Uma análise sobre a aplicação do direito penal do autor nos dias atuais relacionada ao pensamento de Lombroso

Resumo: Este artigo busca demonstrar resquícios do direito penal do autor, relacionado ao pensamento de Lombroso, que permanecem até os dias atuais nas legislações de países que, mesmo com previsão de garantia dos direitos fundamentais em seus ordenamentos jurídicos, em alguns casos aplicam o Direito Penal ligado ao indivíduo e não ao fato.

Palavras-chave: Direito Penal do Autor, direitos fundamentais, indivíduo, fato.

Resumen: Este artículo pretende demostrar restos de la legislación penal de los derechos de autor, relacionados con el pensamiento de Lombroso, que permanecen hasta nuestros días en las leyes de los países que, incluso con una garantía de espera de los derechos fundamentales de sus respectivos ordenamientos jurídicos, en algunos casos aplican la Ley Penal a el individuo y no al hecho.

Palabras-clave: Derecho Penal de Autor, derechos fundamentals, individuo, hecho. 

Sumário: 1. Introdução; 2. O Direito Penal do autor e o pensamento de Lombroso; 3. O Direito Penal do autor nos dias atuais; 4. Conclusão; 5. Referências Bibliográficas.

1. Introdução

Nos dias atuais, em tese, vislumbra-se uma consolidação da aplicação do direito penal do fato, repudiando o chamado direito penal do autor.

Diante de uma grande evolução histórica, a sociedade conseguiu afastar a aplicação do direito penal baseado no que o indivíduo era, e passou a sancionar os fatos praticados pelo agente.

Anteriormente, no período do positivismo, a criminalidade era determinada pela personalidade do indivíduo, ou seja, fatores que lhe eram inerentes eram a justificativa para aplicar-lhes sanções, sem ao menos cometerem algum delito. Acreditam mais, que o caráter da criminalidade estava associado a uma patologia da pessoa, que não poderia fugir de si próprio.

Assim, os positivistas defendiam a tese de que não haveria que invocar a ética na sociedade para a aplicação do direito penal, mas apenas utilizá-lo como forma de instrumento de defesa social.

Para os positivistas dessa época, o autor é considerado um ser regenarado, nascido com uma deficiência voltada à prática da criminalidade. O estado de periculosidade é inerente a ele.

Em vista disso, o presente trabalho buscará analisar os vários resquícios do direito penal do autor que ainda são encontrados em legislações de países desenvolvidos e subdesenvolvidos, sendo aplicados pelos Tribunais, apesar de que, na maioria deles, preza-se por um direito igualitário e de intervenção mínimo, ligado ao fato e não ao indivíduo.

2. O Direito Penal do autor e o pensamento de Lombroso

O Direito Penal do autor configura-se quando a reprovabilidade social, bem como a aplicação das sanções penais são baseadas não na ocorrência de um fato ilícito, mas sim no modo de ser do agente.

A sanção deve ser aplicada, portanto, fundamentada na personalidade do agente, na atitude interna jurídica corrompida do agente. A conduta realizada seria apenas uma das características inerente aquele ser que nasceu para delinqüir.

Nesse contexto, Lombroso[1] (1871), criador da Obra L’uomo delinqüente, considerado o precursor da Escola Positiva e criador da antropologia criminal, colocava em proeminência a pessoa do delinqüente, alegando que por vezes, pode originar da natureza um ser humano delinqüente. Assim, o criminoso é considerado uma pessoa normal e, por causa disso, teria responsabilidade, já que seria uma pessoa naturalmente perigosa.

Lombroso, por ser médico, determinava algumas características marcantes, as quais acreditava que, se determinada pessoa as preenchesse, seria considerado deliquente, ou seja, colocava a criminalidade como uma característica primitiva, inclusive anatômica, pois, dizia ele, mesmo que a pessoa não tivesse feito nada, ser perigoso era uma coisa que já fazia parte de sua anatomia.

Lombroso defendia que o criminoso deveria ser visto como um ser patológico e estereotipado. Na sua concepção, o crime não é fenômeno jurídico-político, mas biológico, porque faz parte daquele pessoa cometer delitos.

Nesse sentido, o delinqüente deveria ser punido ou neutralizado, porque, em sua pessoa, apresentava um perigo à sociedade. A punição era utilizada como meio de defesa social. Se se pudesse perceber que a pessoa era criminosa tão-logo já se poderia castigar, sem ao menos esta cometer qualquer delito.

Assim, surge o denominado tipo de autor no qual a criminalização é definida pela personalidade, não pela conduta. Nessa linha de pensamento, era possível punir a pessoa pelo que era, antes mesmo de ela praticar qualquer conduta que violasse algum bem jurídico protegido. A sanção é em cima do estereótipo do indivíduo e não do que ele realizou, mas também pode recair em cima de outros aspectos, como da prática sucessiva de crimes, por exemplo, quando, a partir daí, o indivíduo é considerado como se biologicamente tivesse nascido para cometê-los.

Desta forma, surgem duas classificações[2], a de tipo normativo de autor e a de tipo criminológico de autor.

Em relação ao tipo normativo de autor, a prática da conduta delituosa somente é considerada ilícita quando enquadrada na imagem de delinqüente do autor, ou seja, presume-se a ação que o autor do delito teria e verifica-se o fato ocorrido. Daí a classificação ser normativa, pois valora-se o fato à norma, a partir de uma presunção de conduta ilegal do autor.

No que tange ao tipo criminológico de autor, o que se leva em consideração é a própria personalidade do autor, de acordo com as características biológicas de um criminoso.     

Resta claro que o direito penal do autor viola vários direitos humanos, entre eles o supraprincípio da Dignidade da Pessoa Humana, tendo em vista que a pessoa considerada “autor” é vista como um ser criminalizado, inferior aos outros que convivem em sociedade. A seleção do “autor” se faz com vistas à negação da própria sociedade em ignorar aquele que cometeu condutas delituosas, o que vai de encontro com uma das principais finalidades do Direito Penal: a ressocialização.

Uma das funções do Direito Penal é “educar” e reinserir o delinqüente na sociedade, para que ele possa ter uma vida social justa, como se qualquer outro cidadão.

Ocorre que, atualmente, ainda se verifica em diversos países subdesenvolvidos e desenvolvidos, alguns resquícios do fenômeno ora estudado.

Ante uma sociedade que baseada em fundamentos de direitos humanos, o Direito Penal do autor deveria ser rechaçado do sistema jurídico-penal, posto que o Estado é o principal controlador da justiça social aliada ao Direito Penal, é ele quem detém o ius puniendi e portanto deveria ser revisto em diversos aspectos.

Na atualidade, doutrinadores insistem em impulsionar a única presença de um Direito Penal do fato, onde a pessoa é punida apenas com base naquela única conduta que cometeu, isso porque a sociedade pende, cada vez mais, para um modelo garantista, onde o condenado deve ser punido pelo que cometeu, são poucos os países que ainda julgam o acusado por ter cometido uma ou mais condutas que nem são concatenadas. Assim, não há previsão de culpabilidade de uma forma geral a alguém, mas esse alguém deve ter merecido a punição, proporcionalmente à sua conduta criminosa, mesmo que, em alguns países, tenha previsão de pena de morte. 

Desta forma, a culpabilidade do agente deve ser relacionada a um fato determinado, provocado por ele próprio, e não a sua personalidade e/ou da maneira com que convive na sociedade, até porque, se fosse para assim pensar, a culpa também recairia sobre a sociedade, a qual não dispõe de um meio adequado de subsistência à todos os seus cidadão, o qual é a causa para a maioria dos delitos cometidos. 

Nesse sentido, ZAFFARONI-PIERANGELI[3]:

“um Direito que reconheça, mas que também respeite, a autonomia moral da pessoa jamais pode penalizar o ser de uma pessoa, mas somente o seu agir, já que o direito é uma ordem reguladora de conduta humana. Não se pode penalizar um homem por ser como escolheu ser, sem que isso violente a sua esfera de autodeterminação”.

Os que defendem um Direito Penal do autor acabam por entender que o indivíduo deveria ser punido antes mesmo de cometer qualquer crime, já que o seu modo de vida ou características inerentes à ele levariam todos a crer que ele é culpado. Porém, isso acabaria por permitir uma regressão social, ao ano de 1876, compartilhando do mesmo pensamento de Lombroso, que considerava a existência de um "criminoso nato", ou seja, através da análise das características pessoais de alguém era possível definir se aquela pessoa era voltada para o cometimento de crimes.

Entretanto, apesar do pensamento discriminatório, pode-se dizer que Lombroso exerceu influência positivas em âmbito mundial, pois foi um dos precursores a batalhar pela implantação de políticas públicas como forma de medidas preventivas ao crime, como a educação, a iluminação pública e o policiamento ostensivo, em razão disso, basta dizer que na América Latina, encontramos até os anos 1930 seguidores da Escola antropológica italiana[4].

3. O Direito Penal do autor nos dias atuais

Na verdade, o Direito Penal do autor não é fenômeno que deve ser afastado por completo do ordenamento jurídico, mas deve ser usado de forma equilibrada na sociedade atual.

O vetor deve ser sempre o Direito Penal do fato, no qual o agente do crime deve ser punido pelo que praticou, porém, algumas disposições devem ser invocadas, até porque, se assim, fosse, também estar-se-ia provocando a sociedade para que mais delitos fossem cometidos.

O que não se pode é exacerbar na aplicação do fenômeno, fazer uso desregrado do Direito Penal do autor, quando a legislação tiver uma lacuna para isso. Institutos do Direito Penal tais como análise de antecedentes na aplicação da pena não demonstram que o Direito Penal é utilizado de forma cruel e desumana, mas sim que o agente não pode cometer delitos desregradamente, sem ser punido por isso, até porque, como foi dito anteriormente, as Constituições estão, cada vez mais, dando ênfase ao garantismo.

Ocorre que, atualmente, verifica-se casos em que o Estado, aproveitando-se do seu ius puniendi, e, ainda, do clamor social – já que a sociedade ainda apresenta características bem discriminatórias em relação a um delinqüente – acaba por exasperar na aplicação do Direito Penal do Autor.

Diversos casos concretos apresentam-se, onde o autor do delito, ante sua personalidade ou conduta social, acaba por não conquistar todos os direitos fundamentais a que faz jus, previstos Constitucionalmente. É comum verificar, no Brasil, por exemplo, que alguém com uma conduta enormemente reprovável na sociedade, ficou preso preventivamente por muito mais tempo do que o previsto e mais, ao analisar os fundamentos, o acusado nem deveria ter sido preso preventivamente, pois ausente os requisitos da medida preventiva.

No Brasil, há jugados que invocam o direito penal do autor, conforme demonstra-se no julgamento do Habeas Corpus n° 192242[5], onde pedia-se o trancamento da ação penal, com base no Princípio da Insignificância, pois um policial militar foi acusado de furtar uma caixa de chocolate. A Quinta Turma do Superior Tribunal de justiça teria entendido que, embora a lesão jurídica provocada seja inexpressiva, a conduta do agente é altamente reprovável, visto ser um policial militar e estar fardado no momento do furto. De acordo com a denúncia, o policial teria pago somente por três maçãs, três bananas e uma vitamina, porém saiu do estabelecimento comercial sem pagar o chocolate. Ele teria sido surpreendido somente com quatro unidades de bombons, porque já teria ingerido as demais. O valor, segundo a defesa, seria o equivalente a R$ 0,40 (quarente centavos) à época. O Ministro do Superior Tribunal de Justiça teria embasado seu voto no fato de que para um fato típico (conduta lesiva a determinado bem jurídico) na esfera penal, devem ser levados em consideração três aspectos: o formal, o subjetivo e o material. O formal consiste na adequação da conduta ao tipo previsto na lei penal; o subjetivo, refere-se ao estado psíquico do agente; e o material, a um juízo de valor para aferir se determinada conduta possui relevância penal

Por esses e outros casos observados, verifica-se que é preciso mudar a visão do Direito Penal e colocar o fato delituoso ao lado e por cima da pessoa do agente. Para isso, além de ter que ser revista a legislação infraconstitucional vigente, é preciso que ela seja corretamente aplicada pelos Tribunais. Mesmo que se esteja diante de uma sociedade democrática, o supraprincípio da Dignidade da Pessoa Humana sempre deve ser colocado no ápice da pirâmide, e aplicado com veemência. 

4. Conclusão

Das breves considerações realizadas, é possível concluir que o Direito Penal do Autor é aquele em que não se preocupa com a conduta realizada pelo agente, mas sim pelo que ele é, pela sua personalidade. Na verdade, o Direito Penal do autor identifica o deliquente pelo aspecto biológico e interno, não pela conduta ilícita que venha a violar o bem jurídico protegido.

O presente artigo ressalta a relação do Direito Penal do Autor com a Escola Positivista e o pensamento de Cesare Lombroso, médico italiano o qual criou a teoria de “delinqüente nato”, onde entende que o crime origina-se da conduta interna de um indivíduo, ou seja, dentro da própria natureza humana que se pode descobrir a causa dos delitos. Para Lombroso, o Delito não é visto como uma conduta externa praticada, mas é praticado por aquele que já nasceu para delinqüir.

Apesar do terrível pensamento do antropólogo Lombroso, o trabalho vai identificar características positivas de seu pensamento, como a luta pela implementação de diversas políticas públicas.

Vislumbra-se que, atualmente, o Direito Penal do fato é o que deve vigorar nos ordenamentos jurídicos das sociedades, tendo em vista a característica de globalização dos direitos humanos, difundidas em todo o mundo. O Direito penal do autor viola princípios de direitos fundamentais, bem como o suprapríncípio da Dignidade da Pessoa Humana.

Sustenta-se, ainda, que, atualmente, o Direito Penal do autor possui resquícios no sistema jurídico-penal de muitos países, diante de vários institutos como a análise de antecedentes criminais.

Certo é que, em certos casos, esses detritos de direito penal do autor não devem ser por completo afastados, vez que a presença deves acaba por limitar o crescimento desordenado de condutas nos países, mas sim deve ser feita uma ponderação para utilização desses instrumentos, tanto reformando a legislação, quanto obedecendo-a, nos casos em que os Tribunais excedem do seu ius puniedi.

 

Referências
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Notas:
[1] ZAFFARONI, Eugenio Raúl; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro.Derecho penal: parte general. 2. ed. Buenos Aires: Ediar, 2002, p. 314
[2] MUZZI, Veridiane Santos. Teorias Antigarantistas – Aspectos do Direito Penal do Autor e do Direito Penal do Inimigo. Disponível em: http://www.lex.com.br/doutrina_24043823_TEORIAS_ANTIGARANTISTAS__ASPECTOS_DO_DIREITO_PENAL_DO_AUTOR_E_DO_DIREITO_PENAL_DO_INIMIGO.aspx . Acesso em: 02/04/2013.
[3] ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Enrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. São Paulo: RT, 1997. p. 119-120.
[4] Wikipédia, a encyclopedia livre. Cesare Lombroso. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Cesare_Lombroso. Acessado em 04/04/2013.

Informações Sobre o Autor

Alessandra Costa da Silva Motta

Advogada; Pós-Graduada em Direito Público pela Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal – UNIDERP; Doutoranda em Direito Penal pela Universidade de Buenos Aires – UBA


Equipe Âmbito Jurídico

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