Ketty Dias Rodrigues – Graduanda do 9º período de Direito
Orientadora: Rilker Dutra de Oliveira
Resumo: Um breve exame acerca das matérias e notícias veiculadas atualmente resta nítido que a violência contra a mulher se encontra em constante expansão, principalmente se observada no âmbito doméstico e/ou familiar. Para melhor compreender tal instituto, é necessário a análise de diversas características que permeiem o referido meio, fato que leva a elaboração do referido trabalho. Neste sentido, o objetivo deste trabalho é analisar as circunstâncias específicas que envolvem os casos de violência contra a mulher, entender melhor as formas de violência, bem como buscar, os meios de minimizar seus efeitos, visando a extinção desta. Para tanto, foi utilizado o meio de pesquisa bibliográfica, estudados trabalhos e doutrinas especializadas no tema em comento. Da referida pesquisa depreende-se que um dos maiores causadores da violência doméstica é o fator da intergeracionalidade e, ainda, a transmissão do preconceito por meio da própria instituição familiar. Neste ponto, tem-se que diversos são os fatores que contribuem para a permanência da mulher em situação de violência, devendo ser realizado amplo trabalho com a vítima a fim de auxiliá-la a reestruturar-se, o que, consequentemente, a leva a romper com o relacionamento violento. Neste mesmo sentido, tem-se que é imprescindível a ruptura da situação de vulnerabilidade que reforça o machismo institucionalizado, rompendo não apenas a relação destas mulheres com a violência, mas deixando as futuras gerações um legado, o qual se exterioriza pelo fim do ciclo de violência, livrando as futuras gerações de tal fardo. O método aplicado foi o dedutivo/indutivo.
Palavras-chave: Violência doméstica. Intergeracionalidade. Relação de dependência. Reeducação.
Abstract: A brief examination of the articles and news currently broadcast shows that violence against women is constantly expanding, especially if observed in the domestic and / or family sphere. In order to better understand such an institute, it is necessary to analyze several characteristics that permeate the referred environment, a fact that leads to the elaboration of the referred work. In this sense, the objective of this work is to analyze the specific circumstances surrounding cases of violence against women, to better understand the forms of violence, as well as to seek ways to minimize its effects, aiming at its extinction. For this purpose, the bibliographic research method was used, studies and specialized doctrines on the subject under study were studied. From this research it appears that one of the biggest causes of domestic violence is the factor of intergenerationality and, also, the transmission of prejudice through the family institution itself. At this point, there are several factors that contribute to the permanence of women in situations of violence, and extensive work must be carried out with the victim in order to help her to restructure herself, which, consequently, leads her to break with the violent relationship. In this same sense, it is essential to break the situation of vulnerability that reinforces institutionalized machismo, breaking not only the relationship of these women with violence, but leaving future generations a legacy, which is expressed by the end of the cycle of violence, freeing future generations from such a burden. The method applied was deductive / inductive.
Keywords: Domestic violence. Intergenerationality. Dependency relationship. Reeducation.
Sumário: Introdução. 1. Contextualizando violência de gênero no Brasil. 1.1. Uma análise histórica da violência de gênero. 1.1.1 No mundo. 1.1.2 No Brasil. 1.2. Panorama da Mulher na sociedade brasileira contemporânea. 1.3. Fatores sociais e culturais que reforçam a repressão do gênero feminino na atualidade. 2. As diversas formas de violência contra a mulher e a legislação brasileira. 2.1. Violência física. 2.2. Violência psicológica. 2.3. Violência sexual. 2.4. Violência patrimonial. 2.5 Violência moral. 3. Fatores determinantes para a violência intergeracional e possíveis formas de enfrentamento. 3.1. Da violência intergeracional. 3.2. Fatores que contribuem para permanência da mulher em situações de violência. 3.3. Formas de enfrentamento da problemática: gênero x violência. Considerações Finais. Referencial Bibliográfico.
INTRODUÇÃO
A violência é um mal que assola a humanidade desde seus primórdios, sendo esta temática retratada em diversas obras e por diversos artistas, como exemplo de tal pensamento tem-se a situação de Cain e Abel, uma das figuras primordiais da bíblia, na qual aponta a violência praticada dentro do âmbito familiar.
No referido caso, em decorrência da violência doméstica perpetrada, tem-se a aplicação da primeira sanção imposta a humanidade ocasionada por um ato de violência, o exílio do homicida aos áridos desertos da terra (BIBLIA, 2008, n.p.).
A violência pode ser avaliada como fenômeno social, figura como herança da raça humana, uma vez que vem atravessando as gerações, sempre instaurando-se junto a atualidade, figurando no núcleo das relações humanas, ao ponto de se encontrar até mesmo no âmbito doméstico, a esfera mais íntima e frágil de qualquer pessoa (GOMES et all, 2007).
A violência doméstica vem sendo passada para cada indivíduo como “um bem”, uma vez que, conforme as pesquisas apontam, o fato de desenvolvimento da agressividade está intimamente relacionado com as situações experenciadas por cada indivíduo. Portanto, quanto mais violentado e fragilizado uma pessoa foi, mais chances ela tem de ser violenta em suas relações futuras, mesmo quando na fase adulta.
Desta forma, a justificativa para elaboração do presente trabalho reside na atualidade do assunto tratado, que, ao analisar os índices de violência, especialmente aquela praticada contra a mulher, resta nítido o aumento vertiginoso de casos de agressão, dos quais muitos cominam em homicídios (feminicídio).
Entretanto, embora comum, tal prática não possui mais lugar nas relações atuais, motivo pelo qual se busca por formas de enfrentamento à referida problemática, com a proteção efetiva da entidade familiar, sobretudo, da mulher, enquanto ser humano mais vulnerável em relação ao homem, seja no aspecto físico, seja no aspecto econômico.
Tendo em vista todas as desigualdades apresentadas, bem como a transcendência da violência como fator humano, o objetivo do presente trabalho é compreender como funciona as situações de violência, em especial dentro da relação familiar, bem como a relação conflituosa existente entre gênero e geração. Para tanto, na primeira parte da pesquisa será analisada a violência de gênero de maneira abstrata, primeiramente em um cenário global e, posteriormente, no Brasil.
Na segunda parte do trabalho serão abordadas as formas de violência mais sofrida pelas mulheres, principalmente dentro do âmbito doméstico e familiar.
Por fim, na última parte se adentrará à violência como legado cultural, buscando compreender como as questões de gênero evoluíram e as causas de tamanha brutalidade, além de analisar possíveis formas de minimização dos prejuízos sofridos.
Para tanto, será utilizado o método de pesquisa bibliográfica, com estudo específicos acerca do tema nos diversos artigos disponibilizados na internet e na legislação vigente e doutrina especializada.
1.1 Uma análise histórica da violência de gênero:
Todo fenômeno social existente na atualidade precede de situações que o geraram e demais fatores que influenciaram sua permanência no seio das interações humanos, desta forma, ao estudar o fenômeno da violência doméstica, mostra-se imprescindível a análise das situações que permitiram que tal fenômeno perdurasse por tanto tempo.
1.1.1 No mundo
Na antiguidade às mulheres não eram reservados direito algum, encontrando-se à mercê completa do homem, uma vez que a este era assegurado todos os direitos, como, por exemplo, o domínio da mulher.
Pinafi (2007) afirma que, nesta época a mulher era vista como mero objeto, não sendo considerada capaz da realização dos serviços necessários naquele tempo, tendo em vista a falta de aptidões físicas, especialmente. Assim, por tal motivo, a ela era negado qualquer forma de individualidade, sendo-lhe reservado quase que exclusivamente os cuidados do lar e dos filhos.
O referido autor informa que, posteriormente, com a disseminação do cristianismo a mulher perdeu sua característica de insignificância e passou a ocupar o papel de culpa, uma vez que lhe foi imputada a culpa pela expulsão do homem do paraíso, motivo pelo qual foi atribuído a esta as características como impulsividade e falta de autodeterminação, devendo este papel ser imposto a esta pelo homem, o qual foi dotado de todas as virtudes as quais usurparam da mulher.
A situação permaneceu desta forma por muito tempo, claro que alguns casos e civilizações fugiram a referida norma, embora possa-se notar que tais casos raramente ocorreram em civilizações que não pertencessem a parte ocidental do globo.
Quanto ao fator emancipador das mulheres, tem-se que a primeira amostra de luta pela independência destas aconteceu durante a revolução francesa onde, inspiradas pelos ideais apresentados, elas foram à luta pela liberdade, o que não ocorreu de maneira tranquila, pois embora fossem muito úteis aos abolicionistas a grande maioria destes ainda as dispensava o lar como único local adequado (PINAFI, 2007).
A partir daí, a situação começou a mudar e as mulheres a se estabelecerem em ambientes antes impensados para seu perfil frágil e, com o advento da revolução industrial e a implementação definitiva do capitalismo, a mulher obteve, finalmente, a oportunidade de evadir-se do ambiente doméstico com a consequente integração destas nas fábricas (PINAFI, 2007).
Embora as mulheres tenham evoluído e alcançado cada vez mais espaço na sociedade, muito ainda tem que mudar, pois ao comparar os direitos destinados aos homens e mulheres há, ainda, um abismo existente colossal.
Isso pode ser facilmente comprovado, especialmente no Brasil. Casos concretos de preconceito, segregação e assédio moral no trabalho são atos comumente noticiados nos meios de comunicação. Principalmente nas relações laborativas, resta evidente a origem desses tratamentos que desprestigiam a capacidade da mulher: é uma “herança cultural” do sistema patriarcal.
1.1.2 No Brasil
Ao analisar a situação da mulher no Brasil, percebe-se fortes similaridades com o vivenciado pelas demais ao redor do mundo, principalmente sua forma de tratamento na Europa. Tal fato se dá, pois, o Brasil, em seu processo de colonização, absorveu muito da cultura portuguesa e espanhola, uma vez que foram estes povos que o “invadiram” e “civilizaram”.
Portanto, no período colonial, a mulher era tratada como objeto, sendo apenas mais uma posse do marido, quando brancas suas funções eram a procriação e o cuidado com a prole, quando negras sua destinação era a servidão, mantendo em ambas o caráter submisso e o fator feminino de posse sobre o masculino de detentor (PINAFI, 2007).
Como fator determinante para esta manifestação do machismo dominador e da submissão feminina tem-se a relação feminino e religião. Frisa-se aqui que o posicionamento católico favorecia tal ambiente não apenas quando imputada a mulher como sendo a pecadora primordial, mas também quando privilegiava os homens quanto as suas condutas, as quais sempre foram abonadas, restando as mulheres a culpa e o pecado e, com isso, a submissão e a posse (PINAFI, 2007).
O referido autor, destaca que, a situação que permaneceu no período imperial, no qual a mulher manteve-se na prisão do lar, sob o comando do marido. Frisa-se neste ponto que embora essa seja a perspectiva da mulher branca, uma vez que as mulheres negras, mesmo após o período colonial e imperial, ainda que, com o fim da escravidão, continuaram a atuar como mão de obra, pois neste caso, além da violência sofrida pelo gênero, ainda a afligia a violência racial.
Com o aumento do movimento feminista, o qual atingiu seu ápice nos anos 70, a mulher começou sua luta por espaço na sociedade, em especial a entrada mais incisiva desta ao mercado de trabalho, situação que definiu, junto aos demais aspectos sociais como a necessidade de mão de obra e a adaptação exterior a mulher. Foi o “passaporte” decisivo da mulher na sociedade.
1.2 Panorama da Mulher na sociedade brasileira contemporânea
O período contemporâneo é marcado pela maior abertura social da mulher, com sua consequente entrada na sociedade como indivíduo, com a concretização de sua ‘quase’ emancipação do homem, conforme destaca Bairros (2009).
O autor afirma que, no período atual as mulheres possuem ampla liberdade para a entrada no mercado de trabalho, bem como para agir como bem entender, sem depender de autorização prévia de determinada pessoa para tanto, entretanto, tal situação é meramente assegurada pela legislação, não se tratando da situação vivenciada por muitas ainda.
Embora a mulher possua o direito de se autodeterminar juridicamente, a sociedade impõe a ela uma série de limitações e obstáculos para sua libertação derradeira. Embora os paradigmas sociais tenham mudado, alguns conceitos das gerações passadas afetaram as novas gerações, significativamente, como por exemplo, a relação da mulher mantenedora do lar e dos filhos.
Neste ponto, muitas mulheres se veem sobrecarregadas ou limitadas pois, mesmo quando se encontram em situação de provedoras do lar ainda se encontram atreladas as atividades domésticas, bem como responsável pela educação dos filhos, situação que acaba por esgota-las, o que se agrava ainda mais nos casos de falta de suporte do poder público (BAIRROS et all, 2009).
Embora existam projetos próprios para o auxílio da mulher, bem como programas de desenvolvimento feminino, nota-se que os mesmos ainda são muito precários, sendo tais instrumentos, muitas vezes, grandes fachadas utilizadas para disfarçar a omissão pública para com as mulheres e suas necessidades. Sobre o tema Bairros, Meneghel e Sagot afirma o seguinte:
Essa situação representa maior autonomia para as mulheres, mas também pode contribuir para a eclosão de conflitos e de violências no âmbito das relações conjugais. A freqüência das famílias monoparentais chefiadas por mulheres no Brasil e em outros países tem apresentado cifras ascendentes, mostrando que as mulheres enfrentam a dupla tarefa de cuidar dos filhos e prover as famílias. (…) Nesse novo contexto social, o homem reage agressivamente mostrando que a violência não significa apenas a persistência do velho sistema, mas a recusa em adaptar-se ao novo (BAIRROS et all, 2009, p.59).
Neste ponto, pode-se observar que as mulheres adquiriram uma serie de direitos, podendo se inserir nos mais variados grupos existentes na sociedade atual, entretanto a sociedade a limita, ativamente, visto a transferência dos conceitos arcaicos prevalecem de geração para geração, de modo muito influente, ainda!
1.3 Fatores sociais e culturais que reforçam a repressão do gênero feminino na atualidade
Conforme explanado anteriormente, a família é o primeiro instituto social em que todo indivíduo é inserido, entretanto, ao se analisar o mesmo detidamente, tem-se que a própria instituição familiar se mostra como agente repressivo em decorrência da relação gênero x feminino. Tal situação se dá por diversos fatores, dentre eles a cultura doméstica imposta a mulher, o que a impede de manifestar-se como indivíduo, vez que é imposta persona determinada, sendo esta moldada para o que se espera dela na fase adulta.
Neste ponto, não apenas a família é culpada, mas também o fenômeno da própria transgeracionalidade cultural, uma vez que a família apenas atual no sentido repressivo pois seus agente foram ensinados que determinado comportamento é correto e esperado, sendo a violência contra a mulher apenas a manifestação dos preceitos arcaicos herdados pelos agentes familiares (RESSEL et all, 2011, n.p.).
Superada a ordem familiar, outro grande grupo ao qual as mulheres são introduzidas logo cedo é a religião, neste ponto pode-se notar a diferenciação dos indivíduos pelo gênero, principalmente em se tratando das religiões cristãs. Embora toda religião possua grande relevância social e cultural, é nítido a diferenciação de homens e mulheres dentro das culturas e práticas religiosas, o que apenas perpetua todo o preconceito de gênero existente. Sobre o tema Ressel, Junges, Sehnem e Sanfelice lecionam o seguinte:
A construção de gênero em nossa sociedade ainda atribui valores que reforçam a submissão feminina, a postura recatada, cautelosa, tímida, além do controle sobre o corpo das mulheres, em contraste à representação da masculinidade que destaca a força, virilidade, rigidez, controle, privilegiando a ousadia e a liberdade (RESSEL et all, 2011, n.p.).
Por fim, frisa-se que outro ponto importante a se ressaltar é a distinção criada pelos preconceitos de gênero, a sociedade em geral cria conceitos e características próprias de cada gênero, o que coloca a mulher em papel pré-estabelecido e definido por terceiros, com isso fica clara a falta de autodeterminação a ambos os sexos, entretanto, geralmente o papel imposto a mulher é o de servidão, motivo pelo qual estas se veem ainda mais fragilizada face os homens. Neste sentido é o entendimento dos autores citados anteriormente, conforme pode-se ver:
O homem e a mulher e, por extensão, os próprios conceitos de masculinidade e feminilidade tem sido definido, em nossa sociedade, baseados em termos de oposição. Nesse sentido, a construção social de ambos se diferencia fortemente. Sob esse enfoque, os pais preocupam-se em corrigir qualquer sinal de comportamento inadequado, ou indisciplina, das filhas mulheres. Se, para a mulher, o controle e a rigidez das normas e condutas sociais é um percurso comum na socialização da sexualidade, para os homens, é dada mais liberdade, e até estimulado um comportamento arrojado e viril. Essa diferenciação carrega um dualismo moral explícito, que contribui para legitimar e reforçar a hierarquia de gênero (RESSEL et all, 2011, n.p.).
Com isso podemos perceber que a feminilidade e masculinidade são composições sociais, que são ligadas por completo na educação que é auferida na infância desde cedo e das intervenções sofridas ao decorrer da vida dos seres humanos, eles nascem com um sexo biológico e eles acabam sendo influenciados pela forma como serão analisados pela própria relação familiar e também pela sociedade a qual fazem parte.
2. AS DIVERSAS FORMAS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
Conforme o informado em linhas alhures, a violência contra a mulher possui diversas características próprias, possuindo uma infinidade de variáveis o que a torna tão singular e por isso tão preocupante. Não bastasse a complexidade das relações que envolvem a violência contra a mulher tem-se, ainda, que a mesma se manifesta de diferentes formas, podendo estas serem cumuladas ou de maneira individual (GOV, 2016). Sobre o tema, faz-se necessário trazer à baila o seguinte entendimento:
Todo ato de violência baseado em gênero que tem como resultado possível ou real um ano físico, sexual ou psicológico, incluídas as ameaças, a coerção ou a privação arbitrária da liberdade, seja a que aconteça na vida pública ou privada. Abrange sem caráter limitativo a violência física, sexual e psicológica na família incluídos os golpes, o abuso sexual às meninas a violação relacionada à herança, o estupro pelo marido a mutilação genital e outras práticas tradicionais que atendem contra a mulher a violência exercida por outras pessoas – que não o marido – e a violência relacionada com a exploração física, sexual e psicológica e ao trabalho em instituições educacionais e em outros âmbitos, o tráfico de mulheres e a prostituição forçada e a violência física sexual psicológica perpetrada ou tolerada pelo Estado, onde quer que ocorra. (OMS/OPS, 1998).
Em sua grande maioria as formas de violência se manifestam dos graus mais baixos para os mais elevados, progredindo em dimensão e intensidade. Para melhor compreender as formas de violência e a maneira como estas se formam, serão as mais comuns analisadas a seguir.
2.1 Violência física
A violência física pode ser separada em dois grandes grupos, os quais podem se distinguir pela figura do agressor. O primeiro grupo a ser analisado faz referência as primeiras agressões sofridas, sendo estas as mais prejudiciais a nível psicológico. A referida violência é tratada pela Lei Maria da Penha em seu art. 7º, inc. I, o qual disciplina o seguinte: “São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: I – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal” (BRASIL, 2006).
Quanto a esta violência cabe ressaltar que a mesma é empregada pelos genitores da vítima, em geral o pai, sendo que a finalidade da mesma é atribuída geralmente a educação e correção da mulher para atitudes que fujam da moral feminina, buscando, segundo os agressores, “endireitar a vítima”.
Nestes casos os prejuízos são mais que apenas físicos, uma vez que esta violência é geralmente aplicada desde a infância e cria na vítima a normalidade desta como forma de educação ou mesmo demonstração de amor, pois não obstante a aplicação da violência a culpa da mesma ainda é atribuída a vítima, sendo este, portanto, um ato de amor e preocupação.
Posteriormente, ocorrem os casos de violência contra a mulher praticados pelo marido ou companheiro, neste ponto a agressão se dá de maneira similar, de modo sorrateiro, uma vez que se dá sob a argumentação de culpa da vítima, sendo a agredida a errada e, por isso, mereceu o acontecido.
Essas práticas parecem pouco prováveis de acontecer na vida adulta, uma vez que nesta etapa da vida a vítima possuiria maior capacidade cognitiva para compreender o ocorrido e perceber a inexistência de culpa da sua parte, entretanto, não é o que ocorre, uma vez que a mulher fora desde tenra idade condicionada a este pensamento e a tais práticas, motivo pelo qual vem a aceitar a mesma com naturalidade, tendo de passar por amplo processo de desconstrução para se livrar do ciclo de violência (IMP, 2020, n.p.).
2.2 Violência psicológica
A violência psicológica geralmente é utilizada pelos companheiros contra as mulheres, neste âmbito e de modo geral, a referida violência é uma das primeiras a serem praticadas. Tal situação se dá, pois, a mesma é geralmente utilizada para testar os limites a que a vítima se submete, bem como a introduz a tais comportamentos. Por sua vez, a violência psicológica encontra amparo no mesmo artigo citado acima, entretanto em seu inc. II, o qual preceitua:
II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação (BRASIL, 2006).
Sobre a violência psicológica, o próprio instituto maria da penha defini-a como sendo: “É considerada qualquer conduta que: cause dano emocional e diminuição da autoestima; prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento da mulher; ou vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões” (IMP, 2020, n.p.).
Referida modalidade de violência é amplamente utilizada, mesmo nos casos em que não há progressão para a física, uma vez que o emprego de tal situação é um dos pilares principais para a manutenção do machismo e do patriarcado. Com o emprego de violência psicológica a mulher é mantida submissa ao homem, aceitando do mesmo o lugar que lhe é oferecido, perpetuando e sendo condizente com o machismo.
Por isso, é tão importante o rompimento com referida estrutura, visto que a mesma possui ligação direta com a situação de vulnerabilidade da mulher, situação está que nada possui em comum com seu gênero, mas, sim, com preceitos estabelecidos pelos homens para diminui-las e subjuga-las.
Diversos são os exemplos de violência psicologias, sendo as mais comuns: insultos constantes, humilhação, chantagem, isolamento de amigos e familiares, manipulação afetiva, negligência (atos de omissão a cuidados e proteção contra agravos) e privação arbitraria da liberdade (impedimento de trabalhar, estudar, cuidar da aparência pessoal) (IMP, 2020, n.p.).
2.3 Violência sexual
A violência sexual se instaura na esfera doméstica geralmente quando a psicológica já se manifestou preteritamente, ou simultaneamente, tendo em vista que as duas apresentam graus moderados de efeitos, se manifestando de maneira invasiva, mas sutilmente na vida da mulher. A violência sexual encontra amparo no mesmo artigo citado acima, entretanto em seu inc. III, o qual preceitua:
III – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos (BRASIL, 2006).
Sobre a violência sexual, o próprio instituto maria da penha defini-a como sendo: “Trata-se de qualquer conduta que constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força” (IMP, 2020, n.p.).
Esta modalidade de violência, como a anterior, compreende uma grande variedade de atos e práticas, das quais partem desde a coação a pratica de atividades indesejadas pela vítima, mas consentidas por esta, até o estupro em si.
Frisa-se, neste ponto, que a violência sexual no âmbito doméstico não ocorre apenas dentro de relacionamentos, muito pelo contrário, pode ocorrer por familiares e amigos próximos, todos dentro do âmbito doméstico. Por este motivo a grande maioria dos casos de violência sexual não são relatados, pois, primeiramente, existe a relação de confiança da vítima para com o agressor e segundo existe a situação de vulnerabilidade a que está se encontraria, pois conforme se sabe, a culpa, quando analisada historicoculturalmente, sempre recai na figura da mulher e neste caso não seria diferente.
Com isso, nota-se que mesmo nestes casos, em que a violência explicita a vítima ainda se vê prejudicada pois carece de apoio dos próprios familiares, figurando a mesma como figura de tentação, agente provocador, retirando, mesmo que parcialmente, a culpa e a imputabilidade do agressor.
São exemplos do referido tipo: estupro dentro do casamento ou namoro, estupro cometido por estranhos, investidas sexuais indesejadas ou assédio sexual, inclusive exigência de sexo como pagamento de favores, abuso sexual de pessoas mental ou fisicamente incapazes, abuso sexual de crianças, casamento ou coabitação forçados, inclusive casamento de crianças, negação do direito de usar anticoncepcionais ou de adotar outras medidas de proteção contra doenças sexualmente transmitidas, aborto forçado, entre outros (IMP, 2020, n.p.).
2.4 Violência patrimonial
A violência patrimonial também pode ser denominada como econômica ou financeira, uma vez que se relaciona intimamente com a capacidade econômica da mulher dentro do relacionamento. Esta forma de violência relaciona-se ao fenômeno cultural da mulher como bem do homem, uma vez que historicamente o homem era o detentor de todos os bens, devendo este ser o guardião da filha, enquanto menor, passando a tutela desta para o marido. O referido tipo de violência encontra-se tipificada no inc. IV, do art. 7º da já citada lei e possui o seguinte tipo legal:
IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades (BRASIL, 2006).
Desta forma, a violência econômica se mostra como evolução direta da objetificação da mulher, sendo que neste ponto é retirada da mesma sua humanidade e atribuída a esta a característica de bem, o que a torna posse de alguém, situação que coaduna, ainda, com as outras formas de violência, como a sexual e psicológica, visto que retirando o status de pessoa da mulher, perde a esta o direito a desejar algo, servindo apenas como meio de obtenção das vontades do homem. Sobre a violência patrimonial, o instituto maria da penha, leciona o seguinte:
Entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades (IMP, 2020, n.p.).
Dito isto, cumpre apresentar exemplos pertinentes de tais atos, sendo os seguintes: roubo, destruição de bens pessoais (roupas, objetos, documentos, animais de estimação e outros) ou de bens da sociedade conjugal (residência, móveis e utensílios domésticos, terras e outros), recusa de pagar a pensão alimentícia ou de participar nos gastos básicos para a sobrevivência do núcleo familiar, uso dos recursos econômicos da pessoa idosa, tutelada ou incapaz, destituindo-a de gerir seus próprios recursos e deixando-a sem provimentos e cuidados (IMP, 2020, n.p.).
2.5 Violência moral
A violência moral contra a mulher pode ser praticada em dois ambientes distintos, sendo o primeiro na relação familiar e no âmbito doméstico e/ou também na forma social e institucional. A violência moral afeta a vítima na sua dimensão íntima, abalando a relação que esta possui com sua imagem, afetando esta perante a sociedade ou a si mesmo. O referido tipo de violência encontra-se tipificada no inc. V, do art. 7º da já citada lei e possui o seguinte tipo legal: “V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.” (BRASIL, 2006).
O instituto maria da penha define a referida violência como sendo: “É considerada violência moral qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.”. Desta forma, a violência moral carece da característica efetiva para sua configuração, basta que seja exercida com base no gênero (IMP, 2020, n.p.).
Neste ponto, tem-se que a violência moral pode ser exercida em caráter doméstico ou institucional. Para fins de conceituação, tem-se que a maior diferenciação entre ambos os tipos reside na existência ou não do vínculo afetivo ou familiar.
Pode se citar como exemplos da referida violência as seguintes ações: acusar a mulher de traição, emitir juízos morais sobre a conduta da mesma, fazer críticas mentirosas expondo a vida íntima da mulher, rebaixar a mulher por meio de xingamentos que incidem sobre a sua índole, desvalorizar a vítima pelo seu modo de se vestir e etc.
3. FATORES DETERMINANTES PARA A VIOLÊNCIA INTERGERACIONAL E POSSÍVEIS FORMAS DE ENFRENTAMENTO
Anteriormente, já foi explanado acerca da origem da diferenciação dos indivíduos por gênero, bem como apresentadas as modalidades mais costumeiras de violências contra mulheres e seus exemplos no dia a dia, desta forma, faz-se imperioso analisar neste momento os fatores determinantes para a existência de violência intergeracional contra a mulher, bem como buscar formas eficazes de minimizar seus efeitos.
3.1 Da violência intergeracional
Para compreender as particularidades da violência intergeracional tem-se primeiro que analisar melhor as relações familiares enquanto instituto, uma vez que é neste ambiente em que são apresentadas as crianças ao convívio social, mesmo que dentro de um ambiente controlado.
Esta violência se configura, primeiramente, pela aceitabilidade social do homem como detentor de poder dentro da instituição familiar. Tal situação garante e legitima o homem como detentor máximo de poder dentro do núcleo familiar, o que garante ao este, ainda, o exercício de controle entre os membros desta família, passando este a ditar suas leis, bem como disciplinar aqueles que não a obedecerem (RESSEL et all, 2011, n.p.).
A prevalência do poder centralizado em apenas um único indivíduo, definido por conta de seu sexo, gera uma atmosfera de medo, com relações permeadas de falsidade, em que os demais integrantes buscam, simplesmente, seguir o preceituado pelo homem. A problemática fica ainda pior quando o responsável utiliza de violência física para disciplinar as crianças e a mulher, o que impõe ao menor em formação a naturalidade da violência e a expressão da agressividade como amor (GOMEZ, et all, 2007).
Com todos os abusos sofridos e disfarçados estas crianças adentram para a sociedade com uma falsa percepção da realidade, momento em que buscam parceiros para iniciarem suas vidas como adultos, nesta fase inicia-se o novo ciclo da violência intergeracional, uma vez que aquele indivíduo conhece apenas sua antiga família como referência e introduz no novo grupo familiar seus ideais e preceitos, seja dominando ou sendo dominado.
Frisa-se, ainda, que os indivíduos não chegam sequer a ter conhecimento da realidade em que vive pois, uma vez que não conhece realidade distinta, situação que se alia ao fato de a sociedade aceitar na integralidade a existência do homem como dominador e detentor de poder, cria-se a aceitação cultural de tal fato como verdadeiro, sendo este o padrão a ser seguido, estando os demais fora do padrão e, consequentemente, errados (GOMEZ, et all, 2007).
Junta-se a isso, ainda, a objetificação da mulher e a retirada da mesma do seu status de pessoa, pois nessa sociedade patriarcal a mulher desempenha apenas o papel de serviçal do homem e objeto de obtenção de prazer. Desta forma, com a naturalização de tal fato e ampla aceitação social desta, qualquer luta por obtenção de direitos por parte das mulheres é vista como uma afronta ao direito certo do homem, direito este adquirido socialmente (GOMEZ, et all, 2007).
Com isso há o fechamento do ciclo da violência, o qual se configura, na maioria dos casos, com a repetição exata do processo de dominação, bem como a obtenção do poder na figura do homem, o qual o exerce na fixação de regras, bem como no emprego de diversas violência ocultadas sob a égide da disciplina, apoiados pela culpa religiosa e pela cultura patriarcal.
3.2 Fatores que contribuem para permanência da mulher em situações de violência
Por ser uma situação de grande complexidade, permeado por características específicas de violência e, por vezes, dependência, pode-se notar a existência de diversos motivos que contribuem a permanência da mulher na situação de violência.
Um primeiro fator para a permanência da mulher que se pode citar são os efeitos psicológicos da violência, a sensação de insegurança constante, efeito estes que impede a pessoa de agir, uma vez que qualquer descuido desta pode resultar em mais atos de violência, dos quais o homicídio, quase sempre, é o resultado (MUZINO et all, 2010). Sobre o tema, Mizuno, Fraid e Cassab, lecionam o seguinte:
As vítimas de violência conjugal, em geral, convivem com o isolamento social e o silêncio, imposto por mecanismos psicológicos de defesa diante da violência, contra sentimentos de fragilidade e impotência diante do abuso de força física e psicológica pelo parceiro masculino. Na maioria das vezes, sem protestos, sendo agredida, só lhe resta resignar-se frente à própria situação. Para as mulheres, o pior da violência não é somente a violência em si, mas a tortura mental e a convivência com o medo e o terror, onde através de palavras e atos aniquilam-se a auto-estima da vítima, deixando cicatrizes na alma, difíceis de serem apagadas (MIZUNO et all, 2010, p. 20/21).
Referida situação acaba por isolar a mulher ainda mais, impedindo que a grande maioria da sociedade tome conhecimento da violência presenciada. O isolamento proporcionado pelo agressor aliado a falta de confiança própria e o sentimento de vigilância constante retira da vítima oportunidades importantes de buscar por ajuda, vez que as oportunidades neste caso restam ínfimas.
Não bastasse todo o exposto, ainda possui a sociedade grande parcela de culpa nas situações de violência, uma vez que as mulheres são criadas, em sua grande maioria, para casarem e terem filhos, serem donas de casa e cuidarem de seus maridos. Com isso, quando no momento de violência ocorre o divórcio, por vezes, as mulheres figuram ainda como culpadas, sendo julgadas por suas ações ou mesmo a falta de algo (MUZINO et all, 2010). Sobre o tema os autos citados acima informam o seguinte:
Os sentimentos envolvidos neste processo, para os que se sentem agredidos, oscilam entre o medo em relação ao agressor e a vergonha, principalmente quando os episódios acontecem em público. Também, muitas vítimas explicitam um sofrimento imediato à agressão, relatando, inclusive, choro e angústia, principalmente quando os filhos estão envolvidos nas ocorrências violentas (MIZUNO et all, 2010, p. 20).
Neste quesito, tem-se que, conforme já explanado anteriormente, a religião, bem como a transmissão de conhecimentos comuns arcaicos possuem forte influência na sociedade atual, motivo pelo qual se mostra necessário a ruptura social, cultural e religiosa com tais conceitos, tendo em vista a prejudicialidade de crenças limitantes para inúmeros indivíduos.
Neste particular, relevante esclarecer que, não se pretende esgotar aqui a ideia de que as religiões são conceitos que denigrem e depreciam a mulher na sociedade. Pelo contrário, a religião pode ser canal de transformação do ser humano. O que se coloca em questionamento é a ideia persuasiva e distorcida que os líderes sacerdotais podem transmitir sobre as leis de Deus.
Não obstante todo o exposto, tem-se, ainda, que a violência, geralmente, não se mostra continua, mas se apresenta em formas de ciclos, onde possuem fases destrutivas e de alto índice agressivo, sendo esta alternância patente entre o agressor e a vítima, que ora têm momentos de calma e carinho, e ora de total rompante de fúria. Neste sentido é a citação apresentada a seguir:
Desta forma, percebemos que a realização do ciclo é apenas um padrão geral que, em cada caso, vai se manifestar de modo diferenciado, onde os próximos incidentes poderão ser ainda mais violentos e se repetir com maior freqüência e intensidade, podendo terminar muitas vezes, em assassinato. Assim, as mulheres sentem-se presas nessa relação de fases, pois, logo depois da agressão e das brigas o companheiro se mostra amoroso, arrependido, com juras de que nunca mais irá agredi-la, desculpando-se, com o intuito da mulher se sentir fortalecida para manutenção da relação. Nesta ciranda, a mulher, busca salvar a relação e se submete, acreditando no arrependimento do companheiro e desistindo de deixá-lo. Em pouco tempo, a relação volta a ficar tensa até o momento em que as agressões se reiniciam (MIZUNO et all, 2010, p. 22).
Desta forma, vários são os fatores que impedem/dificulta a saída das mulheres da situação de violência, situações que variam desde os efeitos da própria violência até mesmo a interferência social na vida das mesmas, motivo pelo qual verifica-se a necessidade urgente de mudança destes paradigmas.
3.3 Formas de enfrentamento da problemática: gênero x violência
O primeiro fator e talvez o mais importante acerca da erradicação das situações de violência seja a conscientização. Conforme explanado anteriormente, a violência intergeracional na grande maioria das vezes ocorre por conta da reprodução dos modelos familiares vividos, entretanto, não se mostra eficiente a reprodução de sistema precário e repressivo.
Ao analisar o referido instituto, percebe-se que possui funcionalidade e eficácia, entretanto, tal situação se dá apenas em detrimento da exclusão das vontades femininas em detrimento dos direitos do homem, situação que não possui a mínima ligação com os princípios constitucionais básicos, muito menos com os tratados internacionais de direitos humanos dos quais o brasil é signatário (GOMEZ, et all, 2007).
Para tanto, a conscientização e a educação familiar significam meio promissor para reestruturação deste núcleo, reestruturação esta pautada pela igualdade dos papéis, justiça e pelo amor, uma vez que a união e o funcionamento de nenhum instituto podem ter como base o medo e a coação, principalmente em se tratando de família.
Outro ponto importante é a superação de determinados pontos religiosos, com a consequente ruptura da igreja com o machismo. Ao analisar boa parte das religiões católicas, tem-se que a mulher é, na grande maioria das vezes, marcada pela extrema culpa, não só de suas ações, mas também das ações dos homens. Entende-se que embora tal situação tenha sido aceita a vários milênios atrás, o mesmo não se mostra sustentável atualmente, com a globalização da sociedade, bem como a independência da mulher como indivíduo não seria humano imputar-lhe a culpa pelas ações de terceiros (GOMEZ, et all, 2007).
Ressalta-se aqui que as religiões em si não são problemas ou interferem, significantemente, na situação da violência, mas, sim, que o problema consiste na forma como as mulheres são retratadas, historicamente, e o peso que tal situação passa em uma sociedade já tão marcada pela discriminação sexual (GOMEZ, et all, 2007).
Por fim, busca-se o rompimento do véu existente entre privado e particular, uma vez que a grande maioria das práticas contra a mulher acontecem sob a proteção do sigilo existente e garantido ao âmbito doméstico e familiar, neste ponto, o que se busca não é a eliminação da barreira existente entre ambos os seguimentos sociais, mas, sim, uma maior intervenção estatal nas relações familiares.
Frisa-se a importância da separação da vida íntima para a pública, bem como a intervenção mínima do estado nas relações familiares quanto a suas práticas, crenças e/ou autodeterminações, o que não pode ocorrer é a escusa por parte do Estado em se responsabilizar ou punir as agressões realizadas dentro do âmbito doméstico sob a premissa de respeito a privacidade (GOMEZ, et all, 2007).
Para consolidar tal alteração tem-se como positivo a elaboração de novas políticas públicas de conscientização acerca da violência, bem como da necessidade e o estímulo por denúncias em caso de presenciar tal situação, mas não apenas, uma vez que a manutenção dos trabalhos já realizados nesta área é de extrema importância.
Quanto a intervenção estatal, bem como a criação de programas para suporte e atendimento de pessoas em situação de violência e vulnerabilidade, tem-se que a expansão de serviços de atendimento exclusivo para tais pessoas é fundamental, bem como a ampliação de vagas e cargos para profissionais do sexo feminino dentro da administração, uma vez que tal situação abra maior margem para denúncia, visto que as mulheres e situações de violência possuírem maior dificuldade para confiar em pessoas do sexo masculino. Entretanto, tal situação se mostra favorável ainda por outro aspecto, pois cria maior margem para a implementação de mulheres em cargos efetivos, com maior possibilidade de emancipação destas, dando-lhes a liberdade que lhes é devido por direito (GOMEZ, et all, 2007).
Embora a violência contra a mulher possua em sua raiz aspectos sociais e culturais o que dificulta sua extinção, existem inúmeras formas de minimizar, gradativamente, a problemática, solucionando aos poucos a situação de violência, com a consequente extinção deste mal que ainda atinge a sociedade contemporânea.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme abordado em toda a pesquisa, é certo que a diferenciação dos indivíduos pelo sexo data desde a antiguidade, possuindo em seu núcleo a diferenciação física dos indivíduos, sendo que a sociedade passada se pautava, especificamente, pelo desenvolvimento físico, motivo pelos quais os homens se destacavam.
Posteriormente, esta diferenciação teve como base a intergeracionalidade, uma vez que o costume e a sociedade criaram o preconceito entorno da mulher como sendo incapaz para a realização de atividades complexas, deixo-a a cargo do lar e dos filhos, tirando-lhe a qualidade humana e iniciando-se, aí, a sua objetificação.
Com o advento da modernidade e luta do povo pela liberdade e emancipação dos detentores de poderes abusivos as mulheres se engajaram nas lutas e se viram capazes de se libertar, também, da prisão doméstica que lhes fora imposto a tanto tempo, conseguindo, finalmente, seu lugar na sociedade.
Embora conquistada esta liberdade juridicamente, na prática a situação nunca foi tão libertadora assim, uma vez que as mulheres possuem o direito constituído, mas não de fato, o que ocasiona a grande maioria de casos de violência em face das mulheres, pois estas se insurgem na luta por liberdade e igualdade efetivas, em detrimento das determinações contrárias ao sistema do patriarcado.
Neste ponto frisa-se a grande diversidade de violências a que são expostas diariamente as mulheres, por conta do preconceito institucionalizado bem como do machismo social dominante. Por conta de tão pouco são as mulheres agredidas diuturnamente, seja de maneira psicológica e financeira, seja moralmente ou fisicamente, o único ponto em comum em todas as agressões é a similaridade dos agressores e o ponto de partida dos atos violentos, a busca por igualdade e liberdade, direitos inerentes a todos os seres humanos.
Com o escopo de erradicar referida situação, tem-se que algumas medidas se mostram urgentes e necessárias, primeiramente a conscientização da sociedade que tais preceitos se mostram arcaicos sem fundamentos, com a consequente assimilação da necessidade urgente da igualdade social esperada.
A isso, ainda, insere-se a necessidade do rompimento de alguns preceitos religiosos como a culpa inerente a mulher e a situação atribuída a esta de pecadora primordial, tais situações embora constituam a crença de diversas pessoas reforçam a mulher em situação de vulnerabilidade, trazendo para diversos indivíduos em formação que a mulher encontra-se maculada de erro e culpa desde nascida apenas pelo gênero que possui.
Por fim, relata-se acerca da necessidade de elaboração de mais políticas públicas de prevenção, conscientização e melhores formas de punição para a pratica de tais crimes. Todas estas ações tem como intuito combater a violência em todos os seus momentos, no início, com a devida conscientização, na execução, com a efetiva denúncia pelas partes ou por terceiros e por fim, na consumação com a responsabilização do agente criminoso.
Desta forma, a aplicação destas medidas se mostra urgentes, pois os índices de violência aumentam a cada dia, o que acaba ceifando a vida de milhares de mulheres pela simples transmissão equivocada de um conceito tido como certo na antiguidade.
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