Resumo
A ação popular vem a ser um importante instrumento de defesa da coletividade utilizável por qualquer de seus membros. Por ela não se amparam os direitos individuais próprios, mas sim interesses da comunidade. Este tipo de ação tem como beneficiário direto e imediato não o seu autor, mas o povo, titular do direito subjetivo a um governo honesto. O cidadão a promove em nome da coletividade, no uso de uma prerrogativa cívica que lhe outorga a Constituição Federal. O presente trabalho monográfico tem como objetivo estudar mais a fundo os aspectos desse importante instrumento de defesa dos interesses da coletividade, sobretudo quando utilizado como mecanismo de combate aos atos de improbidade administrativa que importam em enriquecimento ilícito, causam prejuízo ao erário e atentam contra os princípios da administração pública.
Abstract
The public interest action comes to be an important instrument of defense of the usable collective for any of its members. For it the proper individual rights are not supported, but yes interests of the community. This type of action has as beneficiary and direct immediate not it its author, but the people, bearer of the subjective right to a honest government. The citizen promotes it on behalf of the collective, in the use of a civic prerogative that grants it the Federal Constitution. The present monographic work has as objective to study more deep the aspects of this important instrument of defense of the interests of the collective, over all when used as mechanism of combat to the acts of administrative improbity that matter in illicit enrichment, cause damage to the state treasury and attempt against against the principles of the public administration.
Sumário: INTRODUÇÃO; I – ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA AÇÃO POPULAR, 1.1 Origem e Evolução no Direito Estrangeiro, 1.2 Origem e Evolução no Direito Brasileiro; II – CARACTERÍSTICAS DA AÇÃO POPULAR; 2.1. Elementos da Ação Popular; 2.1.1. Partes; 2.1.2. Pedido; 2.1.3. Causa de pedir; 2.2. Condições da Ação Popular; 2.3. Natureza Jurídica; 2.4. Competência; 2.5 Efeitos da Sentença; 2.6. Isenção de Ônus Processuais; III – A AÇÃO POPULAR E A AÇÃO CIVIL PÚBLICA; Considerações Preliminares; Características da Ação Civil Pública; Distinção entre a Ação Popular e a Ação Civil Pública; IV – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA; 4.1 Conceito; 4.2 Da Reação da Sociedade Contra os Atos de Improbidade Administrativa; Dos agentes da improbidade administrativa ; Da classificação dos atos de improbidade administrativa; Da declaração de bens; Da prescrição; Do procedimento administrativo e do processo judicial previstos na Lei 8.429/92; V – CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA; Conceito; Princípios Norteadores da Administração Pública; Formas de Controle da Administração Pública; Controle administrativo; Controle legislativo; Controle judicial; 5.3.3.1 Limites; 5.3.3.2 Privilégios da Admnistração Pública 5.3.3.3 Mecanismos de controle jurisdicional – “Writs” constitucionais; 5.3.3.3.1 Habeas corpus; 5.3.3.3.2 Habeas data; 5.3.3.3.3 Mandado de injução; 5.3.3.3.4 Mandado de segurança 5.3.3.3.5 Ação civil pública; 5.3.3.3.6 Ação Popular; VI – A AÇÃO POPULAR COMO MECANISMO DE COMBATE AOS ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA; Das Sanções Aplicáveis contra Autores de Atos de Improbidade Administrativa; Do Caráter Extrapenal da Lei n.º 8429/92; Da Utilização da Ação Popular no Combate às Condutas Ímprobas e sua Eficácia; CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS.
Introdução
A Constituição Nacional de 1988 faz referência no seu art. 5º, inciso LXXIII, à ação popular. A ação popular é um remédio constitucional posto à disposição de qualquer cidadão com o objetivo de obter controle de atos ou contratos administrativos ilegais e lesivos ao patrimônio federal, estadual ou municipal, ou ao patrimônio de autarquias, entidades paraestatais e pessoas jurídicas que recebem auxilio pecuniário do poder público.
A ação popular, regulada pela Lei 4.717 de 29 de junho de 1965, confere a qualquer cidadão o direito de fiscalização dos atos administrativos, bem como de sua possível correção, quando houver desvio de sua real finalidade.
Dispõe o referido artigo que qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise anular o ato lesivo ao patrimônio público ou entidade que o Estado participe, a moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico cultural, ficando o autor, salvo comprovada má fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.
A nova redação é mais ampla do que a anterior e abrange matérias incluídas no conceito de direitos coletivos, como, v. g., os atos lesivos ao meio ambiente, ao patrimônio histórico e cultural.
Com isto, esses direitos coletivos passam a ter duas vias processuais asseguradas constitucionalmente: a do mandado de segurança e a da ação popular.
Essa duplicidade não traz inconvenientes, porque, se os fatos constitutivos do direito e os violadores forem certos, provados documentalmente, isto é, se houver direito líquido e certo, e o ato ilegal emanar de autoridade pública, o interessado poderá usar a via do mandado de segurança, porque mais simples e rápida.
Se, todavia, houver necessidade de outras provas, o interessado usará o procedimento da ação popular, que é mais amplo e permite a colheita de outras provas.
Esse direito de todo cidadão ser um fiscal dos atos e contratos administrativos, garantido constitucionalmente pela ação popular, vem a ser uma forma de garantia da participação democrática do próprio cidadão na vida pública, baseando-se no princípio da legalidade dos atos administrativos e também no conceito de que a coisa pública é patrimônio do povo.
É ainda oportuno o esclarecimento do professor Michel Temer [1]” Se é coisa do povo, a este cabe o direito de fiscalizar aquilo que é seu. Pertence-lhe o patrimônio do Estado. Por isso é público”. Verifica-se que há um sistema de fiscalização efetivado por meio de uma representação popular.
Em sua brilhante obra, define José Homem Corrêa Teles[2]:
“dizem-se populares as ações que podem ser intentadas por qualquer pessoa do povo, para conservação ou defesa de coisas públicas… nada obsta a qualquer pessoa do povo poder demandar de outro que usurpou o terreno baldio público, ou embargar-lhe a obra prejudicial ao lugar público, como a rua, rio, etc. (CORRÊA TELES, 1918, p. 44)”.
I – ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA AÇÃO POPULAR
1.1. Origem e Evolução no Direito Estrangeiro
Por mais estranho que possa parecer, no Direito Romano, em uma época em que a noção de Estado ainda não estava bem delineada, já havia um espírito cívico desenvolvido ao ponto de um cidadão poder dirigir-se ao magistrado buscando a tutela de um bem, valor ou interesse que, diretamente, não lhe concernia, mas sim à coletividade, como as rei sacrae, as rei publicae.
Em uma civilização onde faltava a existência de uma noção bem definida de Estado, o que havia era um forte vínculo natural entre o cidadão e a gens e a ausência de um Estado bem definido e estruturado compensava-se com uma noção do que fosse o “povo” e a “nação” romanos. Isso importava dizer que havia entre o cidadão e a res publica uma relação baseada no sentimento de que esta última pertencia de alguma forma, a cada um dos cidadãos romanos, de forma que se pode compreender que cada qual estava se sentisse legitimado a pleitear em juízo em nome da universitas pro indiviso, constituída pela coletividade romana. Essa é a explicação ao fato de que a própria sociedade gentílica da época fosse receptiva à iniciativa de cidadãos que se dispusessem a tutelar os interesses daquela communes omnium.
Embora a actio romana exigisse um interesse pessoal e direto exercido pelo titular do direito, as ações populares eram aceitas como uma exceção àquele princípio, por serem entendidas como ações em que os cidadãos perseguiam fins altruístas, de defesa dos mais altos bens e valores dentro das gens. A regra era a da legitimação ordinária, abrindo-se exceção quando se tratasse de ação popular.
1.2. Origem e Evolução no Direito Brasileiro
A ação popular, nascida no Direito Romano, encontrou, pela primeira vez, assento constitucional no Brasil, através da Carta de 1934, art. 113, nº 38, segundo o qual: “Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a declaração de nulidade ou anulação dos atos lesivos do patrimônio da União, Estados ou dos Municípios”. Decorridos cerca de três anos de sua fugaz existência, não resistiu ela à ditadura que veio a se instalar, tendo sido suprimida pela outorgada Carta de 1937, a exemplo do que acontecera com a ação popular italiana, suprimida no governo fascista e a espanhola, que também não houvera resistido ao período franquista.
Passado o período ditatorial, a ação popular ressurgiu nos debates da assembléia constituinte de 1946. Assim dispunha o art. 141, §38 daquela Constituição Federal: “Qualquer cidadão será sempre parte legítima para pleitear a ação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, dos Estados, dos Municípios, das entidades autárquicas e das sociedades de economia mista”. Tal dispositivo, entretanto, não representou apenas uma reintrodução da ação popular no cenário jurídico-constitucional, mas uma sensível ampliação de seu objeto, o qual passou a albergar também a administração indireta, critério que viria a ser observado nos textos constitucionais subsequentes.
Na Constituição Federal de 1967, a ação popular aparecia com uma dicção semelhante à da Carta de 1946, mas na verdade, ao utilizar a expressão “entidades públicas”, em vez de “entidades autárquicas e sociedades de economia mista”, o constituinte acabou por empobrecer o espectro subjetivo da ação, sabido que na rubrica “entidades públicas e as sociedades de economia mista que, como se sabe, têm natureza e estrutura de entidades privadas”. Todavia, a lei regulamentadora nº 4.717/65, promulgada dois anos antes, fora explícita em enumerar os entes da administração indireta alcançados no âmbito da ação popular (entidades autárquicas, sociedades de economia mista, sociedades mútuas de seguro, empresas públicas, serviços sociais autônomos, fundações, pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos), o que veio a contornar razoavelmente o problema.
A emenda constitucional nº 01, de 1969, manteve, em seu art. 153, §31, a redação antes prevista na Constituição de 1967: “Qualquer cidadão será parte legítima para propor ação popular que vise anular atos lesivos ao patrimônio de entidades públicas”.
No texto constitucional de 1988, optou-se por um critério analítico e abrangente. Dispõe o art. 5º, LXXIII: “Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise anular ato administrativo lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e de ônus de sucumbência”.
Foi a ação popular, sem dúvida, o primeiro remédio processual concebido pelo direito positivo brasileiro com nítidas feições de tutela dos interesses difusos. Com efeito, através dela, qualquer cidadão está legalmente credenciado a promover a anulação dos atos lesivos ao patrimônio de entidades públicas ou de instituições ou fundações de qualquer natureza para cuja criação ou custeio concorra o tesouro público. Além dos bens de expressão pecuniária, a ação popular protege também outros interesses não suscetíveis de dimensão monetária, como os bens e direitos de valor artístico, estético ou histórico, o que mais ressalta a sua feição de remédio tutelar dos interesses difusos.
2.1 Elementos da Ação Popular
2.1.1 Partes
Encontramos a previsão do legitimado ativo para ação popular logo no Art. 1º da Lei 4.717/65, legitimação esta repetida no inc. LXXIII da Constituição de 1988. Encontra-se expresso nestes dispositivos que o legitimado ativo para ação popular será qualquer cidadão.
Portanto, fica expresso que qualquer cidadão será a parte legítima, restando definir o conceito de cidadão. O qual encontramos logo no § 3º do art. 1º citado. Ou seja, cidadão é aquele que se encontra no gozo de seus Direitos Políticos. Devendo o mesmo comprovar este fato mediante a apresentação do título eleitoral quando da propositura da ação.
Fato peculiar quanto a legitimidade ativa ser concedida ao eleitor no gozo de seus direitos políticos, se dá pela possibilidade do maior de 16 anos e menor de 21 anos ser parte legítima para propositura da ação. Embora não tenha capacidade civil nem penal (maiores de 16 anos e menores de 18 anos). Não necessitando nem mesmo de assistência para exercer seu direito, posto que, conforme ensinamento de Alexandre de Moraes se trata de direito político, como o voto, portanto não necessitando de assistência para propositura da ação.
Ponto também que não gera maiores dúvidas quanto à legitimidade ativa, é o caso do condenado por sentença transitada em julgado a perda dos direitos políticos. Somos da opinião de que perderá também a legitimidade para a Ação Popular.
Outra questão já enfrentada por nossos Tribunais, é sobre a possibilidade de pessoa jurídica figurar no pólo ativo da ação popular. Tendo em vista o expresso conceito de cidadão, fica definitivamente afastada esta possibilidade. A pessoa jurídica em hipótese alguma poderá figurar como autora na ação popular, posto que não possui capacidade política (votar e ser votada).
Portanto, estão definitivamente excluídos do pólo passivo da ação popular, tendo em vista a legitimação expressa na Lei, os estrangeiros, os brasileiros não eleitores, as pessoas jurídicas e os brasileiros que definitiva ou temporariamente estiverem privados de seus direitos políticos.
As legitimidades passivas da ação popular encontram previsão no art. 6º da Lei 4.717/65, com campo de abrangência expressamente delimitado.
Primeiramente temos as pessoas jurídicas, públicas ou privadas, ou entidade de que o Poder Público participe. É de se ressaltar que este conceito foi grandemente ampliado pela Constituição Federal de 1988, a qual exige como único requisito para legitimação a simples participação do Poder Público na pessoa jurídica ou entidade. Portanto, presente, mesmo que limitadamente, o Poder Público na entidade ou quadro da Pessoa Jurídica, automaticamente estará esta legitimada para figurar no pólo passivo da ação popular.
A segunda categoria dos legitimados passivos da ação popular é a dos administradores ou funcionários das pessoas jurídicas ou entidades de que o Poder Público faça parte que de alguma forma houverem aprovado, ratificado, autorizado ou praticado diretamente o ato lesivo impugnado. Sendo que inclusive a omissão destes caracteriza o ato lesivo, legitimando a propositura da ação.
De forma bem abrangente, também é legitimado passivo para ação popular aquele que diretamente se beneficie do ato lesivo. Ou seja, aquele que diretamente aufere os benefícios do ato lesivo praticado em prejuízo da coisa pública.
Por fim, mesmo estando legitimada para figurar no pólo passivo da ação, o § 3º do art. 6º em questão autoriza a pessoa jurídica de direito público ou privado, cujo ato seja objeto de impugnação, a atuar diretamente ao lado do autor. Como forma de se proteger o interesse público e se responsabilizar os verdadeiros autores e culpados do ato lesivo praticado em nome do ente.
O Ministério Público é qualificado pela doutrina, na ação popular, como parte pública autônoma. O Parquet, embora não tenha legitimação para propor a ação enquanto órgão do Ministério Público (nada impedindo que o faça como simples cidadão), exerce uma função variada. Atua como custos legis e agente impulsionador da produção probatória e assume a titularidade da ação, sendo legitimado ativo subsidiário na hipótese de o legitimado ativo dela desistir ou de ser o processo extinto sem julgamento de mérito por inépcia da inicial ou por abandono do feito. Pode, ainda, o representante ministerial, atuar como exeqüente subsidiário ulterior, caso o autor popular, no prazo de 60 dias após o trânsito em julgado da decisão, não inicie a execução.
É de se criticar o fato de a legitimação ativa na ação popular aparecer deferida apenas ao cidadão e não, concorrentemente, a outros colegitimados, como se dá no regime da ação civil pública. Por que não conferir tal legitimação às associações de classe, por exemplo?
A constituição de 1988, progressista em muitos aspectos, apesar de haver ampliado a incidência da ação popular, manteve intacta a restrição das Cartas anteriores no tocante à precondição do autor da ação. É preciso repensar o problema da legitimação pois, sabe-se, é difícil para o cidadão entrar em confronto com a Administração Pública.
2.1.2 Pedido
Na ação popular o pedido imediato será de natureza desconstitutiva-condenatória, ao passo que o pedido mediato será, essencialmente, a insubsistência do ato lesivo a interesses difusos, tais como o patrimônio público, o meio ambiente, a moralidade administrativa e o Estado ou sociedade civil enquanto consumidores.
Em decorrência da anulação do ato lesivo a tais interesses difusos, se pedirá a condenação dos responsáveis, e bem assim dos eventuais beneficiários do ato lesivo, ao ressarcimento devido. Trata-se de um pedido a um tempo constitutivo-negativo e condenatório, sendo também admissível o pedido cautelar para a hipótese de lesão virtual ou iminente, dispondo o art. 34 da Lei 6513, de 20 de dezembro de 1977, acrescentando um §4º ao art. 5º da Lei 4717/65, que “Na defesa do patrimônio público caberá a suspensão liminar do ato lesivo impugnado”.
O resultado que se espera obter com a decisão que acolhe a ação popular será diverso: a preservação da ética na administração; a reposição aos cofres públicos do dinheiro malversado ou desviado; a reposição do meio ambiente agredido ao seu statu quo ante; a recuperação do prédio de relevante valor histórico, arquitetônico, etc.
O pedido desconstitutivo é precedente e condicionante ao pedido condenatório, enquadrando-se na hipótese de cumulação sucessiva, em que o acolhimento de um pedido depende do acolhimento do outro. Entretanto, na hipótese de ação popular proposta sob fundamento exclusivo de ofensa à moralidade administrativa, o pedido pode restringir-se a apenas a desconstituição do ato, pois, em tal caso, é possível que não tenha ocorrido lesão ao erário público.
2.1.3 Causa de pedir
Ensina Rodolfo de Camargo Mancuso[3] que:
“A causa de pedir remota na ação popular esta no direito subjetivo público inerente a cada cidadão de exigir que a gestão da coisa pública seja proba, eficaz e responsável. Já no que tange à causa próxima, deve o autor indicar e dar ao menos um início de prova de que um agente público ou autoridade, dentre os indicados no art. 6º e parágrafos da Lei 4.717/65, procedendo por ação ou omissão, lesou (ou está na iminência de lesar) o erário público, o meio ambiente ou o patrimônio cultural latu sensu, ou ainda laborou contra (ou está na iminência de afrontar) a moralidade administrativa”.
Discute-se, em virtude da ampliação do objeto da ação popular por parte da atual Constituição da República, se foi a moralidade administrativa efetivamente erigida em causa de pedir autônoma, prescindindo-se do tradicional requisito da lesão ao Erário.
Deve a moralidade administrativa ser admitida como uma categoria passível de controle jurisdicional por si mesma, por não ser necessariamente subjetiva ou passível de abranger os atos discricionários, mas pelo reconhecimento do seu conteúdo jurídico, a partir de regras e princípios da Administração
2.2 Condições da Ação Popular
Os pressupostos da demanda são três: a condição de cidadão brasileiro por parte do autor, pessoa natural no gozo dos seus direitos cívicos e políticos (devendo o indivíduo comparecer a juízo munido de seu título eleitoral), a ilegalidade do ato a invalidar – infringindo as normas específicas que regem sua prática ou desviando-se dos princípios gerais que norteiam a Administração Pública – e a lesividade do mesmo ato – por desfalcar o Erário ou prejudicar a Administração, bem como por ofender bens ou valores artísticos, cívicos, culturais, ambientais ou históricos da comunidade.
Estabelece o art. 4º da Lei 4.717/65 casos de presunção de lesividade, bastando para a invalidação do ato, naqueles casos estritos, a prova da sua prática naquelas circunstâncias, v.g., a admissão de servidor público com desobediência, quanto à sua habilitação, das normas legais ou regulamentares.
Fora daquelas hipóteses, a lesividade não se presume (TJSP, RT 623/40), impondo- se a sua demonstração cabal, bem como a da ilegalidade.
2.3 Natureza Jurídica
Quanto à sua natureza, trata-se de ação constitutiva negativa – na medida em que inova a situação jurídica preexistente, determinando a anulação do ato administrativo impugnado – ou declaratória – quando declara a nulidade do ato impugnado – e, em decorrência, condenatória – por condenar os responsáveis pelo pagamento das perdas e danos, uma vez julgada procedente a demanda, caso em que a sentença tem natureza complexa.
Em sede doutrinária, é amplamente difundido o entendimento, a nosso ver correto, segundo o qual dá-se necessariamente a cumulação entre ambos os efeitos, constitutivo e condenatório.
2.4 Competência
O que irá determinar a competência para processar e julgar ação popular será a origem do ato a ser anulado. Se o ato foi praticado, aprovado ou autorizado, funcionário ou administrador de órgão da União, entidade autárquica ou paraestatal da União ou por ela subvencionada, competente será o juiz federal da Secção Judiciária onde se consumou o ato.
Caso o ato impugnado haja sido realizado no âmbito da atividade administrativa estadual, competente será o juiz a quem a Lei de Organização Judiciária Estadual (LOJE) atribuir competência para julgar as causas de interesse do Estado.
Já na hipótese em que o ato impugnado for produzido por órgão, repartição, serviço ou entidade do Município ou por este subvencionado, a competência será do juiz da comarca a que o Município pertencer e a quem a LOJE confira a competência para conhecer e julgar as causas de interesse da Fazenda Municipal.
Em se tratando de causa cujo interesse seja tanto da União, quanto de algum Estado , qualquer outra pessoa ou entidade, dispõe a Lei 4.717/65, em seu art. 5º, §1º, que a competência será do juiz federal da Secção Judiciária da comarca onde se efetivou o ato lesivo. Em sendo interessados simultaneamente Estado e Município, será competente o juiz competente para julgar os feitos privativos da Fazenda estadual, assim dispondo o §2º da aludida norma.
O §3º, por sua vez, dispõe que a propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações que forem posteriormente intentadas contra as mesmas partes e sob os mesmos fundamentos.
É de se lembrar ainda que a ação popular, ajuizada contra o Presidente da República, o Presidente do Senado Federal, o Presidente da Câmara dos Deputados, o Governador ou o Prefeito, será processada na Justiça de primeiro grau, seja ela Federal ou Comum.
2.5 Efeitos da Sentença
A sentença que julga a ação popular terá a eficácia de coisa julgada “erga omnes”, excetuando-se a hipótese em que houver sido julgada improcedente por deficiência de provas, podendo o cidadão ingressar com nova ação, com o mesmo fundamento, caso obtenha nova prova.
Na defesa do patrimônio público, caberá a suspensão do ato lesivo ou impugnativo. A sentença que concluir pela carência, bem como pela improcedência da ação só produzirá efeitos depois de confirmada pelo Tribunal. Entretanto, caberá apelação (recebida nos efeitos devolutivo e suspensivo) da sentença que julgar procedente a ação. Das decisões interlocutórias caberá recurso de agravo de instrumento.
2.6 Isenção de Ônus Processuais
A Constituição, no art. 5º, inciso LXXIII, expressamente exclui o autor do pagamento das custas judiciais e do ônus da sucumbência.
A isenção das custas judiciais abrange não só as custas propriamente ditas, mas também a taxa judiciária e demais despesas. Não há como dar sentido estrito à expressão custas judiciais sob pena de se tornar, até mesmo, inócua e, assim, impossibilitar a demanda que, reafirme-se, visa à satisfação de interesse público ou coletivo e não de interesse privado, pelo que não pode o autor arcar com os ônus do ingresso em juízo.
III – A AÇÃO POPULAR E A AÇÃO CIVIL PÚBLICA
3.1. Considerações Preliminares
Merece especial menção a Lei 7.347, de 24.07.85, a qual instituiu a ação civil pública, que, sem prejuízo da ação popular, visa a reprimir danos ao meio ambiente, ao consumidor e a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (art. 1º).
Abrange a citada Lei 7.347/85 os interesses difusos propriamente ditos, interesses difusos relativos ao ambiente em sentido lato; a lei, no seu art. 1º, refere-se, além dos consumidores e do meio ambiente, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e aos consumidores, em sua dimensão coletiva e indivisível, mediante ações civis que tendem a uma condenação à obrigação de fazer ou não fazer ou a uma indenização exclusivamente utilizável para a reconstituição dos bens lesados.
Protege-se, pela Ação Popular, o interesse geral (patrimônio público e moralidade administrativa) ou determinados interesses difusos (patrimônio histórico e cultural e meio ambiente). Por ela não se amparam interesses próprios, mas sim da comunidade. O beneficiário direto e imediato da ação não é o autor popular, mas o povo enquanto titular do direito subjetivo ao governo honesto. Tem fins repressivos e preventivos da atividade administrativa lesiva ao patrimônio público.
Trata-se de uma ação de conhecimento em que se pleiteia sentença para anular atos diretos ou indiretos da Administração Pública. Interpreta-se que apenas atos desta, pois contra atos de particulares há a Ação Civil Pública.
3.2. Características da Ação Civil Pública
A Ação Civil Pública é o instrumento processual adequado para impedir danos ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, ao patrimônio estético, histórico, paisagístico. Protege os direitos coletivos individualizáveis e os direitos individuais homogêneos, os interesses difusos da sociedade, não se prestando a amparar direitos individuais.
Inicia-se com inquérito civil, onde geralmente acontecem acordos. Embora existam pontos de contato entre a Ação Popular e a Ação Civil Pública, trata-se de institutos diferentes, pois têm finalidades diversas. Aquela persegue, basicamente, a nulidade do ato lesivo, acarretando, se procedente, também a condenação em perdas e danos, visando a recomposição do patrimônio público lesado, ou a suspensão liminar do ato lesivo impugnado, constituindo-se em garantia ativa de direitos individuais e difusos, cuja titularidade é conferida exclusivamente ao cidadão; esta, conquanto possa prestar-se a evitar o dano, visa, basicamente, à reparação do fato consumado, valendo-se, para tanto, da condenação em dinheiro ou do cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer (em caso de condenação em dinheiro, a indenização reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal, o Fundo de Defesa de Direitos Difusos).
Além disso, a legitimação para deflagrar a Ação Civil Pública somente é deferida a determinados órgãos: ao Ministério Público, à União, aos Estados, aos Municípios, autarquias, empresas públicas, fundações, sociedades de economia mista ou associação. Note-se, assim, que o cidadão não detém legitimidade ativa para sua propositura, somente podendo fazê-lo por via indireta, provocando a iniciativa do Ministério Público que, em nome do órgão, ingressará com a demanda.
3.3 Distinção entre a ação popular e a ação civil pública
O que importa frisar neste capítulo é que a Ação Popular é aplicada sem prejuízo da Ação Civil Pública. A ação popular não exclui a ação civil pública, pois a própria Lei 7.347/85, no art. 1º, admite a concomitância entre ambas.
Embora o mesmo fato possa ensejar o ajuizamento simultâneo de ação popular e ação civil pública, as finalidades de ambas não se confundem. Uma ação não se presta a substituir a outra.
Da análise da redação do art. 11 da Lei 4.717/65, conclui-se que a ação popular é predominantemente desconstitutiva, e subsidiariamente condenatória. Já a ação civil pública, por força do art. 3º da lei 7.437/85, é preponderantemente condenatória, em dinheiro ou em obrigação de fazer ou não fazer.
Como afirma Hely Lopes “a natureza distinta das sentenças proferidas nestes tipos de ações, aliadas às diferenças na legitimidade para as causas, numa e noutra hipótese leva à conclusão de que não cabe ação civil pública com pedido típico de ação popular e vice-versa”.
IV – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
4.1 Conceito e Considerações
A palavra improbidade vem do latim, improbitas, atis, significando, em sentido próprio, má qualidade (de uma coisa). Também em sentido próprio, improbus, i, que deu origem ao vernáculo ímprobo, significa mau, de má qualidade. Da mesma forma, probus, i, em português, probo, quer dizer bom, de boa qualidade.
Segundo Hely Lopes Meirelles[4], Administração Pública é “todo o aparelhamento do Estado preordenado à realização de serviços, visando à satisfação das necessidades coletivas.”
Leciona Wallace Paiva Martins Júnior[5] que “a existência do Estado prende-se à noção de um aparelho organizador das relações sociais para satisfação das necessidades públicas, realizando-as mediante serviços públicos…”.
Partindo desse princípio, espera-se que o administrador público obrigue-se a desempenhar a sua função dentro dos preceitos do Direito e da Moral administrativa, já que o objetivo a ser atingido é o bem comum da coletividade. Nesse diapasão, faz-se necessário, diz Bandeira de Mello[6], “inibir que a Administração se conduza perante o administrado de modo caviloso, com astúcia ou malícia preordenadas, a submergir-lhe direitos ou embaraçar-lhe o exercício e, reversamente, impor-lhe um comportamento franco, sincero, leal.”
A Administração Pública deve ser regulada e exercida dentro do que determinam a Constituição Federal e suas leis complementares. À ela são concedidos direitos, havendo, porém limites estabelecidos os quais não devem ser ultrapassados.
A legalidade é o suporte e o limite da atuação do gestor; seus atos somente terão validade com a observância da lei, diferentemente do que ocorre no âmbito da Administração Privada, onde tudo ou quase tudo é permitido. Para esta, a lei é um poder; para a outra, a lei é um poder–dever, porque a concessão por lei, do poder discricionário esbarra em limites que, uma vez ultrapassados, levam ao abuso do poder.
Embora o poder represente um instrumento concedido ao agente público para o alcance dos fins objetivados pela coletividade e pelo direito, muitos dos que dele se investem o utilizam como fonte inesgotável de aquisição, usufruto, distribuição e transmissão de regalias e mordomias, obtendo vantagens ilícitas para si e para terceiros, exercendo-o de maneira abusiva, praticando condutas que caracterizam o que se denomina improbidade administrativa.
A probidade administrativa é subprincípio da moralidade administrativa e dever dos agentes públicos, atendendo à idéia de honestidade entre meios e fins empregados pela Administração Pública e seus agentes, influenciadas por valores convergentes à noção de boa administração e de finalidade pública.
A probidade administrativa exige dos agentes públicos uma atuação conformada com os princípios e deveres do exercício da função pública.
A atuação do agente público em desconformidade com o dever de agir com probidade, rompendo com o compromisso de obediência aos deveres inerentes à sua função caracteriza o vício de imoralidade ou, como é mais conhecido, vício de improbidade administrativa.
Sobre o tema, afirma Pazzaglini Filho[7]:
“A improbidade administrativa é o designativo técnico para a chamada corrupção administrativa, que, sob diversas formas, promove o desvirtuamento da Administração Pública e afronta os princípios nucleares da Ordem Jurídica (Estado de Direito, Republicano e Democrático), revelando-se pela obtenção de vantagens patrimoniais indevidas às expensas do erário, pelo exercício nocivo das funções e empregos públicos, pelo tráfico de influência nas esferas da Administração Pública e pelo favorecimento de poucos em detrimento dos interesses da sociedade, mediante concessão de obséquios e privilégios ilícitos”.
4.2 Da Reação da Sociedade Contra os Atos de Improbidade Administrativa
No Brasil, não se passa uma semana sem que surja na imprensa algum escândalo referente a atos de improbidade administrativa. Como a cultura do favorecimento no Brasil está muito arraigada, da mesma maneira que levou tempo se solidificando, vai levar tempo para ser exterminada, havendo na sociedade muitas pessoas que aceitam com naturalidade a improbidade.
Entretanto, a tolerância com práticas notórias (rouba, mas faz), vem gradativamente cedendo lugar à inconformidade com deslizes de ética e a rendosa prática de intermediação nos investimentos públicos.
Atento ao fenômeno da improbidade administrativa e com o intuito de preservar a integridade administrativa, o sistema jurídico aciona mecanismos no combate ao abuso praticado contra a Administração Pública em diversos setores. Tais mecanismos têm por finalidade proteger os direitos subjetivos pessoais daqueles que lhe estão sujeitos, defendendo uma administração honesta e preocupada com as transformações sociais. A eficácia desses mecanismos de controle externo da Administração Pública tende a varrer a improbidade praticada no exercício dos cargos, das funções e empregos públicos.
Um dos mecanismos criados com o intuito de preservar os princípios inerentes a uma boa administração foi a Lei nº. 8.429/92. Tal norma representou um grande avanço em nosso ordenamento jurídico, haja visto haver tipificado os atos de improbidade administrativa, atribuindo sanções àqueles que atentam contra os princípios da Administração Pública.
À Lei 8.429/92 seguiram-se outras normas também de relevante importância no que concerne ao combate à improbidade administrativa. Dentre elas, podemos destacar a 8.666/93 e a Lei Complementar nº 110/00, que tratam, respectivamente, dos crimes da lei de licitações e da responsabilidade fiscal.
Observa-se que o nosso ordenamento jurídico nos últimos anos está cada vez mais dotado de leis cujo objeto é essencialmente o combate à improbidade administrativa. Tipificadas as condutas e previstas as sanções contra àqueles que, no exercício da atividade administrativa, agem como se fosse perfeitamente lícitos a obtenção de vantagens indevidas, o malbaratamento dos recursos do erário, o vilipêndio aos princípios da Administração Pública e o desprezo aos direitos e garantias individuais e sociais, há que se buscar, agora, o combate à impunidade.
Com muita propriedade, Pontes de Miranda acentuava que “a impunidade, havendo leis, é mais grave que a impunidade por se não terem leis”.
Compete, pois, ao Poder Judiciário, ao Ministério Público, no uso de sua legitimidade conferida pela Lei 8.429/92, embasada no art. 129, inciso III, da Constituição Federal, e a aos cidadãos pela via da Ação Popular agir com o rigor que lhes compete na luta contra esse mal cujas raízes são seculares.
Desta forma, estariam todos agindo em defesa da democracia e do Estado Democrático de Direito, pois, como leciona Wallace Paiva Martins Júnior[8],
“a sobrevivência do Estado Democrático de Direito impõe, necessariamente, a proteção da moralidade e da probidade administrativa nos atos administrativos em geral, exaltando as regras de boa administração e extirpando da gerência dos negócios públicos agentes que ostentam inabilitação moral para o exercício de funções públicas”.
4.3 Dos Agentes da Improbidade Administrativa
A lei 8429/92 define quais as pessoas consideradas como passíveis de sanção pela prática de atos de improbidade. Tais são:
a) qualquer agente público, servidor ou não, em relação a atos de improbidade praticados contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, reputando-se agente público, para os efeitos da lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação, ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades acima mencionadas;
b) qualquer pessoa que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie por qualquer forma direta ou indireta;
Vale observar que estão também sujeitos às sanções da lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.
Como se vê é amplíssimo o universo de pessoas cujo procedimento pode ser apontado como ímprobo, desde que servidores ou terceiros incidam nas situações apontadas pela lei.
Bastante largo é, também, o número de entidades cujo patrimônio se acha protegido pelas disposições legais em referência. Para se ter uma idéia da amplitude do alcance da lei, basta observar que empresas que gozam de incentivos fiscais, a exemplo das empresas favorecidas através da SUDENE, SUDAM e outros organismos nacionais ou estaduais, como o FAIN, encontram-se protegidas pela legislação em relação à conduta irregular de seus administradores, dolosa ou culposa, em que pese sua condição de empresas privadas.
4.4 Da Classificação dos Atos de Improbidade Administrativa
A Lei 8429/92 conhece três tipos de atos ímprobos na administração, a saber:
I) atos que importam em enriquecimento ilícito.
II) atos que causam prejuízo ao erário.
III) atos que atentam contra os princípios da administração pública.
A primeira classe de atos de improbidade administrativa compreende as seguintes condutas:
a) auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função ou emprego, ou atividades nas entidades mencionadas no art. 1º desta Lei;
b) receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;
c) perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas entidades referidas no art. 1º por preço superior ao valor de mercado;
d) utilizar, em obra ou serviço particular, veículo, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades;
e) receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer atividade ilícita, ou aceitar promessas de tal vantagem;
f) receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei;
g) adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público;
h) aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade.
i) perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de verba pública de qualquer natureza;
j) receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado;
l) incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1 desta Lei;
m) usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei.
Nos dizeres de Marino Pazzaglini Filho[9], “trata-se da modalidade mais grave e ignóbil de improbidade administrativa, pois contempla o comportamento do agente público que desempenha funções públicas de sua atribuição de forma desonesta e imoral”.
Não pode também olvidar do ensinamentos de Franco Otávio de Almeida Prado[10] quanto à matéria. Ressalta o autor que:
“Para a configuração do enriquecimento ilícito não é necessária a configuração do dano ou prejuízo ao erário. Na verdade, o bem jurídico protegido é a probidade na administração, e esse bem é agredido sempre que o agente público se desvia dos fins legais a que está atrelado, em contrapartida à percepção de vantagem patrimonial. Poderá, é certo, resultar prejuízo ao erário de uma conduta tipificada pelo art. 9º. Esse prejuízo, no entanto, não compõe as figuras típicas de enriquecimento ilícito e será irrelevante para a caracterização das infrações, conquanto possa ter relevância para a dosagem das sanções cabíveis (cf. art. 12, parágrafo único)”.
A segunda classe de atos de improbidade, na conformidade da disposição legal, é a dos que causam prejuízo ao erário, compreendendo as seguintes práticas:
a) facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei;
b) permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei;
c) doar a pessoa física ou jurídica, bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistenciais, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei, sem observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie;
d) permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bens integrantes do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta Lei, ou ainda a prestação de serviços por parte delas, por preço inferior ao de mercado;
e) permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado;
f) realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantias insuficientes ou inidôneas;
g) conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
h) frustrar a licitude do processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente;
i) ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento.
j) agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público;
l) liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;
m) permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;
n) permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei, bem como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades.
Entende-se Erário como sendo parte integrante do patrimônio público, limitando-se aos bens e direitos de valor econômico, ou seja, aos recursos financeiros do Estado ou Tesouro Público.
Nesta modalidade, portanto, a medula dos atos de improbidade é a ofensa lesiva ao patrimônio financeiro.
Leciona Emerson Garcia[11] que “os danos causados ao patrimônio público podem advir de atos dissonantes dos princípios regentes da atividade estatal, ou mesmo de conduta em que tenha ocorrido estrita observância destes.”
Por tal razão, o dano ou prejuízo causado ao erário não pode ser erigido à categoria de elemento único de consubstanciação da improbidade disciplinada pela Lei 8.429/92, sendo imprescindível que a conduta que os causou tenha sido fruto de inobservância dos princípios que informam os atos dos agentes públicos.
Além da ocorrência de efetivo dano material aos cofres públicos, a ilegalidade da conduta funcional do agente público é conditio sine qua non para caracterizar-se o referido ato de improbidade. É mister que sua ação ou omissão seja antijurídica, viole o Direito por excesso de poder ou desvio de finalidade. Desta forma, tendo o agente causado prejuízo ao Erário agindo secundum legem, descabe falar em improbidade administrativa.
Finalmente, a terceira classe dos atos de improbidade administrativa contempla os atos que atentam contra os princípios da administração pública, violando os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente os seguintes:
a) praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;
b) retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;
c) revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deve permanecer em segredo;
d) negar publicidade aos atos oficiais;
e) frustrar a licitude de concurso público;
f) deixar de prestar contas quando obrigado a fazê-lo;
g) revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço da mercadoria, bem ou serviço.
Frise-se que o agente público, ao praticar ato de improbidade administrativa que importa enriquecimento ilícito (art. 9º) ou que causa lesão ao Erário (art. 10), transgride, sempre, o princípio constitucional da legalidade e, em geral, outros princípios constitucionais explícitos ou implícitos, relativos ao conteúdo de sua conduta ímproba.
Daí se conclui que a norma do art. 11, que dispõe sobre os atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública, é residual em relação às que tratam das outras duas modalidades, pois a afronta a legalidade faz parte de sua contextura.
O preceito do art. 11, portanto, só é aplicável quando não configuradas as demais modalidades de improbidade administrativa.
4.5 Da Declaração de Bens
Para possibilitar uma fiscalização efetiva e um acompanhamento eficaz da evolução patrimonial dos agentes públicos, a Lei 8.429/92 prevê a obrigação para todo agente público de apresentar declaração de bens e valores que compõem seu patrimônio particular, quando de sua posse em qualquer cargo público. Tal declaração deverá ser atualizada anualmente, bem como no momento em que o agente deixar o exercício de mandato, cargo, emprego ou função.
A Lei 8.730/93 estipula que as declarações em referência sejam entregues também aos Tribunais de Contas, aos quais caberá averiguar a respeito das situações e mutações patrimoniais ocorrentes, em relação ao patrimônio dos agentes públicos.
4.6 Da prescrição
Cumpre-nos referir ao prazo para ajuizamento das ações destinadas a levar a efeito as sanções previstas na lei 8.429/92. Segundo esta, as mencionadas ações podem ser propostas até cinco anos após o término do exercício de mandato, cargo em comissão ou função de confiança.
Nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego, devem as ações ser propostas dentro do prazo prescricional previsto na lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público.
4.7 Do Procedimento Administrativo e do Processo Judicial Previstos na Lei 8.429/92
O Capítulo V da Lei 8.429/92 trata do procedimento administrativo e do processo judicial nos casos de improbidade administrativa.
De acordo com o art. 14 da referida lei, “qualquer pessoa poderá representar à autoridade administrativa competente para que seja instaurada a investigação destinada a apurar a prática de ato de improbidade”.
Este dispositivo vêm de encontro ao que prevêem a Constituição Federal e o Código de Processo Penal. Como se sabe, o direito de petição é garantia constitucional de eficácia plena e aplicabilidade imediata e a lei, ao garantir a faculdade de representação responsável, à autoridade administrativa bem como ao Ministério Público, atende à vontade constitucional. Atende também ao que dispõe o Código de Processo Penal, que em seu art. 5º, §3º, estabelece: “Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento de infração penal , em que caiba ação pública, poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar o inquérito”.
Atendidas as formalidades legais da representação, a autoridade determinará a imediata apuração dos fatos, que se processará de forma diversa, nos casos em que se tratar de servidores federais ou militares.
Do procedimento administrativo para apurar a existência de ato de improbidade, tomarão conhecimento o Ministério Público ou Tribunal ou Conselho de Contas, o qual poderá designar representante para acompanhá-lo.
Conforme prevê o art. 16, em havendo fundados receios de responsabilidade, a comissão representará ao Ministério Público ou à Procuradoria do órgão para que requeira ao juízo competente o seqüestro dos bens do agente ou terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público.
Com esta norma, buscou-se a indisponibilidade dos bens dos agente ímprobo, de modo a restringir seu direito à livre disposição com o objetivo de conservá-los como garantia de eventual execução.
Procurou também o citado dispositivo assegurar meios e medidas a fim de comprovar o quanto possível o grau de envolvimento do agente público nas atividades ilícitas, possibilitando ao órgão encarregado da investigação ou do inquérito administrativo formular pedido ao juízo competente no sentido de aprofundar as investigações, realizando amplo exame econômico-financeiro-patrimonial do agente acusado de improbidade.
Uma vez efetivada a medida cautelar contra o suspeito de improbidade, o Ministério Público ou a pessoa jurídica interessada, deverão propor a ação principal, a qual obedecerá o rito ordinário e na qual será vedada a transação, acordo ou conciliação entre as partes, como preceitua o art. 17 da Lei 8.429/92.
A atuação do Ministério Público é indispensável devendo o mesmo, quando não intervir como parte, atuar como fiscal da lei, sob pena de nulidade.
Determina a Lei ao juiz que, ao julgar a ação de responsabilização extrapenal do agente público, ou equiparado, condene o autor do ato ilícito ao pagamento ou determine a reversão dos bens em favor da pessoa jurídica prejudicada.
Quanto às sanções de perda de função, suspensão dos direitos políticos e proibição de contratar, igualmente poderão ser decretadas na sentença, somente tornando-se efetivas com seu trânsito em julgado.
V – CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
5.1 Conceito
De acordo com Celso Ribeiro Bastos[12], “o controle nada mais é do que o conjunto dos meios de que dispõe a Administração Pública para cumprir a atribuição de reposição da ordem jurídica e da eficácia administrativa”
Constitucionalmente, a Administração Pública abrange tanto a administração direta, como a indireta, sendo esta qualquer órgão ou entidade que se encontre no âmbito de atuação do Estado ou que esteja na gestão de serviços públicos, ou ainda, que receba auxílio financeiro e seja por ele controlado.
O atingimento do escopo da Administração Pública materializa-se na plena consecução dos princípios constitucionais da administração, a saber, a publicidade, legalidade, moralidade e eficiência.
Desta forma, importante se faz a demonstração dos diversos meios de controle da atividade administrativa, dentre eles, destacando-se o eficiente mecanismo jurisdicional denominado ação popular.
5.2. Princípios Norteadores da Administração Pública
Aborda-se inicialmente a questão dos princípios norteadores da administração pública, haja visto serem estes a base sobre a qual deverão ser erguidas as estruturas das ações administrativas.
Neste sentido, qualquer menção à matéria de direito público sem a necessária tangência a seus princípios constitucionais norteadores, estaria prejudicada, tal a sua importância, dado que a violação de um princípio jurídico é tão grave que implica em agressão a todo o sistema.
Sobre a matéria, ensina o mestre Celso Antônio Bandeira de Mello[13]:
“Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. É a mais grave forma conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irreversível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra”.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, refere-se à Administração Pública, dispondo sobre os princípios que a norteiam, quais sejam, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Com relação ao princípio da legalidade, entende-se que a atividade administrativa deve desenvolver-se somente mediante autorização da lei, dentro do alcance e limites do texto legal, sob pena de invalidade e sanções diversas ao administrador responsável, no campo disciplinar, civil ou criminal. Percebe-se, por este preceito, que a atividade da Administração Pública como um todo deve sempre subordinar-se à lei.
Pelo princípio da impessoalidade, impede-se que a Administração Pública atue com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que seu comportamento deve ser sempre norteado pelo interesse público. Como bem ensina a professora Luísa Elisabeth Furtado[14], “tal princípio está imanentemente ligado à finalidade administrativa, pois que, atendendo a interesses individuais em detrimento de dos públicos, desviada se encontra a finalidade administrativa, consumando-se o desvio de poder”.
Quanto ao princípio da moralidade, deve fazer-se presente em toda a atividade administrativa, posto que os atos da administração não poderão contrariar o interesse coletivo, obedecendo aos preceitos da moralidade. Assim, não basta o ato ser legal, há também que estar em conformidade com a ética administrativa, e, portanto, com o interesse da coletividade.
O princípio da publicidade exige a ampla divulgação dos atos praticados pela Administração Pública, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas em lei, possibilitando, assim, o controle jurisdicional de seus atos pela coletividade.
O princípio da eficiência é o que se pode chamar de dever da boa administração. Impõe a todo agente público o dever de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros.
A Constituição trouxe explicitamente em seu texto os citados princípios, havendo, entretanto, outros princípios de grande relevância ao bom exercício da Administração Pública, os quais encontram-se implícitos no texto constitucional.
A atividade administrativa sempre estará subordinada à lei. Contudo, certas práticas administrativas podem ser realizadas com certa margem de liberdade, cabendo à Administração escolher o momento oportuno para agir, ou ainda dispor da faculdade de optar pela providência a ser tomada para o caso concreto, dentro de um elenco de ofertas presentes na lei.
Leciona com maestria a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro[15], que:
“a atuação da Administração Pública no exercício da função administrativa é vinculada quando a lei estabelece a única solução possível diante de determinada situação de fato; ela fixa todos os requisitos cuja existência a Administração deve limitar-se a constatar, sem qualquer margem de apreciação subjetiva”.
Segundo a conceituada autora, “a atuação é discricionária quando a Administração, diante do caso concreto, tem a possibilidade de apreciá-lo segundo critérios de oportunidade e conveniência e escolher entre uma, duas ou mais soluções, todas válidas para o direito” [16].
Ocorre que o julgamento de atos discricionários praticados pela Administração Pública torna-se difícil em face de conceitos jurídicos indeterminados, cuja significação e alcance são relativos. Conceitos como de necessidade coletiva, segurança nacional, interesse público, dentre outros, são conceitos que, por imprecisos, tornam vulneráveis sua apreciação, necessitando a administração pública, no exercício de suas funções, seguir um referencial valorativo face a realidade concreta, devendo ser avaliada sempre sob a ótica da razoabilidade.
Cumpre ao agente público, no exercício do poder discricionário, decidir sobre o mérito administrativo, dentro do limite jurídico. Há de se observar, portanto, o que a doutrina denomina como princípio da razoabilidade.
5.3 Formas de Controle da Administração Pública
No exercício de suas funções, a Administração Pública sujeita-se a controle por parte dos Poderes Legislativo e Judiciário, além de exercer, ela mesma, o controle sobre os próprios atos.
Este controle abrange não somente os órgãos do Poder Executivo, mas também os dos demais Poderes, quando exerçam função tipicamente administrativa.
Sua finalidade é assegurar o exercício da atividade administrativa de acordo com os princípios que a norteiam e que lhe são impostos pelo ordenamento jurídico, abrangendo também o chamado controle de mérito, o qual refere-se aos aspectos discricionários da Administração Pública.
O mestre Diógenes Gasparini[17] assim definiu o controle da atividade administrativa:
“É a atribuição de vigilância, orientação e correção de certo órgão ou agente público sobre a atuação de outro ou de sua própria atuação, visando confirmá-la ou desfazê-la, conforme seja ou não legal, oportuna e eficiente”.
5.3.1. Controle administrativo
A primeira espécie de controle exercido sobre a atividade administrativa é o denominado controle administrativo. Trata-se do poder de fiscalização e correção que exerce a Administração Pública sobre sua própria atuação, por iniciativa própria ou mediante provocação.
Esta espécie de controle se dá através dos chamados recursos administrativos, cujas modalidades são a representação, a reclamação administrativa, o pedido de reconsideração, os recursos hierárquicos próprios e impróprios e a revisão.
Este controle interno é amplamente reconhecido pelo Poder Judiciário.
Dispõe a Súmula 346 do STF: “a Administração Pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos”.
A Súmula 473, também STF dispõe: “a Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos, ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”.
5.2.2. Controle legislativo
Esta espécie de controle limita-se às hipóteses previstas na Constituição. Trata-se de uma interferência de um Poder nas atribuições dos outros dois, alcançando os órgãos do Poder Executivo, as entidades da chamada Administração Indireta e o próprio Poder Judiciário, quando executa função administrativa.
O controle legislativo apresenta-se sobre duas formas: o controle político e o controle financeiro.
O controle político analisa o ato administrativo nos aspectos da legalidade e de mérito, apreciando-o inclusive no aspecto da discricionariedade, ou seja, da oportunidade e conveniência diante do interesse público.
O controle financeiro é aquele exercido com o auxílio dos tribunais de contas. Tribunais de Contas são órgãos especializados que fiscalizam a realização do orçamento e a aplicação do dinheiro público pelas autoridades que o dependem e têm função geral de auxiliar o Congresso Nacional e as Assembléias Legislativas no controle externo que lhes cabe exercer sobre atividade financeira e orçamentária da Administração Pública.
A previsão constitucional do controle legislativo está demonstrada no quadro abaixo:
Previsão Constitucional do Controle Efetuado pelo Poder Legislativo |
Controle Político |
Art. 49, incisos I, II, III, IV, V, XII, XIV, XVI, XVII |
Art. 50. |
Art. 50, § 2°. |
Art. 52, incisos I, II, III, IV, V, VI, VII, VIII e XI. |
Art. 52, parágrafo único. |
Art. 58, § 3°. |
Controle Financeiro |
Arts. 70 a 75. |
5.2.3. Controle judicial
De nada adiantaria sujeitar-se a Administração Pública à lei se seus atos não estivessem sujeitos a um controle por órgão dotado de garantias de imparcialidade que permitissem apreciar e invalidar os atos ilícitos por ela praticados.
É necessário, para a garantia dos Estado de Direito, que todos os atos passíveis de causar lesão sejam submissíveis e apreciáveis pelo Poder Judiciário, pois é ele que vai conferir a garantia da efetividade do direito.
5.2.3.1 Limites
O Poder Judiciário pode examinar os atos da Administração Pública , de qualquer natureza, sejam gerais ou individuais, unilaterais ou bilaterais, vinculados ou discricionários, respeitados os princípios da legalidade e da moralidade.
No exercício deste controle, é importante que se observem determinados limites, pois não se pode invadir o denominado mérito administrativo (oportunidade e conveniência), cumprindo ao Judiciário apreciar os motivos que precedem a elaboração do ato.
Os atos normativos do Poder Executivo, como Regulamentos, Portarias, Resoluções, não podem ser invalidados pelo Poder Judiciário, senão por meio de ação direta de inconstitucionalidade, cuja competência será do STF e dos Tribunais de Justiça, quando forem contrariados, respectivamente, as constituições Federal e Estadual.
Quanto aos atos políticos, desde que causem lesão a interesses individuais ou coletivos, será possível sua apreciação pelo Judiciário.
Com relação aos atos interna corporis, não são, v.g., passíveis de apreciação pelo Poder Judiciário, pois se limitam a estabelecer normas sobre o funcionamento interno dos órgãos. Entretanto, se exorbitarem em seu conteúdo de modo a ferir direitos individuais direitos individuais e coletivos, poderão também ser apreciados pelo Judiciário.
5.2.3.2 Privilégios da administração pública
Na qualidade de parte em uma ação judicial, a Administração Pública goza de certos privilégios não conferidos aos particulares, sendo esta uma peculiaridade do regime jurídico administrativo.
A Administração Pública usufrui dos seguintes privilégios processuais:
– Juízo privativo;
– Prazos dilatados;
– Duplo grau de jurisdição;
– Processo especial de execução;
– Prescrição qüinqüenal;
– Dispensa do pagamento das despesas processuais;
– Restrições à concessão de liminar e à tutela antecipada;
– Restrições à execução provisória.
5.2.3.3. Meios de controle jurisdicional – “Writs” constitucionais
Há em nosso ordenamento jurídico formas privilegiadas ou especiais de ingresso em juízo que propiciam aos órgãos jurisdicionais o controle da legalidade dos atos administrativos, seja do Executivo, seja de órgãos da administração do Legislativo, ou do Judiciário.
5.2.3.3.1 Habeas corpus
É a garantia que um indivíduo possui de não sofrer constrições, na sua faculdade de locomoção, tolhidas de atos que possam restringir sua liberdade física de forma ilegal.
Encontra-se previsto no art. 5º, LXVIII, segundo o qual “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”. Só não é cabível “em relação a punições disciplinares” (art. 142, §2º).
Com o intuito de garantir o seu acesso a todos, o art. 5º LVII determina sua gratuidade.
Poderá o habeas corpus ser impetrado por nacional ou estrangeiro, em seu benefício ou de terceiro.
Seus pressupostos são:
1. ilegalidade ou abuso de poder, seja por parte de autoridade, seja por parte de particular;
2. violência, coação ou ameaça à liberdade de locomoção.
5.2.3.3.2 Habeas data
É um instrumento jurídico que , de acordo com o que dispõe o art. 5º, LXII, da Constituição Federal, será concedido com as seguintes finalidades:
– assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público;
– para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo.
O habeas data deve ser utilizado com relação a registros sobre dados cujo conhecimento seja permitido à Administração, porque dados referentes à intimidade da pessoa são reservados pela Constituição, não havendo que se falar em retificação, mas em pura e simples supressão desses dados indevidos.
5.2.3.3.3 Mandado de injução
Mandado de injução, previsto no art. 5º LXI da Constituição Federal, é o meio constitucional posto à disposição de quem se achar prejudicado pela falta de norma regulamentadora que torne inviável o exercício de direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.
O alcance que se tentou dar a este remédio constitucional acabou sendo diminuído em face do posicionamento do Supremo Tribunal Federal que tem atribuído a esta prestação jurisdicional natureza meramente declaratória e não constitutiva, como quis o constituinte.
5.2.4.3.4 Mandado de segurança
Mandado de segurança é o meio constitucional posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual ou universalidade reconhecida por lei, para a proteção de direito individual ou coletivo, líquido e certo, não amparado habeas corpus ou habeas data, por ato de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça (CF, art. 5º LXIX e LXX; Lei nº 1.533/51, art. 1º).
Podem utilizar-se e ser passíveis de mandado de segurança não apenas as pessoas físicas e jurídicas, como também os órgãos públicos despersonalizados, desde que dotados de capacidade processual.
O mandado de segurança normalmente é repressivo de uma ilegalidade já cometida, mas pode ser preventivo de uma ameaça de direito líquido e certo do impetrante. Não basta a suposição de um direito ameaçado; exige-se um ato concreto que possa pôr em risco o direito do postulante.
Há também o denominado mandado de segurança coletivo, surgido com a Constituição de 1988 (art. 5º, LXX), a qual admitiu sua impetração por partido político com representação no congresso Nacional, organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano.
Já decidiu o STF que mandado de segurança é ação civil, logo, qualquer que seja a origem do ato impugnado, o mandado de segurança será sempre processado e julgado como ação civil, no juízo competente.
Distingue-se das demais ações apenas pela especificidade de seu objeto e pela sumariedade de seu procedimento, que é próprio, e só subsidiariamente aceita as regras do Código de Processo Civil.
5.2.3.3.5 Ação civil pública
Relembrando o que já foi estudado de maneira um pouco mais aprofundada no capítulo III deste trabalho, a ação civil pública é o instrumento através do qual o Ministério Público, as pessoas jurídicas públicas e particulares podem postular judicialmente a defesa do patrimônio público e social, do meio ambiente, do consumidores, bem como de outros interesses coletivos e difusos.
O Ministério Público, diferentemente das demais pessoas, que devem demonstrar legítimo interesse para poder agir, é incondicionalmente legitimado para propor este tipo de ação.
São funções do Ministério Público na Ação Civil Pública:
1. pode atuar como autor;
2. quando não atuar como autor, obrigatoriamente atuará como fiscal da lei;
3. promover a execução caso não o faça o autor, transcorridos 60 dias do trânsito em julgado da sentença condenatória;
4. assumir a titularidade da ação, em caso de abandono ou desistência infundada da ação por associação legitimada, na forma preconizada no art. 112, do CDC);
5. realizar o inquérito civil previsto no art. 8, §1º da Lei 7.347/85, e no art. 129, III da Constituição.
A ação pode ser proposta em caso de lesão ou de ameaça de lesão, razão pela qual fala-se em ação principal e cautelar (art. 4º e 5º).
O processo é ordinário, podendo ser sumário na hipótese do art. 275, I, CPC.
A sentença produzirá efeito erga omnes, exceto quando julgada improcedente por deficiência de prova, hipótese em que poderá ser ajuizada ação com mesmo fundamento utilizando-se o autor de prova nova.
Em se tratando de litigância de má-fé, serão a associação e os diretores responsáveis pela propositura da ação condenados ao pagamento do décuplo das custas judiciais, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos.
5.2.3.3.6 Ação popular
A ação popular, objeto deste estudo, também é considerada um mecanismo de controle jurisdicional da Administração Pública. É instrumento de defesa dos interesses da coletividade, utilizável por qualquer de seus membros, no gozo de seus direitos cívicos e políticos
Tem fins preventivos e repressivos da atividade administrativa lesiva do patrimônio público. Seu beneficiário direto e imediato será o povo, titular do direito subjetivo ao governo honesto.
É sobre a aplicação deste instrumento de controle da Administração Pública, especialmente no combate ao fenômeno denominado improbidade administrativa, que tantos malefícios traz ao Estado Democrático de Direito que trataremos no capítulo a seguir.
VI – A AÇÃO POPULAR COMO MECANISMO DE COMBATE À IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
6.1 Das Sanções Aplicáveis contra Autores de Atos de Improbidade Administrativa
O dever de probidade está constitucionalmente previsto na conduta do administrador público como condição necessária à legitimidade de seus atos. O conceito romano do probus e do improbus administrador público faz-se presente em nossa legislação administrativa e na própria Constituição, que pune os atos de improbidade administrativa com sanções políticas, administrativas e penais.
Reza a norma do art. 37, §4º, do texto constitucional que os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens, o ressarcimento ao Erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
Tamanha é a importância do combate às condutas ímprobas no âmbito da Administração Pública, que o constituinte optou por inserir na Carta Magna sanções àqueles que pratiquem este tipo de conduta.
O art. 12 da Lei da Improbidade Administrativa regulamentou a norma constitucional, dividindo as sanções graduadas segundo a gravidade do ato praticado e fixas.
Ademais, como as indicadas no art. 37, §4º, da Constituição, não são as únicas medidas punitivas, em numerus clausus, aplicáveis à espécie, o art. 12 completou seu elenco.
Três são as espécies de sanções graduadas instituídas pelo art. 12:
a) suspensão dos direitos políticos;
b) multa civil;
c) proibição de contratar com o poder público e receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.
De acordo com a classificação do ato de improbidade administrativa objeto da persecução civil, a intensidade dessas sanções é diferenciada: maior nos atos de improbidade administrativa que importam em enriquecimento ilícito (art. 9º, da LIA); média nos atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao Erário (art. 10, da LIA), e menor nos atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da Administração Pública (art. 11, da LIA).
Na fixação dessas punições, entre o máximo e o mínimo, o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente público ímprobo condenado.
Lembra Marino Pazzaglini[18] que “o julgador, ao analisar a extensão do dano causado, deve levar em consideração não só o dano material causado ao Erário, mas também o dano moral sofrido pelo Estado e, em especial, pela sociedade”.
O referido autor traz em sua obra tabela ilustrativa das condutas e sanções a estas aplicáveis, a qual fora transcrita abaixo:
Atos de Improbidade Administrativa | Suspensão dos direitos políticos | Multa Civil | Proibição de contratar com o P. Público e receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios |
Enriquecimento ilícito (art. 9º) | 8 a 10 anos | Até três vezes o valor do acréscimo patrimonial. | 10 anos |
Lesivos ao Erário (art. 10) | 5 a 8 anos | Até duas vezes o valor do dano | 5 anos |
Atentatórios aos princípios da Administração Pública (art. 11) | 3 a 5 anos | Até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente público | 3 anos |
No que pertine às sanções sem gradação, o art. 12 da LIA estabeleceu três tipos de sanções aplicáveis:
a) perda da função pública;
b) ressarcimento integral do dano e
c) perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio.
Extremamente pertinente se faz citar a lição de Rogério Pacheco Alves[19]:
“Entre a ação popular e a ação fundada na Lei de Improbidade, sem prejuízo da identidade da causa de pedir, haverá mera continência (e não litispendência), sendo o objeto desta última muito mais amplo que o da primeira por não se mostrar juridicamente viável através de ação popular a aplicação das sanções previstas no art. 12 da Lei de Improbidade (perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa civil e proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios)”.
Cita o aludido autor, como exemplo, a seguinte hipótese: determinado administrador, violando as normas previstas na Lei 8.666/93, finda por realizar contratação com valores evidentemente superfaturados. Diligente cidadão propõe ação popular com vistas à anulação do ato e conseqüente condenação dos réus ao ressarcimento dos prejuízos causados ao erário. O promotor de justiça da mesma comarca propõe ação civil pública de improbidade.
Qual o pedido formulado nesta última? A anulação do ato, a condenação dos réus ao ressarcimento do prejuízo ao erário (mesmos pedidos formulados pelo autor popular) e as sanções previstas no art. 12 da Lei 8.429/92 (perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa civil e proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios).
O que se evidencia é que o pedido formulado pelo Parquet é mais amplo que o formulado pelo autor popular, embora idêntica a causa de pedir, o que leva a concluir pela continência, causa modificadora da competência, que conduz à reunião de processos (art. 105, CPC), aplicando-se os critérios do art. 106 ou 219, do CPC, a depender da hipótese, para a determinação do órgão jurisdicional competente.
Com isto, o que se pretende demonstrar é que nada impede que o cidadão busque via ação popular a anulação do ato lesivo ao patrimônio público e a conseqüente condenação do réu ao ressarcimento do dano, só não se admitindo, por intermédio da referida iniciativa, a aplicação das sanções previstas no art. 12 da Lei de Improbidade, que assim, demandam o ajuizamento da ação civil pública por parte dos legitimados no art. 5º da Lei 7.347/85 e 17 da Lei 8.429/92.
Nunca é demais lembra que o objeto principal da ação popular é a desconstituição do ato lesivo ao patrimônio público.
6.2 Do Caráter Extrapenal da Lei 8.429/92
Importante se faz ressaltar, neste ponto, o ensinamento de Celso Antônio Bandeira de Melo[20], segundo o qual,
“em caso de atos de improbidade administrativa, sem prejuízo da ação penal cabível, o servidor ficará sujeito à suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade dos bens e ressarcimento do erário, na forma e gradação previstas em lei (art. 37, §4º, da Constituição Federal), sendo imprescritível a ação de ressarcimento por ilícitos praticados por qualquer agente que cause prejuízo ao erário (art. 37, §5º, CF/88)”.
Desta forma, segundo Fábio Medina Osório, “imperioso concluir pela inexistência de caráter criminal das sanções previstas no art. 12, I, II e III, da Lei 8.429/92, pois nenhuma de tais sanções seria passível de aplicação exclusivamente pela via do direito penal”[21].
Com isto, vê-se que é inviável a idéia de que a Lei 8.429/92 necessitasse de processo criminal para aplicação de suas sanções, haja visto o próprio legislador haver previsto o veículo da ação civil de improbidade para imposição das conseqüências jurídicas decorrentes dos atos de improbidade administrativa.
A legalidade penal, sabe-se, é garantia reconhecida na ordem constitucional e nas leis penais. Se o legislador silenciou quanto ao caráter criminal das condutas descritas na lei repressora da improbidade administrativa, tais condutas não podem ser consideradas criminais.
6.3 Da Utilização da Ação Popular no Combate às Condutas Ímprobas e sua Eficácia
Uma vez tipificadas as condutas e previstas as sanções aplicáveis, resta a utilização de uma via judicial para que se atinja o fim de punir os responsáveis pelos atos de improbidade administrativa.
A ação popular, como já visto no capítulo anterior, é um dos mecanismos de controle jurisdicional da atividade administrativa. Tendo o vício de improbidade sido cometido no âmbito da Administração Pública, poderá o autor, interessado no devido ressarcimento e na condenação dos responsáveis, utilizar-se da ação popular haja vista a própria Constituição atribuir-lhe a finalidade de anular ato lesivo ao patrimônio público, histórico e cultural e à moralidade administrativa.
Trata-se de uma ferramenta posta à disposição do cidadão comum, permitindo àqueles cidadãos mais atentos, fiscalizadores da atividade administrativa, insurgir-se contra a mesma, lutando pelo seu direito a um governo honesto e fazendo valer os princípios que devem nortear todos os atos praticados pela Administração Pública.
O instituto da ação popular confere a faculdade de que qualquer membro da coletividade invoque a tutela jurisdicional na proteção de interesses públicos, coletivos e difusos relativos ao exercício da atividade administrativa.
A regra é que, os interesses públicos sejam da responsabilidade do Poder Público, respeitando o princípio da legalidade, e que os interesses individuais fiquem por conta do próprio titular do interesse, que com o direito de ação pleiteia a tutela do Estado-juiz.
Desta forma, quando o objeto da ação popular é a reparação de um ato lesivo ao patrimônio público, decorrente de um ato de improbidade administrativa, está o cidadão atuando em prol de um interesse que não é apenas seu, mas sim difuso, ou seja, pertencente a um número indeterminado de pessoas.
Cite-se a título de exemplo a ação popular proferida por cidadão da cidade de Mossoró, no vizinho estado do Rio Grande do Norte, onde o autor insurgiu-se contra a utilização pela prefeita daquele município, em publicidade oficial, de símbolo utilizado pela mesma durante a campanha eleitoral, o qual estava diretamente ligado à sua imagem.
A propaganda de que se utilizou a prefeita, através da pintura de prédios particulares, placas indicativas de obras, veículos e prédios públicos, impressão de folders e fardamentos, todos com o símbolo de sua campanha, trouxe elevados custos ao erário, pois cada pintura do aludido símbolo (uma rosa), custou aos cofres públicos cerca de R$ 65,00, e as placas publicitárias, R$ 4.000,00.
Houve, in casu, uma autopromoção pessoal custeada pelo erário público, aproveitando-se a prefeita do exercício de cargo público, evidenciando-se também a inobservância do princípio da impessoalidade, da Carta Magna, que obriga o administrador público a prestar contas e levar informações à população de modo impessoal, daí por que a publicidade ilícita é lesiva aos cofres públicos, passível de reprimenda judicial pela via da ação popular.
Na primeira instância, fora deferido o pedido inicial constante da AÇÃO POPULAR formulado pelo apelado, decretando a invalidade do ato de utilização do símbolo “rosa” em qualquer tipo de publicidade do Município de Mossoró, condenando a apelante a ressarcir aos cofres públicos pelas perdas e danos que causou com a aposição e retirada da publicidade com o símbolo da rosa, devendo o valor pecuniário ser apurado em liquidação de sentença.
Tendo a prefeita recorrida da decisão, a mesma fora mantida no juízo ad quem, nos autos de apelação cível oriunda do Egrégio Tribunal do Rio Grande do Norte[22].
A pretensão do autor, no caso narrado, fora provida pelo Tribunal posto estarem observados os requisitos inerentes à ação popular, restando devidamente provado o interesse coletivo, a lesividade ao patrimônio público e a participação ministerial durante todo o curso processual, sem a qual seria nula a referida decisão.
Um outro caso que pode ser citado, a título de exemplo, é o referente à exploração de serviços de táxi no município de Canela, no Rio Grande do Sul.
Naquela localidade, a Administração Pública concedeu autorização para explorar os serviços de táxi sem, contudo, observar o processo licitatório e as exigências previstas em Lei Municipal.
Ajuizada ação popular por cidadão comum, decidiu-se que o ato revestia-se de ilegalidade e lesividade à moralidade administrativa, tendo a sentença de 1º grau decretado a anulação do ato, a qual fora confirmada nos autos da apelação cível nº 70000338475, oriunda da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, julgada em 07/02/2001.
Tem-se também casos em que não há a ilegalidade, porém há a lesividade ao patrimônio público e a afronta ao princípio da moralidade administrativa, o que permite sejam tais atos atacados pela via da ação popular.
Cite-se como exemplo a hipótese em que a Câmara de Vereadores de determinado município realiza gastos excessivos, a pretexto de outorga de títulos e honrarias, com bebidas, comestíveis, peças de vestuário, etc., os quais não trazem benefícios ao Município e lesam o erário, tendo sido este o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo[23].
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais negou provimento a agravo de instrumento contra decisão liminar que suspendia concurso a público por não estarem presentes os requisitos do art. 37 da Constituição Federal, violando os princípios da legalidade, razoabilidade, impessoalidade e moralidade.
Realizar concurso público para provimento de cargos ou funções públicas sem observar a forma legalmente prevista, de fato, caracteriza uma conduta ímproba e lesiva à Administração Pública, por tal razão podendo tal ato ser atacado pela via da ação popular.
Entendeu aquele Egrégio Tribunal que restou demonstrada de plano a materialidade dos pressupostos autorizadores do desenvolvimento válido e regular da ação popular, consistentes na ilegalidade e lesividade do ato administrativo, razão pela qual decidiu-se por manter a liminar[24].
Pelos exemplos citados, restou demonstrado que a ação popular é instrumento de verdadeira eficácia no combate a condutas ímprobas e plenamente hábil a que se promova o ressarcimento dos prejuízos que forem causados aos cofres públicos.
Falta aos cidadãos o interesse em exercer seu papel de fiscalizador da Administração Pública, utilizando-se deste instrumento que lhe foi conferido pela Constituição de modo a buscar no Poder Judiciário a devida reparação e responsabilização pelos danos causados à coletividade pelas condutas ímprobas de certos agentes públicos.
Não se pode deixar que a ação popular se torne mero instrumento de disputa política, através do qual os políticos buscam a desmoralização do agente público no exercício da função administrativa, muitas vezes não observando sequer os requisitos do interesse público e lesividade do ato praticado, utilizando-se deste importante mecanismo constitucional apenas em prol de interesses eleitorais.
Conclusão
Antiga na história do direito, a ação popular já era conhecida e praticada pelo cidadão romano, parte legítima para propô-la, sempre que os altos interesses da República estivessem em jogo.
No Brasil, este instrumento de participação política fora instituído desde a Constituição de 1934 (art. 13, nº 38) e mantido por todas as demais, a exceção da de 1937, encontrando-se atualmente regulada pela Lei 4.717/65.
O cidadão que move ação popular está no pleno uso de seu direito público subjetivo, mas fazendo-o, está defendendo direito subjetivo material, que não é seu, porque a lesão atenta contra o patrimônio da pessoa jurídica de direito público, sendo, pois, esta, a diretamente afetada.
A legitimação do cidadão para propor ação popular constitui o que, no plano do Direito Constitucional, se considera um dos direitos políticos positivos ou um poder de natureza essencialmente política, manifestação direta da soberania popular consubstanciada no art. 1º, parágrafo único da Constituição, segundo o qual todo poder emana do povo, que o exerce através de seus representantes eleitos, ou diretamente.
Embora o autor não seja titular de direito ferido, pede, como parte da coletividade, que o Poder Judiciário reexamine o ato e proteja o patrimônio do Estado.
Ensina Paulo Roberto de Gouvêa Medina[25] que:
“a ação popular destaca-se entre as demais ações constitucionais pela circunstância de não ser, apenas, forma de garantia de direitos fundamentais, mas constituir, antes de tudo, importante instrumento de participação política do cidadão para a defesa do patrimônio público, da moralidade administrativa, meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural”.
A ação popular é instrumento de inestimável importância em nosso ordenamento jurídico, consolidando-se como o meio hábil à disposição do cidadão para a defesa dos chamados direitos coletivos e difusos. É a esses bens e valores, de interesse coletivo e difuso, que a Constituição (art. 5º, LXXIII) consagra a ação em referência.
Distinguem-se direito coletivo e difuso. Ambos, sem dúvida, transcendem ao direito individual. São meta-individuais. Concernem aos indivíduos, mas também à coletividade à qual se integram. O direito coletivo é o que tem como suporte certa relação-base, relação de determinada categoria.
Doutra parte, difusos, são aqueles direitos mais esmaecidos, mais diluídos, cujos titulares não se podem identificar desde logo.
Direito difuso é o de cada um e de todos. De todos e de cada um. A indeterminação, como alude Rodolfo de Camargo Mancuso[26], a indivisibilidade, a conflituosidade, são suas características.
Na ação popular, pois, existe nitidamente defesa de direito difuso, a res omnium, de todos. O patrimônio público não é res nullius, mas é res omnium, coisa de todos e, por ser de todos, tem de ser interpretado com largueza o instituto, para que se possa, por ventura, dar solução compatível.
Nos dizeres de José Cretella Júnior[27], “a ação popular permite que quisque de populo seja parte legítima para levar a conhecimento do Poder Judiciário atos lesivos ao patrimônio de entidades públicas, solicitando sejam anulados”.
Na atual ação popular temos abertura com relação a que os atos lesivos não se referem apenas ao patrimônio público, mas também à moralidade administrativa. É dizer: a moralidade administrativa, encartada como princípio no art. 37 da Constituição, deve também contar com instrumental jurídico hábil a controlá-la.
Sem sombra de dúvida, o alargamento da ação popular de modo a possibilitar também a tutela de atos imorais da Administração Pública, ainda que não lesivos ao erário, é de grande utilidade no combate aos atos de improbidade administrativa.
Tem-se, portanto, um remédio jurídico previsto constitucionalmente e regulado por Lei através do qual o cidadão pode intentar a conservação e defesa da coisa pública, dos chamados interesses coletivos e difusos.
Como forma de estimular o cidadão a agir em defesa dos interesses da coletividade pela via da ação popular, a própria Constituição isenta o autor das custas processuais e dos ônus (isto é, os honorários), salvo as hipóteses em que haja comprovada má-fé. O que faltaria então para que a sociedade despertasse e fizesse uso deste instrumento que tanto pode contribuir para uma boa gestão da coisa pública?
A esta questão, responde brilhantemente Lúcia Vale Figueiredo[28], “para efetivamente vingar a ação popular, está faltando, realmente, vivência de cidadania, de sentimento arraigado do status civitatis necessário a postulações não apenas individuais, mas em benefício da coletividade”.
Em muitos ordenamentos jurídicos os cidadãos não dispõem de tão útil instrumento de defesa dos interesses da sociedade e grande parte das gerações que nos antecederam em nosso país também careciam de uma arma tão eficaz contra o abuso de autoridade, os desmandos, o malbaratamento da coisa pública e o descaso para com os interesses da sociedade.
Pode-se afirmar que árdua foi a luta de outras gerações até que se instituísse a ação popular em nosso ordenamento e até que a mesma adquirisse os moldes atuais.
Utilizar-se de tal instrumento para os fins ao qual se destina, especialmente para o fim de combater os chamados atos de improbidade administrativa significa agir em defesa dos interesses de toda a sociedade e, pode-se também dizer, do próprio Estado Democrático de Direito, pois, como já foi dito anteriormente, a sobrevivência do Estado Democrático de Direito impõe, necessariamente, a proteção da moralidade e da probidade administrativa nos atos administrativos em geral, exaltando as regras de boa administração e extirpando da gerência dos negócios públicos agentes que ostentam inabilitação moral para o exercício de funções públicas.
Compete a cada cidadão e, em especial, àqueles que são conhecedores do Direito, utilizar-se deste instrumento como forma de defender os interesses da coletividade. Com isto, dar-se-á grande contribuição à melhoria da Administração Pública e, por conseguinte, da qualidade de vida de cada cidadão brasileiro.
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[1] TEMER, Michel Elementos de Direito Constitucional. 14 ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 198.
[3] MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação popular. 4. ed. São Paulo: RT, 2001, p. 91.
[4] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 25 ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 144
[6] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 4 ed. São Paulo, Malheiros, 1992, p. 147
[7] PAZZAGLINI FILHO, Marino. Improbidade administrativa: aspectos jurídicos da defesa do patrimônio público. 3 ed. São Paulo: Atlas, 1998, pág.
[9] PAZZAGLINI FILHO, Marino. Improbidade administrativa: aspectos jurídicos da defesa do patrimônio público. 3 ed. São Paulo: Atlas, 1998. p. 54.
[10] PRADO, Francisco Octávio de Almeida. Improbidade administrativa. São Paulo: Malheiros, 2001. p.72
[11]GARCIA, Emerson & ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 201.
[13] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de direito administrativo. 1. ed. São Paulo: RT, 1988, pág. 230
[15] Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 197.
[16] Id. Ibid. p. 197.
[17] GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 761.
[18] PAZZAGLINI FILHO, Marino. Improbidade administrativa: aspectos jurídicos da defesa do patrimônio público. 3 ed. São Paulo: Atlas, 1998. p. 115.
[19] GARCIA, Emerson & ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 541.
[20] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 6.ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 135.
[25] MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. Direito processual constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.101.
[26] MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos – conceito e legitimação para agir. 5.ed. São Paulo: RT, 2000, p. 58-61.
[27] CRETELLA JR, José. Controle jurisdicional do ato administrativo. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 472.
[28] FIGUEIREDO, Lúcia Vale. Curso de direito administrativo.5.ed, São Paulo: Malheiros, 2001, p.407.
Advogado. Mestrando em Direitos Fundamentais pela UNIFIEO, especialista em Direito Processual Civil pela Mackenzie e especialista em Direito Empresarial pela Unisinos.
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