I- Intróito
O título aparenta ser estranho e incompreensível mas, em alguns atos do Poder Judiciário Trabalhista, parece ter sentido e, pior, vem sendo implementado em flagrante retrocesso histórico deste processo que tanto influenciou a modernidade do pensamento processual geral que objetiva maior presteza e celeridade a atividade jurisdicional.
No dia-a-dia, por exemplo, verificamos em sala de audiência uma busca incessante, por parte de alguns juízes de primeiro grau, de pequenos erros cometidos por advogados para induzí-los a desistir de seu pleito ou a emendar a inicial utilizando de rigorismo exacerbado sem levar em conta que estes pequenos erros podem ser absorvidos na instrução sem que haja necessidade de suspensão da audiência ou extinção do processo.
No segundo grau as “pegadinhas” materiais e processuais vem se tornando insuportáveis com fulcro único e exclusivo de impedir o direito constitucional de recorrer como se fosse este direito o maior dos males causados ao processo.
Para demonstrar concretamente o rigorismo que temos enfrentado ao recorrer vamos demonstrar duas situações vividas por vários colegas em relação aos Tribunais Regionais e que felizmente tem sido rechaçadas pelo Tribunal Superior do Trabalho.
II- Recolhimento de custas- Diferença mínima
A primeira delas diz respeito ao recolhimento de custas.
Vários colegas já tiveram negado o seguimento do recurso ordinário, por exemplo, em virtude das custas terem sido recolhidas a menor com pequenas ou ínfimas diferenças que não ultrapassam a quantia de 1 (um) real. Ora o julgador de 1º. Instância deve ter sensibilidade e julgar acima de tudo com bom-senso quando verifica que o erro é pequeno e não tem o condão de prejudicar nenhum do envolvidos determinando o seguimento do recurso ou a complementação das custas e não aniquilar o direito pleiteado no recurso por via transversa.
Vejamos algumas ementas que negam a aplicação da deserção:
CUSTAS – DIFERENÇA INFIMA – INOCORRENCIA DA DESERÇÃO. A diferença ínfima no recolhimento das custas processuais não tem o condão de tornar deserto o recurso uma vez que não caracteriza a má-fé da parte, pois resta presente o ânimo de preparar o recurso, sem intenção de causar qualquer prejuízo, resultando claro que a diferença a menor atualizada não possui expressão monetária. Revista provida. .(TST-1ª Turma, RR-437380/1999, 2ª Região/SP. Relatora Ministra Regina Fátima Ezequiel. DJ de 21/08/1998).
DEPOSITO RECURSAL – DIFERENÇA INFIMA. O RECOLHIMENTO DO DEPOSITO RECURSAL, COMO PRESSUPOSTO OBJETIVO DE ADMISSIBILIDADE, DEVE SER EFETUADO NO VALOR DETERMINADO PELA LEI. Contudo, diferença ínfima a menor de quarenta centavos, como na hipótese vertente, não deve acarretar o não-conhecimento do apelo por deserção, pois, quantia tão insignificante em nada comprometeria a segurança do juízo. Recurso a que se dá provimento.(TST-4ª Turma, RR-81145/1993, 4ª Região/RS. Rel. Leonaldo Silva. DJ de 26/11/1993).
DIFERENÇA INSIGNIFICANTE NO DEPOSITO RECURSAL NÃO GERA A PRESUNÇÃO ‘JURIS TANTUM’ DE QUE A PARTE OBJETIVOU BURLAR A LEI. EMBARGOS CONHECIDOS, MAS REJEITADOS. (TST-D1, ERR 3574/1987, 4ª Região/RS. Rel. Barata Silva. DJ de 06/07/1990).
DESERÇÃO – DEPOSITO RECURSAL – DIFERENÇA INSIGNIFICANTE. Evidenciando que a insuficiência do depósito decorreu de equívoco da parte ao efetuar os cálculos, porquanto insignificante a diferença acusada, não há cogitar de deserção. (TST-1ª Turma, RR 530/1988, 10ª Região/DF. Rel. Almir Pazzianoto. DJ de 04/08/1989)
III- DESERÇÃO-ERRO No preenchimento da GUIA DARF
O segundo exemplo de rigorismo pode ser observado em várias decisões dos Tribunais Regionais onde o juiz Vice-presidente ao receber o recurso de revista nega seu seguimento ao constatar que a guia DARF não esta preenchida com o código correto mesmo que estejam constantes elementos que identificam o pagamento das custas feitas para aquele determinado processo.
Referida decisão cria um excesso de rigorismo e formalidade sem precedentes já que uma simples troca ou engano quanto a numeração podem determinar a não apreciação de um recurso pela instância superior vedando assim nitidamente o amplo acesso a justiça por parte daquele que recorreu.
Além disso ainda confere ao recorrente e seu patrono custo adicional uma vez que terá que interpor agravo de instrumento para espancar este tipo de decisão arbitrária.
Felizmente o Tribunal Superior do Trabalho utilizando do bom-senso que deve ser inerente a qualquer decisão judicial tem se posicionado que este tipo de erro não pode ter o condão de determinar o destino do recurso. Vejamos pela ementas abaixo transcritas:
RECURSO DE REVISTA. RECOLHIMENTO DE CUSTAS PROCESSUAIS. GUIA DARF. INCORREÇÃO NO CÓDIGO DA RECEITA FEDERAL. EFEITOS. PROVIMENTO. Não obstante a Instrução Normativa nº 20 deste Tribunal estabeleça que as custas devam ser recolhidas ao Tesouro Nacional mediante a utilização do código da receita nº 8019, quando a guia DARF contém os elementos essenciais para a identificação da ação trabalhista a que se refere, quais sejam, os nomes das partes, o número do processo, a identificação da Vara, além do valor das custas fixado pela sentença, a simples referência ao código anterior da Receita Federal (1505), e não ao atual (8019), não implica a deserção do recurso ordinário, pois a autenticação bancária feita pela instituição arrecadadora demonstra a destinação do valor arrecadado para os cofres do Tesouro Nacional. Tendo a parte recolhido as custas no montante arbitrado na sentença e dentro do prazo legal, desonerou-se da obrigação alusiva às custas processuais, devendo ser afastada a deserção declarada.(TST- 5ª. Turma, RR – 350/2003-014-10-00, Rel Rosita de Nazaré Sidrim Nassar DJ – 28/10/2004).
CUSTAS – DARF – CÓDIGO DE RECOLHIMENTO – REGULARIDADE. Constando do DARF, em original, a identificação dos reclamantes, número do processo e valor de recolhimento das custas idêntico ao fixado na sentença, não é juridicamente razoável não se conhecer do recurso, tão-somente pelo fato de o código de recolhimento da receita ter sido preenchido sob o nº 1505 (custas processuais), e não com o nº 8019, conforme disciplinado pela Instrução Normativa nº 20/2002 (8019). Recurso de revista conhecido e provido. (TST, 4ª. Turma RR – 7/2002-062-01-00, Rel Milton de Moura França, DJ – 15/10/2004.
RECURSO ORDINÁRIO. GUIA DE CUSTAS. PREENCHIMENTO. 1.Ainda que caracterizado erro no código da receita, constando 1505, quando deveria ser 8019, a declaração de irregularidade no recolhimento das custas representa rigor excessivo, se na guia é possível identificar a data do recolhimento, o valor arbitrado na sentença, os nomes das partes e o número do processo. Ao assim proceder, é indubitável concluir que o julgador ultrapassou os limites da razoabilida- de, desrespeitando o princípio do contraditório, além de não oportunizar à Recorrente o direito à ampla defesa. 2. Recurso de revista conhecido e provido.(TST 1ª Turma.RR – 608/2002-068-15-00 Rel. Emmanoel Pereira, DJ – 24/09/2004)
RECURSO DE REVISTA CUSTAS PROCESSUAIS DARF CÓDIGO DA RECEITA FEDERAL DESERÇÃO NÃO-CONFIGURAÇÃO. 1. A Instrução Normativa nº 20/02 do TST estabelece em seu inciso V que as custas na Justiça do Trabalho deverão ser recolhidas ao Tesouro Nacional mediante a utilização do código 8019 de receita na guia DARF. 2. In casu, a guia DARF constante dos autos contém os elementos essenciais para individualizá-la em relação ao processo ao qual se relaciona, pois dela constam o nome do Reclamante e da Reclamada, o número do processo e a Vara do Trabalho em que tramitou o feito, o valor das custas fixado pela sentença e o código da receita n° 1505. (TST, 4ª. Turma RR – 141/2003-014-10-00 Rel. Ives Gandra Martins Filho, DJ – 20/08/2004)
IV- juntada de Cópia simples da Guia Darf
O Tribunal Superior do Trabalho no que se refere a comprovação material do recolhimento de custas pela guia DARF entende que a mesma deve, necessariamente, ser juntada pelo recorrente no recurso em cópia autenticada e/ou original sob pena do não conhecimento do recurso com o fulcro de ser deserto. Vejamos as ementas:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. CUSTAS. COMPROVAÇÃO. CÓPIA NÃO AUTENTICADA. DESERÇÃO. A comprovação do recolhimento das custas, por meio da guia DARF, deverá vir aos autos em documento original, ou em fotocópia autenticada, na forma do artigo 830 da CLT, porquanto, sendo documento comprobatório, deve seguir o procedimento concernente às provas, cuja juntada em fotocópia sem autenticação legal afasta a idoneidade do documento trazido aos autos, cujo fim é conferir o seu pagamento. Dessa forma, correta a decisão regional que denegou seguimento ao recurso de revista, com fundamento na deserção. Agravo conhecido e não provido. (TST, 3ª.Turma AIRR – 1358/2003-109-03-40 Rel Juiz Cláudio Couce de Menezes. ,DJ – 19/11/2004)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. NÃO-CONHECIMENTO. AUSÊNCIA DE AUTENTICAÇÃO DA GUIA DARF. Na vigência da Instrução Normativa nº 16/99/TST, impede o conhecimento do agravo de instrumento o fato do comprovante de recolhimento das custas apresentado para a formação do instrumento, oferecido em cópia reprográfica, não se encontrar autenticado, a teor do art. 830 da CLT e do item IX da Instrução Normativa referida.(TST, 1ª. Turma AIRR – 253/2000-002-19-00 Rel. Aloysio Corrêa da Veiga, DJ – 24/09/2004)
Consideramos, apenas nesta questão, que o Tribunal Superior do Trabalho, em nosso sentir, tem adotado o princípio da formalidade ao negar seguimento ao recurso por deserção quando o recorrente junta apenas cópia simples da guia DARF nos autos.
Ora este fato não deve de maneira nenhuma, a exemplo dos demais acima demonstrados, ter o condão de impedir o normal seguimento do recurso. O juiz ou ministro se não considerar válido aquela cópia simples deverá abrir prazo ao recorrente para a substituição da guia pela original ou cópia autenticada.
Nota-se aqui rigorismo excessivo e desproporcional que não devem ter espaço no processo do trabalho.
V- VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE
Vislumbramos com as referidas decisões colacionadas neste ensaio a violação direta e literal do princípio da razoabilidade pelos juízes de primeiro grau, pelos Tribunais Regionais do Trabalho e até mesmo do Tribunal Superior do Trabalho que nestes julgados prestigiam o rigorismo material em detrimento da verdadeira natureza do recurso que é a de discutir o direito defendido.
Sobre o assunto vejamos o que defende Américo Plá Rodriguez:
(…)
“Por sua vez, razoabilidade é a qualidade do razoável. E razoável é a qualidade do razoável. E o razoável é definido como o regulador, o justo, o conforme à razão.(…).
Toda ordem jurídica se estrutura em torno de critérios de razão e de justiça, que partem da natureza da pessoa humana, seja física ou jurídica – deve enquadrar-se num marco de razoabilidade jurídica.
(…)”[1].
Dessa forma, pode-se concluir que a premissa do regime jurídico é que todo o julgador deve agir razoavelmente e não arbitrariamente, já que a arbitrariedade pode ser vista como a contrapartida da razoabilidade.
VI- VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ
Estas decisões que denegam o seguimento do recurso por erro materiais simples de preenchimento de guias também ferem frontalmente o princípio da boa-fé, o recorrente, age em todo momento de boa-fé, ou seja, em nenhum momento tem a intenção de cometer irregularidades, causar danos, enganar, prejudicar ou burlar a lei.
Sobre a questão em debate vejamos o posicionamento de Américo Plá Rodriguez:
“(…)
a boa-fé-lealdade se refere à conduta da pessoa que considera cumprir realmente com o seu dever. Pressupõe uma posição de honestidade e honradez no comércio jurídico, porquanto contém implícita a plena consciência de não enganar, não prejudicar, nem causar danos. Mais ainda: implica a convicção de que as transações são cumpridas normalmente, sem trapaças, sem abusos, nem desvirtuamento.
(…).”[2]
Vale ressaltar que na maioria dos casos o recorrente recolheu as custas, preencheu de forma correta a guia DARF com o nome do recorrente e número do processo falhando apenas na colocação do código.
VII- Breve Conclusão
Resta claro ainda que ao negar o seguimento de qualquer recurso por razões banais o julgador deixa de observar o direito constitucional assegurado no artigo 5 inciso LV que confere aos litigantes a ampla defesa e o contraditório.
Portanto esperamos que este ensaio sirva de provocação a todos os julgadores que assim se posicionaram para façam uma reflexão sobre qual o bem mais importante e que deve ser levado em consideração no momento de um julgamento ou na expedição de uma decisão: se a questão meramente formal ou o efetivo direito pleiteado.
Aduzimos que a escolha do formalismo ensejará a criação deste princípio que é o título do presente trabalho, o da formalidade que a anos vem sendo combatido pelo sistema processual.
Porém, se optarmos pela efetiva prestação jurisdicional preocupada com as questões de direito que envolvem o processo estaremos com certeza alçando o Poder Judiciário a seu verdadeiro objetivo que é o de julgar com celeridade e presteza as ações que lhe são conferidas.
Advogado em Belém; sócio do escritório Paiva & Borges Advogados Associados; Sócio-fundador do Instituto Brasileiro da Política e do Direito da Informática – IBDI; Presidente da Comissão de Estudos de Informática Jurídica da OAB-PA; Conferencista
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