Sumário: I – Introdução; II – Conceito de vítima; III – Proteção às vítimas; IV – Mecanismos legais e sociais de proteção à vítima; V – Vítima e direitos humanos; VI – Fases do inter victimae, o crime precipitado pela vítima; VII – Vítima e a Lei 9.99/95; VIII – Violência e a vítima na globalização; IX – Conclusão; Bibliografia.
I – Introdução
Vitimologia é muito mais do que o estudo da influência da vítima na ocorrência do delito, pois estuda os vários momentos do crime, desde a sua ocorrência até as suas conseqüências.
O Direito Penal desde a Escola Clássica sempre concentrou seus estudos no trinômio delinqüente – pena – crime, após trabalhos apresentados sobre a situação da vítima começaria a mudar, com a evolução do Direito Penal e os estudos sobre o delito, o infrator e a vítima foi tendo importância no mundo todo.
Podemos dizer que no Brasil já tinha noções de vitimilogia, quando estudos demonstram que o Santo ofício da Inquisição agia como uma espécie de jus punienti contra qualquer um que pudesse colaborar com idéias diferentes. Nunca se estabeleceu oficialmente um Tribunal no Brasil, embora tenha sempre agido em terras brasileiras por intermédio das autoridades eclesiásticas locais e visitadores.
Na primeira década do século XVIII a Inquisição fez prisões em massa, no auto – de – fé de 1711 havia 52 brasileiros, as perseguições e os confiscos de propriedades nesse ano levaram a uma paralisação crescente na fabricação do açúcar, prejudicando seriamente o comércio.
Procurando resolver as demandas, necessita assim de um engajamento do poder público, a fim de proporcionar melhores condições de vida à população desprovida de recurso.
II – Conceito de vítima
ETMON: Victima ae = da vítima + logos = tratado, estudo = estudo da vítima.
A palavra foi usada pela primeira vez, por Benjamim Mendelson, advogado israelense, vítima da II Guerra mundial, em 1947, em palestra intitulada “The origins of the Doctrine of Victimology”.
1 – Definição de vítima:
“Pessoa que, individual ou coletivamente, tenha sofrido danos, inclusive lesões físicas ou mentais, sofrimento emocional, perda financeira ou diminuição substancial de seus direitos fundamentais, como conseqüências de ações ou omissões que violem a legislação penal vigente, nos Estados – Membros, incluída a que prescreve o abuso de poder”. (Resolução 40/34 da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 29 – 11 – 85).
2 – Definição de vitimização:
Vitimização, processo vitimizatório, ou vitimação são termos neológicos, oriundos de “vítima”, e significam ação ou efeito de alguém vem a ser vítima de sua própria conduta ou da conduta de terceiro, ou fato da natureza.
3 – Classificação vitimológica:
A) Vítimas Inocentes “realmente vítimas”
São aquelas que podem ser definidas como vítimas de si próprias. Não nem causa e nem fator, não tendo culpa alguma na realização do delito.
B) Vítimas Culpadas “falsa vítima”
São aquelas que induzem, urdem, instigam e provocam o agente a ponto deste não suportar mais e praticar o delito. “Como duas espécies de vítimas simuladoras e as imaginárias”.
C) Vítimas Alternativas “vítimas ou delinqüentes”
São aquelas, que tanto podem ser vítimas como delinqüentes ou se tornaram conhecidas com o desfecho do fato, uma vez que antes do fato não se sabe quem vai ser a vítima ou quem vai ser delinqüente.
A política criminal não pode continuar limitada à idéia de “tratamento”, deve-se tentar de todos as formas de intervenção destinadas a neutralizar as cargas de medo e frustração da vítima, consolidando que se converta à vítima em fim autônomo da própria política criminal.
A inclusão real da vítima na investigação e no próprio processo criminal na condição de aliada ao trabalho do Ministério Público, demonstram que, inúmeros delitos não ocorreriam se a vítima não facilita-se, diretamente a ação do criminoso. A Lei 9.807 de 13 de Julho de 1.999 estabelece normas e programas para proteção das vítimas, que tenham ou venham a ser ameaçadas pelos criminosos.
Dentre tantas algumas destacam-se:
· A Lei 8.078/90 “Fundo para indenização ao consumidor”.
· A Lei 9.503/98 “Instituiu o Código de Trânsito, no artigo 297 fazendo previsão de multa reparatória, consistindo no pagamento mediante depósito no artigo 49 do Código Penal, sempre que houver prejuízo demonstrado no processo”.
· A Lei 9.605 de 12- 2 – 98, “no âmbito dos crimes contra o meio ambiente, instituiu a pena pecuniária consistindo no pagamento em dinheiro a vítima ou entidade pública, privada de acordo com o artigo 45§ 1º do Código Penal a serem fixados pelo juiz”.
IV – Mecanismos legais e sociais de proteção à proteção vítima
Algumas propostas:
A) Implementação do disposto no artigo 245 da Constituição Federal do Brasil.
B) Disposições Constitucionais Gerais.
C) Criação de programas ou organismos de iniciativa privada de defesa, amparo e proteção dos direitos da vítima.
D) Criação do “ressarcimento securitário”.
E) Fundos de compensação, “caixa de ressarcimento” (modelo cubano, peruano e boliviano: O Estado indeniza a vítima depois cobra o infrator).
F) Implementação do que dispõem as Leis 7.347/85 (fundo para indenizações ao consumidor).
G) Utilização do Fundo Penitenciário que dentre suas funções, uma delas é a reparação à vítima de crime.
H) Rede Pró – Justiça Comunitária e Solução de Conflitos, “vigentes no Canadá, desde 1985”.
I) Lei nº 9.807 de 13 de Julho de 1999, “que estabelece normas para organização e manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas”.
J) Divulgação ampla de uma “Cartilha dos Direitos das Vítimas”.
K) Ampla discussão na academias sobre a dimensão de “Reparação do Dano”.
L) Divulgação ao alcance de todos, “ entidades de amparo e socorro à vítima”.
V – Vítimas e direitos humanos
Diferentemente de Vitimologia o campo de Direitos Humano tem pouco apelo de pesquisa acadêmica e científica e menos literatura examinando temas de Vitimização.
A Vitimologia pode oferecer aos Direitos Humanos a metodologia e um conjunto de Teorias Vitimológicas e questões, sem contar com dados comparativos e outras categorias de vítimas, como vítimas de crime. Com ênfase no crime, a Vitimologia pode auxiliar os Direitos Humanos a teorizar mais claramente sobre “crimes contra a humanidade”, ainda parcialmente operacionalizado.
Pode também ajudar a melhor conceituar a Vitimização definida como Criminal, comparativamente às não consideradas Criminais, apesar de seus efeitos danosos. O Direito Humano pode ajudar a examinar as fontes de Vitimização e a relação entre causa da opressão.
As vítimas de opressão terão uma responsabilidade funcional para com a Vitimização? A que ponto as violações de Direitos Humanos emergem de mecanismos de controle social doméstico? Alguns grupos ou poucos poderiam Ter sido designados implícita ou explicitamente vítima alternadamente “legitimadas”, não lhes garantindo proteção efetiva?
Paradoxalmente pode – se fornecer mais dados adotando perspectivas, mas amplas dos Direitos Humanos.
VI – Fases do inter victimae, o crime precipitado pela vítima:
A) Intuição, “quando se planta na mente da vítima a idéia de ser prejudicado por um ofensor”.
B) Atos preparatórios (conatus remotus), “momento em que revela a preocupação de tomar as medidas preliminares para defender-se ou ajustar o seu comportamento”.
C) Início da execução (conatus proximus), “oportunidade em que a vítima começa a operacionalização de sua defesa aproveitando a chance que dispõe para exercitá-la”.
D) Execução (executio), “resistência da vítima para evitar a todo custo, que seja atingida pelo resultado pretendido por seu agressor”.
E) Consumação (consumatio), “quando a prática do fato demonstrar que o autor não alcançou seu propósito (fins operantis) em virtude de algum impedimento alheio à sua vontade, aí pode se classificar como tentativa de crime”.
Diante do que discorre o artigo 59, Caput do Código Penal, passou a ser do magistrado na dosimetria da pena, analisar o comportamento da vítima (antes e depois do delito) como circunstância judicial na individualização da pena imposta ao acusado.
De acordo com o professor Edmundo de Oliveira, “Iter Victimae é o caminho, interno e externo, que segue um indivíduo para se converter em vítima, o conjunto de etapas que se operam cronologicamente no desenvolvimento de Vitimização”.
(Vitimologia e Direito Penal pág. 103 – 4 ).
Principais avanços gerais:
A) Concepção do delito como um fato histórico, inter pessoal, comunitário e social;
B) Transformação da vítima em sujeito de direitos;
C) O fim da despersonalização do conflito;
D) A ponderação das várias expectativas geradas pelo crime;
E) A comunicabilidade, possibilidade do diálogo entre infrator e vítima;
F) Resolutibilidade, que a decisão adotada pelo juiz criminal resolva o conflito, é dizer, permita a reparação do dano;
G) A vítima passa a ser comunicada de todo o andamento do feito e de seus direitos;
H) Evita-se a vulgarização da pena de prisão (última ratio) desmistificando-se;
I) A pretensão punitiva, na linha da “força do Direito”.
VIII – Violência e a vítima na globalização
Mais do que em outros países do mundo, na América Latina, apesar das constituições democráticas e dos Códigos Penais, a percepção de crime está diretamente influenciada pelo uso que as elites fazem dos aparelhos judiciais. Há uma confluência entre os alvos do medo, do crime das políticas judiciais e da percepção da mídia nas práticas criminosas que são os crimes comuns.
Em conseqüência, as políticas de prevenção do crime, especialmente aquelas propostas nas campanhas eleitorais visam menos reduzir e controlar o crime e as oportunidades de delinqüir ou aprofundar a eficiência de políticas de prevenção ao crime, mas apenas diminuir o medo e a sensação de insegurança das classes.
Teóricos apontam ferminização dos processos migratórios, milhares de mulheres deixam o Terceiro Mundo para tentar a sorte em países industrializados e acabam se transformando na face feudal das ricas e modernas sociedades privilegiadas.
Tráfico humano, prostituição involuntária, casamentos forçados, são vários os métodos da escravidão moderna.
Para as vítimas desse tráfico humano moderno, o sonho de uma vida melhor quase sempre desmorona mais rápido do que o esperado. O aumento da discriminação e da violência contra os migrantes é uma das conseqüências de 11 de Setembro de 2001.
IX – Conclusão
O Departamento de Estado dos EUA, em relatório divulgado, considera o Brasil, País fornecedor de vítimas para o tráfico doméstico e internacional de seres humanos.
Além de uma falta de percepção do crime por vítimas, denunciantes, órgãos de defesa e operadores de direito, outros fatores negativos são as leis inadequadas, a falta de conhecimento da legislação nacional, tanto de brasileiros quanto estrangeiros. As embaixadas e consulados também estão despreparados para proceder nos casos de diagnósticos de tráfico, processos e inquéritos sistematizados.
É essencial haver enfrentamento do problema sob a ótica de responsabilização, aumentando a capacidade institucional de investigação e incrementar políticas de apoio às vítimas e testemunhas do tráfico.
A legislação existente deve vigorar, não permitindo lacunas ou incorreção legais. Aquele que “compra” a pessoa traficada deve ser punido também, o tráfico não deve restringir à prostituição e sim incluir outras modalidades estabelecendo uma figura autônoma com punição mais elevada, depois do tráfico de drogas e de armas, o de pessoas é o ramo mais lucrativo do crime estabelecido.
Propõe –se um novo modelo de Justiça Penal, em que o Estado dará resposta eficaz à população que exige um sistema adequado garantindo o ressarcimento do dano causado pela criminalidade.
Bibliografia
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