Origem e Raizes
A origem e a trajetória da advocacia trabalhista, que surgiu com a criação da Justiça do Trabalho, fazem parte da história da própria advocacia no Brasil, da qual se esgalhou. Daí a necessidade de um abordagem das raízes dessa nova advcacia especializada que nos permitimos introdutoriamente fazer.
Ao tempo do Império, mesmo depois da criação das Faculdades de Olinda e São Paulo, como sabido, os filhos de famílias ricas eram enviados à Europa, notadamente a Portugal, onde se bacharelavam em Direito. Formavam, no Brasil, a elite intelectual, social e política que empalmava os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Toda a comunidade jurídica reunia-se então em torno do Instituto dos Advogados Brasileiros, a única associação juridica de âmbito nacional da época, fundado para organizar a Ordem dos Advogados, e a ele o Imperador não raro comparecia e frequentemente recorria em busca de pareceres sobre matéria jurídica de interesse do Governo. Nesse periodo, o diploma de bacharel, por si só, conferia prestígio e status a seu titular. O bacharel e o advogado faziam-se notar pelo uso de um vistoso anel de grau, encastoado com uma pedra preciosa de cor vermelha. Nos dias úteis portava uma indefectivel pasta de couro, ainda hoje utilizada por muitos profissionais.
Até a década de 30, os advogados eram, no sentido estrito, típicos profissionais liberais, cujo vínculo com o cliente limitava-se ao exercicio do mandato remunerado, embora fosse comum no desempenho do procuratório, firmarem laços de amizade com o constituinte. Aqueles – e eram muito poucos – que recebiam paga mensal fixa, procuravam ocultar essa modalidade de estipêndio por se tratar de uma prática desusada, atípica, tida como inconciliável com o caráter rigorosamente liberal da profissão. Não se concebia, por vexatória, a figura, ao tempo desconhecida, do profissional assalariado, do advogado de partido.
O advogado ganhava por causa patrocinada.A contratação mediante retribuição fixa mensal teve como ponto de partida, na área trabalhista, a legislação oriunda da Revolução de 1930 e começou a ganhar corpo na década de 40, em decorrência da instalação da Justiça do Trabalho, do desenvolvimento econômico e social do país, da criação e expansão de entidades sindicais, que passaram a constituir seu corpo jurídico, quando a OAB já havia se estruturado. No Rio de Janeiro, a Light, o Banco do Brasil, outras grandes empresas, Sindicatos e Instituições Financeiras foram os primeiros a admitir advogados-empregados. A regulamentação definitiva dessa nova categoria de profissionais, entretanto, só veio a ser implementada em 1994, com o advento do Estatuto da Advocacia.
Rábulas, Provisionados e Solicitados
Antes da criação da OAB, em novembro de 1931, existiam no Estado do Rio de Janeiro dois mil Advogados e Solicitadores (equivalantes, hoje, a estagiários) e mais de mil em São Paulo. Exerciam a advocacia também os chamados “Provisionados” (pessoa autorizada a advogar sem ter curso de Direito) e “Rabulas” (praticamente não diplomados da advocacia), Destes últimos, alguns ganharam notoriedade, entre eles, primeiramente, Luiz Gonzaga Pinto da Gama, combatente do abolicionismo e defensor de escravos, obstado de ingressar na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (SP) por ser negro. E, mais tarde, Evaristo de Moraes e João da Costa Pinto, a convite de quem Evandro Lins e Silva, em 1931, estreou no Tribunal do Júri. Entre os “Rábulas”, Evaristo de Moraes, já famoso como tribuno de Júri, defendeu, com êxito, em julgamento de enorme repercussão, o escritor e embaixador Gilberto Amado, acusado de ter assassinado um conhecido jornalista e critico literário.
Lei de dezembro de 1935 regulou o exercicio das profissões de “Provisionado” e “Solicitador” e conferiu às Cortes de Apelação dos Estados o poder de limitar o número de exercentes das duas classes, mediante Carta expedido por cada Comarca. Outra Lei, de 1936, extinguiu a categoria de “Provisionados”, e dispôs sobre contagem de prazo de exercício da advocacia por ambas as classes.
Dado singular – e objeto de comentários maledicentes – residia na coincidência de ser o corpo jurídico da Light, no Rio e Janeiro, constituído, em sua maioria, de advogados, por sinal excelentes profissionais, aparentados de magistrados, particularmente de Desembargadores do Tribunal de Justiça.
Criação e Subestimação da Justiça do Trabalho
A Justiça do Trabalho, instalada em 1941 ainda sob a esfera administrativa, era malvista e subestimada, relegada à segunda classe, preconceito cujos resquicios não desapareceram de todo até hoje. À CLT irrogava-se a pecha de fascista, cópia da Carta del Lavoro de Mussolini. Essa campanha de descrédito da Justiça especializada veio a ser ressuscitada, radical e sem rebuços, décadas depois, com a proposta de sua extinção, consubstanciada em Emenda Constitucional de iniciativa do Senador Antonio Carlos Magalhães. A intensa mobilização dos advogados trabalhistas e de suas associações muito contribuiu para o malogro da malsinada proposição legislativa.
Desinteresse dos Advogados pela Justiça do Trabalho
Escasso era o número de advogados que ainda na década seguinte, se interessavam por nela atuar e, mais raro ainda, a opção pela especialização em direito do Trabalho, tendência que só ocorreria com o incremento da industrialização, muitos anos depois. Durante os dois primeiros lustros de sua instalação, pequeno era o contingente de advogados que manifestavam interesse pela nova Justiça, a qual, por sua exígua dimensão e aparente desimportância, não se mostrava atrativa aos profissionais do direito. Raros os advogados tabalhistas que, nos primeiros tempos, conseguiam viver exclusivamente da nova especialização jurídica. A advocacia trabalhista era comumente exercida como uma atividade paralela, complementar. Quando se patrocinava causa de trabalhadores, o pagamento dos honorários advocatícios, cuja contração geralmente se fazia informalmente, era – e ainda hoje é, salvo exceções – condicionada ao êxito do pleito.
Os Advogados e os Concursos para Juiz
Por serem, a esse tempo, ínfimos, aviltantes mesmo, os vencimentos do juiz trabalhista, só advogados malogrados na profissão, à exceção daqueles vocacionados, se candidatavam aos concursos para preenchimento do cargo, primeiro dos quais, no Rio de Janeiro, realizou-se em 1956. Como era urgente preencher de qualquer forma os cargos criados com novas Juntas, o nível técnico dos juízes, em geral, resultou deficiente, falha que se explica também porque ainda não existia Exame da Ordem, nem exame psicotécnico. Á medida que se criavam novas Juntas, eram elas preenchidas com os Suplentes de Presidentes, que afinal se efetivaram como Juízes. Um desses Suplentes, Aléio Vieira Braga, embora originariamente não tivessem eles direito a acesso, veio a se tornar sem concurso Presidente do TRT da 1ª Região, revelando-se um competente, respeitado e digno magistrado. A CLT, inicialmente e mesmo anos após a Constituição de 1946, previa também a figura de Suplentes de Presidentes de TRTs.
Assistência ás Partes
Nos primórdios da Justiça do Trabalho e até poucos anos depois de sua integração o Poder Judiciário, muitos empregadores comprareciam à audiência acompanhados de Guarda-livros ou Contadores, que os ajudavam na defesa da causa. Nessa fase não raro os reclamantes faziam-se acompanhar de advogados, sem que este tivessem mandato, tomando-se então por termo a procuração “apud acta”. com a qual funcionavam até final do processo.
Desqualificação da Justiça do Trabalho
Empresários, advogados, juizes e profissionais da área do Direito comum subestimavam e desdenhavam a Justiça do Trabalho. Acusavam-na de parcialidade, de protetora do trabalhador, em favor de quem decidia sisstematicamente. Menosprezavam os colegas de profissão e juizes que nela atuavam. Os advogados eram vistos – e tinhamos consciência disso – com desapreço. A novel Justiça era considerada uma Justiça inferior, e a ela se referiam com menosprezo. Não aceitavam procedimentos inovadores, práticos, econômicos, agilizadores do processo, tais como: direito de autorepresentação das partes; ciência da petição inicial e outros atos processuais por via postal; obrigatoriedade da presença das partes à audiência; contestação oral na assentada desta; obrigatoriedade de proposta de conciliação; exigência de preposto; contestação oral; avaliação de bem penhorado pelo próprio Oficial de Justiça; facultatividade de assistência de advogado e inexistência de honorários de sucumbência. A ação rescisória era expressamente vedada (CLT, art. 836), inexistindo, na prática, embora formalmente admitida, a aplicação dos demais institutos processuais civis. As partes (e advogados) só podiam ter vista dos autos “em Cartório ou na Secretaria” (CLT, art. 901). A gratuidade, o informalismo, a concentração e oralidade processual, caracteristicas da nova Justiça, afiguravam-se inaceitáveis, subversores do tradicional e conservador ordenamento jurídico e da sedimentadas praxes forenses.
Já de algum tempo, raramente se vê uma contestação oral, as próprias razões finais, em geral, nem são produzidas em audiência, limitando-se o Juiz a consignar, a esse título, que as partes se reportaram ao que consta dos autos. E, quando os advogados requerem, máxime em casos complexos, são elas, com o adiamento da audiência, arrazoadas por escrito. Com isso o processo trabalhista vem se afastando do principio da concentração e oralidade, suas características marcantes.
Em prefácio a nossa 1ª edição do CONCEITOS SOBRE ADVOCACIA, MAGISTRATURA, JUSTIÇA E DIREITO, assim se refere o ministro Clóvis Ramalhete aos primórdios da Justiça do Trabalho: “Aquela época , presidentes de Junta tinham paciência e dispunham de tempo. Tornavam manifesto o princípio do moderno Processo da intervenção condutora do Juiz. No caso, porém, acrescentavam a refração do propósito de tutela do trabalhador. Era de vê-los. Encaminhavam acordo, sem forçar. Supriam de coragem os depoentes toscos. Aqueles Juízes despiam-se de pompas, em benefício da descontração dos timidos. No ato de julgar, esses fundadores do Direito do Trabalho no Brasil foram criando Direito, também, dada a legislação fragmentária e lacunosa de então”.
Honra pois os juizes e advogados desta época inicial que contribuíram para a modelagem de institutos jurídicos inteiros, no vazio ou na lacuna da norma da lei – como foram as questões sobre férias, punição disciplinar, despedida obstativa da estabilidade, periodos descontínuos de relação de emprego e tantas outras, a que a jurisprudência ou criou ou completou o entendimento”.
Pioneiros da Justiça do Trabalho
É de justiça evocar, inclusive para homenagear suas memórias, o pugilo de desbravadores da advocacia trabalhista. No Rio de Janeiro, então Distrito Federal, éramos tão poucos, que aqui podemos nominá-los quase todos: Mário Borghini, primoroso tribuno, Alino da Costa Monteiro, Nélio Reis, Antônio Padua Brito, Hirosê Pimpão, Afonso Agapito da Veiga, Alfredo Thomé Torres, Omar Dutra, Haroldo Hagnaga, Júlio Belmiro Araújo, Serverino Bandeira Cavalcanti, Jayme Daguer Muniz de Aragão, Raul Pimenta, Newton Marques dos Reis, Alcebiades Delamare, Antônio Padua Brito e Orozimbo de Almeida Rego. O primeiro deles tornou seu escritório, que aparelhou com valiosa biblioteca, verdadeiro celeiro de excelentes profissionais e de futuros magistrados. Os jovens advogados que compunham sua equipe passavam por verdadeiro estágio profissional, figura formalmente inexistente à época. Os três últimos eram titulares de escritórios especializados em advocacia empresarial. Cotrim Neto, Nélio Reis e Hirosê Pimpão foram também dos primeiros advogados trabalhista as se tornarem autores de obras sobre Direito do Trabalho, cuja literatura, no Brasil daquele tempo, era rara.
Em São Paulo, foram pioneiros da advocaica trabalhista, entre outros: Rio Branco Paranhos, Nelio Batendieri, Cesarino Junior, autor da 1ª CLT comentada, publicada em 1948, pela editora Freitas Bastos. Na Bahia, Orlando Gomes e José Martins Catharino. No Rio Grande do Sul, Afrânio Araújo, Osmar Martins, Edgard Serra, Eli Raskini, o qual tinha peculiaridade de fazer as iniciais na frente do cliente. Em Minas Gerais, José Cabral, Celio Goyatá, Herzik Muzzi, Rodolfo Bhering. No Espirito Santo, Deusdedit Baptista, Eugênio Sette. No Pará, José Augusto Alencar, Itair Sá da Silva, José Ribamar Alvim Soares, Orlando Bitar, que se tornaram, a exceção do primeiro, juízes do TRT. No Paraná, José de Assumpção Malhadas, João Regis Fresbender, Edésio Passos, ainda atuante. Por constituir gesto inusitado, não se pode deixar de assinalar que Orlando Bitar, juiz trabalhista, alçado à posição de grande constitucionalista, recusou o cargo de Ministro do STF. Vale lembrar, a propósito, que, na década de 1960, o então jovem e brilhante Ministro do TST Marco Aurélio Mendes Faria de Mello foi o primeiro magistrado trabalhista, e até agora o único, a integrar o STF. Registre-se que nossa Corte Suprema, apesar de tradicionalmente contar com vários integrantes advindos diretamente da advocacia, nunca teve advogado trabalhista em sua composição.
O que teria levado os primeiros profissionais do Direito, alguns dos quais já com sólida clientela, a optarem pela advocacia trabalhista? Antevisão do futuro promissor da Justiça do Trabalho? Motivação social? Perspectiva de mercado de trabalho? Desejo de dar assistência aos despossuidos? Busca de uma advocacia menos formal, mais próxima da realidade e da efeverscência da vida?
Entre os que atuavam na Justiça do Trabalho muito rara era a presença de advogada. No Rio de Janeiro, uma das primeiras a militar nessa área foi Nilza Peres Rezende, culta e digna profissional. Hoje, mais de 40% dos advogados que militam na Justiça do Trabalho do Rio de Janeiro e de São Paulo são mulheres, em sua maioria jovens, seguindo aliás a tendência à feminização da magistratura.
No triênio 2007/2009, a OAB/Nacional teve o primeiro advogado trabalhista, o notável profissional Cezar Britto, na sua Presidência, período em que, também pela primeira vez, um advogado trabalhista – Tarso Genro – ocupou o cargo de Ministro da Justiça.
Outro índício de mudança de costume e de modernização das praxes da Justiça do Trabalho pode ser apontado em Porto Alegre e em algumas Comarcas gaúchas, onde é comum o comparecimento do advogado e até do juiz à audiência em traje informal, sem gravata.
O autor do presente estudo – e só recentemente se deu conta disso – teve papel de precursor na organização, sistematização e publicação da jurisprudência trabalhista, desde a fase administrativa da Justiça. Em 1943 editei, em forma de dicionário, em co-autoria com Victor do Espirito Santo, um repertório de decisões de Juntas de Conciliação e Julgamento e do Ministro do Trabalho, ao tempo em que este tinha competência para, numa espécie de avocatória, reformar os julgados dos orgão da Justiça do Trabalho. A primeira parte da obra, publicada pelo “Bureau de Informações Juridicas”, reunia decisões das Juntas de Conciliação e Julgamento, do então Distrito Federal, acórdãos do Conselho Regional do Trabalho, do Conselho Nacional do Trabalho e da Câmara da Justiça do Trabalho. Para esta, cabia recurso, segundo a primitiva redação do artigo 896 da CLT, que dispunha ser admissível “recurso extraordinário das decisões de última instância, quando a) derem à mesma norma jurídica interpretação diversa da que tiver sido dada por um Conselho Regional ou pela Câmara de Justiça do Trabalho; b) proferidas com violação expressa de direito”. Em 1950, ainda em parceria com Victor do Espirito Santo, publicamos, pela Editora Nacional de Direito, novo Dicionário de Decisões Trabalhistas reunindo farta jurisprudência dos mesmos órgãos judiciais e administrativo, relativa ao ano de 1944. Em 1950, já integrada a Justiça do Trabalho ao Poder Judiciário, publiquei, editado pela Revista do Trabalho Ltda., o primeiro Dicionário de Decisões (judiciais) Trabalhistas contendo cerca de 2.000 ementas exclusivamente do TRT da 1ª Região, do TST e do STF, referentes a 1947, 1948 e 1949, obra que se constituiu no primeiro repositório de jurisprudência trabalhista de caráter nacional.
Expansão da Advocaia Trabalhista
A comprovação de que a advocaia trabalhista progredia, expandia-se, ganhava credibilidade e prestigio, traduziu-se, entre outros, nestes fatos: eleição, na década de 50, de Alino da Costa Monteiro e Alfredo Thomé Torres a Conselheiros da OAB, os primeiros advogados trabalhistas a ocuparem esse cargo; fundação da Associação Carioca de Advogados Trabalhistas em junho de 1963 ascenção de Eugênio Haddock Lobo à Presidência da OAB/RJ e 1998/1999 e à do Instituto dos Advogados Brasileiros no biênio 1990/92, o primeiro advogado trabalhista das duas instituições; criação da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas em junho de 1978, que teve como seu primeiro presidente Celso da Silva Soares; Daí em diante, os advogados trabalhistas, passaram a se reunir anualmente em Congressos nacionais e estaduais.
O FGTS e a Advocacia Trabalhista
As condições da advocacia trabalhista, conquanto ainda pouco animadoras, em termos de mercado e de retribuição pecuniária, tendiam a melhorar, quando em 1967 se instituiu o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, que acabou com a estabilidade decenal e substituiu a indenização por tempo de serviço por depósito obrigatório em conta bancária gerida pelo FGTS. Grande foi a repercussão da medida entre os profissionais que militavam na área trabalhista, pois receava-se que, retirada a indenização, os advogados não teriam como receber a contraprestação de seus serviços, mesmo porque na Justiça do Trabalho não se admitem, ainda hoje, honorários de sucumbência.
Precariedade das instalações da Justiça do Trabalho
Tão acanhados nesse tempo, na Capital Federal, eram o espaço e as instalações das seis e, depois, nove Juntas de Conciliação e Julgamento (hoje, Varas do Trabalho), que, com as respectivas Secretarias, o Setor de Distribuição e a sala da Procuradoria, ocupavam, no prédio da Av. Nilo Peçanha, 31, apenas 3 andares. Já o Conselho Nacional do Trabalho (depois,TST), funcionava no 9º andar do edificio do Ministério do Trabalho. O fato de achar-se a Justiça do Trabalho instalada no mesmo prédio fazia com que a população confundisse as duas instituições, até 1972, quando ao Tribunal Superior do Trabalho transferiu-se para Brasília.
Os advogados reuniamo-nos, então na sala da Procuradoria, juntamente com os Procuradores, onde, num clima de cordialidade, aguardavámos ser avisados do pregão das audiências. Devido a esse afável relacionamento, assemelhavamo-nos mais a uma família forense. No resto do país reinava, certamente, o mesmo ambiente amistoso de convivio entre advogados, magistrados e procuradores, fase que hoje pode ser rememorada como quase romântica da Justiça do Trabalho. Do grau dessa relação entre juízes e advogados, diz bem a cena que ocorreu com Délio Maranhão, então Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, um dos maiores e mais respeitados juizes da história da magistratura brasileira, embora nomeado ainda ao tempo em que não havia concurso para juiz do trabalho. No dia de um de seus aniversários, um numeroso grupo de advogados militantes da áerea o surpreendeu em seu gabinete para comemorar a data, presenteando-o com um relógio de pulso, ocasião em que o advogado Ruy Bessone improvisou um belissimo e emocionante discurso de saudação.
O espírito de colaboração e solidariedade dos advogados trabalhistas com a Justiça do Trabalho pode ser retratado neste insólito episódio. Quando da criação de seis novas Juntas de Conciliação e Julgamento, por falta de espaço, tiveram todas, juntamente com o TRT, de ser transferidas, da Av. Nilo Peçanha para a Av. Almirante Barroso, 52, no qual seriam todos concentrados. Pois bem, quando se concluia a mudança, esgotou-se a verba para esse fim. Sucedeu então que um grupo de profissionais, por iniciativa do advogado Francisco Otávio Loureiro Maia e com a participação de alguns Vogais (juízes classistas) nos cotizámos para informalmente custear o restante da mudança, a fim de que esta não fosse interrompida. Esse episódio, rememorado hoje, não deixa de ter uma conotação até pitoresca.
Em contraste com suas singelas, modestas instalações iniciais, os Tribunais do Trabalho se solenizaram, formalizaram-se, passaram a ocupar sedes suntuosas, com mordomias para seus integrantes, distanciando-se assim de sua principal massa de jurisdicionados, os trabalhadores. Os juízes passaram a vestir toga e, em alguns dos Tribunais, dos advogados foi exigido o uso da beca, ao assomarem à tribuna do Colegiado. Imagine-se se a propria parte, o trabalhador, no uso do “ jus postulandi” e vestindo beca e produzindo sustentação oral.
Perfil do Advogado Trabalhista
Não têm razão os que minimizam a figura do advogado trrabalhista, cuja formação alegam dispensar maiores conhecimentos, estofo intelectual e preparo técnico. Pois, por não existir código Processual do Trabalho nem de Direito Material especifico, e sendo o direito comum, quando omissa a CLT, subsidiário desta, exigem-se dos profissionais que militam na Justiça do Trabalho, por isso mesmo, conhecimentos de direito constitucional, processual civil, direito civil, comercial, tributário e demais áreas jurídicas. Por ser o processo do trabalho oral e seus atos concentrados, em audiênca única, o advogado, sem tempo para consultar livros e examinar a matéria suscitada em audiência, tem de improvisar sua defesa e réplica, para o que necessita perspicácia, aguda percepção, raciocínio rápido, conhecimento de todos os ramos do direito. Já na Justiça Comum, diferentemente, tudo tem prazo e se processa por escrito no devido tempo. Na comparação das qualificações para o exercício da função de um e outro, deduz-se que do advogado trabalhista é o que se exigem amplos conhecimentos, capacidade e preparo técnico. Pois, tratando-se, de advogdos em outras áreas jurídicas, não se requer tenham eles conhecimentos de Direito do Trabalho.
A advocacia trabalhista, tal como a criminal, é exercitada com mais motivação, mesmo porque mexe com sentimentos e emoções. Nem podia deixar de ser assim, uma vez que tem por objeto conflitos sociais, litígios entre os que vendem sua força de trabalho, da qual estes tiram sua subsistência e de sua familia, e aqueles que, à custa da apropriação da mão-de-obra, acumulam bens e riquezas. Tais conflitos assumem maior dimensão e tensão, quando envolvem salários, negociações coletivas, dissídios intersindicais, manifestações de classe, reivindicações de melhorias de condições de trabalho, movimentos grevistas.
O Regime Militar e a Advocacia Trabalhista
O golpe de 1964, com sua corte de medidas repressoras, congelamento de salários, proibição de greve, repressão a movimentos sociais, prisões, cassação, intimidação de magistrados e advogados, foi recebido também como um duro atentado à advocacia em geral, particularmente a trabalhista e aos defensores de presos politicos. Embora tivesse mantido formalmente os direitos sociais individuais básicos, o regime militar decretou intervenção nos Sindicatos mais organizados e representativos, destituiu as principais lideranças, desestruturou a organização sindical, deixando os trabalhadores sem representação associativa legitima. A advocacia trabalhista tornou-se árdua, exigindo denodo, dedicação, desprendimento, maior independência.
Os magistrados progressistas e independetes foram perseguidos, muitos cassados(aposentados compulsoriamente), entre eles, no Rio de Janeiro, o Desemb. Osny Duarte Pereira, os juizes trabalhistas Cesar Pires Chaves, ex-presidente do TRT e Rubens Andrade; em São Paulo, o juiz do TRT Sá Filho. O advogado Roberto Camargo Presidente do Sindicato dos Advogados do Rio de Janeiro, só para citar um caso, foi preso e torturado, tendo relatado à OAB, logo após sua soltura, as sevicias sofridas.
Outra medida que repercutiu fundamente nos interesses da advocacia trabalhista foi o chamado confisco dos depósitos da poupança, imposto pelo Governo Fernando Collor, causando prejuízos generalizados, deixando todos à mingua de recursos.
Assaz indicativo do clima tenso e das condições adversas vividas pelos advogados traballhistas nesse período pode ser exemplificado no fato José Carlos Arouca, respeitado militante da advocacia sindical em São Paulo, ter sido impedido de tomar posse no cargo de Juiz do Trabalho depois de aprovado em concurso. Restabelecida a democracia, foi reintegrado no cargo de Desemb. do TRT da 2ª Região.
Hipertrofia da Justiça do Trabalho e incremento da advocacia trabalhista
A despeito de tudo, como era inevitável, a Justiça do Trabalho expandiu-se, agigantou-se, tornou-se formal, complexa, técnica, incapacitando, de fato, as partes de se auto-defenderem. Compõem hoje o Judiciário trabalhista mais de mil Varas do Trabalho, 24 Tribunais Regionais no país, dois dos quais no Estado de São Paulo, além de um Tribunal Superior do Trabalho composto por 27 ministros. Nela tramitam anualmente dois milhões de processos. Esse colossal aparato criou um mercado de trabalho atraente e promissor para os advogados, sobretudo os jovens profissionais. Não se conhecem estatísticas, mas pode-se estimar que mais de 25% dos advogados militantes no paÍs atuem também na Justiça do Trabalho, muitos com exclusividade. A grande maioria das sociedades de advogados mantém um setor especializado em advocacia trabalhista. Nos principais centros do país formaram-se sociedades de grande porte voltadas exclusivamente para a advocacia trabalhista.
A Crise Econômica e a Advocacia Trabalhista
A atual crise em que se debate a economia internacional e seus reflexos no Brasil vem provocando fusões, processos de recuperação judicial, fechamento de empresas, falências, demissões em massa, negociações coletivas, inadimplemento de obrigações, fatores que ampliaram consideravelmente o espaço e o horizonte para a advocacia em geral, particularmente para a trabalhista. Os advogados da área estão sendo chamados a dar assistência a toda essa gama de situações e a outras implicações jurídicas e sociais decorrentes da conturbada e dificil conjuntura em que o país e o mundo estão mergulhados.
A Emenda Constitucional 45/2004 ampliou consideravelmente a competência da Justiça do Trabalho, alargando o mercado de trabalho para os profissionais da área.
O STF, contudo, em contraposição ao preceito constitucional, vem restringindo essa ampliação de competência, ao entender que cabe á Justiça comum, e não à do Trabalho julgar ações referentes a servidores públicos, com o que os milhares de processos que tramitam no Judiciário trabalhista serão enviadas ás Justiças Estadual e Federal. Decidiu também que a atribuição para apreciar execuções trabalhistas contra empresas em recuperação judicial é da Justiça comum, em cuja Vara corre o processo de recuperação. Na mesma linha de redução de competencia, o STJ editou a Súmula nº 13, segundo a qual “Compete á Justiça estadual processar e julgar a ação da cobrança ajuizada por profissional liberal contra cliente”.
A obstinação em considerar o advogado dispensável e em não admitir honorários sucumbênciais na Justiça do Trabalho, mesmo depois do art. 133 da C.F/88 e não obstante o fato de ter a Justiça do Trabalho se tornado técnica, complexa, formal, faz com que seja ela vista como uma Justiça inferior, de segunda classe.
Perspectivas da Advocacia Trabalhista
Uma coisa é certa, A advocacia trabalhista, quaisquer que sejam as consequências da atual crise econômica internacional e seus reflexos no Brasil, poderá ter até seus espaços reduzidos, mas não desaparecerá. É possível que ganhe novo contorno, outro perfil, porém, tal como o Direito do Trabalho, mesmo que sofra alteração em sua competência e estrutura, continuará a existir enquanto houver exploração da mão-de-obra, relação de trabalho entre patrões e empregados. Onde ocorrer divergência, conflito entre as duas categorias, cláusulas contratuais a serem interpretadas, aplicação da legislação específica, haverá necessidade da presença do advogado trabalhista. A intervenção deste será tanto mais necessária quanto mais as empresas demorarem a adquirir consciência de sua função social, o trabalho for considerado mercadoria, o trabalhador peça descartável no empreendimento. Incerto, porém é prever a dimensão e a importância do novo cenário economico e social no mundo do trabalho depois que a atual crise econômica tiver produzido todos seus efeitos devastadores na economia, na área dos negócios, nas estatísticas do desemprego.
Ex-Presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros
Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho
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