Resumo: O presente trabalho tem por objeto de estudo o tratamento que é dispensado pela Unidade Experimental de Saúde ao portador de doença mental e a legalidade desse local, bem como uma reflexão sobre o limbo legislativo existente para os menores portadores de doença mental que cometem ato infracional e uma análise sobre a medida de segurança com enfoque em aspectos legislativos.
Palavras-chave: Medida de Segurança. Unidade Experimental de Saúde. Medidas sócio-educativas. Inimputabilidade penal. Legalidade.
Abstract: This work has the object of study the treatment given by the Experimental Health Unit for patients with mental illness and the legality of this place, as well as a reflection on the existing legal limbo for minors with mental illness who commit offenses and an analysis of the security measure focusing on legislative aspects
Keywords: Security Measur., Experimental Health Unit. Social and educational measures. Criminal unaccountability. Legality.
Sumário: Introdução. 1. O que é Medida de Segurança. 1.1. Evolução histórica da medida de segurança. 1.2. Distinções entre pena e medida de segurança. 1.3. Espécies de medida de segurança. 1.4. Da desinternação ou liberação pelo juiz. 1.5 Dos menores de 18 (dezoito) anos. 1.6. Do menor portador de doença mental. 2. Unidade Experimental de Saúde. 2.1. O caso de Champinha. 2.2. Da legalidade. Conclusão.
Introdução
O tema escolhido para esse artigo justifica-se pela existência de controvérsia quanto a legalidade da polêmica Unidade Experimental de Saúde (UES), criada em São Paulo, que abriga ex-menores infratores portadores de doença mental que não foram considerados aptos ao convívio social após o cumprimento da medida sócio-educativa a eles imposta.
Esse trabalho procura fazer uma análise de como se é tratado na legislação penal brasileira os portadores de doença mental que cometem crimes ou ato infracional, fazendo um estudo sobre as medidas de segurança, mostrando através da controversa Unidade Experimental de Saúde que ainda há falhas na regulamentação do tratamento dado ao menor que comete ato infracional em razão de seu distúrbio mental e que, após cumprir a medida sócio-educativa a ele imposta, é considerado inapto ao convívio social, deixando-os em um limbo jurídico, pois não há nenhuma espécie normativa análoga à medida de segurança que possa ser aplicável a eles.
Portanto, se faz pertinente analisar a problemática do tema em questão, uma vez que esses jovens cumpriram a medida a eles imposta, mas precisam de tratamento psiquiátrico adequado, pois não foram considerados aptos a voltar ao convívio em sociedade.
1. O que é Medida de Segurança
Antes de abordar a questão da Unidade Experimental de Saúde, é importante entender como o ordenamento jurídico do Brasil lida com aqueles que comentem crimes e são sentenciados a receber tratamento psiquiátrico por possuírem distúrbios mentais.
No Direito Penal brasileiro há dois tipos de sanções, são elas as penas e a medida de segurança. A pena é o castigo natural imposto pelo Estado quando um sujeito pratica uma infração penal, ou seja, um fato típico, ilícito e culpável. A parte final do artigo 59 do Código Penal assevera que a pena tem como fim a reprovação e prevenção da prática de ilícitos penais.
A pena deverá ser aplicada ao indivíduo imputável, ou seja, aquele possui capacidade para ser responsabilizado por seus atos, portanto deverá ser aplicada ao mentalmente são e ao maior de idade como se verá no decorrer do presente capítulo.
Junto à pena existe o instituto da medida de segurança que é instituto que deverá ser aplicado ao inimputável penal que cometer um crime. Leciona Rogério Greco:
“Ao inimputável que pratica um injusto penal o Estado reservou a medida de segurança, cuja finalidade será levar a efeito seu tratamento. Não podemos afastar da medida de segurança, além da sua finalidade curativa, aquela de natureza preventiva especial, pois que, tratando o doente, o Estado espera que este não volte a praticar qualquer fato típico e ilícito.”[1]
Segundo a inteligência do art. 26 do Código Penal, inimputável é aquele que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de e determina-se de acordo com esse entendimento. É dizer, mesmo que o agente pratique uma conduta típica e ilícita, não será culpável, portanto deverá ser absolvido.
Diante disso, o inimputável e, vale dizer, o semi-imputável em alguns casos (art. 98 do CP), estão sujeitos à medida de segurança de internação em hospital psiquiátrico ou a tratamento ambulatorial até que reste comprovada a cessação de sua periculosidade.
1.1. Evolução histórica da medida de segurança
Enquanto vigeu o Código Penal de 1940, prevalecia na sociedade o sistema do duplo binário, também chamado duplo trilho, no qual a medida de segurança era aplicada ao agente considerado perigoso, que havia praticado um fato previsto como crime, cuja execução se dava início após o condenado cumprir a pena privativa de liberdade ou de condenação à pena de multa (no caso de absolvição) depois de passada em julgado a sentença.
Paulo César Busato e Sandro Montes Huapaya apontam historicamente a evolução para o conceito da formulação do conceito de periculosidade dispondo que a escola Positiva desdenha o livre arbítrio e a culpabilidade do sujeito relacionado ao fato cometido e contrapõe a eles o determinismo para explicar, com base em concepções naturalísticas, a causa dos fatos individuais. O Direito Penal, até o momento centrado no resultado do fato cometido, volta seu interesse à pessoa do delinquente. Aparece nesse contexto a formulação do conceito de periculosidade e se estabelece frente a mesma um mecanismo de atuação consistente na medida de segurança. A medida de segurança, com este enfoque, se relaciona a periculosidade do sujeito, e não com a culpabilidade.[2]
O artigo 77 do Código Penal de 40, com a redação dada pela Lei n°6.416/77, dizia:
“Art.77. Quanto a periculosidade não é presumida por lei, deve ser reconhecido perigoso o agente:
I – se seus antecedentes e personalidade, os motivos determinantes e as circunstâncias do fato, os meios empregados e os modos de execução, a intensidade do dolo ou o grau da culpa, autorizam a suposição de que venha ou torne a delinqüir;
II – se, na prática do fato, revela torpeza, perversão, malvadez, cupidez ou insensibilidade moral.”
Após a reforma penal de 1984, o sistema de duplo binário foi afastado para a adoção do sistema vicariante, ou seja, sistema de substituição, aplicando-se a medida de segurança ao inimputável que houver praticado uma conduta típica e ilícita, porém, não sendo essa conduta culpável. Portanto, o inimputável que praticou um injusto típico deverá ser absolvido, contudo, lhe será aplicado a medida de segurança, cuja finalidade difere da pena, pois a mesma tem caráter curativo.
Pelo o dito e exposto, o indivíduo que for reconhecido como inimputável, deverá ser absolvido, pois o artigo 26, caput, do Código Penal Brasileiro aduz ser isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Ademais, o Código de Processo Penal, em seu artigo 386, VI, com a nova redação que lhe foi dada pela Lei n° 11.690, de 9 de junho de 2008, afirma que o juiz deve absolver o réu se reconhecer a existência de circunstâncias que excluam o crime ou isentem o agente de pena, ou se houver fundada dúvida sobre sua existência.
Na abalizada opinião de Tourinho Filho a doutrina, sem discrepância, entende que, in casu, há verdadeira condenação, porquanto a aplicação daquela medida implica uma restrizione d’indole personale o patrimoniale inflitta per sentenza del giudice (cf. Siracusa, apud Frederico Marques Elementos, cit.,v.3, p. 36). Por isso mesmo, Colin Sanchez, definindo as sentenças condenatórias, conclui afirmando que, por meio delas, o Juiz declara o autor culpable, imponiendole por ello uma pena a uma medida de seguridad (grifo nosso) (cf. Derecho mexicano, p. 458). Entretanto, no nosso Código, ela se insere entre as absolutórias, mas a doutrina, sem perdoar o legislador, prefere denominá-la sentença absolutória imprópria, para distingui-la da genuína absolutória, pela qual se desacolhe a pretensão punitiva deduzida na peça acusatória, sem que possa o Juiz, sequer, aplicar medida de segurança.[3]
Com isso, de acordo com os arts. 96 e 97 do Código Penal, o inimputável, mesmo tendo praticado uma conduta típica e ilícita, segundo ordenamento vigente, terá que ser absolvido e em consequência dever-lhe-á ser aplicada a medida de segurança, razão pela qual esta sentença é chamada de absolutória imprópria, pois absolve, mas deixa a medida de segurança há ser cumprida.
Por fim, o semi-imputável, também chamado de “fronteiriço”, que está descrito no parágrafo único do artigo 26[4], poderá sofrer pena ou medida de segurança, nunca as duas como se dava no sistema de duplo binário. Leciona Cezar Roberto Bitencourt:
“As circunstâncias pessoais do infrator semi-imputável é que determinarão qual a resposta penal de que este necessita: se o seu estado pessoal demonstrar a necessidade maior de tratamento, cumprirá medida de segurança; porém, se, ao contrário, esse estado não se manifestar no caso concreto, cumprirá a pena correspondente ao delito praticado, com a redução prevista (art. 26, parágrafo único)” [5]
Ressalta-se que ao semi-imputável, ou seja, aquele que no momento da ação ou omissão era relativamente capaz, sempre será aplicada a pena correspondente à infração penal cometida reduzida de um terço a dois terços e a mesma será convertida em medida de segurança quando o juiz concluir que há periculosidade real no transgressor e que o mesmo precisa de especial tratamento curativo nos termos do art. 98 do Código Penal:
“Art. 98 – Na hipótese do parágrafo único do art. 26 deste Código e necessitando o condenado de especial tratamento curativo, a pena privativa de liberdade pode ser substituída pela internação, ou tratamento ambulatorial, pelo prazo mínimo de 1 (um) a 3 (três) anos, nos termos do artigo anterior e respectivos §§ 1º a 4º.”
1.2. Distinções entre pena e medida de segurança
Várias são as diferenças entre pena e medida de segurança. Entretanto, o ilustríssimo doutrinador, Damásio de Jesus[6] aborda as mais tradicionais e importantes, quais sejam:
a) as penas têm natureza retributiva – preventiva; as medidas de segurança são preventivas;
b) as penas são proporcionais à gravidade da infração; a proporcionalidade das medidas de segurança fundamentam-se na periculosidade do sujeito;
c) as penas ligam-se ao sujeito pelo juízo da culpabilidade (reprovação social); as medidas de segurança, pelo juízo de periculosidade;
d) as penas são fixas; as medidas de segurança são indeterminadas, cessando com o desaparecimento da periculosidade;
e) as penas são aplicáveis aos imputáveis, e aos semi-responsáveis; as medidas de segurança não podem ser aplicadas aos absolutamente imputáveis.
Nas precisas palavras de Basileu Garcia, mesmo que proferidas sob a égide do Código Penal de 1940 tem-se dito que a pena continua a ser um castigo, ainda que, cada vez mais, se pretenda expungi-la do caráter retributivo e expiatório. Embora se intente, na sua execução, evitar afligir o condenado, causar-lhe um sofrimento que o faça recebê-la como punição, na verdade a pena jamais perderá, no consenso geral, a eiva de paga do mal pelo mal, malum passionis quod infligitur ob malum actionis. Ora, em contraposição, as medidas de segurança não traduzem castigo. Foram instituídas ao influxo do pensamento da defesa coletiva, atendendo à preocupação de prestar ao delinquente uma assistência reabilitadora. À pena – acrescenta-se- invariavelmente se relaciona um sentimento de reprovação social, mesmo porque se destina a punir, ao passo que as medidas de segurança não se voltam a pública animadversão, exatamente porque não representam senão meios assistenciais e de cura do individuo perigoso, para que possa readaptar-se à coletividade. [7]
Conforme destacado na citação supra, as medidas de segurança têm finalidade diversa da pena, pois se destinam à cura ou, pelo menos, ao tratamento daquele que praticou um fato típico e ilícito.
Como já exposto, as medidas de segurança possuem por fundamento a periculosidade do agente, enquanto que a pena detém como fundamento principal a culpabilidade. Entretanto, urge salientar os ensinamentos de Luiz Flávio Gomes, in verbis:
“O agente é sancionado não somente pelo que ele “é” (perigoso), senão também pelo que ele “fez” (cometimento de infração penal). Não existe medida pré-delitual no nosso Direito Penal, ou seja, pressuposto jurídico primeiro para a imposição de uma medida de segurança é a prática de uma infração penal. Antes de o sujeito delinqüir não é possível impor-lhe qualquer medida de segurança, nos termos do Código penal.” [8]
É importante destacar os entendimentos aqui expostos no que concerne às distinções acerca da finalidade entre medida e pena. Vale dizer que, enquanto a medida de segurança possui finalidade preventiva especial, ou seja, inibir a realização de novos delitos, a pena tem finalidade retributiva-preventiva, que tem como objetivo retribuir o ilícito típico praticado pelo agente e prevenir novas infrações penais, além da ressocialização que é característica de ambas. Pode-se extrair do entendimento do artigo 59 do Código Penal que a pena possui o já dito caráter retributivo[9].
Contudo, insta destacar para o fato de que a pena se faz valer da finalidade preventiva ampla e geral de efeito intimidatório.
Sobre a matéria, é indispensável em primeiro lugar render atenção às precisas ponderações do autor Miguel Reale Júnior, quando disserta o seguinte:
“Decorre da natureza das coisas que a distinção, entre pessoas normais e loucas, conduz a que não podem ambas receber o mesmo tratamento na hipótese de praticarem fatos lesivos aos outros e à sociedade. “[10]
Acrescentando ainda seu raciocínio, o autor supracitado traz relevante dado histórico ao retratar a peculiaridade penal para os inimputáveis na antiga Roma:
“Bem por isso, remonta à antiga Roma a diferenciação das medidas impostas aos loucos que com o fim de prevenir a prática de fatos nocivos eram entregues às suas famílias para serem controlados ou, se tal impossível, seriam encarcerados.”[11]
Miguel Reale lembra ainda que também o Código Penal de 1890 teve sua importância no que diz respeito à evolução conceitual do tema:
“O código Penal de 1890, em seu art. 29, determinava o recolhimento dos doentes mentais em hospícios se assim fosse necessário para a proteção da sociedade, ou se desnecessária a custódia, entregues às suas famílias. Ébrios habituais e toxicômanos perigosos deveriam ser encaminhados, de acordo com o art. 396, a estabelecimento correcional. “[12]
1.3. Espécies de medida de segurança
A medida de segurança possui duas espécies, são elas: o tratamento ambulatorial e internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, conforme disposto no art. 96 e incisos, do Código Penal.[13]
A internação, também chamada de medida detentiva, é aplicada aos inimputáveis e semi-imputáveis que necessitem de especial tratamento curativo e, na falta de hospital de custódia e tratamento, a internação pode ocorrer em outro estabelecimento adequado. O tratamento ambulatorial, denominado de medida restritiva, também deverá ser realizado em hospital de custódia e tratamento, porém o paciente não fica internado no hospital e deve comparecer nos períodos determinados para tratamento. Essa espécie de medida de segurança é a exceção, ou seja, é uma alternativa que as circunstâncias do caso indicarão a sua necessidade, uma vez que o tratamento ambulatorial pode ser aplicado aos semi-imputáveis, bem como se o fato previsto como crime for punível com detenção ou nos casos que o agente tenha progredido na medida de internação, nesse último caso deverão ser observadas as condições fáticas e pessoais do agente.
Como já exposto, a medida de segurança será aplicada por tempo indeterminado até que cesse a periculosidade do agente. O interno irá ser avaliado por peritos médicos de ano em ano após o prazo mínimo de 1(um) a 3(três) anos.
Abre-se um parêntese quanto à indeterminação temporal da medida de segurança, pois há entendimentos doutrinários divergentes da lei penal quanto à determinação do limite. Autores como Zaffaroni e Pierangeli, Cezar Roberto Bittencourt e Rogério Greco defendem que a medida de segurança não poderá ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito. O STF já proferiu decisão entendendo que o tempo para duração da medida de segurança não pode ultrapassar 30 (trinta) anos:
1.4. Da desinternação ou liberação pelo juiz
Com a dita desinternação, o doente termina o tratamento efetuado em regime de internação no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico e passa a dar início ao tratamento em regime ambulatorial. Diante disso, o agente ainda se encontra em tratamento.
Porém, pode acontecer que no exame de cessação de periculosidade se identifique que o paciente já está restabelecido da doença que lhe acometia e, assim entendendo o juiz, haverá a liberação do agente, não mais lhe sendo obrigado a prosseguir com o tratamento.
Tendo sido concedida a desinternação ou a liberação o juiz da execução irá estipular condições a serem observadas que estão dispostas no art. 178 que remete aos arts. 132 e 133, todos da Lei de Execução Penal. São elas:
“Art. 132. Deferido o pedido, o Juiz especificará as condições a que fica subordinado o livramento.
§ 1º Serão sempre impostas ao liberado condicional as obrigações seguintes:
a) obter ocupação lícita, dentro de prazo razoável se for apto para o trabalho;
b) comunicar periodicamente ao Juiz sua ocupação;
c) não mudar do território da comarca do Juízo da execução, sem prévia autorização deste.
§ 2° Poderão ainda ser impostas ao liberado condicional, entre outras obrigações, as seguintes:
a) não mudar de residência sem comunicação ao Juiz e à autoridade incumbida da observação cautelar e de proteção;
b) recolher-se à habitação em hora fixada;
c) não freqüentar determinados lugares.
d) (VETADO) (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010)
Art. 133. Se for permitido ao liberado residir fora da comarca do Juízo da execução, remeter-se-á cópia da sentença do livramento ao Juízo do lugar para onde ele se houver transferido e à autoridade incumbida da observação cautelar e de proteção.”
Segundo o art. 97,§3° do Código Penal, a desinternação ou a liberação é sempre condicional, já que a medida de segurança poderá ser restabelecida se o agente no decurso de 1 (um) ano vier a praticar fato que indique a não cessação de sua periculosidade. Sobre o tema, Alberto Silva Franco entende que:
“A revogação das medidas de segurança, decorrente do reconhecimento da cessação da periculosidade, é provisória. Se no ano seguinte à desinternação ou à liberação o agente praticar algum fato indicativo de que continua perigoso, será restabelecida a situação anterior (internação ou sujeição a tratamento ambulatorial). Não é necessário que o fato constitua crime; basta que dele se possa induzir periculosidade. Como fatos dessa natureza podem-se citar, por exemplo, o descumprimento das condições impostas, o não comparecimento ao local indicado para tratamento psiquiátrico ou a recusa do tratamento, etc.” [14]
1.5 Dos menores de 18 (dezoito) anos
A inimputabilidade do menor de idade está pautada no critério biológico, ou seja, basta apenas que o agente seja menor de 18 (dezoito anos) para ser considerado inimputável. Diferentemente da inimputabilidade do art. 26 do CP que está pautada no critério bio-psicológico, ou seja, deve-se verificar em um primeiro momento se o agente é portador de doença mental, ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, após deve-se analisar se o agente tinha capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou se caso tivesse, se era incapaz, no momento da conduta, de ter autocontrole ou autodeterminação em virtude de sua doença.
Os menores de 18 (dezoito) anos estão sujeitos às normas da legislação especial conforme a inteligência do art. 27 do CP:
Art. 27 – Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.
A Constituição Federal em seu artigo 228 estabelece a maioridade penal e assevera em seu artigo 227, §8°, inc. I, que a lei estabelecerá o estatuto da juventude que regulará os direitos dos jovens. Diante disso, foi criado por lei complementar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) [15]
O art.103 do ECA expressa em seu texto que: Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal. Portanto, a conduta típica e ilícita praticada pelo menor é chamada de ato infracional.
O ato infracional é análogo ao crime ou contravenção penal e o menor ao praticá-los estará sujeito às medidas sócio-educativas dispostas no art.112 do estatuto ou nos termos do §3° do mesmo artigo, caso seja portador de doença mental, estará sujeito a tratamento psiquiátrico, se for necessário.
1.6. Do menor portador de doença mental
O adolescente portador de doença mental receberá tratamento individual e especializado em local adequado e a criança só poderá se sujeitar a tratamento ambulatorial, porém, mesmo que o infrator ainda tenha problemas psiquiátricos, a medida apenas perdurará por no máximo 3 (três) anos e a liberação será compulsória aos 21 (vinte e um) anos de idade, sendo o jovem colocado em regime de semi-liberdade ou liberdade assistida desde então.
Sem saber o que fazer com esses jovens com distúrbios mentais após esgotar o prazo máximo de internação, foi criada em pelo Dec. nº 53.427/2008, em São Paulo, a polêmica Unidade Experimental de Saúde (UES), vinculada à Fundação Casa, concebida para abrigar adolescentes e jovens adultos com transtornos de personalidade e alta periculosidade. Esses jovens cometeram crimes mediante violência ou grave ameaça, são egressos da Fundação Casa e foram interditados pelas Varas de Família e Sucessões. Os internos dessa unidade são processados em ações judiciais de interdição civil cumulado com internação hospital compulsória, nos termos da lei 10.216/2001.
Em janeiro de 2012 entrou em vigor a lei 12.594/12 que trata do Sistema Nacional de Atendimento Sócioeducativo (Sinase) e dentre outras matérias, regulamenta e execução das medidas sócio-educativas destinadas a adolescente que pratique ato infracional. A referida Lei em seu Título II, Capítulo V, Seção II aborda a questão do tratamento do adolescente com transtorno mental, possibilitando em seu art. 65 a remessa dos autos ao Ministério Público para que esse promova ação de interdição enquanto não cessada a jurisdição da Infância e Juventude.
2. Unidade Experimental de Saúde
A Unidade Experimental de Saúde (UES) está localizada na zona norte de São Paulo, é vinculada à Fundação Casa (antiga FEBEM). A UES foi feita com a proposta de criar no Estado de São Paulo uma unidade de referência no tratamento de jovens que estão cumprindo a medida sócio-educativa imposta pelo ECA e que possuem distúrbios psicológicos.
Inicialmente, o gerenciamento da unidade seria feito em parceria com a Universidade Federal de São Paulo e com a Associação Beneficente Santa Fé, que é uma ONG tradicional chefiada pelo professor doutor de psiquiatria da Escola Paulista de Medicina, Raul Gorayebe e voltada ao desenvolvimento de ações para o bem-estar social. Entretanto, a parceria foi desfeita por uma suposta discordância entre o coordenador do projeto e a Fundação Casa, a divergência teria se versado sobre aos profissionais que integrariam a equipe e aos jovens que deveriam ser encaminhados para a Unidade.
O então governador de São Paulo, José Serra, transferiu o imóvel da Unidade para a Secretaria da Saúde com a expedição do decreto 52.419/2007. Assim, foi firmado um Termo de Cooperação Técnica entre Saúde, Administração Penitenciária e Fundação Casa, segundo o qual a UES receberia adolescentes e jovens que cometeram atos infracionais e cumpriram medida sócio-educativa, mas tiveram sua medida revertida em protetiva por apresentar transtorno de personalidade antissocial e/ou alta periculosidade.[16]
Sua estrutura se assemelha com de uma vila, pois há cinco casas com dois quartos cada, equipadas com camas, geladeira, sofá, tevê, no seu espaço externo há uma horta, quadra de esportes e uma sala com computadores onde estão instalados jogos de conteúdo violento.
As casas são protegidas por uma cerca alta para dividir os internos, pois alguns deles não aceitam ficar no mesmo espaço que aqueles que cometeram crimes sexuais. A rotina da Unidade Experimental de Saúde é regulada pelos períodos de refeições. Por exemplo, quem quiser tomar café da manhã tem que estar preparado antes das 7h para poder receber a comida. Porém a UES não oferece nenhuma atividade concreta para ressocialização e tratamento dos internos e durante um bom tempo os juízes determinaram a internação nesse local por não saber como lá funcionava.
Vale ressaltar, que os internos foram interditados civilmente pela justiça de São Paulo e estavam indo para a Unidade Experimental de Saúde que, na forma que é hoje, não é um hospital, pois o atendimento psiquiátrico é praticamente inexistente e embora tenha grandes e altos muros, possua vigilância de agentes e câmeras de segurança, ela também não é uma prisão, a ideia inicial era de proporcionar um atendimento especializado enquanto os menores estivessem cumprindo medida sócio-educativa estabelecida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
2.1. O caso de Champinha
O crime de Champinha ocorreu em 2003, quando junto com quatro adultos sequestrou e matou Liana Friedenbach e Felipe Caffé. Felipe tinha 19 anos, e morreu com um tiro na cabeça, executado, na frente da namorada Liana, que tinha 16 anos e acabou estuprada durante quatro dias e após foi morta a facadas. A crueldade do crime inspirou na época inúmeros debates acerca da redução da maioridade penal e de punições referente aqueles criminosos com problemas em sua saúde mental. Como Champinha tinha 16 anos, estava sujeito à fraca punição prevista pelo brando Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ou seja, apenas os três anos de internação previstos em seu artigo 121, parágrafo 3º.[17]
Quando o período de medida sócio-educativa de Champinha estava prestes a acabar, a Justiça paulista, atendendo solicitação do Ministério Público, converteu a medida sócio-educativa em medida protetiva de tratamento psiquiátrico com contenção, para que ele ficasse internado até os 21 anos na Fundação, baseando-se em um laudo médico que afirmava que o infrator sofria de transtorno de personalidade e que a probabilidade de reincidência criminal era alta. Posteriormente, quando o período de internação estava perto de acabar, o Estado de São Paulo entrou com pedido de interdição civil, cumulado com internação hospitalar compulsória, que foi concedido e Champinha teria que ser transferido para a Casa de Custódia de Taubaté, fato que não ocorreu, pois o jovem fugiu da Fundação Casa e quando foi capturado foi mandado para a UES.
Válido ressaltar que a internação hospitalar compulsória está prevista na lei 10.216/2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e ainda redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Portanto essa lei determinou a Reforma Psiquiátrica no Brasil, e essa forma de internação pode ser determinada pela Justiça a partir da apresentação de um laudo médico que ateste pela necessidade de tal medida, sem que o interno tenha cometido algum ilícito penal e sem a necessidade do consentimento dele ou de sua família.
Importante ressaltar que Champinha não está na UES pelo crime cometido, está apenas para tratamento psiquiátrico, e nessa questão é que nasce a controvérsia, a discussão sobre a legalidade da Unidade Experimental de Saúde, pois a mesma não vem oferecendo tratamento psiquiátrico adequado.
2.2. Da legalidade
Alguns juristas, como a juíza Mônica Paukoski, do Departamento de Execuções da Infância e da Juventude, entendem que a Unidade não estaria contra a lei se sua intenção prioritária fosse a saúde mental dos internados, mas em vez disso o local está sendo utilizado apenas para contenção.
A Unidade já foi fiscalizada várias vezes e nada foi mudado, representantes do Ministério Público, Conselho Regional de Medicina e do Conselho Regional de Psicologia já efetuaram diversas inspeções no local.
A Organização das Nações Unidas após fazer duas vistorias na UES, em 2011 e 2013, concluiu que o funcionamento da unidade é irregular, pois os internos estariam encarcerados sem o devido processo legal, por tempo indeterminado, sem haver tratamento adequado. O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária já emitiu parecer desaprovando o funcionamento da UES.
Falta na UES uma concretização de trabalho individual, pois os jovens não têm como acessar seus prontuários médicos, são inexistentes os projetos terapêuticos, com isso não há grandes chances de melhora dos internos, tornando difícil sua ressocialização. Com isso os internos estão condenados a ficar eternamente lá, já que, como já dito, não há prospecto de evolução para as suas doenças.
Uma vez que saiu da alçada da Fundação Casa, a responsabilidade pela UES foi repassada para a pasta da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Os profissionais da Secretaria não são a favor da internação por longo período, pois acreditam que essa modalidade está contra do que se entendido como psiquiatria moderna.
Já foi defendida por advogados criminalistas como Luiz Flávio Borges D’Urso, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo, a criação de medida de segurança para menores, em razão do limbo jurídico que propicia esses remendos legislativos como a UES, uma vez que era adolescente quando cometeu o crime e não pode ser internado em um hospital de custódia da mesma forma que ocorre com os imputáveis penalmente.
Como já explicado, a medida de segurança se aplica aos doentes mentais que cometeram crimes na fase adulta e por serem inteiramente incapazes de entender o caráter ilícito do fato praticado, ou de autodeterminar-se conforme a esse entendimento, não são responsabilizados. Quando essas pessoas praticam crimes graves, punidos com reclusão, ou manifestam um elevado grau de periculosidade, são encaminhadas para internamento em hospitais de custódia e tratamento e obtém sua liberação quando tiverem um laudo médico atestando que sua doença está controlada, após o período de 1 ano de prova, sendo que tal liberdade pode demorar muito tempo para acontecer. Porém, em se tratando de UES, a Justiça não determinou os períodos em que Champinha seria submetido à avaliação médica, pois o seu acompanhamento é irregular, chegando a ter intervalos de mais de dois anos.
O advogado de Champinha entrou na justiça para liberá-lo, mas não teve êxito, o Supremo Tribunal Federal decidiu em 5 de março de 2015 pela manutenção de Champinha na UES.
Conclusão
As normas de aplicação da lei penal para os maiores de idade portadores de doença mental encontrassem em estágio razoável de regulamentação, porém, não é possível dizer o mesmo quanto aos menores, há falhas em nosso ordenamento jurídico, a Unidade Experimental de Saúde é prova disso.
Até o momento, não está se sabendo o que fazer direito com os menores portadores de doenças mentais que cometem crimes e que não estão aptos a voltar ao convívio social após o cumprimento das medidas sócio-educativas a eles imposta.
A Justiça determina a contenção desses internos visando o bem-estar da sociedade, porém, ao invés de Agentes Penitenciários, é necessário que a UES mude o seu modelo de atendimento, pois é preciso que existam médicos de plantão e planos terapêuticos eficazes que permitam a evolução do tratamento dos internados.
O tratamento que se vale apenas do regime de contenção não surte efeito para as pessoas portadoras de distúrbios mentais, pois pode se transformar em um encarceramento perpétuo. Se essas pessoas não estão aptas ao convívio social, devem receber tratamento adequado até que possam voltar à sociedade.
Advogado, Graduado na Estácio de Sá
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