Vittoria Bruschi Sperandio, advogada. Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB Londrina. Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Londrina. Pós-graduanda em Direito Processual Penal pela Faculdade Damásio de Jesus. Aluna especial da disciplina “Direitos Humanos e a Autonomia Privada”, no Mestrado em Direito Negocial da Universidade Estadual de Londrina. E-mail: bruschivittoria@hotmail.com
Resumo: A grave crise humanitária protagonizada pelo autodenominado Estado Islâmico do Iraque e do Levante, grupo de combatentes extremistas seguidores da vertente sunita do Islã, envolve diversas vítimas, geralmente minorias étnicas e religiosas, especialmente mulheres e meninas, mas também homens e meninos. O artigo objetiva analisar, neste viés, a utilização de mulheres e meninas como “armas de guerra” pelo Estado Islâmico, as quais são separadas de suas famílias, sequestradas, drogadas, estupradas, vendidas como escravas sexuais, além de serem forçadas a se converter ao Islamismo e a se casar com combatentes, muitas vezes concebendo filhos advindos destas práticas. Além disso, tem-se por escopo colocar em pauta não só a violência sexual relacionada a situações de conflito, mas as consequências dela advindas, sobrelevando os mecanismos jurídicos adotados pela comunidade nacional e internacional para o combate e prevenção destas violações, que ultrapassam o limite da pura e simples violência e evidenciam a necessidade de se alcançar condições de igualdade de gênero e justiça, traduzidas na efetivação dos direitos metaindividuais e inalienáveis, de que é titular toda a pessoa humana.
Palavras-chave: Estado Islâmico. Violência sexual. Conflito armado. Direitos Humanos. Organização das Nações Unidas.
Abstract: The grave humanitarian crisis of the so-called Islamic State of Iraq and the Levant, a group of extremist followers of the Sunni Islamist side, involves several victims, usually ethnic and religious minorities, especially women and girls, but also men and boys. The article aims to analyze the use of women and girls as “spoils of war” by the Islamic State, which are separated from their families, kidnapped, drugged, raped, sold as sex slaves, and forced to convert to Islam and marrying combatants, often conceiving children from these practices. In addition, it is intended to address not only CRSV (Conflict-related Sexual Violence), but the consequences of it, overcoming the legal mechanisms adopted by the national and international community to combat and prevent these violations, which exceed the limit of pure and simple violence and show the need to achieve conditions of gender equality and justice, translated into the application of the metaindividual and inalienable rights, of which the whole human person is entitled.
Keywords: Islamic state. Sexual violence. Armed conflict. Human rights. United Nations Organization.
Sumário: Introdução. 1. Contextualização: a tomada da cidade de Sinjar e os atos de terror e violência praticados pelo Estado Islâmico contra a comunidade Yezidi. 2. Panorama legal. 2.1 Direito Internacional Humanitário (DIH) e Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH). 2.2 Conflitos armados internos e internacionais. 2.3 Leis nacionais e regionais do Iraque. 2.4 Leis do Governo Regional do Curdistão. 2.5 Lei Internacional. 3. Práticas tribais e religiosas relacionadas à violência sexual contra mulheres. 4. Violações de Direitos Humanos e Ações Concretas de Repressão. 4.1 Mulheres e Crianças vítimas de estupro e escravidão sexual. 4.2 Represálias e Atos de Punição Coletiva contra Mulheres forçadas a se casar com membros do EIIL. 4.3 Ratificação e anulação de casamentos. 4.4 Assistência Médica e Gravidez. 4.5 Crianças nascidas de mulheres mantidas em áreas controladas pelo EIIL. 4.6 Valas Comuns. 5. Organização das Nações Unidas: Recomendações e Resoluções. Conclusão.
Introdução
O viés extremamente violento e a constante prática de disseminar o terror são características já mundialmente conhecidas do grupo terrorista autodenominado Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL), ou “Daesh”, em árabe. No ano de 2014, o EIIL proclamou a criação de um califado entre o Iraque e a Síria, que embora não tenha sido reconhecido pela comunidade internacional, é a forma islâmica monárquica de governo e representa a unidade e liderança política de seu mundo.
A posição de seu chefe de Estado, o califa, se fundamenta na noção de um sucessor à autoridade política do profeta islâmico Maomé, e teria o poder de aplicar a lei islâmica (Shari’a) na terra do Islã. Desse modo, os integrantes jihadistas do EIIL se apresentam como verdadeiros herdeiros de um regime que existiu na época do profeta e, em suas concepções, suas ações são destinadas a aplicar a lei islâmica e, por esta razão, são consideradas totalmente legítimas, pois têm a benção de Deus.
Dentre estas ações, estão aquelas levadas a cabo por meio da violência sexual, geralmente direcionadas às minorias, como a comunidade Yezidi. O Yezidismo é uma religião oral, que extrai suas crenças do zoroastrismo, do cristianismo, do judaismo e do islamismo, e é transmitida através de hinos cantados por pessoas especialmente designadas, e com a utilização de instrumentos considerados santos. Os Yezidis já sofreram cerca de setenta e quatro genocídios, todos eles lembrados pela comunidade por meio do folclore, transmitido de mãe para filhos durante séculos, através de histórias de resistência[1].
A religião Yezidi está intimamente ligada à terra, aos templos e santuários em torno das cidades iraquianas de Sinjar e Lallish, e é perseguida pelo EIIL por seus praticantes serem considerados “infiéis” e “adoradores do diabo”, que se referem à comunidade religiosa como “uma minoria pagã, cuja existência deve ser questionada pelos muçulmanos”, acrescentando que “as mulheres podem ser escravizadas por serem consideradas armas de guerra”[2].
Diante da completa exposição dos intentos do Estado Islâmico em destruir a comunidade Yezidi, ocorreram mobilizações internamente, no Iraque, e internacionalmente, sobretudo por parte da Organização das Nações Unidas, que reiteradamente vem baixando resoluções e recomendações, tanto para combater especificamente a violência sexual relacionada ao conflito e baseada em questões de gênero, como para enfraquecer o Estado Islâmico como um todo.
Ao longo do ano de 2013, o autodenominado EIIL aumentou de forma constante o seu âmbito de operações em todo o Iraque. Entre o final de dezembro de 2013 e abril de 2014, o grupo expandiu seu domínio por meio do controle da Província de Anbar.
No início de junho de 2014, o EIIL atacou as áreas de Níneve, Salah al-Din e Diyala e, em 10 de junho de 2014, dominou Mosul, uma das maiores cidades do país, causando um êxodo em massa de aproximadamente quinhentas mil pessoas[3].
Na data de 3 de agosto de 2014, o Estado Islâmico atacou a cidade de Sinjar, no norte do Iraque, com o intuito de eliminar a comunidade Yezidi através de assassinatos, escravidão, torturas, conversão forçada ao islamismo, separação de homens e mulheres Yezidis e captura de mulheres e meninas para serem escravas sexuais. Homens e meninos, que aceitaram se converter ao islamismo, foram poupados e tornaram-se combatentes, mas os que se recusaram a abdicar de suas crenças religiosas, foram assassinados.
Testemunhas ouvidas pela UNAMI – United Nations Assistance Mission for Iraq (Missão de Assistência para o Iraque da ONU), órgão pertencente ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, localizado em Bagdá, relataram que várias famílias Yezidis foram avisadas por parentes que residiam em outras localidades sobre o avanço do EIIL, e decidiram fugir à pé até o Monte Sinjar, para se protegerem.
Estima-se que aproximadamente 6.300 Yezidis foram interceptados por jihadistas durante o percurso, os quais tiveram seus pertences furtados, tais como celulares, dinheiro, documentos de identificação e ouro, sendo depois mortos, no caso dos homens que se recusaram a se converter, ou capturadas, no caso das mulheres e meninas[4].
A parcela dos membros da comunidade Yezidi que logrou êxito em chegar em segurança até o Monte – cerca de 35.000 a 50.000 indivíduos, em 4 de agosto de 2014 – ficaram encurralados por vários dias, pois o local estava cercado pelo EIIL. A situação passou a ficar insustentável, com temperaturas que ultrapassavam 40 graus celsius, os suplementos humanitários como água, comida, abrigo e medicamentos começaram a acabar. Uma testemunha relatou à UNAMI que viu três mulheres e dez crianças morrerem de sede e de fome no topo da montanha[5].
Na data de 8 de agosto, quatro dias depois, as Forças Aéreas do Iraque e dos Estados Unidos da América lançaram, pelo ar, comida e outros suprimentos aos civis presos no Monte Sinjar. Contudo, diversos pacotes foram arremessados longe do topo da montanha e as pessoas tinham medo de descê-la para pegar a comida, e serem capturadas pelo EIIL[6].
Em 14 de agosto de 2014, com a ajuda de ataques aéreos realizados pela Força Aérea dos Estados Unidos, forças das Unidades de Proteção do Povo Curdo com base na Síria (Yekîneyên Parastina Gel ou “YPG”), junto com o PKK – Partiya Karkerên Kurdistanê (Partido dos Trabalhadores Curdos), um corredor para o Monte Sinjar foi aberto, possibilitando a travessia de aproximadamente 55.000 pessoas, incluindo a maioria das pessoas ali presas, para áreas mais seguras na Síria[7].
Segundo dados da Comissão Internacional Independente de Inquérito sobre a Síria, da Organização das Nações Unidas[8], obtidos através de testemunhos de sobreviventes Yezidis que conseguiram fugir do cativeiro, mulheres e crianças, em sua maioria, presenciaram os assassinatos de homens Yezidis, dentre eles seus pais, maridos, irmãos e filhos, antes de serem sequestradas e transferidas para outras localidades controladas pelo EIIL, dentre elas a então capital do califado do grupo terrorista, a cidade de Raqqa, na Síria, onde grande parte das capturadas ainda permanecem.
Além de serem raptadas e privadas de suas liberdades, testemunhas relataram que foram submetidas a severos maus-tratos, incluindo falta de comida e água, mesmo as capturadas mais vulneráveis, como crianças, idosas e deficientes. Em momentos de desespero, as Yezidis bebiam água de vasos sanitários dos prédios municipais, escolas e prisões onde geralmente eram aprisionadas, sendo que algumas das mulheres eram presas em túneis subterrâneos, onde permaneciam trancadas com água de esgoto na altura de seus joelhos, sem acesso à luz natural e suprimentos alimentícios apropriados. Não obstante, eram frequentemente espancadas com varas e correntes, enquanto os militantes as chamavam de “infiéis” e “porcas”, além de serem obrigadas em várias ocasiões a doar sangue para combatentes feridos[9].
De acordo com depoimentos de outras sobreviventes, existia um padrão de organização estabelecido entre os militantes, a maioria das meninas com menos de oito anos podiam ficar junto de suas mães, enquanto as crianças acima desta idade eram levadas. Uma testemunha feita de refém por 19 meses, relatou que foi capturada com sua filha de 13 anos, e que ao tentarem levá-la, a mulher a segurou pela mão com força para tentar impedir, e teve os ossos de sua mão fraturados por um militante, que bateu nela para desvencilhá-la da menina[10].
Outra testemunha presenciou a morte de uma mãe, que ao enfrentar combatentes que tentavam levar suas duas filhas, de 20 e 23 anos, foi degolada, sendo as adolescentes estupradas logo em seguida, na frente das outras reféns, incluindo crianças. Ademais, mulheres com crianças de colo, ou grávidas, geralmente não eram poupadas da violência sexual, sendo igualmente estupradas ou de qualquer forma abusadas[11].
Conforme exposto, o próprio EIIL já confirmou em várias declarações públicas que a escravidão sexual de capturadas é aceitável, pois são vistas como “armas de guerra”. A título de ilustração, em outubro de 2014, o grupo expediu um panfleto intitulado “Questions and Answers on Taking Captives and Slaves” (Perguntas e Respostas sobre Raptos de Capturados e Escravas), em que afirma que é permitido manter relações sexuais com uma criança que ainda não esteja na puberdade, e que uma escrava é considerada mera propriedade de seu “dono” e, após sua morte, pode ser distribuída como parte de seus bens[12].
Outro documento, também emitido em outubro de 2014, estabeleceu preços para a venda de mulheres e crianças raptadas: 300.000 dinares iraquianos para crianças de um a nove anos de idade; 150.000 dinares iraquianos para meninas de 10 a 20 anos de idade; 100.000 dinares iraquianos para mulheres de 20 a 30 anos; 75.000 dinares iraquianos para mulheres de 30 a 40 anos; e 50.000 dinares iraquianos para mulheres de 40 a 50 anos. O documento acrescenta que apenas combatentes estrangeiros da Turquia, Síria e dos estados do Golfo estão autorizados a comprar mais de três capturadas.
Outrossim, milhares de mulheres e meninas, foram vendidas como escravas sexuais e forçadas a permanecer em bordéis pertencentes ao EIIL. Depoimentos de sobreviventes atestam que os combatentes as trancavam em pequenas salas, sem janelas ou qualquer tipo de iluminação, as drogando através de injeções e pílulas[13].
Os jihadistas ficavam de joelhos e rezavam antes de cometer estupros, convencidos de que o ato era sancionado por sua religião[14]. Em uma escala diária, diversos homens estupravam uma mesma mulher, enquanto gritos de outras capturadas podiam ser ouvidos no local[15].
Em depoimento prestado à UNAMI, uma sobrevivente revelou que toda noite era forçada a tirar seu lenço da cabeça e a andar por um grande corredor, em frente aos membros do EIIL, ouvindo-os gritar “propriedade barata”. Após, foi vendida a um militante turco, um mês depois, foi vendida novamente a um sírio, que tinha um amigo que tentou levar sua filha, de apenas 7 anos de idade. Depois que uma outra testemunha conseguiu salvar a criança, a sobrevivente cortou seus cílios e seus cabelos, rasgou suas vestes e lhe colocou fraldas, dizendo à criança que fingisse ter deficiência mental, para que os raptores a deixassem em paz[16].
Seguidamente, a mesma sobrevivente foi “dada de presente” a outro homem sírio, depois vendida a um militante do EIIL da Tunísia e então para um homem da Arábia Saudita. Três meses depois, foi vendida a um combatente egípcio, o qual tentou estuprar a sobrevivente e sua filha no primeiro dia. Por esta razão, ela tentou matar a criança e se se suicidar. No dia consecutivo, o homem procedeu da mesma maneira, mas a sobrevivente foi ajudada pela esposa do combatente, que a aconselhou a “viver por sua filha”. Em seguida, conseguiu escapar, com a ajuda de um contrabandista[17].
De acordo com dados apurados pela UNAMI, as vítimas geralmente permanecem em cativeiro de 3 a 19 meses, e várias delas são libertadas com a ajuda de contrabandistas, que exigem uma grande quantia de dinheiro de suas famílias para realizar o “serviço”[18].
Uma das vencedoras no Prêmio Nobel da Paz de 2018, a ativista humanitária Nadia Murad, mulher Yezidi, ex-escrava sexual do Estado Islâmico, relatou sua experiência por diversas vezes, atestando que o mercado escravo sexual pertencente ao grupo abria à noite, quando as mulheres capturadas podiam ouvir a empolgação dos combatentes jihadistas, se registrando e se organizando para usufruir de suas “armas de guerra”.
Nadia relatou que quando o primeiro militante entrou no quarto em que estava junto com diversas outras mulheres e meninas Yezidis, todas começaram a gritar, “como se tivesse havido uma explosão” e a gemer como se estivessem feridas, enquanto vomitavam pelo chão, mas nada disso era suficiente para deter os militantes[19].
Os combatentes andavam pelo cômodo, as analisando, enquanto elas gritavam e imploravam. Primeiro, iam em direção às garotas mais bonitas, examinando seus cabelos e bocas, e perguntando aos guardas em árabe ou em turcomano se eram de fato virgens, os quais afirmavam positivamente, de maneira orgulhosa. Após, as tocavam em qualquer lugar que quisessem, como se fossem animais[20].
Nadia Murad relatou também que quando eram de qualquer forma abusadas, as mulheres gritavam, tentando tirar as mãos dos militantes de seus corpos, se enrolando em formato circular no chão para se salvaguardar, ou se jogando sobre suas irmãs, mães, filhas ou amigas, para tentar protegê-las[21].
Ainda, asseverou que o ataque do EIIL à Sinjar, bem como os sequestros de mulheres e meninas para serem usadas como escravas sexuais, não foi uma decisão espontânea e impensada, tomada de imediato no campo de batalha. Segundo a sobrevivente, O Estado Islâmico planejou tudo: como entrariam nas casas, o que tornava uma garota mais ou menos valiosa, quais militantes “mereciam” uma sabaya (escrava sexual) como uma forma de incentivo, e quais deveriam pagar para tê-las. O grupo até utilizou as sabayas em sua revista de propaganda, a Dabiq, em uma tentativa de atrair novos recrutas[22].
Diversas mulheres capturadas, após permanecerem como mercadoria em bordéis, foram obrigadas a se casar com militantes do EIIL. Algumas tiveram filhos, os quais nunca mais poderão ver, por terem fugido. Concomitantemente, quando conseguem voltar as suas famílias, além de sofrerem discriminação por serem consideradas mulheres “desonradas”, não podem sequer falar sobre a existência dos filhos, pois as crianças que são frutos de estupros ocorridos em cativeiro, não são reconhecidas como legítimas, por também serem filhos de militantes[23].
O líder supremo dos Yezidis, Khurto Hajji Ismail, que é conhecido como “Baba Sheikh”, declarou em 2014 que as mulheres Yezidis que haviam sido escravizadas pelo EIIL eram bem-vindas na comunidade. Mas nada semelhante existe para as crianças nascidas de estupro durante o cativeiro, as quais são totalmente marginalizadas, tanto pela comunidade, quanto pelo próprio governo iraquiano[24].
De acordo com Adnan Asaad Tahir, diretor do Departamento Psiquiátrico do Hospital Azadi, localizado na cidade de Duhok, no Iraque, toda semana, cerca de duas sobreviventes Yezidis são hospitalizadas após tentarem cometer suicídio, em decorrência de depressão e estresse pós-traumático, observados depois do período de cativeiro e principalmente após entenderem que nunca mais poderão retornar as suas antigas casas, pois a maioria delas foi completamente destruída na ocasião do ataque, em Sinjar[25].
A cidade de Sinjar, antes considerada a terra nativa da comunidade Yezidi, atualmente está deserta e abandonada, visto que setenta por cento dos prédios foram danificados ou destruídos, sendo que apenas quatro mil, das cinquenta mil famílias antes ali residentes, retornaram ao local[26].
Segundo Ahmed Khudida Burjus, vice-diretor do Yazda, um grupo defensor dos direitos humanos dos Yezidis, localizado nos Estados Unidos, cerca de 7.000 mulheres e meninas foram capturadas e vendidas como escravas. Ademais, pelo fato da religião Yezidi se basear na tradição oral, a taxa de alfabetização da comunidade é baixa. Isto, por sua vez, tornou mais difícil para as mulheres escapar de seus captores, por não serem aptas a ler sinais de trânsito ou mensagens de eventuais resgatadores. Ainda, se a fuga porventura ocorrer, mas for malsucedida, as capturadas são penalizadas com espancamento e estupro coletivo.
O grupo documentou ainda, pelo menos cinquenta e quatro valas comuns de Yezidis, mas a falta de recursos atrasou a exumação dos restos mortais, podendo haver mais sepulturas a serem descobertas.[27]
Neste sentido, um Relatório sobre as atrocidades cometidas pelo EIIL contra a comunidade Yezidi, confeccionado pela UNAMI, datado de Agosto de 2016, estimou que o EIIL assassinou entre 2.000 a 5.500 Yezidis desde Agosto de 2014.
A UNAMI também se manifestou, repetidas vezes, no sentido de que muitos crimes cometidos pelo EIIL configuram crimes de guerra, crimes contra a humanidade e até genocídio[28].
Do contingente de mulheres e crianças capturadas, menos da metade conseguiu escapar, sendo que de acordo com as autoridades locais este montante corresponde a 934 mulheres, 325 homens, 658 meninas e 670 meninos[29]. Contudo, milhares de Yezidis sobreviventes ainda estão acolhidos em campos de refugiados, vivendo apenas com um cobertor e uma cesta básica mensal, enquanto cerca de 3.799 outros permanecem em cativeiro sob poder do EIIL (1.935 mulheres e 1.864 homens)[30].
Inquietos e marginalizados, há pouca esperança de que retornem as suas casas. Muitas delas não foram reconstruídas, enquanto a falta de instituições estatais não permite que as funções básicas destinadas a proporcionar às pessoas conforto e segurança sejam exercidas. Enquanto isso, aqueles que possuíam melhores condições financeiras, deixaram o Iraque.
2.1 Direito Internacional Humanitário (DIH) e Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH)
A finalidade precípua do Direito Internacional Humanitário (DIH) e do Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) é a proteção da vida, da saúde e da dignidade da pessoa humana, entretanto, sob óticas distintas.
O Direito Internacional Humanitário regulamenta questões não contempladas pelo ramo do Direito Internacional dos Direitos Humanos, como a condução das hostilidades, o status de combatente e de prisioneiro de guerra, a proteção do emblema da cruz vermelha e do crescente vermelho.
Em contrapartida, o Direito Internacional dos Direitos Humanos dispõe acerca de aspectos da vida em tempos de paz, que não estão regulamentados pelo DIH, como a liberdade de imprensa, o direito de reunião, de votar e fazer greve.
O DIH é um conjunto de normas internacionais, convencionais e consuetudinárias, destinadas a regulamentar problemas causados diretamente por conflitos armados internacionais e não internacionais. Ou seja, protege as pessoas e os bens afetados, ou que podem ser afetados por um conflito armado, ao mesmo tempo em que limita o direito das partes conflitantes de escolher os métodos e os meios de fazer guerra[31].
Os principais tratados de DIH aplicáveis em caso de conflito armado internacional são as quatro Convenções de Genebra e seu Protocolo Adicional I, de 1977. Em caso de conflito armado não internacional, as principais disposições aplicáveis são o artigo 3º, comum às quatro Convenções de Genebra e as disposições do Protocolo Adicional II[32].
Por sua vez, o DIDH é um conjunto de normas da mesma natureza que o DIH, mas que estipula o comportamento e os benefícios que as pessoas ou grupos de pessoas podem esperar ou exigir do Governo.
Neste contexto, os direitos humanos são aqueles inerentes a todas as pessoas, em razão de sua condição enquanto seres humanos, sendo que muitos princípios e diretrizes de índole não convencional (direito programático) integram também o conjunto de normas internacionais de direitos humanos.
As principais fontes convencionais do DIDH são os Pactos Internacionais de Direitos Civis e Políticos e de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), as Convenções relativas ao Genocídio (1948), à Discriminação Racial (1965), Discriminação contra a Mulher (1979), Tortura (1984) e os direitos das Crianças (1989). Os principais instrumentos regionais são a Convenção Européia para a Proteção dos Direitos Humanos (1950), a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (1948), a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos (1969) e a Carta Africana sobre os Direitos Humanos e dos Povos (1981)[33].
No tocante ao âmbito de aplicação dos dois ramos jurídicos, o DIH deve ser aplicado na hipótese de conflito armado: nos conflitos internacionais, deve ser acatado pelos Estados envolvidos e, nos conflitos internos, pelos grupos de oposição ao Estado. Por outro lado, o DIDH impõe obrigações aos Governos, em suas relações com os indivíduos.
Assim, a ONU entende que ainda que o DIDH seja pautado em tratados e encontrado na legislação internacional consuetudinária, pode ser aplicado também durante conflitos armados não-internacionais, de modo indireto. Isto porque, o DIDH impõe responsabilidade direta ao Estado em que ocorrem violações. Portanto, o Iraque, como Estado-parte em um tratado internacional, tem a obrigação de garantir que sejam tomadas as medidas necessárias para que as violações sejam evitadas e não repetidas, bem como para investigar os crimes cometidos prontamente, de forma eficaz e independente, responsabilizando os ofensores e garantindo que seja fornecido remédio adequado às vítimas[34].
Do mesmo modo, teoricamente, atores não-estatais – como o EIIL e grupos armados associados – ainda que não possam formalmente se tornar partes de tratados internacionais de direitos humanos, exercendo funções de governo e controle sobre território, devem respeitar os direitos humanos quando suas condutas afetarem os direitos humanos dos indivíduos sob seu controle[35].
O DIH, por seu turno, protege as pessoas que não participam ou que deixaram de participar nas hostilidades. As Convenções de Genebra, aplicáveis em caso de conflito armado internacional, garantem proteção aos feridos e enfermos das forças armadas em campanha (Convenção I), aos feridos, enfermos e naufragados das forças armadas no mar (Convenção II), aos prisioneiros de guerra (Convenção III) e aos civis (Convenção IV). Os deslocados internos, as mulheres, as crianças, os refugiados, os apátridas, os jornalistas, dentre outros, formam parte da categoria de civis (Convenção IV e Protocolo I).
Do mesmo modo, as normas aplicáveis em caso de conflito armado não internacional (Protocolo II e artigo 3º comum das Convenções de Genebra), referem-se ao tratamento devido às pessoas que não participam ou que deixaram de participar das hostilidades.
As normas de DIH relativas à condução das hostilidades protegem também as pessoas civis, devendo as partes em conflito, a todo tempo, fazer distinção entre combatentes e não combatentes, e entre objetivos militares e não militares. Nem a população civil em geral, nem os civis em particular, podem ser objeto de ataques e é proibido atacar objetivos militares, se o ataque puder causar danos desproporcionais às pessoas ou aos bens civis[36].
Assim, todas as partes envolvidas no conflito estão vinculadas às normas de DIH, incluindo regras consuetudinárias. Entre as mais importantes, estão os princípios da distinção e da proporcionalidade, além da exigência de adotar todas as precauções viáveis para evitar ou minimizar o impacto da violência sobre a população civil[37].
Violações sérias de tratados e de leis internacionais consuetudinárias podem constituir, inclusive, crimes de guerra. Outros atos, incluindo assassinatos, tortura, estupro, escravidão sexual, deslocamento forçado, quando cometidos de modo amplo, sistemático e consciente, direcionados contra qualquer população civil, podem constituir crimes contra a humanidade. Nessa esteira, crimes como homicídio e lesões corporais ou mentais de natureza grave contra integrantes de um grupo nacional, étnico, racial ou religioso – como é o caso da comunidade Yezidi – cometidos com o intento claro de destruí-lo, no todo ou em parte, podem ser classificados como genocídio[38].
Neste viés, antes da investida do EIIL contra a cidade de Sinjar, em agosto de 2014, sublinha-se que diversas testemunhas reportaram em depoimentos à UNAMI, que após ouvirem rumores de que a cidade seria atacada, foram tranquilizados por outros moradores, que disseram que poderiam ficar em suas casas, pois haviam ouvido de membros do EIIL que os civis não seriam feridos de nenhum modo, assim como determinam as normas humanitárias. No entanto, ao ficarem, presenciaram a separação de mulheres e homens Yezidis, e seus subsequentes assassinatos[39].
2.2 Conflitos armados internos e internacionais
Do ponto de vista jurídico, mais especificamente segundo a classificação do Direito Internacional Humanitário, há dois tipos de conflitos armados, o internacional e o não internacional. O internacional se dá entre dois Estados, enquanto o não internacional, entre forças governamentais e grupos armados não governamentais, ou somente entre estes grupos[40].
Baseado nos tratados, o DIH também estabelece uma distinção entre os conflitos armados não internacionais, na acepção do artigo 3º, comum às Convenções de Genebra de 1949, e os que se encaixam na definição prevista pelo artigo1º, do Protocolo Adicional II.
O artigo 3º, comum às quatro Convenções de Genebra, marcou uma ruptura porque, pela primeira vez, foram abrangidas as situações de conflitos armados não internacionais. Estes tipos de conflitos variam enormemente, compreendem as guerras civis tradicionais, conflitos armados internos que se propagaram a outros Estados, ou conflitos internos nos quais intervêm terceiros Estados ou uma força multinacional junto aos governos.
O artigo 3º comum, estipula normas fundamentais que são inderrogáveis: determina o tratamento humano para todos os indivíduos em poder do inimigo sem nenhuma distinção adversa, proibindo especialmente os assassinatos, mutilações, torturas, tratamentos cruéis, humilhantes e degradantes, tomada de reféns e julgamentos parciais; determina que os feridos, enfermos e naufragados sejam recolhidos e tratados; outorga ao Comitê Internacional da Cruz Vermelha o direito de oferecer seus serviços às partes em conflito; insta as partes em conflito para pôr em vigor, mediante os chamados acordos especiais, a totalidade ou parte das Convenções de Genebra e reconhece que a aplicação dessas disposições não afetam o estatuto jurídico das partes em conflito[41].
Já o artigo 1º, do Protocolo Adicional II, preceitua que as normas do Protocolo não se aplicam às situações de tensão e de perturbação internas, tais como motins, atos de violência isolados e esporádicos e outros atos análogos, que não são considerados como conflitos armados.
Nessa toada, considerando que a maioria dos conflitos armados existentes atualmente no mundo são de índole não internacional, a aplicação efetiva destes dispositivos é de suma importância. Contudo, é notório que tais diretrizes humanitárias não estão sendo observadas pelo Estado Islâmico, o que exige um posicionamento mais rígido dos órgãos regulamentadores nacionais e internacionais.
2.3 Leis nacionais e regionais do Iraque
A Constituição Federal do Iraque de 2005 garante direitos fundamentais aos cidadãos do país – mulheres e homens – incluindo igualdade perante a lei, no que se refere a sua aplicação, e igualdade de tratamento perante a lei, de acordo com o que dispõe o artigo 14, do diploma legal[42].
O artigo 19, a seu turno, preceitua que os cidadãos devem ser tratados com justiça no âmbito de procedimentos judiciais, seguido pelo dispositivo número 20, que assegura a participação em assuntos de interesse público. É igualmente garantido constitucionalmente o direito ao trabalho disposto no artigo 22, e a preservação da família, a proteção da maternidade, da infância e da terceira idade, além da proibição do trabalho infantil e da violência na família, de acordo com o artigo 29[43].
A Magna Carta do Iraque, também garante a todos os iraquianos, “especialmente mulheres e crianças”, “segurança social e de saúde”, conceituados pela própria Constituição como “requisitos básicos para viver uma vida livre e decente”. Outrossim, é assegurado o direito à renda e à habitação, pelo artigo 30, bem como à assistência médica (artigo 31), a cuidados para pessoas com deficiência (artigo 32) e à educação (artigo 34)[44].
No tocante ao projeto de legislação iraquiano específico à Proteção da Família, a aplicação dos compromissos assumidos pelo país perante a comunidade internacional, por meio de tratados não foi considerada satisfatória pela UNAMI, e ainda está pendente de aprovação pelo Conselho Representativo do Iraque, única câmara legislativa do país. Do mesmo modo, o projeto de lei sobre abrigamento de vítimas de violência doméstica, ainda está sendo revisado[45].
Um problema ainda existente, que merece destaque, são as disposições constantes do Código Penal nº 111, de 1969, do Iraque, o qual permite que a “honra” seja utilizada como fundamento legal em casos de crimes contra a mulher e membros da família, ocasionando a morte de centenas de mulheres todos os anos[46].
Ademais, ainda que o Código de Processo Penal Iraquiano nº 23, de 1971, preveja a instauração de processos criminais como um direito pessoal da vítima, incluindo casos de estupro (artigo 3º), em contrapartida, o Código Penal permite que estupradores casem com suas respectivas vítimas, a fim de extinguir a persecução criminal[47], o que além de não as proteger, as expõe a ofensas diárias, validadas pelo Estado, e aniquila as chances de uma mulher ofendida sexualmente se defender e buscar justiça, ainda mais quando é integrante de uma sociedade ultraconservadora, como é o caso do Iraque, em que muitas vezes as mulheres sequer estão dispostas a dar início a tais procedimentos, por medo de serem ainda mais discriminadas pela própria sociedade.
Nesse sentido, o Governo Federal do Iraque e o Governo Regional do Curdistão, assumiram junto à Organização das Nações Unidas (ONU), compromissos focados na violência sexual relacionada a conflitos, por meio da assinatura do denominado “Joint Communiqué on Prevention and Response to Conflict-Related Sexual Violence” (Comunicado Conjunto sobre Prevenção e Resposta à Violência Sexual Relacionada a Conflitos). Para tanto, comprometeram-se a convocar autoridades nacionais relevantes, incluindo instituições de segurança, serviços sociais e autoridades médicas e judiciais[48].
O Joint Communiqué tem como prioridade a estruturação colaborativa de seis áreas: 1) apoiar a reforma legislativa e política para fortalecer a proteção de crimes sexuais e sua repressão, e para facilitar a documentação, retorno e reintegração de deslocados internos (ou “IDP”, em inglês, sigla para “Internally Displaced Person”), pessoas forçadas a deixarem sua cidade natal em razão de conflitos, mas que permanecem vivendo nos limites da fronteira de seu país nativo; 2) garantir a responsabilização de perpetrantes de violência sexual; 3) assegurar a prestação de serviços, meios de subsistência e reparações para sobreviventes e crianças frutos de estupro; 4) envolver líderes tribais e religiosos e a sociedade civil, bem como mulheres defensoras dos direitos humanos, na prevenção de crimes sexuais e facilitar o retorno e a reintegração de sobreviventes; 5) assegurar que as diretrizes relativas à violência sexual sejam adequadamente refletidas no trabalho da Comissão Iraquiana Contra o Terrorismo, incluindo o reforço do papel das mulheres nos esforços de luta contra o terrorismo; e 6) aumentar a conscientização e aprofundar o conhecimento sobre a Violência Sexual Relacionada a Conflitos, inclusive por meio do envolvimento com a mídia, através campanhas de conscientização pública.
No Comunicado Conjunto, o Governo do Iraque também solicitou a assistência da Equipe de Peritos das Nações Unidas sobre o Estado de Direito e Violência Sexual Relacionada a Conflitos, para fornecer apoio na investigação e persecução de crimes sexuais[49].
Sobreleva-se ainda, que os compromissos assumidos têm o suporte do Primeiro Ministro do Iraque, al-Abadi, e do Primeiro Ministro Barzani, do Governo do Curdistão, que estão localizados estrategicamente no Conselho de Ministros e no Alto Conselho de Assuntos para Mulheres, em Bagdá (capital do Iraque) e em Erbil (capital da Região do Curdistão), respectivamente.
A ONU, através da UNAMI, também designou um Conselheiro Sênior para Proteção das Mulheres, com fundos disponibilizados pela rede intradepartamental de Ação Contra a Violência Sexual, da Organização, para dar apoio aos esforços empreendidos pelo governo iraquiano.
Outrossim, foram realizados dois workshops em Julho de 2017 pela UNAMI e pelo Escritório do Representante Especial do Secretário-Geral para Violência Sexual Relacionada a Conflitos, em Bagdá e em Erbil, para discutir a efetiva implementação das diretrizes estabelecidas no Joint Communiqué, com autoridades nacionais[50].
2.4 Leis do Governo Regional do Curdistão
Precipuamente, cumpre esclarecer que a denominada Região Iraquiana do Curdistão, é uma região autônoma localizada ao norte do Iraque, terra nativa dos povos curdos.
A região é definida pela própria Constituição do Iraque como uma “entidade federal” do país, oriunda de intensa disputa entre o Governo Iraquiano, sob comando de Saddam Hussein[51], e a Oposição Curda, que perdurou durante anos, e foi dirimida em 1970, quando ambas as partes assinaram um Acordo de Autonomia[52].
Na Região do Curdistão do Iraque, uma série de leis e emendas à legislação iraquiana destinadas a fortalecer as disposições regionais relacionadas aos direitos humanos, foram recentemente propostas ou entraram em vigor.
Dentre diversas novidades, está a Lei nº 5, de 2015, destinada à Proteção aos Direitos dos integrantes da Região do Curdistão – cujo povo já foi vítima de genocídio – a qual aborda os direitos das minorias étnicas e religiosas; a primeira estruturação do projeto de lei sobre o combate ao tráfico de pessoas na região; e a revogação do artigo 409 do Código Penal, que minimizava as penas de assassinatos praticados por parentes do sexo masculino, com base na “honra”[53].
Não obstante, Governo Regional Curdistão estabeleceu um número de entidades que têm competência para promover o respeito e a proteção aos direitos das mulheres e responder às necessidades daquelas que sofreram abusos por parte do EIIL, dentre elas, o estabelecimento do Alto Comitê de Identificação de Crimes de Genocídio contra Residentes da Área do Curdistão, encarregado de receber reclamações de vítimas, investigar os casos, manter uma base de dado e fornecer apoio psicossocial às vítimas.
Ademais, foram implementados mecanismos dentro do Ministério da Saúde, do Ministério do Interior, do Ministério do Trabalho e Assistência Social, do Ministério de Assuntos Religiosos, em particular seu Escritório para Assuntos Administrativos dos Yezidis[54].
Essas leis e propostas de emendas fazem parte de uma série de esforços conjuntos, empreendidos nos últimos anos para promover e fortalecer o Estado de Direito na região do Curdistão, especificamente relacionados à proteção de mulheres e crianças, contra todas as formas de violência.
Ocorre que, apesar deste grande avanço, as leis geralmente não são possuem mecanismos de implementação, e as condições econômicas da região restringiram drasticamente a disponibilidade de recursos para tanto.
2.5 Lei Internacional
O Iraque é parte em oito, dos nove principais instrumentos de direitos humanos internacionais: ICCPR – International Convenant on Civil and Political Rights (Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos), desde 1971; CEDAW – Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination Against Women (Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres), desde 1986; CRC – Convention on the Rights of the Child (Convenção sobre os Direitos da Criança), desde 1994, e de seu Protocolo Opcional sobre o Envolvimento de Crianças em Conflitos Armados, desde 2008; ICPPED – The International Convention for the Protection of All Persons from Enforced Disappearance (Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado), desde 2010; e CAT – Convention against Torture (Convenção contra a Tortura), desde 2011[55].
Além disso, é de suma importância o fato de que o Iraque é um dos membros fundadores da Organização das Nações Unidas, signatário da UNC – United Nations Charter (Carta das Nações Unidas), tratado que a estabeleceu, que é considerado o documento mais importante da Organização, de acordo com seu artigo 103, que dispõe que em caso de conflito entre as obrigações dos membros da ONU em virtude da Carta, e as obrigações resultantes de qualquer outro acordo internacional, prevalecerão as obrigações assumidas em virtude da Carta[56].
Neste viés ainda, sobreleva-se que o Iraque votou a favor da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948 e, em 1959, aderiu à Convenção sobre a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio[57].
Em sentido oposto, o Iraque não é signatário do Estatuto de Roma, que instituiu o Tribunal Penal Internacional e, portanto, os crimes capitulados no Estatuto não foram positivados na legislação doméstica. Ademais, o Iraque não aceitou a competência do Tribunal Penal Internacional para atuar na conjuntura hodierna do país, hipótese prevista no Item “3”, do artigo 12.
Desse modo, considerando que o conflito armado existente no Iraque atualmente é de índole não internacional, além de não estarem sendo observadas as disposições do Direito Internacional Humanitário aplicáveis neste âmbito, principalmente o artigo 3, comum às Convenções de Genebra, as obrigações assumidas internacionalmente tampouco estão sendo cumpridas, culminando em uma inércia em relação à contenção de ataques a civis, ao princípio da proporcionalidade e à obrigação de adotar todas as precauções possíveis para proteger a população civil dos efeitos dos ataques.
A Província de Níneve, localizada na parte noroeste do Iraque, a cerca de 400 quilômetros de Bagdá, abriga a antiga cidade assíria de Nineveh e a grande cidade de Mosul, a qual foi tomada em meados de 2014 pelo EIIL, onde o grupo proclamou seu “califado”. Em julho de 2017, com o apoio aéreo dos Estados Unidos e de seus aliados, tropas iraquianas conseguiram libertar a cidade.
Neste ínterim, em março de 2016, representantes das principais tribos da Província de Níneve, assinaram um “Acordo Tribal”, endossado por seu Conselho Provincial, que tem por objetivo aplicar “mecanismos e costumes de justiça tradicionais”.
Uma das disposições do Acordo Tribal prevê o despejo forçado de famílias ligadas ao EIIL e transferência de sua propriedade para vítimas, como forma de reparação. Os representantes afirmaram que a apreensão das propriedades também ajudaria a mitigar outras formas de retaliação contra famílias que dão suporte ao grupo terrorista, ao mesmo tempo em que a redistribuição serviria como “terapia mental” para as vítimas e facilitaria o retorno de pessoas uma vez deslocadas de Níneve[58].
A UNAMI, junto ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (OHCHR – Office of The High Commissioner for Human Rights), manifestou discordância com o método adotado pelas Tribos, visto que o despejo forçado de famílias supostamente apoiadoras do EIIL é uma forma de punição coletiva, o que vai contra a Lei Iraquiana e Internacional[59].
Outrossim, o Acordo Tribal também comina pena de morte em caso de “crimes graves”, e prevê que crimes cometidos contra mulheres não devem ser passíveis de anistia, além de exigir que aqueles que cometeram crimes “menos graves” sejam detidos, inclusive os relativos às formas de apoio financeiro ou angariação de fundos para subsidiar as atividades do EIIL, ou à destruição de lugares culturais e religiosos. Finalmente, o Acordo Tribal especifica que eventuais iniciativas de reconciliação em Níneve devem ocorrer mediante consulta com líderes tribais[60].
Nessa toada, em fevereiro de 2017, um grupo de Sheikhs e líderes tribais do Iraque emitiu o intitulado “Documento das Tribos Iraquianas para a Paz Comunitária”, que incentiva a adoção de um “remédio para a injustiça social imposta às mulheres vítimas de estupro”, aduzindo que as mulheres que foram estupradas ou que foram submetidas a outras formas de violência sexual são “vítimas que merecem apoio (psicológico e moral) das organizações humanitárias e da comunidade, além de empatia, porque suas vontades foram roubadas”[61].
Na mesma data, o Ministério Sunita de Doações do Iraque (Iraq’s Diwan of Sunni Endowments), uma organização sem fins lucrativos, responsável por doações muçulmanas e supervisão de templos, voltados também para o culto de outras doutrinas e religiões no país, como a Yezidi[62], junto com o Conselho Supremo do Iraque (Iraqi Supreme Council of Fatwa), emitiu um pronunciamento sobre “a posição do Islã sobre mulheres violentadas”, que oferece uma visão religiosa sobre os papéis dos homens (aqueles que cometem estupro), mulheres (que foram estupradas) e a relação da sociedade com ambos.
Sob esta ótica, um homem que comete estupro sem acreditar que sua conduta é “religiosamente permissível”, deve ser considerado um “fornicador que pratica atos de violência e incute danos à sociedade”, e ser submetido às punições previstas no Alcorão (texto religioso islâmico).
Ainda, um homem que comete estupro acreditando que sua conduta é “permitida religiosamente”, deve ser considerado um “incrédulo infiel cuja morte é autorizada”.
No tocante às mulheres que foram violadas, o pronunciamento atesta que uma mulher que tenha sido forçada em qualquer circunstância, não pode ser considerada uma “pecadora”, nem deve ser punida de qualquer forma, mas deve ser “compreendida”[63].
Finalmente, o documento assevera que a sociedade e as famílias das vítimas devem protegê-las e adotar medidas para mitigar os efeitos do ataque sofrido, tais como cuidados psicológicos e médicos, não culpar a vítima, e parar de tratá-la com reprovação ou como pessoas “desonradas”[64].
Não obstante, outros acordos tribais também entraram em vigência, incluindo a “Aliança Anbar” (Anbar Covenant), em Julho de 2016, aprovado por representantes das tribos ocidentais da Província de Anbar, o “Pacto de Heet” (Heet Covenant), em Novembro de 2016, endossado por líderes tribais em Heet, subdistrito de Anbar, e o denominado “al-Sabaawi”, acordo endossado por representantes tribais de al-Sabaawi, subdistrito de al-Qayyarah, da cidade de Mosul. Esses acordos incluem disposições de natureza tradicional e tribal, conhecidas historicamente no Iraque por afastar os assuntos criminais de qualquer supervisão judicial[65].
4.1 Mulheres e Crianças vítimas de estupro e escravidão sexual
Uma das maiores preocupações em relação às mulheres e crianças raptadas pelo EIIL, submetidas à escravidão sexual, estupro e outras formas de violência sexual, é assegurar acesso à assistência médica, psicossocial e financeira, deveres incumbidos ao Iraque, de acordo com leis domésticas e tratados internacionais dos quais é signatário.
Além disso, o país deve garantir que as vítimas tenham pleno acesso à justiça e à reparação, através do julgamento dos supostos ofensores, conduzidos por tribunais independentes e imparciais, estabelecidos legalmente, sob o crivo do devido processo legal e dentro dos parâmetros de um julgamento justo.
Acima de tudo, todo procedimento deve ser conduzido de uma maneira sensível no que se refere às questões de gênero, a fim de evitar o fenômeno da revitimização das mulheres e crianças.
Isto porque, a perpetuação da vitimização configura-se tão séria quanto o próprio trauma infligido pela conduta delitiva, e se dá em razão da forma como são conduzidos os procedimentos pelos quais as vítimas passam durante a tramitação do processo judicial desde a revelação do abuso, que muitas vezes contribui para que elas revivam aspectos do trauma sofrido, causando-lhes grande sofrimento psicológico. Isso se dá em razão da repetição do seu relato para diferentes profissionais das instituições por onde passa, uma vez que nem todos adotam procedimentos dotados de práticas não revitimizantes.
Estudos apontam que fatores como a fragilidade da rede de garantia de direitos, bem como a questão cultural que envolve a situação de violência – em que a vítima muitas vezes é culpabilizada pelo desfecho acarretado com a revelação do abuso, e desqualificada enquanto ofendida, tendo sua fala desvalorizada inclusive pela família – contribuem para a ocorrência da revitimização[66].
Desse modo, quando submetidas a um modelo tradicional de tomada de depoimento, vítimas sob frágil condição emocional tendem a omitir fatos para evitar contato com a situação traumática[67].
Assim, as autoridades responsáveis pela persecução do crime, devem garantir a implementação de mecanismos que facilitem o acesso das vítimas à justiça; a tomada de depoimentos por oficiais de polícia do sexo feminino, devidamente capacitadas; além da implementação de políticas que assegurem que mulheres e crianças sejam respeitadas e protegidas durante os procedimentos[68].
No que se refere aos Acordos Tribais, a UNAMI manifestou séria preocupação com as disposições que versam sobre punições coletivas, exílio e penas de morte. Entretanto, outros aspectos como a impossibilidade de concessão de anistia em crimes sexuais cometidos contra mulheres e crianças são bem recepcionados, devendo-se evitar a todo custo o fenômeno da revitimização[69].
Por outro lado, a UNAMI constatou que a violência doméstica aumentou em famílias que pagaram resgate por parentes mulheres escravizadas pelo EIIL, em função do elevado nível de estresse instaurado pelos altíssimos encargos econômicos advindos desta decisão. Destarte, é necessário que o Governo do Iraque considere desenvolver outras políticas que assegurem às vítimas o direito de pleitear indenizações do Estado, incluindo o reembolso de quantias pagas para suas solturas, tendo em vista que é dever precípuo do Estado prover segurança e proteção à população[70].
A repatriação e a reunificação das vítimas com suas famílias e comunidades também devem ser facilitadas pelo governo, por meio de assistência para reemissão de documentos legais que podem ter sido destruídos ou perdidos durante os sequestros, bem como para despesas de viagem[71].
Mulheres e crianças devem ser totalmente respeitadas por suas famílias, comunidades e pelo Governo Iraquiano, o qual deve prover imediata proteção, através de relocação e acomodação em abrigos, caso esta diretriz seja desrespeitada, principalmente em casos dos denominados “crimes de honra”[72].
4.2 Represálias e Atos de Punição Coletiva contra Mulheres forçadas a se casar com membros do EIIL
As mulheres casadas com membros do EIIL, com ou sem o seu consentimento, além de terem sido submetidas às mais cruéis formas de violência, podem ainda estar sujeitas à discriminação e a formas de punição coletiva, baseadas na suspeita de terem cooperado com o EIIL. A este respeito, é de fundamental importância o fornecimento de assistência a nível local, com engajamento de líderes tribais, para garantir que as mulheres casadas com membros do EIIL não sejam automaticamente tratadas como cúmplices, e que todas as mulheres eventualmente acusadas de apoiar o EIIL sejam tratadas de forma justa e com base no estabelecimento da responsabilidade criminal individual.
Sob este ponto de vista, a UNAMI novamente expressou preocupação com os costumes tribais observados em todo o Iraque, relacionados ao despejo forçado de famílias de pessoas suspeitas de colaborar com o EIIL[73], institucionalizados por meio da celebração dos ditos Acordos Tribais, pois considera ilegais suas disposições concernentes ao exílio de pessoas suspeitas de assistência ao grupo terrorista, e a apreensão e distribuição de seus bens, na medida em que isso equivale a uma forma de punição coletiva.
Nesse sentido, pertinente se mostra a correlação entre as práticas tribais e a antiga Lei de Talião – cujos primeiros indícios foram encontrados no Código de Hamurábi, em 1780 a.C., no Reino da Babilônia – que consiste na rigorosa reciprocidade entre crime e pena, a alcunhada retaliação, frequentemente expressa pela máxima “olho por olho, dente por dente”[74]. A própria palavra Talião, que vem do latim talio, significa “tal” ou “igual”, e reforça a tese, ao menos teórica, de equilíbrio. O problema é que na prática não se observa a mesma clareza teórica e, por isso, a Lei de Talião assumiu posições extremistas e perigosas ao Estado Democrático de Direito.
Desse modo, configuram-se demasiadamente preocupantes as práticas tribais recorrentes no Iraque, pois quando há compensação de condutas, o dano torna-se inexistente, pois não se deve responder ao ato que se acoima de ilícito com outro que também possa merecer essa classificação, visto que a vida em sociedade não se coaduna com a aplicação da Lei de Talião, não podendo alcançar reparação de qualquer natureza, o ofendido que também se converte em ofensor[75].
Ademais, as disposições destes Acordos Tribais constituem interpretações vagas de “acusações” e “punições”, interpostas contra “suspeitos”, o que poderia levar a graves violações dos direitos constitucionais dos cidadãos iraquianos, bem como das obrigações internacionais de direitos humanos assumidas pelo país em relação à condução de julgamentos justos e à igualdade perante a lei.
Alguns acordos instituem ainda, comitês compostos por peritos jurídicos, encarregados de avaliar os casos que lhes são apresentados, emitindo posteriormente decisão sobre o destino das pessoas “acusadas”. Esses comitês constituem entidades paralelas aos mecanismos judiciais e extrajudiciais do Estado, e promulgam “decisões” contra pessoas “acusadas”, em meio à falta de qualquer encaminhamento a um órgão judiciário iraquiano oficial.
Assim, da forma como são implementados e conduzidos, esses Acordos Tribais minam o Estado de Direito, já tão fragilizado em uma fase pós Estado Islâmico, ao cominarem a retaliação equivalente à punição coletiva contra milhares de pessoas, alimentando cada vez mais um ciclo de violência e ódio, que diminui as chances de tentativas de uma reconciliação genuína e sustentável[76].
Destarte, manifestando-se acerca do exposto, o Primeiro Ministro do Iraque, al-Abadi, asseverou em uma coletiva de imprensa, em Março de 2017, que as famílias de alguma forma ligadas ao EIIL estão protegidas e que os perpetrantes de crimes serão tratados sob a estrita letra da lei Iraquiana[77].
4.3 Ratificação e anulação de casamentos
Através de consultas com líderes da comunidade local para entender o tratamento despendido às mulheres e meninas que se casaram com membros do EIIL, foi constatado pela UNAMI que se a mulher consentiu com o casamento, o contrato matrimonial pode ser ratificado posteriormente por Tribunal Federal, se necessário.
A ratificação é importante, não para reconhecer o grupo terrorista como uma entidade competente para endossar o contrato, mas sim para reconhecer o contrato de casamento entre dois adultos que, na presença de duas testemunhas, consentiram com sua celebração, sob o crivo da lei iraquiana.
Embora tal confirmação possa ser controversa tanto em termos da lei, como da Shari’a (a chamada “Lei de Deus” islâmica), os líderes religiosos notaram que a sua não realização poderia levar a acusações de adultério contra pessoas que eram “casadas” em áreas sob a chamada “autoridade” do Estado Islâmico, considerando que esses casamentos não seriam reconhecidos pela lei iraquiana, e isso potencialmente levaria a um problema de legitimidade dos filhos deles advindos.
De modo contrário, se a mulher não consentiu com o casamento, ou seja, foi obrigada a se casar, contra a sua vontade – ainda que haja um contrato matrimonial assinado – este contrato não será considerado válido, a menos que tenha sido sexualmente consumado.
Contudo, ainda que o casamento tenha sido consumado pela ocorrência de relação sexual, o contrato pode ser anulado por Tribunal Federal, com base no artigo 16, do Estatuto de Direito Pessoal (Personal Status of Law), de 1917. Neste caso, a mulher pode registrar qualquer criança nascida durante a vigência do contrato matrimonial – evitando que seja classificada como “ilegítima” – mediante prévia confirmação do documento e, seguidamente, obter sua anulação por meio de instauração de um segundo processo judicial[78].
4.4 Assistência Médica e Gravidez
Na qualidade de Estado Parte da CEDAW – Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination Against Women (Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres), bem como de outros tratados internacionais, e em observância ao que dispõe a Constituição do Iraque, em seus artigos 30 e 31, o Governo Iraquiano possui obrigações irrenunciáveis em matéria de saúde pública destinada a mulheres e meninas.
Como parte dessas obrigações, o Governo do Iraque deve, portanto, fornecer acesso a toda a gama de apoio médico e psicológico, além de informações sobre saúde sexual e reprodutiva para mulheres e meninas, garantir acesso livre a estes serviços, informação e assistência sem discriminação e assegurar que terceiros não obstruam, de qualquer forma, a fruição do direito à saúde de mulheres e meninas.
Sob todos os aspectos, o Governo do Iraque deve se concentrar em prover apoio psicossocial, médico e financeiro apropriados, ou seja, cuidados comunitários, que têm o condão de empoderar mulheres e meninas e conferir-lhes segurança para alcançarem seu potencial máximo[79].
O Iraque também deve respeitar, proteger e fazer cumprir o direito das mulheres de acessar informações educacionais específicas, a fim de garantir a saúde e o bem-estar de suas famílias, incluindo informações e conselhos sobre planejamento familiar.
Do mesmo modo, assistência e apoio devem ser oferecidos às mulheres grávidas e meninas em toda a extensão de seus direitos reprodutivos e disponibilizar serviços para auxiliá-las em relação a quaisquer escolhas que façam[80].
Neste viés, o Governo do Iraque necessita esclarecer qual lei é aplicável à interrupção de gravidez indesejada, em casos de mulheres e meninas que foram submetidas à violência sexual, assegurando que a lei e sua implementação estejam de acordo com os direitos das mulheres e meninas, em consonância com as normas nacionais e internacionais.
4.5 Crianças nascidas de mulheres mantidas em áreas controladas pelo EIIL
O governo iraquiano deve assegurar que as crianças nascidas de mulheres casadas com afiliados ao EIIL não estejam sujeitas à discriminação, marginalização ou outras formas de violência e abuso.
Isto porque, atualmente no Iraque, muitos registros de nascimento ostentam cunho discriminatório, como a qualificação do genitor da criança como “terrorista do Estado Islâmico” ou do próprio infante como “muçulmano”, baseada exclusivamente em suposições quanto à religião do genitor, quando a mãe é, na verdade, descendente de uma comunidade não-muçulmana, como é o caso da Yezidi.[81]
Desta feita, o Estado deve assegurar o uso apropriado do registro de nascimento, a fim de garantir que estas crianças tenham todos os direitos e proteções legais inerentes a qualquer cidadão, afastando outros riscos, tais como a apatridia, estado relativo aos apátridas, ou seja, pessoas que não têm sua nacionalidade reconhecida por nenhum país, o que decorre de diversas razões, dentre elas, a discriminação contra minorias no âmbito de legislações domésticas, a falha em reconhecer todos os residentes do país como cidadãos quando este país se torna independente, e a existência de conflitos de leis entre países, ou entes autônomos[82], o que os coloca frequentemente em situações precárias, à margem da sociedade, não sendo capazes de ir à escola, consultar um médico, conseguir um emprego, abrir uma conta bancária, comprar uma casa ou até se casar[83].
De mais a mais, o abuso, a marginalização, a exploração e o tráfico de pessoas também devem ser evitados a todo custo, sendo essencial que o governo elabore políticas de apoio aos chamados cuidadores, possibilitando a implementação e manutenção de orfanatos, especialmente àqueles destinados a cuidar de crianças com necessidades especiais.
Em dezembro de 2016, o ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, identificou cerca de 800 crianças cujos nascimentos haviam sido registrados pelo EIIL, em áreas sob seu controle. Ocorre que, a documentação emitida pelo grupo jihadista geralmente não é aceita pelo Governo do Iraque ou pelo Governo Regional do Curdistão.
Neste contexto, estima-se que um número muito maior de crianças – nascidas de mulheres em áreas que estavam sob o controle do EIIL – não tenham nenhuma documentação. O imbróglio reside no fato de que, para obter uma nova certidão de nascimento, é necessário que os pais constituam prova de seu estado civil, além do testemunho de duas pessoas aptas a confirmar o nascimento da criança[84].
À vista disso, este procedimento torna extremamente difícil o registro de nascimento de crianças concebidas nestas circunstâncias, especialmente: 1) nos casos em que os documentos foram emitidos pelo EIIL, ou perdidos, ou destruídos; 2) quando um dos pais está morto ou ausente; 3) quando a identidade do pai é desconhecida, como em casos de estupro ou outras formas de violência sexual; 4) quando uma criança foi abandonada devido a algum estigma; 5) quando a mobilidade é restrita (como nos acampamentos de deslocados internos ou onde não há cartórios de registro e tribunais civis); ou 6) quando as famílias não têm recursos financeiros suficientes para pagar pelas taxas legais requeridas[85].
Por fim, foi igualmente observado que alguns requisitos adicionais para registro, como recolhimento de amostras de sangue, não são compatíveis com todas as localidades do Iraque, o que obstaculiza ainda mais a realização de registros de nascimento.
4.6 Valas Comuns
Na medida em que territórios foram sendo recuperados do EIIL, ao norte da província de Níneve, foram descobertos vários locais de abate em toda a cidade de Sinjar, bem como nas localidades de Tel Afar e Mosul, referidos como valas comuns por testemunhas. Uma ONG local documentou que até 35 supostas valas comuns contendo restos mortais de vítimas Yezidis, existem na área de Sinjar[86].
Devido ao vasto número de locais e à falta de recursos e conhecimentos especializados, o Governo Regional do Curdistão tem enfrentado dificuldades para proteger, preservar e escavar adequadamente esses locais. Assim, até que a escavação adequada seja realizada, configura-se impossível determinar a quantidade de cadáveres, suas identidades e possíveis evidências que possam ajudar a identificar os autores de suas mortes.
Ainda, há relatos que noticiaram que familiares têm frequentemente revirado as valas comuns, na esperança de encontrar restos mortais de seus entes queridos. Isto posto, esforços para proteger e exumar estes locais estão sendo adotados por atores especializados, em cooperação com as autoridades da região do Curdistão. Porém, para que se alcance um resultado satisfatório, será necessária a disponibilização de mais recursos[87].
Inevitavelmente inseridas neste contexto trágico e caótico, as sobreviventes – quando conseguem escapar do controle do EIIL – ficam completamente desamparadas, pois além de estarem altamente traumatizadas, estão sem casa, seus familiares na maioria das vezes estão mortos ou desaparecidos e, ainda, não podem contar com direcionamento e assistência efetiva do governo. Ou seja, não sabem a quem recorrer e, quando são atendidas pelo serviço público, é quase sempre de modo insatisfatório pela falta de recursos. A título de exemplo, os próprios hospitais se veem limitados a coletar meros exames de sangue para “tratar” vítimas de violência sexual, por não disporem de outras ferramentas extremamente necessárias, como acompanhamento psiquiátrico e medicamentos.
Diante do contexto exposto, reafirmando seu compromisso primário de manutenção da paz e segurança internacional, em observância ao disposto na Carta das Nações Unidas, reiterando absoluta condenação em relação ao Estado Islâmico do Iraque e do Levante, bem como a todo e qualquer indivíduo associado a grupos e entidades que pratiquem atos terroristas, e repudiando a associação do terrorismo com qualquer religião, nacionalidade ou civilização, a ONU expediu diversas Recomendações, pautadas em relatórios sólidos, e baixou várias Resoluções, adotadas pelo Conselho de Segurança, a fim de reunir esforços efetivos de seus Estados-membros para a repressão do terrorismo, para a mitigação das consequências experimentadas pelas vítimas, para a conscientização da população como um todo e prevenção da violência sexual relacionada a conflitos.
Sob esta ótica, faz-se importante a menção da Recomendação Geral nº 30 sobre Mulheres em Situações de Prevenção de Conflito, Conflito e Pós-conflito (General Recommendation No. 30 on Women in Conflict prevention, Conflict and Post-conflict Situations), emitida pelo Comitê para Eliminação da Discriminação contra as Mulheres da ONU, em 2010, cujo principal objetivo e propósito é fornecer orientações dotadas de autoridade aos Estados partes, sobre questões legislativas, políticas e outras medidas adequadas, para garantir o pleno cumprimento das suas obrigações assumidas nos termos da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW – Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination against Women), de acordo com seu artigo 21, a fim de proteger, respeitar e fazer cumprir os direitos humanos das mulheres.
Nestes termos, a ONU recomendou energicamente que todos os Estados partes ratifiquem todos os instrumentos internacionais relevantes com este mesmo intuito, tais como: o Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (1999); Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança no envolvimento de crianças em conflitos armados (2000); Protocolo adicional às Convenções de Genebra de 12 de agosto de 1949, e relativo à proteção das vítimas de conflitos armados internacionais (1977); Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados (1951) e seu Protocolo (1967); Convenção relativa ao Estatuto dos Apátridas (1954) e as Convenção sobre a Redução da Apatridia (1961); Protocolo para Prevenir, Suprimir e Punir o Tráfico de Pessoas, Especialmente Mulheres e Crianças, complementando a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (2000); Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (1998); e o Tratado sobre o Comércio de Armas (2013)[88].
No que se refere às questões específicas de gênero, envolvendo conflitos e ofensas de cunho sexual, a “Nota de Orientação do Secretário Geral sobre Reparações por Violência Sexual Relacionada a Situações de Conflito”[89], da ONU, representou um marco importante frente aos desenvolvimentos normativos até então existentes, pois tratou esta situação de maneira singular, utilizando a definição oficial do termo “Violência Sexual Relacionada a Conflitos” (CRSV – Conflict-related Sexual Violence), desenvolvida pela ONU, sendo suas diretrizes positivadas pela Resolução 1960, de 2010[90].
De acordo com essa definição, a Violência Sexual Relacionada a Conflitos refere-se a incidentes ou padrões de violência sexual contra mulheres, homens, meninas ou meninos, que ocorrem em situações de conflito ou pós-conflito e têm ligações diretas ou indiretas com o próprio conflito, ou que ocorrem em outras situações preocupantes, como no contexto da repressão política[91].
A Violência Sexual Relacionada a Conflitos, no geral, é mais comumente relacionada ao sexo feminino, pois afeta um número muito mais significativo de mulheres e meninas do que de homens e meninos, apesar destes últimos também poderem ser sujeitos passivos da ofensa, a qual pode assumir múltiplas formas, tais como, inter alia, violação, gravidez, esterilização forçada, aborto forçado, prostituição forçada, exploração sexual, tráfico sexual, escravidão sexual, circuncisão forçada, castração, nudez forçada ou qualquer outra forma de violência sexual de gravidade comparável. Dependendo das circunstâncias, pode constituir até crime de guerra, crime contra a humanidade, genocídio, tortura ou outras violações grosseiras de direitos humanos[92].
Em um espectro mais amplo, considerando a necessidade de combate e enfraquecimento das organizações terroristas em si, notáveis perpetradoras de tais violências, convém destaque à Resolução 2368, de julho de 2017, baixada pelo Conselho de Segurança da ONU, sobre o congelamento de recursos financeiros pertencentes grupos terroristas, que em seu preâmbulo, condenou veemente os abusos cometidos contra mulheres e crianças pelo EIIL e grupos associados e impeliu aos Estados partes que rejeitem qualquer negócio, ligação econômica e financeira com estes grupos, incluindo maior rigor quanto as suas políticas de segurança de fronteira[93].
O documento ainda exaltou a cooperação continuada entre o Conselho de Segurança e a INTERPOL, o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, encorajando fortemente seu envolvimento com a Força Tarefa de Implementação ao Combate ao Terrorismo das Nações Unidas, para assegurar a coordenação geral e coerência nos esforços de combate ao terrorismo do sistema das Nações Unidas.
O Conselho ainda expressou profunda preocupação com o contínuo lucro auferido pelo EIIL, Al-Qaida e indivíduos associados a grupos, empresas e entidades envolvidos na criminalidade organizada transnacional, incluindo o tráfico de armas, pessoas, drogas e artefatos, e do comércio ilícito de recursos naturais, como o ouro e outros metais preciosos, pedras, minerais, animais selvagens, carvão vegetal, petróleo e derivados de petróleo, bem como de resgate por sequestros, extorsão e assalto a bancos.
Desse modo, elencou um rol de medidas que a serem adotadas pelos Estados, tais como o congelamento de ativos financeiros, proibição de viagens, além do dever de obstar a entrada e o trânsito de terroristas em seus territórios e promover embargo de armas, impedindo o abastecimento direto ou indireto e a sua transferência a estes indivíduos, dentre outras.[94]
Ainda, merece relevo outro manuscrito normativo, a Resolução 2388, de novembro de 2017, também adotada pelo Conselho de Segurança da ONU, relativa ao tráfico de pessoas, especialmente de mulheres e crianças, as quais são pessoas ainda mais vulneráveis por estarem inseridas em situação de conflito[95].
A Resolução foca na necessidade de melhorar a coleta, por meio de relevantes sistemas de base de dados geridos por organizações internacionais, como o UNODC e INTERPOL, de dados oportunos, objetivos, precisos e confiáveis sobre o tráfico de pessoas em situações de conflito, separadas por sexo, idade e outros fatores relevantes, bem como de fluxos financeiros associados ao tráfico de pessoas.
Nesse diapasão, insta os Estados membros a considerarem, prioritariamente, ratificar, aderir, ou implementar efetivamente, a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional e seu Protocolo Complementar para Prevenir, Suprimir e Punir o Tráfico de Pessoas, tal como a fortalecer o cumprimento das normas internacionais de Combate à Lavagem de Dinheiro e Combate ao Financiamento do Terrorismo, além de aumentar a capacidade de realizar investigações financeiras proativas, a fim de rastrear e interromper o tráfico de pessoas, identificando possíveis vínculos com o financiamento do terrorismo[96].
Quanto à necessidade de conscientização sobre o tráfico de pessoas, demanda que os Estados membros abordem o crime não somente em zonas afetadas por conflitos armados, mas a adotarem uma abordagem multidimensional, consistente na inclusão de informação sobre os riscos do tráfico de pessoas nas grades curriculares escolares e em programas de formação.
Ademais, incentiva os Estados – em especial aqueles de trânsito e de destino – que recebam pessoas deslocadas à força em razão de conflitos armados, a desenvolver e utilizar sistemas de alerta e de triagem de risco potencial ou iminente de tráfico de pessoas, com o intuito de detectar de forma proativa e eficaz vítimas e pessoas vulneráveis ao tráfico, com atenção especial às mulheres e crianças, especialmente àquelas desacompanhadas[97].
No âmbito específico do Iraque, levando-se em consideração sobretudo a precária infraestrutura disponibilizada pelo país atualmente, principalmente no que concerne à proteção de seus cidadãos e à prestação da devida assistência quando o governo falha em seu dever de segurança, a ONU, por meio de relatórios da UNAMI, especificamente os intitulados “A Call for Accountability and Protection: Yezidi Survivors of Atrocities Committed by ISIL”(Um pedido de prestação de contas e proteção: Sobreviventes yezidis de atrocidades cometidas pelo EIIL), de agosto de 2016, e “Promotion and Protection of Rights of Victims of Sexual Violence Captured by ISIL/or in Areas Controlled by ISIL in Iraq” (Promoção e Proteção dos Direitos das Vítimas de Violência Sexual Capturadas pelo EIIL/ou em Áreas Controladas pelo EIIL no Iraque), de agosto de 2017, expediu diversas recomendações ao Governo Iraquiano, tais como: tornar-se parte do Estatuto de Roma, que instituiu o Tribunal Penal Internacional, atribuindo o atual conflito armado no país à jurisdição da Corte; adotar estrutura legislativa que permita que Tribunais domésticos tenham jurisdição sobre crimes internacionais, para poderem processar ofensores de crimes mais sérios, tipificados como crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio[98], além de assegurar que as investigações e decisões sejam compartilhadas publicamente[99].
Rever e revogar leis penais e políticas existentes, de vigência nacional, que permitem a “honra” como uma excludente de ilicitude em crimes cometidos contra mulheres, crianças e outros membros familiares; instituir júri para julgar acusações de crimes devidamente documentados e graves violações de direitos humanos, perpetrados em conexão com conflitos armados existentes, a fim de dar suporte a persecuções de ofensores que possam vir a ser identificados, para que sejam submetidos à jurisdição do Estado; instituir programas de treinamento especializados para qualificar juízes, promotores e oficiais judiciários no que se refere à investigação de crimes cometidos com violência sexual e de gênero, à metodologia forense, ao entendimento pleno do direito internacional dos direitos humanos, do direito internacional humanitário, da lei penal, dos princípios do devido processo legal, do julgamento justo, das condições de detenção, bem como aos aspectos de gênero relacionados a procedimentos especializados ao lidar com vítimas crianças, a fim de evitar o fenômeno da revitimização[100].
Além disso, deve ser assegurado às mulheres suspeitas ou condenadas por colaborar com o EIIL, abrigamento e detenção de maneira consistente com seus direitos, evitando que suas famílias sejam estigmatizadas por suas condutas e punidas coletivamente.
O estabelecimento de uma rede de advogados e estudantes de direito, treinados para fornecer serviços jurídicos voluntários às vítimas de violência sexual e de gênero, além de uma rede de mulheres submetidas de alguma forma a abusos desta natureza, como uma forma de divulgar e facilitar o acesso de outras mulheres a serviços de assistência, também é de fundamental importância.
Providenciar treinamento para profissionais da medicina e da psicologia, professores, parteiras e voluntários no tocante aos direitos humanos e às necessidades especiais de mulheres e crianças vítimas de violência sexual, principalmente aquelas concebidas em razão de relações sexuais praticadas com militantes do EIIL[101].
Difundir campanhas públicas informativas a fim de aumentar a conscientização dos cidadãos sobre a disponibilidade e acessibilidade a serviços especializados para mulheres e crianças sobreviventes, incluindo de maneira inovadora, o estabelecimento de linhas telefônicas para consulta e suporte de serviços[102].
No tocante às crianças nascidas de mulheres em cativeiro, o governo deve unificar leis sobre adoção, interrupção segura de gravidez indesejada, registro de casamentos e nascimentos, de acordo com os padrões internacionais, assim como aumentar o número de cartórios de registro, principalmente em regiões em que não existem.
Ainda neste sentido, é de suma relevância que seja assegurado às crianças seus registros de nascimento de acordo com as qualificações de suas genitoras, a fim de evitar marginalização social, discriminação, independentemente do consentimento ou não da mulher quanto ao casamento. Ademais, deve ser terminantemente proibido registrar a religião de uma criança com base em suposições quanto à religião de seu genitor, bem como qualificar o genitor no documento de modo pejorativo, para evitar prejuízos à criança.
Quanto às valas comuns de Yezidis, o Estado deve mantê-las sob seu controle, para que seja possível a escavação, a devida exumação e identificação dos restos mortais e para preservar eventuais evidências de crimes, incluindo qualquer uma que possa identificar seus perpetrantes, e para fornecer às famílias informações mais precisas sobre seus familiares desaparecidos[103].
No âmbito internacional, a UNAMI recomendou que o Conselho de Segurança e o Conselho de Direitos Humanos continuem acompanhando de perto a situação no Iraque, exercendo pressão sobre o governo iraquiano, com o fito de responsabilizar perpetrantes de violações graves de direitos humanos e da lei internacional[104].
Dessa maneira, recomendou ainda que seus Estados membros, devem assegurar que os sujeitos autores de crimes internacionais cometidos no Iraque que estejam porventura em trânsito em seus territórios, sejam recolhidos pela competente autoridade judiciária criminal[105].
Não obstante, a comunidade internacional deve empreender todos os esforços para assegurar que sejam providenciados níveis apropriados de assistência médica e psicossocial às vítimas de violações de direitos humanos, considerando suas necessidades específicas, mediante consulta prévia às autoridades locais[106].
No tocante às pessoas deslocadas internamente, deve fornecer materiais e qualquer outro suporte necessário ao Governo do Iraque, a fim de que seja possível promover segurança e suprimentos humanitários de que os deslocados pelo conflito armado precisam, garantindo que esses indivíduos possam retornar aos seus locais de origem, em plena observância aos princípios humanitários[107].
Concernente às investigações de crimes e abusos de direitos humanos, a comunidade internacional junto aos Conselhos da ONU, deve garantir sua instauração de modo independente, rígido e imparcial, além de providenciar reparação às vítimas, na medida do possível, através de mecanismos de justiça alternativos e reconciliação comunitária[108].
Por fim, deve fornecer ao Governo do Iraque toda assistência técnica e financeira, para fomentar o esforço das autoridades nacionais a fim de identificar, escavar e investigar valas comuns de Yezidis e lugares onde tenham sido cometidos crimes[109].
Conclusão
Em tempos em que a importância dos direitos humanos é constantemente relativizada, seja por concepções extremas religiosas enraizadas em culturas ultraconservadoras, como as ostentadas pelo Estado Islâmico, ou até mesmo por vieses políticos que florescem em meio às mais diversas crises econômicas de nações consideradas altamente livres e desenvolvidas, é de fundamental importância que haja, sobretudo, uma mudança de olhar e de postura, principalmente em relação às minorias, que, historicamente, por sua vulnerabilidade, acabam sendo sujeitadas às mais grosseiras violações.
Nesse sentido, as mulheres e crianças Yezidis – que experimentam estigma a longo prazo, rejeição por famílias e comunidades, e suportam danos físicos e mentais durante e após o conflito de índole não internacional que ocorre no Iraque – não são apenas sobreviventes, são testemunhos vivos do fracasso do governo nacional e da comunidade internacional em evitar a proliferação do extremismo violento e em abordar de modo eficaz as causas profundas do conflito armado que lhe serve de palco.
Assim, todos os esforços amplamente descritos, a fim de reprimir os abusos de direito humanos perpetrados pelo EIIL e para assegurar a libertação segura de civis, bem como lhes fornecer a devida assistência médica e psicossocial, devem ser urgentemente adotados pelo Governo do Iraque, assim como pela comunidade internacional, em estrita consonância com o Direito Internacional Humanitário e o Direito Internacional dos Direitos Humanos.
Nesse sentido, a identificação e subsequente responsabilização dos perpetrantes de abusos de direitos humanos é de suma importância, aliada à revisão e alteração das leis e políticas existentes, com o objetivo de facilitar e possibilitar o pleno acesso à justiça por parte de mulheres e crianças que tenham sido vítimas de violência sexual e garantam igualmente seu acesso a serviços de apoio apropriados, além de facilitar e promover o retorno e a reintegração das vítimas com suas famílias e comunidades.
Harmonizar as leis relevantes sobre adoção, interrupção segura de gravidez indesejada, registro de casamento e nascimento, de acordo com os padrões internacionais, priorizando a saúde pública em detrimento do nefasto conservadorismo social, dissociando o Estado da religião, imprimindo-lhe a laicidade que deveria ostentar naturalmente, também é de fundamental relevância.
Por fim, mas não menos importante, a promoção do empoderamento das mulheres e meninas deve ser cada vez mais crescente, o que felizmente já está sendo observado, com a implementação de termos e mecanismos normativos específicos relacionados à violência de gênero, visto que conforme foi vastamente explicitado, os primeiros remédios previstos nos sistemas de Direito Internacional Humanitário e Direito Internacional dos Direitos Humanos, foram desenvolvidos sem referência específica às violações de gênero ou aos danos e desafios enfrentados pelas mulheres em particular.
Neste compasso, é necessário reafirmar o papel crucial das mulheres na prevenção e resolução de conflitos, nas negociações e manutenção da paz e na reconstrução pós-conflito, a fim de que se alcance uma abordagem de reparação transformadora, pautada no fato de que os remédios para a violência sexual devem levar em conta as desigualdades estruturais preexistentes que as mulheres enfrentam rotineiramente, pois seria ingênuo esperar que este movimento pudesse ser empreendido sem enfrentar os patriarcados e privilégios entrincheirados historicamente nas mais diversas sociedades.
Assim, se as reparações se fundamentam legalmente no princípio do retorno ao estado original, a fim de que se reestabeleça o status quo ante, os mecanismos legislativos mais antigos seriam insuficientes para tratar de danos baseados em questões de gênero.
Significa dizer que, se o retorno ao status quo ante significa retornar as mulheres ao seu estado desigual anterior, os programas de reparações que buscam meramente restabelecer o status quo ante seriam contrários aos objetivos mais amplos dos tratados de direitos humanos com relação à reparação.
Desse modo, mais do que adotar medidas imediatas para combater a violência sexual relacionada a conflitos e proteger as minorias, é imprescindível mover estas vítimas das margens para a o centro da sociedade, eliminando a lacuna existente entre a forte retórica na abordagem da violência e das práticas baseadas no gênero – que atualmente é pouco eficaz quanto às necessidades de curto, médio e longo prazo das vítimas – e a efetiva restauração da dignidade e da promoção do empoderamento de mulheres e meninas, não tolerando a relativização de qualquer direito humano, de nenhuma natureza, sob hipótese alguma, tendo sempre em vista que quando o direito humano de alguém é negado ou simplesmente ignorado, consequentemente os direitos humanos de toda e qualquer pessoa correm sérios riscos.
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[3] UNAMI – OFFICE OF THE HIGH COMMISSIONER FOR HUMAN RIGHTS. A Call for Accountability and Protection: Yezidi Survivors of Atrocities Committed by ISIL. Disponível em: https://www.ohchr.org/Documents/Countries/IQ/UNAMIReport12Aug2016_en.pdf. Acesso em: 16 out. 2018.
[4] Idem.
[5] Idem.
[6] Idem.
[7] Idem.
[9] UNAMI – OFFICE OF THE HIGH COMMISSIONER FOR HUMAN RIGHTS. A Call for Accountability and Protection: Yezidi Survivors of Atrocities Committed by ISIL. Disponível em: https://www.ohchr.org/Documents/Countries/IQ/UNAMIReport12Aug2016_en.pdf. Acesso em: 16 out. 2018.
[10] Idem.
[11] Idem.
[12] Idem.
https://www.middleeasteye.net/in-depth/features/back-from-hell-the-yazidi-women-who-survived-the-Islamic-State-1387555582. Acesso em: 14 ago. 2018.
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[16] UNAMI – OFFICE OF THE HIGH COMMISSIONER FOR HUMAN RIGHTS. A Call for Accountability and Protection: Yezidi Survivors of Atrocities Committed by ISIL. Disponível em: https://www.ohchr.org/Documents/Countries/IQ/UNAMIReport12Aug2016_en.pdf. Acesso em: 16 out. 2018.
[17] Idem.
[18] Idem.
[19] THE GUARDIAN. Nobel peace prize winner Nadia Murad describes her extraordinary journey from suffering at the hands of Islamic State to human rights campaigner. Disponível em: https://www.theguardian.com/commentisfree/2018/oct/06/nadia-murad-isis-sex-slave-nobel-peace-prize. Acesso em: 16 out. 2018.
[20] Idem.
[21] Idem.
[22] Idem.
[24] Idem.
[25] Idem.
[26] Idem.
[27] Idem.
[28] UNAMI – OFFICE OF THE HIGH COMMISSIONER FOR HUMAN RIGHTS. Promotion and Protection of Rights of Victims of Sexual Violence Captured by ISIL/or in Areas Controlled by ISIL in Iraq. Disponível em: https://www.ohchr.org/Documents/Countries/IQ/UNAMIReport22Aug2017_EN.pdf. Acesso em: 22 ago. 2018.
[29] UNAMI – OFFICE OF THE HIGH COMMISSIONER FOR HUMAN RIGHTS. A Call for Accountability and Protection: Yezidi Survivors of Atrocities Committed by ISIL. Disponível em: https://www.ohchr.org/Documents/Countries/IQ/UNAMIReport12Aug2016_en.pdf. Acesso em: 16 out. 2018.
[30] Idem.
[32] Idem.
[33] Idem.
[34] UNAMI – OFFICE OF THE HIGH COMMISSIONER FOR HUMAN RIGHTS. A Call for Accountability and Protection: Yezidi Survivors of Atrocities Committed by ISIL. Disponível em: https://www.ohchr.org/Documents/Countries/IQ/UNAMIReport12Aug2016_en.pdf. Acesso em: 16 out. 2018.
[35] Idem.
[36]COMITÊ INTERNACIONAL DA CRUZ VERMELHA. Direito Internacional Humanitário e o direito internacional dos direitos humanos: Analogias e diferenças. Disponível em: https://www.icrc.org/por/resources/documents/misc/5ybllf.htm . Acesso em: 9 out. 2018.
[37] UNAMI – OFFICE OF THE HIGH COMMISSIONER FOR HUMAN RIGHTS. A Call for Accountability and Protection: Yezidi Survivors of Atrocities Committed by ISIL. Disponível em: https://www.ohchr.org/Documents/Countries/IQ/UNAMIReport12Aug2016_en.pdf. Acesso em: 16 out. 2018.
[38] Idem.
[39] Idem.
[41] COMITÊ INTERNACIONAL DA CRUZ VERMELHA. As Convenções de Genebra de 1949 e seus Protocolos Adicionais. Disponível em: https://www.icrc.org/por/war-and-law/treaties-customary-law/geneva-conventions/overview-geneva-conventions.htm . Acesso em: 09 out. 2018.
[42] IRAQUE. Constituição (2005). Constituição do Iraque. Disponível em: https://www.constituteproject.org/constitution/Iraq_2005.pdf?lang=en. Acesso em: 10 out. 2018.
[43] Idem.
[44] Idem.
[45] UNAMI – OFFICE OF THE HIGH COMMISSIONER FOR HUMAN RIGHTS. Promotion and Protection of Rights of Victims of Sexual Violence Captured by ISIL/or in Areas Controlled by ISIL in Iraq. Disponível em: https://www.ohchr.org/Documents/Countries/IQ/UNAMIReport22Aug2017_EN.pdf. Acesso em: 22 ago. 2018.
[46] Idem.
[47] Idem.
[48] Idem.
[49] Idem.
[50] Idem.
[51] THE KURDISH PROJECT. KRG: Kurdistan Regional Government. Disponível em: https://thekurdishproject.org/history-and-culture/kurdish-democracy/krg-kurdistan-regional-government/. Acesso em: 10 out. 2018.
[52] KURDISTAN REGIONAL GOVERNMENT. Contemporary history – Some key events since the early 20th century. Disponível em: http://www.gov.krd/p/page.aspx?l=12&s=050000&r=306&p=216. Acesso em: 11 out. 2018.
[53] UNAMI – OFFICE OF THE HIGH COMMISSIONER FOR HUMAN RIGHTS. Promotion and Protection of Rights of Victims of Sexual Violence Captured by ISIL/or in Areas Controlled by ISIL in Iraq. Disponível em: https://www.ohchr.org/Documents/Countries/IQ/UNAMIReport22Aug2017_EN.pdf. Acesso em: 22 ago. 2018.
[54] Idem.
[55] Idem.
[56] ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS NO BRASIL. A Carta das Nações Unidas. Disponível em: https://nacoesunidas.org/carta/. Acesso em: 10 out. 2018.
[58] Idem.
[59] Idem.
[60] Idem.
[61] Idem.
[62] REPUBLIC OF IRAQ – SUNNI ENDOWMENT DIWAN. Endowment Rules. Disponível em: http://sunniaffairs.gov.iq/en/endowment-rules. Acesso em: 15 out. 2018.
[63] UNAMI – OFFICE OF THE HIGH COMMISSIONER FOR HUMAN RIGHTS. Promotion and Protection of Rights of Victims of Sexual Violence Captured by ISIL/or in Areas Controlled by ISIL in Iraq. Disponível em: https://www.ohchr.org/Documents/Countries/IQ/UNAMIReport22Aug2017_EN.pdf. Acesso em: 22 ago. 2018.
[64] Idem.
[65] Idem.
[66]SILVA, Josiane Alves. O processo de revitimização de crianças que vivenciam a violência sexual. Disponível em: file:///C:/Users/Intel/Downloads/1.%20O%20processo%20de%20revitimizacao%20de%20criancas.pdf. Acesso em: 15 out. 2018.
[68] UNAMI – OFFICE OF THE HIGH COMMISSIONER FOR HUMAN RIGHTS. Promotion and Protection of Rights of Victims of Sexual Violence Captured by ISIL/or in Areas Controlled by ISIL in Iraq. Disponível em: https://www.ohchr.org/Documents/Countries/IQ/UNAMIReport22Aug2017_EN.pdf. Acesso em: 22 ago. 2018.
[69] Idem.
[70] Idem.
[71] Idem.
[72] Idem.
[73] Idem.
[74] DUARTE, Melina. A Lei de Talião e o princípio de igualdade entre crime e punição na Filosofia do Direito de Hegel. Disponível em: http://www.hegelbrasil.org/Reh10/melina.pdf. Acesso em: 16 out. 2018.
[75] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO. APELAÇÃO: CR nº 1103171008. Relator: Ronnie Her Soares. DJ: 07/07/2008. Jusbrasil, 2008. Disponível em: https://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/6932733/apelacao-com-revisao-cr-1103171008-sp/inteiro-teor-102222395?ref=juris-tabs. Acesso em: 16 out. 2018.
[76] UNAMI – OFFICE OF THE HIGH COMMISSIONER FOR HUMAN RIGHTS. Promotion and Protection of Rights of Victims of Sexual Violence Captured by ISIL/or in Areas Controlled by ISIL in Iraq. Disponível em: https://www.ohchr.org/Documents/Countries/IQ/UNAMIReport22Aug2017_EN.pdf. Acesso em: 22 ago. 2018.
[77] Idem.
[78] Idem.
[79] Idem.
[80] Idem.
[81] Idem.
[82] ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados. Apátridas. Disponível em: http://www.acnur.org/portugues/quem-ajudamos/apatridas/. Acesso em: 16 out. 2018.
[83] Idem.
[84] UNAMI – OFFICE OF THE HIGH COMMISSIONER FOR HUMAN RIGHTS. Promotion and Protection of Rights of Victims of Sexual Violence Captured by ISIL/or in Areas Controlled by ISIL in Iraq. Disponível em: https://www.ohchr.org/Documents/Countries/IQ/UNAMIReport22Aug2017_EN.pdf. Acesso em: 22 ago. 2018.
[85] Idem.
[86] UNAMI – OFFICE OF THE HIGH COMMISSIONER FOR HUMAN RIGHTS. A Call for Accountability and Protection: Yezidi Survivors of Atrocities Committed by ISIL. Disponível em: https://www.ohchr.org/Documents/Countries/IQ/UNAMIReport12Aug2016_en.pdf. Acesso em: 16 out. 2018.
[87] Idem.
[88] UNITED NATIONS – COMMITTEE ON THE ELIMINATION OF DISCRIMINATION AGAINST WOMEN. General recommendation No. 30 on women in conflict prevention, conflict and post-conflict situations. Disponível em: https://www.ohchr.org/Documents/HRBodies/CEDAW/GComments/CEDAW.C.CG.30.pdf. Acesso em: 19 out. 2018.
[89] UNITED NATIONS – GUIDANCE NOTE OF THE SECRETARY‐GENERAL. “Reparations for Conflict‐Related Sexual Violence”. Disponível em: https://www.ohchr.org/Documents/Press/GuidanceNoteReparationsJune-2014.pdf. Acesso em: 19 out. 2018.
[90] UNITED NATIONS – SECURITY COUNCIL. Resolution 1960 (2010) Adopted by the Security Council at its 6453rd meeting, on 16 December 2010. Disponível em: https://www.securitycouncilreport.org/atf/cf/%7B65BFCF9B-6D27-4E9C-8CD3-CF6E4FF96FF9%7D/WPS%20SRES%201960.pdf. Acesso em: 19 out. 2018.
[91] UNITED NATIONS – COMMITTEE ON THE ELIMINATION OF DISCRIMINATION AGAINST WOMEN. General recommendation No. 30 on women in conflict prevention, conflict and post-conflict situations. Disponível em: https://www.ohchr.org/Documents/HRBodies/CEDAW/GComments/CEDAW.C.CG.30.pdf. Acesso em: 19 out. 2018.
[92] Idem.
[93] UNITED NATIONS – SECURITY COUNCIL. Resolution 2368 (2017) adopted by the Security Council at its 8007th meeting, on 20 July 2017. Disponível em: http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=S/RES/2368%282017%29. Acesso em: 19 out. 2018.
[94] Idem.
[95] UNITED NATIONS – SECURITY COUNCIL. Resolution 2388 (2017) Adopted by the Security Council at its 8111th meeting, on 21 November 2017. Disponível em: http://undocs.org/S/RES/2388(2017). Acesso em: 19 out. 2018.
[96] Idem.
[97] Idem.
[98] UNAMI – OFFICE OF THE HIGH COMMISSIONER FOR HUMAN RIGHTS. Promotion and Protection of Rights of Victims of Sexual Violence Captured by ISIL/or in Areas Controlled by ISIL in Iraq. Disponível em: https://www.ohchr.org/Documents/Countries/IQ/UNAMIReport22Aug2017_EN.pdf. Acesso em: 22 ago. 2018.
[99] UNAMI – OFFICE OF THE HIGH COMMISSIONER FOR HUMAN RIGHTS. A Call for Accountability and Protection: Yezidi Survivors of Atrocities Committed by ISIL. Disponível em: https://www.ohchr.org/Documents/Countries/IQ/UNAMIReport12Aug2016_en.pdf. Acesso em: 16 out. 2018.
[100] UNAMI – OFFICE OF THE HIGH COMMISSIONER FOR HUMAN RIGHTS. Promotion and Protection of Rights of Victims of Sexual Violence Captured by ISIL/or in Areas Controlled by ISIL in Iraq. Disponível em: https://www.ohchr.org/Documents/Countries/IQ/UNAMIReport22Aug2017_EN.pdf. Acesso em: 22 ago. 2018.
[101] Idem.
[102] Idem.
[103] UNAMI – OFFICE OF THE HIGH COMMISSIONER FOR HUMAN RIGHTS. A Call for Accountability and Protection: Yezidi Survivors of Atrocities Committed by ISIL. Disponível em: https://www.ohchr.org/Documents/Countries/IQ/UNAMIReport12Aug2016_en.pdf. Acesso em: 16 out. 2018.
[104] Idem.
[105] Idem.
[106] Idem.
[107] Idem.
[108] Idem.
[109] Idem.
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