“STEALTHING”: Violência de Gênero Contra a Mulher e Suas Possíveis Adequações Típicas na República Federativa do Brasil

Bruna Conceição Ximenes de Araújo

Foi Aluna Especial no Mestrado em Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul no primeiro semestre de 2018, na Disciplina Direitos Fundamentais, Políticas Públicas e Sustentabilidade. Pós-Graduada em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera Uniderp (2015). Advogada. Graduada em Direito pelas Faculdades Integradas de Três Lagoas (AEMS).

 

RESUMO

O presente trabalho tem por escopo fazer uma análise acerca do “stealthing” na República Federativa do Brasil considerando suas possíveis adequações típicas e a violência de gênero contra a mulher incutida em seu bojo. Para tanto, serão consideradas correntes doutrinárias e jurisprudências sobre o tema. Stealthing será analisado enquanto dissimulação consistente na retirada do preservativo sem o consentimento do (a) parceiro (a) durante o ato sexual, adequações típicas como os enquadramentos típicos do fato e a violência de gênero contra a mulher como agressão em razão do sexo pertence as mulheres.Diante da falta de tipo penal específico na legislação brasileira a prática do stealthing pode configurar diferentes adequações típicas desde o crime de estupro,estelionato sexual, perigo de contágio venéreo, perigo de moléstia grave á homicídio ou lesão corporal gravíssima, bem como constituir mais uma forma de violência de gênero contra a mulher em razão do preconceito acerca de seus direitos sexuais.

Palavras-chaves:Violência sexual; Direitos Sexuais; Ato Sexual; Consentimento; Quase estupro.

 

ABSTRACT

The present work aims to analyze the “stealthing” in the Federative Republic of Brazil considering its possible typical adaptations and the gender violence against the woman incuted in its bulge. For that, doctrinal currents and jurisprudence will be considered. Stealthing will be analyzed as consistent concealment in the withdrawal of the condom without the consent of the partner during the sexual act, typical adjustments as the typical frameworks of the fact and the gender violence against the woman as aggression on the grounds of sex belongs to the women. In view of the lack of a specific criminal type in Brazilian law, the practice of stealthing can configure different typical adaptations from the practice of rape, sexual sterilization, danger of venereal contagion, danger of serious illness to homicide or serious bodily injury, as well as constitute another form of gender violence against women because of prejudice about their sexual rights.Keywords: Sexual violence; Sexual Rights; Sexual act; Consent; Almost rape.

 

Sumário: INTRODUÇÃO.1.STEALTHING: VIOLÊNCIA SEXUAL E DE GÊNERO CONTRA A MULHER. 1.1 CONCEITO E DEFINIÇÃO DE STEALTHING. 1.1.1 O Contexto Histórico do Stealthing .1.1.2 Stealthing como uma violência sexual. 1.1.3 Stealthing como uma violência sexual. 1.2 1.2 “STEALTHING” E A VIOLÊNCIA DE GÊNERO CONTRA A MULHER.1.2.1 Conceito e Definição de violência de gênero. 1.2.2 1.2.2 Stealthing: uma Violência de Gênero Contra a Mulher.2. AS POSSÍVEIS ADEQUAÇÕES TÍPICAS DO STEALTHING NA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

 

INTRODUÇÃO

Não obstante a afirmação dos direitos sexuais das mulheres e da igualdade entre os indivíduos seja uma evolução em termos de Direitos Humanos e Fundamentais, violências de todas as espécies continuam a assolar o sexo feminino no âmbito doméstico e social.

Especificamente no campo sexual as mulheres são vítimas potenciais de preconceitos e julgamentos sobre a escolha de seus parceiros sexuais e a forma de exercício de tais direitos, sendo ridicularizadas e expostas a perigos físicos, emocionais, financeiros e gravidezes indesejadas por uma cultura machista e ultrapassada de alguns homens que retiram o preservativo durante o ato sexual sem o seu consentimento, prática recorrente a qual a comumente se chamou de “stealthing.

Neste sentido, o presente trabalho sem a intenção de esgotar a problemática abordará a questão do stealthing como violência de gênero contra a mulher e suas adequações típicas na República Federativa do Brasil em dois capítulos.

No primeiro deles, descrevendo o conceito e definição de stealthing, o seu contexto histórico, sua transcrição como uma violência sexual e violência de gênero contra a mulher. E no segundo, dos possíveis amoldamentos das condutas do agente que pratica o stealthing no Brasil.

Afinal, que adequações típicas seriam possíveis na República Federativa do Brasil a essa conduta? Por que configuraria ele mais uma forma de violência de gênero contra a mulher?

 

1.STEALTHING: VIOLÊNCIA SEXUAL E DE GÊNERO CONTRA A MULHER

 

1.1 CONCEITUAÇÃO DE STEALTHING

Considerando que o objetivo central do referido trabalho seja discorrer acerca das adequações típicas do stealthing na República Federativa do Brasil e da violência de gênero contra a mulher inserida em seu bojo, é oportuno que inicialmente seja feita uma breve exposição de seu conceito.

Segundo Barrucho (2017), a expressão stealthing é oriunda do inglês stealth que em tradução literal para a língua portuguesa indicaria a conduta furtiva de um dos parceiros de remover o preservativo durante o ato sexual sem o consentimento do outro.

Neste mesmo sentido, em matéria veiculada na Revista Veja no ano de 2017, a terminologia é apresentada como a dissimulação recorrente na prática sexual quando se retira a camisinha durante o sexo sem o consentimento do parceiro.

Contudo, deve-se destacar que não se trata apenas de uma dissimulação, ou má fé por parte de um dos indivíduos, tenha ele intuito de prejudicar ou não o parceiro, mas semelhantemente de uma agressão sexual, tendo em vista a falsa ideia de segurança criada para o outro, bem como a quebra da confiança anteriormente estabelecida.

Neste diapasão, consoante estudo da jurista americana Alexandra Brodsky, umas das primeiras estudiosas do assunto, o stealthing seria um “quase estupro”, diz-se quase, pois apesar de não haver em regra violência física ou ameaça, o simples não consentimento para a retirada do material é equivalente, sobretudo, se avaliarmos os meios furtivos de que vale o sujeito para fazê-lo. (BARRUCHO, 2017).

Destaque que a agressão sexual consubstanciada pela supressão ao seu direito de escolha sobre o uso ou não de preservativo durante o ato sexual configura clara violação aos direitos sexuais do indivíduo, ensejando uma responsabilização nos âmbitos penal e cível.

Assim, o conceito de stealthing indicaria uma dissimulação durante o ato sexual consistente na retirada do preservativo e uma efetiva violação dos direitos sexuais do indivíduo enganado.

 

  • O Contexto Histórico do Stealthing

Analisado o conceito de stealthing como uma dissimulação para a retirada do preservativo durante a relação sexual sem o consentimento do parceiro, neste tópico, será tratado o contexto histórico do stealthing.

Os primeiros estudos sobre essa prática são atribuídos a jurista Alexandra Brodsky, como dito anteriormente, em artigo publicado no Journal of Gender and Law, sob a denominação “Rape-Adjacent: Imagining Legal responses to nonconsensual condom Removal”, no qual são destacados os danos físicos e emocionais provocados na vítima e a necessidade de penalização da conduta. (BARROS, 2017).

A autora examina ainda o universo online dos homens que pregam tal conduta sob a acepção de um “direito de praticar sexo “bareback” ( sem camisinha), inclusive, em grupos na internet que propagam meios de fazê-lo sem que o parceiro perceba.

O interesse pela temática, segundo destaca Brodsky teria surgido a partir da análise do tratamento dado as suas colegas por seus parceiros sexuais e que apontariam para um claro ato de violência de gênero que infringe leis civis e criminais. (BARROS, 2017).

A colocação da temática em pauta de discussão é recente, sobretudo, no Brasil e pressupõe um estudo pormenorizado dos direitos sexuais conferidos aos homens e mulheres, bem como da evolução dos papéis desses indivíduos na sociedade.

Desta feita, o contexto histórico do stealthing destaca o seu aparecimento em artigo científico formulado por advogada americana, a par do tratamento dado pelos homens a suas companheiras sexuais e que hoje por influência da globalização e dos meios de comunicação afligem diferentes nacionalidades.

 

  • Stealthing como uma violência sexual

Comentado o contexto histórico do stealthing, emergente de artigo publicado pela advogada Alexandra Brosky, a seguir, discorrer-se-á sobre o stealthing como uma violência sexual.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a violência sexual consiste em qualquer ato sexual ou tentativa de obtê-lo, investidas ou comentários sexuais indesejáveis, tráfico ou qualquer outra forma contra a sexualidade de uma pessoa usando coerção.

Neste mesmo sentido o artigo 7º, III, da Lei 11.340/06, disciplina-a como qualquer conduta que constranja outrem a participar, manter ou presenciar relação sexual não consentida, com o emprego de violência ou ameaça, que limite ou anule os direitos sexuais e reprodutivos, impeça o uso de contraceptivos ou induza a comercialização da sexualidade.

E é neste contexto que o stealthing se configura como uma violência sexual, quando impede que a vítima mantenha relação sexual segura e dentro dos limites por ela aceitos anteriormente.

Destaque que não apenas a violência física ou moral para a obtenção de ato sexual é considerada como uma violência sexual, mas semelhantemente outras formas que limitem, anulem ou impeçam o uso de contraceptivos, a exemplo, a retirada da camisinha.

Assim, o stealthing como violência sexual designa que a retirada do preservativo sem o consentimento do parceiro submete-o a manter relação sexual fora dos limites consentidos violando os seus direitos sexuais e dignidade.

 

1.2 “STEALTHING” E A VIOLÊNCIA DE GÊNERO CONTRA A MULHER

 

1.2.1 Conceito de violência de gênero

Comentado o conceito de stealthing como a prática dissimulada da retirada do preservativo durante a relação sexual sem o consentimento do parceiro, a seguir, será abordado o steathing e a violência de gênero contra a mulher, preliminarmente, salientando o conceito de violência de gênero.

Segundo Marlene Strey (2004,p.13), a expressão violência de gênero é aquela que incide sobre as pessoas em razão do gênero ao qual pertençam, ou seja, porque se é homem ou mulher.

Para o Guia Mundo em foco especial (2016, p. 69), trata-se de violência caracterizada por qualquer tipo de agressão e, em se tratando da figura da mulher, motivada por sentimentos de posse, controle sobre o corpo, desejo e autonomia, limitação da emancipação profissional, econômica, social e intelectual, tratamento da mulher como objeto sexual, manifestações de desprezo e ódio a condição da mulher.

Frise-se que a terminologia ao cuidar de agressões ligadas ao sexo pertencente ao sujeito toma emprestado sua fragilidade como justificativa para a prática da discriminação, ou, definição de sua incapacidade, acabando por incutir erroneamente a ideia de que esse tipo de violência seja praticável apenas por homens em face das mulheres, quando em verdade admite também a violência de mulheres em face de homens.

Dessa forma, a violência de gênero é aquela incidente sobre o sexo pertencente ao sujeito como forma de justificativa da agressão, discriminação ou caracterização de sua capacidade.

1.2.2 Stealthing: uma Violência de Gênero Contra a Mulher

Explanado o conceito de violência de gênero como aquela praticada em razão do sexo pertencente ao indivíduo, a seguir, será apresentado o steathing como uma violência de gênero contra a mulher.

Entretanto, ressalte que embora o objetivo do presente trabalho se detenha a tratar do stealthing como uma forma de violência de gênero contra a mulher, em tese essa prática perniciosa poderia englobar outros indivíduos igualmente vítimas em potencial, a exemplo, os homossexuais.

Como uma violência de gênero contra a mulher o stealthing destaca a exposição desse sujeito de direitos e obrigações para além de doenças e gravidezes indesejadas, incutindo-se também na extrapolação dos limites anteriormente estipulados pelas partes, acarretando danos morais, físicos e financeiros.

Para a promotora de justiça Gabriela Mansur, consoante exposição no site Juristas de Saia (2017), o simples ato de retirar a camisinha sem o consentimento da mulher consistiria em uma violência sexual contra ela, uma vez que o consentimento só foi ofertado por acreditar que seu parceiro estaria usando o preservativo e ela segura de doenças e uma gravidez não planejada.

Em buscas pela internet é possível vislumbrar páginas direcionadas a prática do stealthing , criadas precipuamente para incentivar o comportamento masculino na falta de respeito a dignidade e direitos sexuais das mulheres, cujos adeptos argumentam  defesas de um direito natural, de enraizar ações de misoginia e de supremacia sexual masculina.

Como se denota a dissimulação é praticada com vistas a garantir um “suposto” direito sexual masculino em detrimento a saúde física e mental, bem como os direitos sexuais da mulher hoje assegurados na legislação, resgatando velhos diálogos de subordinação e fragilidade da figura feminina.

Assim, o stealthing como uma violência de gênero contra a mulher exprime a retirada do preservativo durante o ato sexual por desrespeito e preconceitos acerca dos direitos sexuais pertencentes as mulheres.

 

 

  1. AS POSSÍVEIS ADEQUAÇÕES TÍPICAS DO STEALTHING NA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

 

Compreendido o stealthing como uma prática danosa ao parceiro sexual que se vale da dissimulação para a retirada do preservativo durante o ato sexual e da violência de gênero contra a mulher, neste capítulo, por fim, tratar-se-á das possíveis adequações típicas na República Federativa do Brasil.

Apesar disso, deve-se salientar que outras adequações foras às tratadas poderão se afirmar,sobretudo, porque o tema ainda não é tão referenciado em nossa doutrina e jurisprudência.

Do mesmo modo ressalta-se que nos Estados Unidos da América onde o estudo sobre a temática foi iniciado não há posicionamento legal havendo apenas punições atreladas ao crime de estupro em âmbito internacional nos países que compõem a Europa, a exemplo, a Suíça, no ano de 2016.

Segundo Cabette (2017), apenas o caso concreto permitiria tipificar corretamente a prática do stealthing em nossa legislação, considerando as inúmeras hipóteses existentes.

Em relação ao crime de estupro, considerando que a autora inicial sobre a temática tenha o chamado de “quase estupro” pelo subterfúgio empregado, deve-se ressaltar que caso a retirada da camisinha ocorra no âmbito de violência ou grave ameaça estaria configurado o crime, nos termos da norma do artigo 213, do Código penal brasileiro.

Se a retirada do preservativo ocorre sem que a vítima perceba estaria o intérprete da norma diante da configuração do crime de estelionato sexual, nos moldes da norma do artigo 215, do Código penal brasileiro.

Por outro lado, se a retirada ocorresse com a intenção de transmitir doença sexualmente transmissível, poderia a conduta do agente enquadrar-se nos crimes previstos nas normas dos artigos 130, perigo de contágio venéreo, ou,do 131,  se envolvendo a transmissão de moléstia grave. Igualmente há de se destacar a prática dos crimes de lesão corporal gravíssima ou tentativa de homicídio, se versar sobre a transmissão do vírus do HIV.

Assim, as possíveis adequações típicas do stealthing na República Federativa do Brasil se afirmarão frente as particularidades do caso concreto, podendo o autor responder pelos crimes de estupro, de estelionato sexual, de lesão corporal gravíssima ou homicídio, por transmissão de moléstia grave, ou contágio de doença venérea.

 

CONCLUSÃO

 

Conclui-se o presente trabalho afirmando que sua pretensão não se voltou ao esgotamento da temática, mas a fomentar debates acerca de sua expressão e punição na República Federativa do Brasil.

Seu objetivo foi destacar diante da falta de tipo penal específico na legislação brasileira as inúmeras possibilidades de adequação típica, bem como a violência de gênero contra a mulher incutida em seu bojo.

O stealthing é uma violência sexual e de gênero contra a mulher que merece atenção por parte do legislador infraconstitucional para que não continue sendo reduzido as penas atribuídas aos crimes de estupro, estelionato sexual, perigo de contágio de moléstia grave, perigo de contágio de doenças venéreas, lesão corporal gravíssima ou homicídio, por exemplo.

Argumentos machistas e de um direito supostamente masculino de realizar o ato sexual sem preservativo por intermédio de subterfúgios constitui uma evidente violação aos direitos sexuais das mulheres.

É imperioso que a mulher seja respeitada como sujeito de direitos e obrigações e não mais concebida como objeto desprovido de dignidade e destinado a satisfação da lascívia dos homens. Seu corpo, vida e suas escolhas não merecem ser desrespeitados.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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