Sujeito ativo do crime – Definição
É aquele que, de forma direta ou indireta, realiza a conduta descrita no tipo penal. Somente seres humanos podem praticar crimes. Animais, por exemplo, podem ser instrumentos da ação criminosa de alguém, mas não praticam, por si mesmos, crimes (apesar disso, a história registra vários casos de animais que foram condenados penalmente). Por óbvio, seres inanimados e mortos não podem ser sujeitos ativos de crimes. Porém, a doutrina tem admitido cada vez mais a pessoa jurídica como sujeito ativo de crimes.
Autor ou partícipe do crime
O autor executa diretamente a conduta típica, ou, de acordo com a teoria do domínio do fato, tem o controle sobre a ação criminosa. Assim, pode ser autor tanto aquele que realiza o roubo quanto o que comanda a ação criminosa, sem executar diretamente o fato. Co-autor é aquele que realiza a conduta típica ou controla a ação em conjunto com outra pessoa. Partícipe é o agente que apenas colabora na realização da conduta típica, instigando, induzindo ou auxiliando o autor.
Número de sujeitos ativos
Os crimes podem ser unissubjetivos (ou de concurso eventual) e plurissubjetivos (ou de concurso necessário). Os primeiros podem ser praticados por uma ou mais pessoas. É o caso de quase todos os crimes. Ex.: homicídio, furto e lesão corporal. Os crimes plurissubjetivos só podem ser praticados por mais de um agente. Ex.: bigamia, rixa e quadrilha. Às vezes o Código Penal prevê, em tipos unissubjetivos, causas de aumento de pena, quando há o concurso de duas ou mais pessoas. Isso acontece nos crimes de furto, roubo, extorsão mediante seqüestro, etc. No crime de fuga de pessoa presa ou submetida a medida de segurança, existe uma qualificadora quando o crime é cometido por mais de uma pessoa.
Participação de um sujeito ativo específico
Os crimes podem ser comuns, próprios ou de mão-própria. Os crimes comuns podem ser praticados por qualquer pessoa. Ex.: roubo, rixa e injúria. Os crimes próprios requerem a participação de um agente que tenha uma característica especial, que pode ser natural (ex.: gestante, no crime de auto-aborto) ou jurídica (ex.: funcionário público, no crime de peculato). A qualificação do agente pode ser natural ou jurídica. A qualificação natural é inerente ao ser humano e independente da sua vontade, sendo ligada ao sexo, ao parentesco, à nacionalidade e à condição biopsíquica. Assim, alguns crimes devem ser praticados por homens, como o estupro, outros por mulheres, como o auto-aborto. Há outros tipos em que o sujeito ativo deve ter a qualidade de ascendente, como o abandono material. Nos crimes de perigo de contágio venéreo e de perigo de contágio de moléstia agrave, o sujeito ativo deve ser o enfermo. Os crimes de fraude de lei sobre estrangeiros e de reingresso de estrangeiro expulso só podem ser praticados por estrangeiros. Todos os crimes omissivos próprios (ou comissivos por omissão) são crimes próprios, pois devem ser praticados pelo agente que tem a função de garantidor da não ocorrência do resultado. Porém, podem ser cometidos conjuntamente com particulares. Assim, se um particular furta bens de uma repartição pública juntamente com um funcionário público, aquele responderá também por peculato-furto. O terceiro pode agir em participação ou em co-autoria com o agente. No caso do crime de mão-própria, somente o próprio agente pode executá-lo, mas admite-se a participação de terceiros. Ex.: somente a testemunha, o perito, o intérprete e o tradutor podem executar o crime de falso testemunho, mas um terceiro também pode participar do crime.
Da capacidade penal especial em face de normas permissivas
Em determinados casos, a lei penal considera que não há crime ou não há pena quando uma pessoa com qualificação específica realiza o ato. Assim, só há aborto legal (sentimental ou terapêutico), quando praticado por médico; nos crimes contra o patrimônio ocorre escusa absolutória (causa de exclusão da pena) quando o agente comente o crime em prejuízo de cônjuge (na constância da sociedade conjugal), de ascendente ou de descendente.
Imputabilidade
De acordo com a teoria bipartida, que considera o crime como fato típico e ilícito, os inimputáveis (menores de 18 anos, alienados e retardados mentais) podem ser sujeitos ativos de crimes, pois a culpabilidade, da qual faz parte a imputabilidade, seria apenas pressuposto de aplicação da pena. Porém, a maior parte da doutrina nacional e internacional considera o crime como fato típico, ilícito e culpável (teoria tripartida). Nesse sentido, os inimputáveis não cometem crimes. Os menores de 18 anos são julgados de acordo com a legislação específica (Estatuto da Criança e do Adolescente) e cometem atos infracionais. Já os alienados e retardados mentais são julgados de acordo com o Código de Processo Penal, mas requerem um curador para representá-los, e não podem ser condenados. Caso o juiz considere que foi cometido um fato típico e ilícito, o réu deverá receber uma sentença de absolvição imprópria, sendo submetido a uma medida de segurança e não a uma pena. Sobre o assunto, vide o artigo “Imputabilidade”, disponível em http://www.alexandremagno.com/read.php?n_id=201 .
Sujeito ativo do crime – Denominações legais e doutrinárias
No Código Penal, é chamado de agente; no Código de Processo Penal, é chamado de indiciado, durante o inquérito policial; de réu ou acusado, durante o processo; de querelado, no caso de ação penal privada; e de condenado, depois da sentença condenatória transitada em julgado. Doutrinariamente, o sujeito ativo é chamado de criminoso, delinqüente, denunciado, sentenciado, preso, recluso e detento.
Sujeito ativo do crime – Pessoa jurídica
A possibilidade de a pessoa jurídica ser considerada como sujeito ativo de crime é tema bastante controverso na doutrina. Tradicionalmente, têm-se considerado que a pessoa jurídica não tem existência real (teoria da ficção jurídica, de Savigny e Ihering) e que, por isso, não pode cometer crimes. Porém, em vários países, considera-se que ela tem existência real (teoria da realidade, de Otto von Gierke), e que, portanto, pode cometer crimes. A Constituição de 1988 adotou esta última teoria em duas ocasiões: no art. 173, § 5° (“atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular”) e no art. 225, § 3° (“condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente”). Ambos artigos são normas constitucionais de eficácia limitada, ou seja, requerem regulamentação infralegal para que se tornem eficazes. Apenas o art. 225 foi regulamentado, por meio da Lei 9.650/98 (Lei de Crimes Ambientais), que prevê penas específicas para pessoas jurídicas. Essa lei adotou o sistema da dupla imputação, de acordo com o qual a responsabilidade da pessoa jurídica não exclui a do ser humano que comete o crime.
Sujeito ativo nos crimes contra o sistema financeiro nacional
O art. 25 da Lei 7.492/86, que prevê os crimes contra o sistema financeiro nacional, considera penalmente responsáveis por esses crimes “o controlador e os administradores da instituição financeira, assim considerados os diretores, gerentes”. O § 1° equipara a eles, “o interventor, o liquidante ou o síndico”. Trata-se de uma hipótese de responsabilidade objetiva do sujeito ativo, ou seja, essas pessoas podem ser responsabilizadas mesmo que não tenham agido com dolo ou culpa. Porém, a doutrina considera que a responsabilidade penal só pode ser subjetiva, ou seja, mesmo, nesse caso, os citados sujeitos só seriam responsabilizado se agissem com dolo ou culpa.
Jurisprudência selecionada
Supremo Tribunal Federal
“4. No caso concreto, discute-se hipótese de condenação por prática de crime societário (Lei nº 7.492/1986, art. 4º, c/c o art. 25). A rigor, trata-se de delitos que admitem cometimento por mais de um sujeito ativo.” (HC 85017 / MG)
“EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO CRIMINAL. HOMICÍDIO. CRIME PRATICADO POR ÍNDIO CONTRA ÍNDIA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM. Não havendo disputa sobre direitos indígenas, a competência para processar e julgar as causas em que envolvido indígena, seja como sujeito ativo ou sujeito passivo do delito, é da Justiça estadual.” (AI-AgR 496653 / AP)
“CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. ART. 17 DA LEI 7.492/1986. CIRCUNSTÂNCIA DE CARÁTER PESSOAL. ELEMENTAR DO CRIME. ART. 30 DO CÓDIGO PENAL. Rejeitada a alegação de que o crime tipificado no art. 17 da Lei 7.492/1986 é próprio quanto ao sujeito ativo. Aplicação do art. 30 do Código Penal.” (HC 84238 / BA)
“CRIMINAL. HABEAS CORPUS. ART. 342, § 2º, DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO. ‘TERMO DE DECLARAÇÕES’. CARACTERIZAÇÃO DE FALSO TESTEMUNHO. Circunstâncias do caso pelas quais se afasta a alegação de que o paciente, ao narrar fatos em inquérito policial, fizera-o na condição de mero declarante: equiparação de declarante a testemunha.” (HC 83254 / PE)
“EMENTA: HABEAS-CORPUS. POLICIAL MILITAR. CONDUTA RELACIONADA COM ATUAÇÃO FUNCIONAL. CRIMES TAMBÉM DE NATUREZA PENAL MILITAR. COMPETÊNCIA RECONHECIDA. 1. Policial militar. Existência de delitos tipificados ao mesmo tempo no CP e no CPM. Condutas que guardam relação com as funções regulares do servidor. Crime militar impróprio. Competência da Justiça Militar para o julgamento (CF, artigo 124)”. (HC 82142 / MS)
Superior Tribunal de Justiça
“2. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento firmado nosentido da possibilidade de funcionário público ser sujeito ativo docrime de desobediência, quando destinatário de ordem judicial, sob pena de a determinação restar desprovida de eficácia.” (REsp 556814 / RS)“5. A insurgência não se funda em dissídio jurisprudencial sobre quempode ser sujeito ativo do crime de gestão fraudulenta diante da abrangência do termo “gerente” previsto no art. 25, da Lei n.º 7.492/86, pois, nesse contexto, o Tribunal a quo, em consonância com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, reconhece que pode ser sujeito ativo do crimes contra o sistema financeiro nacional apenas os funcionários com efetivo poder de mando na administração das instituições financeiras.” (REsp 823056 / PR)“12. O crime de usurpação de função pública, em não se tratando de crime próprio, pode ser praticado por funcionário público, desde que usurpe função estranha à sua.13. ‘Sujeito ativo do crime, na conformidade da epígrafe do capítulo em que figura o art. 328, há de ser o particular (extraneus); mas é bem verdade que a este se equipara quem, embora sendo funcionário público, não está investido na função de que se trate. Como justamente adverte Sabatine (ob. cit., pág. 403), o funcionário que usurpa função estranha à sua ‘agisce come um qualsiasi privato, anche se indirettamente si possa prevalere della qualittà di pubblico ufficiale per commettere il delitto’.’ (Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, vol. IX, 2ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 1959, pág. 409).” (Apn 329 / PB)“CRIMINAL. RESP. PREFEITO MUNICIPAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. CRIME COMUM. DOLO GENÉRICO. ANIMUSREM SIBI HABENDI. COMPROVAÇÃO DESNECESSÁRIA. RECURSO PROVIDO. I. O delito de apropriação indébita de contribuições previdenciárias, em que o Prefeito foi denunciado não exige qualidade especial do sujeito ativo, podendo ser cometido por qualquer pessoa, seja ela agente público ou não.” (REsp 770167 / PE)“HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. 1. Desprovida de vontade real, nos casos de crimes em que figure como sujeito ativo da conduta típica, a responsabilidade penal somente pode ser atribuída ao homem, pessoa física, que, como órgão da pessoa jurídica, a presentifique na ação qualificada como criminosa ou concorra para a sua prática.” (HC 38511 / GO)
Procurador do banco Central em Brasília e professor de Direito Penal e Processual Penal na Universidade Paulista
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