser realizada considerando diversos fatores que influenciam desde as informações divulgadas pelas companhias até o preço dos valores mobiliários. Conforme demonstrado em diversos estudos[14], em um mercado regulado, a política de divulgação de informações (disclosure) demanda que as emissoras de valores mobiliários apresentem uma quantidade muito maior de informações que elas apresentariam se não fossem obrigadas. A legislação de disclosuretem como objetivo aumentar a quantidade e qualidade das informações divulgadas pelas companhias, que permitem aos investidores avaliarem melhor os riscos e méritos dos investimentos.
A eficiência do mercado de capitais também está intimamente ligada à eficiência na determinação dos preços dos valores mobiliários negociados, que são influenciados pela política de divulgação de informações. Para garantir que todos investidores tomem suas decisões de investimento com base nas mesmas informações, a CVM estabelece uma série de documentos e informações que devem ser divulgados pelas companhias[15].
Há que se ressaltar que, em alguns casos, a obrigação de divulgação de informações acaba gerando custos excessivos aos participantes do mercado. Nesse sentido, pode-se citar a Instrução CVM 358/07, que trata da divulgação de fatos relevantes, que estabelece que mesmo atos ou fatos “potencialmente relevantes” devem ser divulgados. Essa redação excessivamente abrangente faz com que diversas companhias optem por divulgar fatos relevantes com informações incapazes de afetar a cotação de suas ações, apenas por receio de sofrerem processos administrativos caso não o façam.
A cotação dos valores mobiliários deve refletir apenas as informações publicamente disponíveis, evitando o uso de informações privilegiadas (insider trading). O uso de informação privilegiada prejudica a credibilidade do mercado, uma vez que um investidor negociou em desigualdade de condições com os demais e, prejudica sua eficiência, um vez que a cotação não reflete adequadamente as informações divulgadas ao público.
A eficiência do mercado também se manifesta na transferência dos títulos entre os investidores, em função dos custos de transação como custos de corretagem, custos de custódia e transferência dos títulos, impostos incidentes e os riscos envolvidos, que devem ser o mais baixo possível. A redução desses custos de transação incentiva o investimento no mercado de capitais, pode ser alcançada através de medidas como definição de preços de corretagem proporcionais aos custos incorridos, especialização dos intermediários financeiros e redução da carga tributária.
Por fim, a regulação deve evitar a concentração do poder econômico no mercado de capitais, o que ocorre principalmente no âmbito dos intermediários financeiros, que fazem parte de conglomerados que ofertam diversos produtos e serviços para o mercado. O Estado deve então incentivar a competição dos intermediários financeiros, para que possam oferecer aos participantes do mercado melhores produtos, com melhores preços.
Assim, em um mercado com uma política de divulgação de informações bem definida, com custos de transação justos e intermediários financeiros competitivos, os investidores poderão investir seus recursos de maneira mais eficiente.
1.4. Evolução Histórica e Estrutura Atual
A chegada da Família Real Portuguesa ao Brasil e a abertura dos portos brasileiros às nações amigas em l808, fez surgir a surgir a necessidade de se criar um ordenamento jurídico brasileiro, para romper os laços que ligavam o Brasil à Portugal. Apesar do esforço em cortar os laços com os antigos colonizadores, foi apenas em 1832, que foi constituída uma comissão com a incumbência de redigir um anteprojeto do Código Comercial. Este anteprojeto tramitou durante 15 anos no Congresso Nacional e foi promulgado através da Lei 556, de 25.06.50. O Código Comercial continha 913 artigos, divididos em 3 partes: a primeira parte tratava do comércio em geral, a segunda, do comércio marítimo e a terceira, “das quebras”.
Na década de 40, durante o Governo de Getúlio Vargas, o Código Comercial sofreu alterações que diminuíram a sua abrangência, como o Decreto Lei 2627/40, que tratava das Sociedades por Ações e o Decreto Lei 7661/45 que passou a regular as Falências e Concordatas e revogou a parte terceira do Código Comercial. No entanto, o Código Comercial não previa a criação de qualquer entidade responsável pelo sistema financeiro, o que veio a acontecer somente com a criação da SUMOC – Superintendência da Moeda e do Crédito, através do Decreto-Lei nº 7.293, de 2 de fevereiro de 1945.
Até a edição da Lei 4.595 de 31 de dezembro de 1964, conhecida como Lei de Reforma Bancária, o sistema financeiro nacional era composto pela SUMOC – Superintendência da Moeda e do Crédito, órgão responsável pela política monetária e a fiscalização do mercado financeiro juntamente com o Banco do Brasil e pelo BNDES[16]. A Lei de Reforma Bancária reorganizou o sistema financeiro nacional, incluindo o mercado de capitais, com a extinção da SUMOC e com a criação do Conselho Monetário Nacional – CMN.
De acordo com o artigo 1º da Lei 4.595, o sistema financeiro nacional passou então a ser hierarquicamente constituído pelo CMN, Banco Central da República do Brasil[17], Banco do Brasil S.A. e o BNDES e pelas demais instituições financeiras públicas ou privadas do país. Nos termos do artigo 2º da Lei de Reforma Bancária, compete ao CMN formular a política da moeda e do crédito, que devem ser executadas pelo Banco do Central, a quem compete também a fiscalização, ao registro e concessão de autorização para funcionamento das instituições financeiras nacionais. Por fim, caberia ao Banco do Brasil a execução da política creditícia e financeira e ao BNDES a execução da política de investimento do Governo Federal.
A Lei da Reforma Bancária estabeleceu que seria competência do CMN disciplinar as atividades de Bolsa de Valores e dos corretores de fundos públicos e a necessidade de registro dos intermediários do mercado de capitais. Entretanto, a atribuições do CMN relativas à regulação do mercado de capitais foram definidas na Lei 4.728 de 14 de julho de 1965, chamada à época de Lei de Mercado de Capitais.
Não obstante sua inspiração no Securitiesand Exchange Actof 1934 dos Estados Unidos, que criou a Securitiesand Exchange Comission, órgão responsável pela fiscalização do mercado de capitais, a Lei do Mercado de Capitais não criou um órgão supervisor específico para o mercado de capitais, estabelecendo ao Banco Central da República do Brasil essa competência.
Deste modo, a Lei de Mercado de Capitais estabelecia que o mercado de capitais seria disciplinado pelo CMN e fiscalizado pelo Banco Central da República do Brasil. Caberia, então, ao Banco Central da República do Brasil autorizar a constituição e o funcionamento das bolsas de valores (art. 3º, I) e o funcionamento de corretoras (Art. 3º, II), sociedades de investimento (art. 3º, II), e de instituições financeiras e sociedades que tenham por objeto a distribuição de valores mobiliários (art. 3º, III).
Com a edição da Lei 6.385 de 7 dezembro de 1976, foi criada a Comissão de Valores Mobiliários com a missão de regulamentar, fiscalizar e punir os agentes do mercado de capitais, substituindo assim o Banco Central. Essa lei, atualmente vigente, substituiu em grande parte a Lei 4.728, principalmente no que diz respeito às competências do Conselho Monetário Nacional relativas ao mercado de capitais. Outro ponto fundamental para o desenvolvimento do mercado de capitais no Brasil foi a edição da Lei 6.404 de 15 de dezembro de 1976, conhecida como Lei das S.A., que desde então regula as sociedades por ações.
Em 2001, a lei 10.303, de 31 de outubro, e Medida Provisória nº 08, da mesma data, introduziram uma reforma na Lei 6.385/76 e na Lei das S.A. que alterou profundamente a estrutura da regulação do mercado de valores mobiliários brasileiro e da própria CVM. A CVM se tornou então, de acordo com a nova redação do Artigo 5º da Lei 6.385/76, dada pela Lei 10.303/2001, uma entidade autárquica em regime especial, vinculada ao Ministério da Fazenda, com personalidade jurídica e patrimônio próprios, dotada de autoridade administrativa independente, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes, e autonomia financeira e orçamentária.
A Lei 10.303 ampliou a finalidade da CVM, ao incluir a alínea “c” no inciso IV do Artigo 4 da Lei 6.385/76, estabelecendo que a incumbirá à CVM a proteção dos titulares de valores mobiliários e dos investidores do mercado contra o uso de informação relevante não divulgada no mercado de valores mobiliários. Assim, com a reforma, a CVM passou a exercer a regulação do mercado de valores mobiliários que antes cabia ao CMN, que ficou responsável de ditar as políticas e orientações gerais para tal mercado[18].
Outra alteração importante imposta pela Lei 10.303/2001 foi a ampliação do conceito de valores mobiliários, que incluiu diversos títulos, contratos e os derivativos na lista constante do artigo 2º da Lei. Ao considerar os derivativos como valores mobiliários, a Lei 6.385/76 passou a dispor também sobre a organização e o funcionamento das bolsas de mercadorias e de futuros.
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu dispositivos e competências para o Banco Central, sendo que ainda determina em seu artigo 192 a elaboração de Lei Complementar para substituir a Lei 4.595/64, redefinindo assim a estrutura e competência prevista para o Banco Central.
Atualmente, a supervisão do mercado de capitais é realizada pela CVM, de acordo com a Lei 6385/76, conforme alterada, com competência para (i) regulamentar, observando a política definida pelo CMN, as matérias expressamente previstas na Lei 6385/76 e na Lei das S.A. (ii) administrar os registros instituídos pela Lei 6.385/76; (iii) fiscalizar permanentemente as atividades e os serviços do mercado de valores mobiliários, bem como a veiculação de informações relativas ao mercado, às pessoas que dele participem, e aos valores nele negociados; (iv) instaurar Processos Administrativos Sancionadores, aplicando penalidades quando houver prática de ilícitos, (v) regulamentar a emissão e distribuição de valores mobiliários no mercado, (vi) disciplinar a negociação e a intermediação no mercado de valores mobiliários e no mercado de derivativos, (vii) organizar o funcionamento e a operação das bolsas de valores e de mercadorias e futuros, entre outros.
Advogado formado Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro PUC-RIO especialista em Direito Societário e Mercado de Capitais
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