Resumo: O objetivo geral é analisar o dano moral frente aos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade. Diante o atual arquétipo constitucional no qual está estruturado o Estado brasileiro e suas instituições, exige-se uma reconstrução do papel da ordem jurídica e do Estado no que tange ao novo Contexto do Estado Democrático de Direito. Evidentemente, que o Direito Privado não pode ficar refratário desta nova conjuntura, de forma que as suas estruturas devem ser revistas de forma a atender os novos paradigmas inseridos na Constituição de 1988. Nesta acepção, o Instituto do Dano Moral ganhou força e expansão no arcabouço jurídico brasileiro. Daí verifica-se a necessidade de uma releitura do Dano Moral a partir de sua atual modelagem no sistema, ou seja, faz-se imperioso o entendimento de sua expansão e crise frente ao marco teórico do Direito Civil-Constitucional.
Palavras-chave: Dano Moral. Expansão. Crise.
Súmario: Introdução. 1. Da Expansão à Crise do Dano Moral. 2. Uma releitura crítica. 3. O atual contexto do Dano Moral. 4. Hipótese para Crise. Conclusão.
Honest vivere, alterum non laedare, suum cuique tribuere.[1]
Introdução
Certamente, que cada vez mais, o Instituto do Dano Moral tem ganhado destaque no cenário jurídico, evidentemente, que esta situação é corolário de um novo ordenamento jurídico constitucional que se estruturou de forma a privilegiar a pessoa na sua totalidade, de maneira a preservar a sua dignidade[2] frente aos outros membros da sociedade, uma vez que faz parte também deste arcabouço jurídico a solidariedade, em outras palavras, o novo sistema constitucional de 1988 teve como principais “vigas mestras” o princípio da dignidade da pessoa humana (Art. 1.º, III, CRF/88) e da solidariedade (art. 3.º, I, CRF/88).
Com efeito, os contornos atuais do dano moral deve, antes de qualquer coisa, se introduzir em um formato constitucional, sob pena de não atender as diretrizes máximas do ordenamento jurídico brasileiro, ou seja, faz-se necessária uma releitura de todo o Direito Privado (incluindo é claro o Dano Moral), a partir dos postulados constitucionais que deverão oferecer norte a aplicação das normas no caso concreto.
Por certo é que o Direito Privado deve sintonizar seus horizontes a Carta Magna de 1988, já que caminho diferente não pode ser percorrido, uma vez que a centralidade do ordenamento jurídico brasileiro passou a ser a pessoa em si considerada na sua integralidade, por consequência, o patrimônio tendeu a ser fator favorecedor acessório da manutenção e do progressivo prestígio da dignidade da pessoa humana, e não mais como uma engrenagem principal do sistema jurídico (Personificação do Direito Civil). A constitucionalização do Direito Privado provocou o fenômeno da despatrimonialização do Direito Civil, como bem explica as palavras de Perlingieri (2007, p. 33):
“Com o termo, certamente não elegante, ‘despatrimonialização’, individua-se uma tendência normativa-cultural; se evidencia que no ordenamento se operou uma opção que lentamente, se vai concretizando, entre personalismo (superação do individualismo) e patrimonialismo (superação da patrimonialidade fim a si mesma, do produtivismo, antes, e do consumismo, depois, com valores)”.
A rigor, o patrimônio deve se sistematizar como elemento de contribuição para a conquista do bem estar da pessoa humana com vistas à formatação de uma vida digna. Distinta não poderia ser tal acepção, já que o patrimônio não mais se configura um fim em si mesmo (PERLINGIERI, 2007). A propriedade privada, agora, deve, indubitavelmente, desfilar-se de sua sina egoísta e individualista própria do Estado Liberal e ganhar nova fardagem na qual se adeque ao novo paradigma do Estado Democrático de Direito[3]. Assim, a função social deve perfazer parte obrigatória do corpo da propriedade privada e dos contratos, ao contrário, volveria em caminho desconexo com a nova ordem constitucional brasileira.
Não se negue que numa sociedade plural como a nossa tem-se que tais parâmetros não são tão fáceis de serem concebidos na prática, não obstante efetivamente necessários à construção gradativa de uma sociedade cada vez mais justa e solidária, pois o sistema jurídico pátrio deslocou o foco de atenção do “ter” para o “ser”. Como se vê, tanto no contexto do dano moral, como “[…] em todos os outros campos do direito privado, o que se verifica é um choque entre velhas estruturas e novas funções.” (SHREIBER, 2012, p. 7).
E, é exatamente neste contexto que se busca o estudo do dano moral a partir de uma releitura crítica pautada pelos princípios constitucionais (especialmente pela dignidade da pessoa humana e solidariedade), frente uma sociedade plural, a fim de reconhecer os avanços e a crise[4] do instituto do dano moral no contexto do Estado Democrático de Direito, em outras palavras, é necessário compreender o passado, o presente e o futuro do dano moral para que haja a formulação novas propostas condizentes com o novo contexto social.
1 Da Expansão à Crise do Dano Moral
A inserção, no direito positivo[5], da reparação do dano moral no sistema jurídico a nível constitucional (Art. 5.º, V e X, CRF/88) se demonstrou filiada aos fundamentos do Estado Democrático de Direito, e nesta mesma acepção a Constituição de 1988 igualmente abarcou e exaltou a órbita dos direitos da personalidade, mormente, inspirada pelo supraprincípio da Dignidade da Pessoa Humana. Segundo o ensinamento de Judith Martins-Costa, integram e caracterizam a dignidade da pessoa humana, no campo da responsabilidade civil interesses constitucionalmente garantidos como:
“[…] a vida privada, a intimidade ou direito de estar só, consigo mesmo, a dor e os afetos, as expectativas de vida e os projetos existenciais, a imagem social e a auto estima, a estética, as criações do intelecto em seus aspectos não patrimoniais, a honra e o nome.” (MARTINS-COSTA, 2002, p. 416).
De tal modo, não resta duvida, que com a Carta Magna de 1988 houve a inserção de um novo paradigma que se direcionou a prestigiar e muito o instituto do dano moral, e por consequência natural, culminou com a ampla expansão em seu campo. Antes de 1988, a utilização da responsabilidade civil em regra abarcava quase sempre a proteção máxima da esfera patrimonial, logo após, com a entrada em vigor da Constituição de 1988, resultado de uma longa batalha doutrinária e jurisprudencial, a utilização da responsabilidade civil tornou-se um instrumento para a proteção dos interesses existenciais. Neste ponto, interessante é a ponderação feita por Caio Mário da Silva Pereira (1990, p. 65), in verbis:
“A Constituição Federal de 1988 veio pôr uma pá de cal na resistência à reparação do dano moral. (…) Destarte, o argumento baseado na ausência de um princípio desaparece. E assim, a reparação do dano moral integra-se definitivamente em nosso direito positivo. (…) Com as duas disposições contidas na Constituição de 1988 o princípio da reparação do dano moral encontrou o batismo que a inseriu em a canonicidade de nosso direito positivo. Agora, pela palavra mais firme e mais alta da norma constitucional, tornou-se princípio de natureza cogente o que estabelece a reparação por dano moral em nosso direito. Obrigatório para nosso juiz”.
A reparação do dano moral, expressamente garantida no texto constitucional, não apenas ganhou amparo, mas se revelou como um dos mais importantes mecanismos de proteção concreta da dignidade da pessoa humana (MORAES, 2009, passim).
Entretanto, hoje em dia, este também é campo de demasiada expansão e crise, configurando um verdadeiro paradoxo. Se de um lado a inserção do dano moral a nível constitucional demonstrou alto ganho de toda a sociedade por tutelar interesses existenciais atinentes à pessoa humana, de outra esteira novos desafios surgiram neste contexto. De acordo com Shreiber (2012, p. 90), “abre-se, deste modo, diante dos tribunais de toda a parte o que já denominou de ‘o grande mar’ da existencialidade, em uma expansão gigantesca, e, para alguns, tendencialmente infinita das fronteiras do dano ressarcível”.
Hoje no Brasil, verifica-se de maneira efetiva que
“Seja pelo significativo desenvolvimento dos direitos da personalidade, seja pelas vicissitudes inerentes a um instituto que só recentemente tem recebido aplicação mais intensa, a doutrina vem apontando uma extensa ampliação do rol de hipóteses de dano moral reconhecidas jurisprudencialmente”. (MORAES, 2009, p. 165).
Segundo explica Schreiber (2012), o número de ações de indenização aumenta a cada ano, com base em pesquisa realizada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça entre os anos de 2001 a 2005, o número de ações de indenização por danos morais que chegavam, mensalmente, à corte cresceu quase sete vezes, subindo de 145 ações por mês para 974 até meados de 2005.[6]
Deveras a expansão das circunstâncias que passaram a culminar na reparação do dano moral se mostram tanto no aspecto quantitativo[7] como qualitativo. Diversos são os fatores que incrementaram este novo viés, dentre elas, pode-se destacar algumas: A criação das Leis 9.099/95 e 10.259/01, Justiça gratuita, um melhor grau de instrução escolar, novas tecnologias de informação em massa, entre outras.
Ao mesmo tempo, acredita-se que vivemos numa sociedade de risco, pois
“La sociedad moderna se ha convertido en una sociedad del riesgo en el sentido de que cada vez está más ocupada debatiendo, previniendo y gestionando los riesgos que ella misma ha producido. Muchos objetarán que bien puede ser así pero que el tratamiento de los riesgos es más bien indicativo de una cierta histeria y de unas políticas basadas en el miedo e instigadas y agravadas por los medios de comunicación.”. (BECK, 2007, p.6).
E assim projetam novas tendências da responsabilidade civil como a flexibilização do nexo causal, o crescente desprestígio do elemento subjetivo e por consequência o crescimento da aplicação da teoria do risco[8].
Ao lado do fenômeno fático relativo ao aumento do potencial lesivo da sociedade, fenômenos próprios do direito e de sua evolução contribuem para a expansão acentuada da responsabilidade civil. Segundo afirma Schreiber (2012) dentre os fenômenos jurídicos, sem dúvida, o que assume maior relevância é a ampliação do conceito jurídico de Dano.
A reconstrução do elemento dano na teoria da responsabilidade civil, a doutrina tem denominado como “Novos Danos”, nesta mesma vertente, o professor Antonio Junqueira de Azevedo (2004, p. 377) defende “[…] uma nova categoria de dano na responsabilidade civil: o dano social”.
Lado outro, a tensão do instituto dano moral é inegável, frente às diversas tormentas constadas no dia a dia, entre as mais debatidas destacam-se: A problemática do cabimento do dano moral e sua fixação em pecúnia; Tarifação; “Punitive damages”; Dano reflexo; Perda de uma chance; Dano moral coletivo; Dano moral na esfera familiar; Reparação integral; “Dammum in re ipsa”; Banalização/indústria do dano moral; Dano moral à pessoa jurídica; Danos morais ao nascituro, dentre outros.
Um desses pontos mais controversos é no tocante ao quantum da reparação do dano moral. Se de um lado não se tem a tarifação como mecanismo ideal no novo sistema civil-constitucional; em outra esfera tem-se notado certa “incerteza jurídica”, já que no atual contexto do Estado Democrático a segurança jurídica, no Direito Privado, guarda, hoje em dia, íntima amarração com o princípio da justiça social e do solidarismo social.
Contudo, fenômeno esse decorrente da pluralidade “[…] caracterizadora da sociedade moderna, não pode deixar de ser invocada como catalisador da complexidade que atinge as questões existenciais. Dessa maneira, não há que se falar em solução adequada se o seu destinatário não for tomado em sua particularidade […]”. (SÁ; PONTES, 2009, p. 38/39).
Desse modo, percebe-se a necessidade de busca de novos remédios para a crise do dano moral e de uma melhor compreensão de sua extensão no atual contexto, pois “Ao contrário das regras estáveis e seguras que viriam sugeridas pela importância e utilidade da responsabilidade civil, o que se tem é um terreno movediço, caracterizado pela incerteza e pela mutabilidade.” (SCHREIBER, 2012, p. 3).
2 Uma releitura crítica
Nesta perspectiva, certamente é preciso recolocar o direito, a fim de compreendê-lo, pois
“Se outros são os tempos, outro deve ser o olhar que sobre ele se descortina, desde que, a quem olha, não falte o espírito crítico comprometido com a realidade que o circunda e com os ideais que reclamam mudança”. (HIRONAKA, 2005, p. 114).
E, é exatamente por tais motivos que aqui se justifica, indubitavelmente, uma releitura crítica do dano moral no ordenamento jurídico vigente, porquanto, se hoje o presente paradigma do Estado Democrático de Direito superou a concepção de um Direito Privado baseado predominante no patrimonialismo. De maneira que o Código Civil não configura mais o centro do sistema do Direito Privado, mas sim a Constituição de 1988, faz-se necessário um estudo do dano moral a partir desta nova concepção.
Diante dessa nova conjetura, é essencial delimitar parâmetros para o dano moral, situação que encontra grande dificuldade em razão da linha tênue que existe entre o dano moral indenizável daquele que é apenas mero dissabor, com fins de evitar a banalização do dano moral, e o enriquecimento sem causa do indivíduo, o poderia levar a uma situação extrema, na qual todo e qualquer dano seria indenizável.
Se o reconhecimento constitucional do dano moral apresentou progresso por um lado, por outro também mostrou sua crise por esbarrar em estruturas tradicionais. Desta maneira, “Os novos pilares axiológicos e a nova versão epistemológica emergem a exigir a revisão, a reconsideração e a reestruturação do sistema como um todo.” (HIRONAKA, 117, p. 117).
Sendo assim, imprescindível é uma abordagem crítica da responsabilidade civil e por consequência do dano moral, tanto é que o atual contexto desse instituto tem gerado mal-estar e desconfiança daqueles que lidam com o direito. Já que
“Ao lado desta prodigalidade de formulações teóricas se instalaram, também, de modo igualmente pródigo, as mais diferentes tendências jurisprudenciais, com respostas distintas para casos semelhantes, com respostas semelhantes para casos distintos e com idênticas respostas para casos semelhantes ou não, mas oriundas de fundamentação diversa. O século XX – não há como negar – produziu uma verdadeira torre de Babel, em termos de apreciação, análise e aplicação da responsabilidade civil”. (HIRONKA, 2005, p. 119).
Perante às novas ocorrências e exigências da pós-modernidade[9], é imprescindível e justificável a reconstrução teórica da responsabilidade por danos morais.
3 O atual contexto do Dano Moral
Antes de percorrer o atual contexto do dano moral, especificamente, é imperioso entender a situação do próprio direito:
“A transformação é tão intensa que não permaneceu despercebida; a crise instalou-se. Na esfera do direito – do direito privado, pelo que aqui interessa – impôs-se prontamente uma nova consciência moral, a ditar urgência de revisão de conceitos, de institutos, de estruturas e de valores, a favor de uma mentalidade ética bem distinta daquela para quem a arquitetura jurídica do passado houvera sido desenhada e por força da qual o traço da solidariedade social e o traço da dignidade individual passaram a realizar sadio percurso paralelo. Por este viés desenha-se, por assim dizer, o estado da arte do direito como ciência e talvez como arte”. (HIRONAKA, 2005, p.115/116). Grifo nosso.
Parece que mesma sorte percorre o dano moral no atual momento da sociedade brasileira já que
“Os reflexos desta nova visão personalista do Direito Privado projetam-se sobre todos os seus campos. (…). Na seara da responsabilidade civil, elastecem-se as hipóteses de responsabilidade objetiva, fundadas na teoria do risco, e já ingressam as preocupações com a justiça distributiva, ao lado da lógica tradicional fundada na justiça comutativa”. (SARMENTO, 2008, p.75). Grifo nosso.
Para compreensão do dano moral hoje, necessário se faz entender a sua evolução no ordenamento jurídico pátrio. Nesta linha, Sérgio Cavalieri Filho (2007, p. 81) explica:
“Numa primeira fase negava-se a ressarcibilidade ao dano moral, sob fundamento de ser inestimável. Chegava-se, mesmo, ao extremo de se considerar imoral estabelecer preço para a dor. Aos poucos, entretanto, foi sendo evidenciado que esses argumentos tinham por fundamento um sofisma, por isso que não se trata de um pretium doloris, mas de simples compensação, ainda que pequena, pela tristeza injustamente afligida à vítima. Com efeito, o ressarcimento do dano moral não tende à restitutio integrum do dano causado, tendo mais uma função satisfatória, com a qual se procura um bem que recompense, de certo modo, o sofrimento ou a humilhação sofrida”.
Outras leis, após a Constituição de 1988, abarcaram normas características da reparação por danos morais, tais como o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), o Código de Ética do Servidor Público (Decreto 1.171/94), a Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/98) e, ainda, e no art. 6º, incs. VI e VII do Código de Defesa do Consumidor.
A Constituição democrática de 1988 consagrou o princípio da dignidade da pessoa humana como um dos princípios fundamentais do ordenamento, sendo que a lesão ou possível lesão a esse princípio acarreta em dano moral. Daí as infinitas possibilidades de dano moral, visto que a “proteção à pessoa está posta como um todo” (MORAES, 2009, p. 76). Nesta acepção, o instituto do dano moral passou a ser instrumento de valorização da dignidade da pessoa humana, alargando, pois, a noção de sujeito de direito, que até então era insuficiente para alcançar as pessoas desprovidas de patrimônio tangível.
Embora o Código civil seja datado de 2002, os dispositivos relativos à disciplina da Responsabilidade Civil não estão devidamente atualizados, com bem observa Maria Celina Bodin de Moraes (2009, p. 253):
“Não obstante o Código Civil seja novo e seus dispositivos relativos à responsabilidade civil tenham sido relativamente atualizados, sua disciplina normativa é, como se sabe, muito mais resultante de um conjunto de soluções jurisprudenciais conjunturais do que fruto do pensamento científico-doutrinário estruturado, voltado para a elaboração de um modelo coerente e integrado”.
Em outra vertente, no Congresso Nacional existem alguns projetos de leis que visam regular a disciplina do dano moral, tais como Projeto de Lei 7124/2002 (Dispõe sobre danos morais e sua reparação), Projeto de Lei 1443/2003 (Estabelece critérios para a definição do dano moral), Projeto de Lei 334/08 (Regulamenta o valor das indenizações por dano moral) e Projeto de Lei 523/11, que pretende instituir regras a respeito das reparações por danos morais.
Diante da insuficiência do Código Civil no que tange ao dano moral, é preciso analisar o novo conceito de dano moral, sua natureza jurídica, mensuração ou quantificação, e ainda a questão da banalização sob esta perspectiva constitucionalizada.
A III Jornada de Direito Civil, há o Enunciado n.º 159 do CJF, que possui a seguinte redação: “O dano moral, assim compreendido todo o dano extrapatrimonial, não se caracteriza como mero aborrecimento inerente a prejuízo material”.
Nas lições de Carlos Roberto Gonçalves (2008, p. 359):
“Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, a intimidade, a imagem, o bom nome, etc., como se ifere dos arts. 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação”.
Interessantes são as palavras de Maria Celina Bodin de Moraes (2009, p. 246):
“Sob esta perspectiva constitucionalizada, conceitua-se o dano moral como a lesão à dignidade da pessoa humana. Em conseqüência, ‘toda e qualquer circunstância que atinja o ser humano em sua condição humana, que (mesmo longinquamente) pretenda tê-lo como objeto, que negue sua qualidade de pessoa, será automaticamente considerada violadora de sua personalidade e, se concretizada, causadora de dano moral.(…)’. Dano moral será, em conseqüência, a lesão a algum desses aspectos ou substratos que compõem, ou conformam, a dignidade humana, isto é, a violação à liberdade, à igualdade, à solidariedade ou à integridade psicofísica de uma pessoa humana”.
Já Yussef Said Cahali (2009, p. 33) destaca que o dano moral seria
“[…] tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado, qualifica-se, em linha de princípio como dano moral; não há como enumerá-los exaustivamente, evidenciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido; no desprestígio, na desconsideração social, no descrédito á reputação, na humilhação pública, no devassamento de privacidade; no desequilíbrio da normalidade psíquica, nos traumatismos emocionais, na depressão ou no desgaste psicológico, nas situações de constrangimento moral”.
Quanto à natureza jurídica do dano moral, situação controversa se coloca na Doutrina e Jurisprudência. Segundo Paulo Sanseverino (2011, p. 273), na jurisprudência do STJ, em diversos julgados tem-se afirmado a dúplice função da indenização por dano moral (compensação e punição), no entanto, não há regulamentação na legislação no que se refere ao reconhecimento do punitive damages, mas é usado como argumento para fundamentar a indenização por danos morais.
Maria Celina Bodin Moraes (2009, p. 263) argumenta que o caráter principal é o compensatório, sendo que o caráter punitivo seria aceito em hipóteses excepcionais: “é de aceitar-se, ainda um caráter punitivo na reparação de dano moral para situações potencialmente causadoras de lesões a um grande número de pessoas, como ocorre nos direitos difusos, tanto na relação de consumo quanto no Direito Ambiental.”
Neste átimo, Adriano Stanley (2001) Rocha afirma que se deve banir do sistema brasileiro a utilização do punitive damages como referencial para arbitramento do dano moral.
Questão outra amplamente discutida é a quantificação da indenização de danos extrapatrimoniais, seus critérios valorativos, parâmetros seguros para fixação da reparação do dano moral.
Tal dificuldade ocorre em razão da própria essência do dano moral, que não possui valor econômico ou patrimonial, e na expressão de Maria Celina Bodin de Moraes (2009) “seria reparar o que é irreparável”, visto que o dano moral trata da lesão a um bem extrapatrimonial protegido pelo ordenamento.
Embora, os sentimentos não possuam valor econômico, a melhor forma de compensação da lesão desses direitos seria pela via econômica, funcionando o dinheiro como sucedâneo, a fim de resguardar a coexistência e a paz social, como explica Wilson Melo da Silva (1955, p. 324):
“Se o objetivo da reparação é a neutralização dos sentimentos negativos, de tristeza e de dor, pela superveniência de sensações positivas, de alegria e contentamento, recorre-se àquilo que pudesse levar ao ofendido essas sensações agradáveis. (…). E o dinheiro, na sua função hedonística, como o diria Ripert, seria ótimo elemento, ótimo favorecedor dessa reparação, pela compensação da dor com a alegria, nos casos de danos morais”.
Existem dois sistemas para a reparação dos danos morais: o sistema aberto ou livre arbitramento e o sistema fechado ou tarifário.
O sistema fechado ou tarifário consiste na pré-fixação legal do valor das indenizações para determinados eventos danosos. Diante da inexistência de critérios, a jurisprudência se socorreu dos critérios trazidos pela antiga Lei de Imprensa (Lei 5250/67) – (muitos doutrinadores já suscitavam a inconstitucionalidade da lei por não ter sido recepcionada pela Constituição de 1988, mesmo antes da decisão de 2009 do Supremo Tribunal Federal em considerá-la inconstitucional – ADPF 130).
A Súmula 281 do Superior Tribunal de Justiça positivou a não aplicação do sistema tarifário em nosso sistema: “A indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa”.
Além desse sistema não ter sido recepcionado pela Constituição de 1988, os doutrinadores tecem diversas críticas à tarifação das indenizações. Neste sentido Aluísio Ruggeri Ré (2007, p. 148) diz que “[…] esse tarifamento não é a melhor forma de se combater a indústria do dano moral, eis que não se coaduna com a moderna sistemática aberta do Direito Privado e inviabiliza a tão almejada ‘ética da situação’”.
De outro lado, o sistema aberto concede ao juiz liberdade para arbitrar o valor da reparação dos danos morais diante do caso concreto, das provas apresentadas, da extensão do dano causado e as condições da vítima, e não há limites pré-fixados. Nestes termos, veja que
“Após a Constituição de 1988 não há mais nenhum valor legal prefixado, nenhuma tabela ou regra a ser observada pelo juiz na tarefa de fixar o valor da indenização pelo dano moral, embora deva seguir, em face do caso concreto, a trilha do bom-senso, da moderação e da prudência, tendo sempre em mente que se, por um lado, a indenização deve ser a mais completa possível, por outro, não pode tornar-se um lucro indevido, o juiz não pode se afastar dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, hoje tidos como princípios constitucionais”. (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 74).
Dessa forma, este sistema reúne mais condições de aferir quanto vale o desgosto emocional causado por um dano, que o legislador que, disciplinando algo para o futuro, tornariam iguais todos aqueles que viessem a sofrer uma lesão moral, sem considerar a situação pessoal de cada vítima e do ofensor, além de não conseguir prever as inúmeras hipóteses de incidência de dano moral. Neste ponto, Maria Celina Bodin de Moraes (2009, p. 331) afirma que
“[…] cada perda e cada dano deverão ser avaliados separadamente, valorizados em relação à pessoa da vítima (pessoalmente, quase se poderia dizer), de modo que de nada servirá produzir uma tabela, por assim dizer fixa, do que hoje se procura não chamar de ‘preço da dor’”.
Claro está que, considerando todas as circunstâncias do caso concreto, tampouco será possível afastar-se demais de algum valor médio, que será resultado da repetição de valores atribuídos a casos semelhantes, controlados pela instância superior.
Alguns doutrinadores e grande parte da jurisprudência indicam critérios para fixação da indenização por danos morais que norteiam a decisão do magistrado, que deverá agir com equidade, bom senso e razoabilidade, tais como a extensão do dano, as condições sócio-econômicas e culturais dos envolvidos, as condições psicológicas das partes e o grau de culpa do agente. Neste sentido:
“a) a gravidade do fato em si e suas conseqüências para a vítima (dimensão do dano);
b) a intensidade do dolo ou o grau de culpa do agente (culpabilidade do agente)
c) a eventual participação culposa do ofendido (culpa concorrente da vítima);
d) a condição econômica do ofensor;
e) as condições pessoais da vítima (posição política, social e econômica).” (SANSEVERINO, p. 283, 2011).
Em razão das inúmeras possibilidades de cabimento de indenização decorrente de dano moral, tem-se acentuado o fenômeno da banalização do dano moral, que o transformou numa verdadeira indústria, com inúmeras formulações de pedidos sem propósito, o que sobrecarrega o já afogado sistema judiciário que se mostra ineficiente para acompanhar tamanha quantidade de ações, como pondera Fábio Ulhoa Coelho (2011, p. 444),
“[…] a banalização da dor é um desvirtuamento da indenização por danos morais, sendo que se sentimentos experimentados não se caracterizam por uma dor tormentosa, excepcional, significativa, não é caso de fixar indenização por danos morais”.
Ultimamente, tem-se apontado como solução para tal crise, a aplicação da litigância de má-fé “ex officio” pelos magistrados, quando da compreensão de que o pleito de dano moral não passa de mera aventura jurídica. E ainda, para que sejam reduzidas as dificuldades que possam advir do julgamento acerca da existência ou não do abalo moral cabe ao juiz empregar a ética, o bom senso, a razoabilidade com o objetivo de resgatar a essência do instituto e desafogar o Judiciário.
Por ora, em verdade, acredita-se que o dano moral está posto como instrumento de resgate da dignidade da pessoa humana. Contudo, é necessária uma melhor compreensão do instituto, principalmente de sua crise, para que desta forma se apontem novos rumos condizentes com a pós-modernidade.
4 Hipótese para Crise
Evidentemente, que não se tem aqui a pretensão de trazer indicativos “mágicos” para crise vivenciada hoje pelo dano moral, longe disso; mas sim a busca do entendimento do instituto do dano moral para uma melhor compreensão de sua conjectura atual. Nesse diapasão, interessante é a pontuação feita por Marcelo Galuppo (2008, p. 105) que leciona que “Uma hipótese é uma solução (provisória) que se dá para um problema, que procura esboçar um nexo significativo entre as variáveis a serem observadas e o próprio fenômeno”.
Noutro giro, se verdadeiramente este é o momento em que
“Vivemos numa sociedade complexa, pluralista e fragmentada, para qual os tradicionais modelos jurídicos já se mostraram insuficientes, impondo-se a ciência do direito a construção de novas e adequadas ‘estruturas de resposta’, capazes de assegurar a realização da justiça e da segurança, em uma sociedade em rápido processo de mudança”. (AMARAL, 2003, p. 63/64).
Não resta dúvida que as respostas tradicionais em relação ao Instituto do dano moral também não mais atendem as necessidades de uma sociedade pós-moderna.
Frente à essa problemática, propõe-se uma construção argumentativa e interpretativa como meio para solução de um caso concreto envolvendo o reconhecimento do dano moral e os contornos de sua reparação. “Para tanto, parte-se do pensamento problemático, de uma coerência de princípios, para se chegar a uma resposta correta perante o caso concreto e para ele”. (DOWORKIN apud RODRIGUES JÚNIOR, 2009, p. 209).
É claro que “reconhecer” a necessidade de novos paradigmas é conditio sine qua non para uma nova proposta de “entendimento” do dano moral no Contexto do Estado Democrático de Direito. Até porque, tão logo
“[…] reconhecemos que esta condição problemática do direito no nosso tempo não exprime senão uma dimensão da nossa própria problemática situação histórica-existencial; situação em que nós mesmos, com todos os sentidos da nossa cultura e herança constituintes, nos pomos em causa até o limite.” (CASTANHEIRA NEVES, 2002, p. 47).
Se de um lado ficou evidente o crescente campo do dano moral na esfera quantitativa e qualitativa, por consequência, também se constata sua crise, principalmente, em relação à chamada “banalização/indústria do dano moral”.
Daí vislumbra-se as seguintes hipóteses: i) uso de critérios de mensuração do quantum do dano moral sob a luz do princípio da dignidade da pessoa humana e da solidariedade, de modo a reconhecer o contexto do pluralismo social; ii) aplicação de sanções administrativas às empresas (contumazes) na violação de direitos dos consumidores[10]; iii) o fomento (pelos menos no âmbito empresarial) de medidas mínimas de prevenção de danos; iv) que a “indenização em dinheiro” seja efetivamente medida subsidiária (art. 947, Código Civil), de forma a privilegiar a tutela específica, quando possível[11], com o objetivo de desenvolver novos mecanismos de reparação; v) reconhecimento da litigância de má-fé nas demandas de reparação de danos inócuas/frívolas e do abuso de direito (art. 187, Código Civil); vi) seguros privados obrigatórios para as atividades lesivas.
Conclusão
Pode-se dizer que, pelo menos num primeiro momento, é necessário o entendimento do instituto do dano moral, sobretudo analisando a evolução, crise e as novas hipóteses de reparação diante dos interesses existenciais atinentes à pessoa humana. Assim, um estudo do passado, presente e quiçá do futuro do dano moral frente aos novos desafios inseridos pelo paradigma da pós-modernidade.
Para tanto, deve haver uma releitura crítica, por meio do método hermenêutico teórico, de maneira descritiva e sistemática, em relação ao dano moral e aos princípios constitucionais que o sustenta no Contexto do Estado Democrático de Direito. Se a Constituição de 1988 implantou modificações substanciais na Teoria da Constituição, na interpretação e operacionalização do Direito, não ficando a realidade do Direito Privado (incluindo é claro o Dano Moral) salva a essas transformações. Nesta seara, muito bem explica Bruno Torquato Naves (2010, p. 81),
“[…] em um Estado, constitucionalmente proclamado como pluralista, a dignidade do ser humano converge para o respeito das várias autonomias reconhecidas. É a coexistência das autonomias – ou a preservação de ‘iguais liberdades fundamentais’, na feliz expressão de Jüngen Habermas – que caracteriza e estrutura o Estado pós-moderno e a releitura do Direito Civil […]”.
É imperioso reconhecer que a reconstrução de paradigmas é condição necessária para que o Direito Privado de hoje se alinhe ao Contexto do Estado Democrático de Direito. Mesma sorte possui o instituto do dano moral que reclama uma nova leitura de suas bases, já que “Não é, de fato, animadora a anárquica variedade de entendimentos e interpretações que permeiam o tratamento judicial do instituto, gerando, não raro, soluções dispares para hipóteses idênticas.” (SCHREIBER, 2012, p. 3).
Notas:
Professor e Coordenador do curso de Direito do Centro Universitário de Formiga-MG. Mestre em D. Empresarial pela UIT e Doutorando em D. Privado pela PUC-MG. Advogado
Professora da UEMG Unidade Cláudio/MG. Mestre em Direito pela UIT. Advogada
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