Resumo: O presente artigo pretende analisar a questão do consumo de água pela agricultura e pelo setor industrial no Brasil, tendo em vista a crescente e necessária preocupação com relação ao tema. Para tanto, foram analisados dados que foram cruzados com a importância da criação do Pacto Global pela Organização das Nações Unidas (ONU), forma encontrada por esta para dialogar com o setor privado na busca da efetivação de direitos humanos e sustentabilidade. Para tal, foi utilizada pesquisa bibliográfica a respeito do tema, bem como consultas a dados estatísticos e resultados de trabalhos realizados pelo Pacto Global. Preocupou-se, ainda, com uma análise sucinta da evolução histórica sobre o tema do ponto de vista das organizações internacionais até o presente estágio, que culminou na criação do Pacto Global, bem como sua participação ativa na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20.
Palavras-chave: Água. Recursos Hídricos. ONU. Organização das Nações Unidas. Pacto Global. Rio +20.
Abstract:This article analyzes the agriculture and industry use of water in Brazil, as the concern on the issue has necessarily increased. Therefore, information that was analyzed was related to the importance of the Global Compact, the initiative that the United Nations (UN) has found to have a direct dialogue with the companies, once it has the intention to protect human rights and sustainability. It was analyzed the opinion of different authors, statistical data and results of work of the Global Compact. A brief analysis of the historical evolution on the subject from the point of view of international organizations to the present days was made, which culminated in the creation of the Global Compact, as well as its active participation in the United Nations Conference on Sustainable Development, Rio +20.
Keywords: Water. Water Resources. UN. The United Nations. Global Compact. Rio +20.
Sumário: 1. Introdução. 2. O panorama brasileiro do consumo de água pela indústria e agricultura. 3. A pegada hídrica water footprint. 4. O retrato da destruição. 5. Água como direito fundamental o tratamento da questão no plano internacional. 6. Sobre o pacto global da ONU. 7. O pacto global na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável Rio 20. 8. Conclusão. Referencias.
1 INTRODUÇÃO
Os últimos anos, no Brasil e no mundo, têm sido marcados por discursos e discussões mais engajados, nos mais diversos setores sociais, sobre o tema água – desperdício e economia, disponibilidade e escassez. De fato, índices de chuva abaixo do normal (e já há alguns anos), levaram a uma crise no abastecimento de água, e a sérias preocupações com uma também anunciada crise no abastecimento/geração de energia, extremamente dependentes do modelo hidrelétrico. Levando-se em consideração a previsão constitucional (art. 225) que consagra o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, surge a discussão no campo jurídico; quais (e se) os parâmetros legais que garantiriam sua efetividade?
A questão da água deixou há muito de ser apenas um problema a ser tratado exclusivamente no ambiente doméstico (dos países, individualmente). Na realidade, justamente por seu impacto global (e potencial para levar a conflitos internacionais), vem sendo tratada no âmbito do sistema das Nações Unidas há mais de 20 anos (e muito mais especificamente desde a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, acontecida em Joanesburgo em 2002); mais que isso, a discussão no âmbito internacional tem influenciado discussões e implementação de políticas e de legislação, em âmbito doméstico.
O processo acelerado de globalização vivido pelas/nas relações internacionais nos traz assim a consciência da importância das Organizações Internacionais na busca de alguma governança internacional que facilite o tratamento de questões globais. E foi pensando nisso que se resolveu tratar, neste artigo, do Pacto Global da Organização das Nações Unidas, que foi criado com o intuito de auxiliar a comunidade empresarial a agir com consciência da importância de se atentar à preservação/garantia de diversos direitos e deveres, entre os quais a proteção e o uso consciente dos recursos hídricos, já que indústria e a agricultura são hoje consideradas as maiores responsáveis pelo consumo de água no país.
2 O PANORAMA BRASILEIRO DO CONSUMO DE ÁGUA PELA INDÚSTRIA E AGRICULTURA
Diferentes autores dizem deter o Brasil de 30 a 12% do total da água doce existente no mundo. O que frequentemente não se leva em conta é o fato de grande parte destes recursos concentrar-se na Bacia Amazônica. Mas não é apenas em termos de repartição geográfica (territorial) da disponibilidade da água e das precipitações variantes que se constata desigualdade na repartição dos recursos hídricos; há diferenças palpáveis também no grau de desenvolvimento industrial e de atividade econômica agropecuária, em diferentes regiões do Brasil, o que leva à concentração do consumo de água em determinadas partes do país.
Sobre o uso industrial das águas, diz Luciana Cordeiro de Souza:
“a água pode ser aproveitada para processo de fabricação do produto, sem integrá-lo ou entrar em contato com as matérias-primas (ex.: refrigeração); pode integrar-se ao produto fabricado (ex.: para fabricar produtos alimentícios); para tanto necessita ter qualidade bem definida; pode entrar em contato com a matéria-prima ou produto final; neste, a qualidade exigida pode envolver alto grau de pureza; pode ser utilizada em serviços complementares do processo de fabricação (ex.: limpeza de equipamentos)” (SOUZA, 2004).
Já sobre o consumo em atividades agro-pecuárias, diz Marisa Nittolo Costa,
“no Brasil não existem dados gerais sobre o consumo de água pela irrigação. Entretanto, dados da Secretaria de Recursos Hídricos, Saneamento e Obras do Estado de São Paulo para o ano de 1990, apontavam que a irrigação seria responsável por 41% da demanda de água estadual, estimando-se hoje que quase metade da água consumida seja utilizada pela agricultura irrigada” (COSTA, 2003).
Segundo o Ministério do Meio Ambiente,
“as indústrias respondem por cerca de 22% do consumo total de água, utilizando grandes quantidades de água limpa. O uso nos processos industriais vai desde a incorporação da água nos produtos até a lavagem de materiais, equipamentos e instalações, a utilização em sistemas de refrigeração e geração de vapor.
Dependendo do ramo industrial e da tecnologia adotada, a água resultante dos processos industriais (efluentes industriais) pode carregar resíduos tóxicos, como metais pesados e restos de materiais em decomposição. Estima-se que a cada ano acumulem-se nas águas de 300 mil a 500 mil toneladas de dejetos provenientes das indústrias. Engana-se quem pensa que apenas as indústrias químicas são grandes poluidoras. Uma fábrica de salsichas, por exemplo, pode contaminar uma área considerável, se não adotar um sistema para tratar a água usada na lavagem dos resíduos de suínos.
Quando a água contaminada é lançada nos rios e no mar pode provocar a morte dos peixes. Mesmo quando sobrevivem, podem acumular em seu organismo substâncias tóxicas que causam doenças, se forem ingeridos pelos seres humanos”. (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2015).
O problema, entretanto, vai mais longe: há que se considerar a questão do uso múltiplo das águas (o que deve ser priorizado em caso de escassez? É justo que empresas que utilizem água como insumo na fabricação de produto que gera lucro paguem proporcionalmente menos do que indivíduos?). Além do constatado consumo exacerbado por parte da agricultura e da indústria, há que se considerar os riscos de poluição (por alguns) dos recursos hídricos de todos, o que prejudica a disponibilidade e utilização do recurso. Marisa Nittolo Costa lembra que “os principais fenômenos poluidores da água causados pela agricultura são: a contaminação, o assoreamento; a eutrofização e as alterações hidrológicas” (COSTA, 2003).
Quanto ao uso legal da água, é importante a menção de Aldo da Cunha Rebouças, no sentido de que
“a Constituição do Brasil de 1988 modificou, em vários aspectos, o texto da Lei de Direito de Água, o Código de Águas de 10 de julho de 1934. Uma das alterações feitas foi a extinção do domínio privado da água, previsto em alguns casos naquele diploma legal. A partir de então, todos os corpos d’água passaram a ser de domínio público. Por sua vez, ultimamente a gestão da gota d’água disponível deverá ser economicamente viável, ambientalmente sustentável e socialmente justa. Desta forma, a água já não pode ser usada livremente por cada um, como um bem privado.
Entretanto, como a partir da Constituição Federal de 1988 vigente, a água é um bem público no Brasil, significa que não pode ser privatizada e no nosso entender, também não pode ser considerada uma mercadoria, salvo quando gera benefícios econômicos ao usuário” (REBOUÇAS, 2003).
Aqui reside o problema do equilíbrio entre o direito de utilizar a água pelo simples fato de poder pagar por ela, e utilizá-la corretamente, dentro de limites aceitáveis do ponto de vista da sustentabilidade e da preocupação com as futuras gerações. Como um bem público, a água deve ser tratada como tal, e sua disponibilidade deve ser controlada pelos entes governamentais, levando-se em consideração a sua escassez, cada vez mais evidente.
A mudança de paradigmas já começa a ser observada, conforme dizia em 2008 Susana Camargo Vieira
“Contamos hoje com mecanismos para financiamento e avaliação de empresas "verdes" – e aí foram pioneiros bancos como o Real/ABN, cujo Portal de Sustentabilidade traz até um glossário, o trabalho interdisciplinar e aberto de Universidades, a exemplo do Centro de Estudos em Sustentabilidade da EAESP da FGV/SP, e o Índice de Sustentabilidade BOVESPA, um trabalho conjunto da Bolsa de Valores de São Paulo/Centro de Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas” (VIEIRA, 2008).
A necessidade, portanto, é aliar desenvolvimento e preservação dos recursos hídricos, posto que o primeiro não é possível sem a presença do elemento água.
3 A PEGADA HÍDRICA (WATER FOOTPRINT)
Os pesquisadores Arjen Y. Hoekstra, Ashok K. Chapagain, Maite M. Aldaya e Mesfin M. Mekonnen desenvolveram o Manual de Avaliação da Pegada Hídrica[1], referente a um estudo que tem como finalidade calcular e mapear a pegada hídrica (water footprint)[2] da humanidade, em alta resolução espacial. Através dele, estima-se a Pegada Hídrica dos países e dos setores econômicos.
O estudo revela o gasto dos países e das empresas na produção de cada produto, bem como a poluição por eles perpetrada, ou seja, a análise se volta para o produtor e para o consumidor, além das fronteiras geográficas de seus respectivos países.
De acordo com um dos responsáveis pelo estudo, professor Arjen Y. Hoekstra
“O interesse na Pegada Hídrica está enraizado no reconhecimento de que os impactos humanos nos sistemas de água doce podem estar ligados ao consumo humano, e que questões como a escassez de água e a poluição podem ser melhores compreendidas e tratadas, considerando a produção e cadeias de suprimento como um todo.
Os problemas da água normalmente estão intimamente ligados à estrutura da economia global. Muitos países externalizarão significativamente sua Pegada Hídrica, a importação de bens intensivos em água de outro lugar. Isso coloca pressão sobre os recursos hídricos nas regiões de exportação, onde muitas vezes os mecanismos para a sábia governança e conservação da água são escassos. Não só os governos, mas também os consumidores, as empresas e comunidades da sociedade civil podem desempenhar um papel na obtenção de uma melhor gestão dos recursos hídricos” (HOEKSTRA, 2015).
De acordo com dados que já foram colhidos pelo estudo, apenas a título exemplificativo[3], levando-se em consideração a Pegada Hídrica global no período de 1996 a 2005, a agricultura contribuiu com 92% da pegada total.
A produção de um quilo de carne bovina exige quinze mil litros de água, sendo que os dados variam de acordo com o sistema de produção e de onde provém a alimentação do gado.
Grande parte da Pegada Hídrica de alguns países como Brasil, Portugal e Estados Unidos, se dá além das fronteiras do país, o que demonstra que o assunto extrapola mais do que se imagina os limites geográficos, e torna-se cada vez mais indispensável a interação global para a promoção de métodos que auxiliem na preservação da água.
4 O RETRATO DA DESTRUIÇÃO
Não é necessário fazer grande esforço para se encontrar dados que demonstrem danos de grande proporção perpetrados contra a natureza, pela indústria, ao longo dos anos.
No Brasil, a título de exemplo, tornou-se amplamente conhecida a tragédia ocorrida no ano de 2000 na Baia de Guanabara, no Rio de Janeiro, quando o rompimento de um duto da Petrobrás causou o vazamento de 1,3 milhão de litros de óleo combustível na água. O problema maior continua a assombrar o local, uma vez que a limpeza só conseguiu resolver o problema na superfície[4] . Ainda no estado do Rio de Janeiro, o rio Paraíba do Sul está entre os mais poluídos, sendo que a principal fonte do problema está no depósito de resíduos industriais[5].
Cita-se, ainda, o rompimento de barragens como o ocorrido na cidade de Cataguases, em Minas Gerais, no ano de 2003. Na ocasião houve o rompimento de um dos reservatórios da Indústria Cataguases de Papel Ltda., causando a poluição do Córrego do Cágado e do Rio Pomba por resíduos industriais decorrentes da produção de celulose. Seiscentas mil pessoas ficaram sem água após o ocorrido[6].
Já na região de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, em 2006 o Rio dos Sinos foi palco de uma mortandade de aproximadamente 15 toneladas de peixes, devido a um conjunto de fatores. Dentre eles pode-se citar a intensa atividade industrial voltada para a produção de couro e calçados na região, e a captação da água do rio para a irrigação de lavouras de arroz[7]. A Bacia do Rio Doce, que corta os estados de Minas Gerais e Espírito Santo, sofre com o depósito de detritos industriais[8]. Não se pode esquecer, ainda, do principal rio que corta a cidade de São Paulo, o Rio Tietê, que sofreu ao longo dos anos com a recepção de esgoto doméstico e industrial[9].
Conforme se observa, as maiores catástrofes e poluição de água doce citadas acontecem em regiões brasileiras com maior índice de desenvolvimento urbano e industrial, o que obviamente não exclui a ocorrência do fenômeno nas demais regiões.
5 ÁGUA COMO DIREITO FUNDAMENTAL? O TRATAMENTO DA QUESTÃO NO PLANO INTERNACIONAL
Na constante busca pelo rápido desenvolvimento econômico e industrial, o ser humano vem agindo como uma força destrutiva de seu meio ambiente, sem, por muito tempo, importar-se com (ou mesmo considerar) consequências. Entretanto, à medida em que a humanidade começou a sentir/sofrer consequências vindas da natureza (que “responde” aos atos de degradação sofridos), movimentos (inicialmente tímidos) em direção à proteção ambiental começaram a surgir, até que se chegasse ao estado atual de consciência e preocupação com os efeitos da ação humana sobre o planeta, que concebe, como única alternativa viável, o desenvolvimento sustentável [10].
O percurso foi longo… Com a consciência de que a degradação ambiental é um problema que atinge/atingirá a todos, surgiu a preocupação internacional com o tema, já que se constatou (a partir de inúmeros relatórios de cientistas) a dependência da sobrevivência da raça humana à proteção do meio ambiente. O fenômeno da globalização trouxe consigo a consciência de que o ato realizado contra o meio ambiente em qualquer lugar do planeta afetaria, em menor ou maior escala, todo um ecossistema interligado (Gaia), que não conhece fronteiras políticas impostas pela vontade do homem. A consciência da finitude dos recursos naturais – e, em nosso caso, mais especificamente da água, cuja escassez já se faz sentir – coloca em risco a perpetuação do ser humano na Terra.
A ONU, Organização das Nações Unidas, assumiu a liderança na discussão do problema, convocando sucessivas Conferências Internacionais[11], as quais (e seus processos preparatórios e de avaliação de resultados) resultaram em vários documentos internacionais de diferentes naturezas, dentre os quais destacaríamos: a Carta Mundial da Natureza em 1982, as Declarações das Conferências do Rio (duas) e de Joanesburgo, as Convenções do Clima e da Biodiversidade (1992)[12], a Agenda 21 em 1992[13] o Programa de Ação de Joanesburgo (que focava especificamente a questão da água e o direito de acesso a esta, com objetivos definidos), e o documento final da Rio+20, O Futuro que Queremos[14].
Não se pode falar em desenvolvimento sustentável sem levar em conta a questão dos Direitos Humanos – um dos componentes do tripé jurídico que sustenta o conceito. Isso fica muito claro na Declaração da International Law Association sobre os Princípios Subjacentes ao Desenvolvimento Sustentável – especialmente os Princípios 6 e 7[15]. Mas mesmo antes disso, já em 1948 a Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU) consagrava como fundamental o direito à vida (e não se pode conceber, até o momento, vida humana sem água). Levando-se este fato em consideração, temos que, como elemento crucial para a manutenção da vida, a discussão do assunto água, no âmbito da ONU, se prova crucial.
Outros documentos da Organização das Nações Unidas merecem, nesse contexto, especial atenção: a Carta de Direitos e Deveres Econômicos dos Estados (1974)[16]; os Princípios que o PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio ambiente, UNEP em inglês) prevê que Estados observem, cooperando para proteger o meio ambiente[17]; a Carta Mundial da Natureza, adotada pela Assembleia Geral da ONU em 28 de outubro de 1982, que trata especificamente da questão da água em seu artigo 9. c, dispondo que recursos, inclusive a água, devem ser reutilizados.[18]
A Conferência do Rio (1992) teve como um de seus pontos mais altos o envolvimento da sociedade civil. No campo da atividade empresarial, foi fundamental a criação do World Business Council for Sustainable Development (WBCSD, um conselho mundial para o desenvolvimento sustentável voltado para a atividade empresária) que levou à criação de Conselhos Nacionais – no Brasil, o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável, CEBDS[19], que congrega as maiores empresas atuando no país, e desempenhou/desempenha papel fundamental na mudança da mentalidade empresarial brasileira, ao defender “o bom negócio do desenvolvimento sustentável”.
Em 2000 a Declaração do Milênio já vem mais específica ao tratar do tema água, estabelecendo, entre suas metas, o fornecimento de água e o acesso ao saneamento básico[20]; e em 2012 a Declaração de Johanesburgo sobre Desenvolvimento Sustentável propõe parcerias publico/privadas e internacionais para realizar os Objetivos do Milênio, já que se tem consciência da impossibilidade financeira de vários governos de os realizarem sem a participação do capital privado.
Finalmente, em 2012, Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (que ficou conhecida por Rio+20) continuou nesse sentido. Vem da busca de um consenso acerca das melhores iniciativas para garantir a sustentabilidade do planeta (com participação direta das empresas) a iniciativa do Pacto Global das Nações Unidas, que aqui nos propomos discutir.
Nas palavras de Nico Schrijver,
“O debate sobre as políticas de recursos naturais dentro das Nações Unidas se estende por um período de quase sessenta e cinco anos. A Organização das Nações Unidas foi instrumental ao gerar interesse geral pela gestão racional dos recursos, levando em conta as dimensões ambiental, social e de desenvolvimento. Os Órgãos da ONU, bem como as suas agências especializadas fizeram contribuições intelectuais significativas, estabeleceram numerosos padrões e realizaram atividades operacionais para promover o desenvolvimento econômico e o uso sustentável dos recursos naturais” (SCHRIJVER, 2010).[21]
Susana Camargo Vieira participou da Rio +20 como representante da International Law Association (ILA), e constatou em suas observações durante o evento que
“não é à toa que a educação para o desenvolvimento sustentável era sempre o primeiro em cada agenda (especialmente na de Diálogos), no Rio. No Brasil nós testemunhamos o impacto do livro O Bom Negócio do Desenvolvimento Sustentável (publicado em 2002, O Bom Negócio do Desenvolvimento Sustentável já está disponível para download gratuito em www.cebds.org.br, o site do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável) sobre o setor empresarial. Os setor de negócios foi educado nos aspectos positivos, e oportunidades apresentadas pelo desenvolvimento sustentável, com bons resultados” (VIEIRA, 2012).[22]
Como vimos, a discussão não se restringiu à iniciativa pública, uma vez que a economia, fator de preocupação do governo, é diretamente influenciada pelas empresas, que são grandes exploradoras dos recursos naturais. E é nesse contexto que passaremos analisar o Pacto Global, iniciativa gerada no âmbito da ONU.
Refletindo sobre os avanços na conscientização sobre o desenvolvimento sustentável no mundo dos negócios ao longo dos anos, Susana Vieira Camargo afirmou, sobre o Brasil, que
‘os negócios no Brasil estão fazendo a sua parte (pelo menos em um país que é considerado importante em termos mundiais em equilíbrio ambiental), no processo de Governança Ambiental visto como ‘a construção do sistema integrado de regras formais e informais, o sistema de elaboração de regulamentações e redes de atores em todos os níveis da sociedade humana (do local ao global) que são estabelecidos para orientar as sociedades para prevenir, mitigar e adaptar-se às mudanças no meio ambiente global e local e, em particular, transformar o sistema ambiental, dentro de um contexto normativo de desenvolvimento sustentável’”[23](VIEIRA, 2009).
6 SOBRE O PACTO GLOBAL DA ONU
O Pacto Global foi criado a partir da ideia do ex-secretário geral da Organizações Unidas, Kofi Annan, com o intuito de criar princípios a serem observados pelas empresas na condução de suas atividades, tratando-se apenas de diretrizes, sendo desprovido, portanto, de obrigatoriedade.
O Pacto, anunciado no Fórum Econômico Mundial em 1999, teve seu lançamento no ano de 2000. Já no início de 2015 foi lançado o Guia Compacto de Sustentabilidade Empresarial, contendo resumidamente os passos a serem seguidos pelas empresas, de acordo com os dez princípios norteadores do Pacto Global. Tais princípios derivam da Declaração Universal de Direitos Humanos, da Declaração da Organização Internacional do Trabalho sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção.
Atenta-se aqui aos os princípios relativos à proteção ambiental, que visam a prevenção, o desenvolvimento de iniciativas que promovam a responsabilidade ambiental, e o incentivo ao desenvolvimento de tecnologias que não agridam o meio ambiente.
Considerando-se ao mais recente feito do Pacto Global, o Guia Compacto de Sustentabilidade Empresarial lançado em 2015 cita o Mandato de Água CEO, que
“reúne empresas líderes e aprendizes interessadas na abordagem global da crise da água. Endossado por aproximadamente 130 empresas, o Mandato de Água CEO presta assistência a empresas no desenvolvimento, implementação e divulgação de políticas e práticas de sustentabilidade referentes à água. O mandato ajuda as empresas a compartilhar as melhores e mais recentes práticas e a estabelecer parcerias destinadas ao acesso à água e ao saneamento. As ferramentas de iniciativa e os recursos ajudam as empresas a combater os riscos empresariais relacionados à água, a comunicar suas políticas e práticas para as partes interessadas, e a contribuir para a gestão sustentável dos recursos de água doce” (GUIA COMPACTO DE SUSTENTABILIDAE EMPRESARIAL, 2015).[24]
Para se associar ao Pacto Global, o principal executivo da empresa deve assinar uma carta de compromisso. Hoje, no Brasil, a Rede Brasileira do Pacto Global, apoiada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), representa o país e conta com mais de 650 signatários.
Em resumo conciso, ressalta Eduarda Ribeiro Carvalhaes:
“a plataforma de interação criada pela iniciativa permite um amplo compartilhamento de visões e ações feitas a partir de um relatório anual das empresas sob o desenvolvimento dos dez princípios demandados, apresentando, desta forma, melhorias graduais na busca de um futuro comum. A empresa adepta à iniciativa conta ainda com ferramentas de aprendizagem, oficinas e calendários de eventos que são disponibilizados no site do Pacto Global. Além disso, também é disponibilizada a Comunicação de Progresso (COP), um instrumento que facilita o acesso ao progresso conjunto de empresas e entidades signatárias não só no Brasil, mas em todo mundo. A COP ajuda na perpetuação de ideias e ferramentas que materializam os dez princípios almejados.
A permanência de uma empresa na iniciativa está condicionada ao cumprimento de algumas exigências da ONU, que são responsabilidades de uma signatária ativa. A ONU distingue as exigências do progresso por empresas de grande, médio e pequeno porte, além de pequenas empresas locais e outras entidades.
Por um lado, o Pacto Global reconhece que empresas mais ambiciosas no relato de suas políticas são como “signatárias avançadas”. Por outro, determina que aquelas empresas que não apresentarem o relatório anual detalhando o desenvolvimento de suas ações nos 10 princípios estabelecidos, terão um ano para se adequar às exigências e, caso isso não seja feito, serão automaticamente excluídas da iniciativa.” (CARVALHAES, 2012)
Em suma, o Pacto Global alia a força da qual a Organizações Unidas é dotada, a fim de atrair grandes empresas mundiais, e a sistematização dos atos coorporativos, de forma que as empresas se sintam apoiadas e dotadas da necessidade de engajarem suas atividades produtivas ao desenvolvimento sustentável.
7 O PACTO GLOBAL NA CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL – RIO +20
Conforme ressaltado anteriormente, foi intensa a participação das empresas participantes do Pacto Global da ONU durante a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, que ficou conhecida por Rio +20, por ter ocorrido na cidade do Rio de Janeiro.
Conforme trabalho de Henrique Rocha Penido a respeito do tema, “o documento final reconheceu ainda que o setor privado, incluindo as sociedades empresárias, é um instrumento valioso que pode oferecer uma contribuição crucial para o crescimento econômico, reduzindo a pobreza e promovendo o desenvolvimento sustentável (PENIDO, 2014).
Aqui se encontra o cerne da intenção do presente trabalho, uma vez que a Conferência, que contou com representantes de mais diversos países, pode abrir de forma mais efetiva as discussões ao setor privado, através da importante iniciativa da Organização das Nações Unidas, que foi o Pacto Global.
Atualmente as empresas sentem cada vez mais a necessidade de se engajarem com a questão da sustentabilidade, seja por exigências legais, seja por pressão dos próprios consumidores, que, conscientes, pouco a pouco passam a se atentar às empresas que respeitam o meio ambiente na sua cadeia produtiva.
Dessa forma, o Pacto Global (que hoje conta com 6.000 empresas comprometidas com seus princípios), aproxima o setor privado das Organizações Internacionais, de forma a dar mais efetividade às ações por elas impetradas na busca pela proteção dos recursos hídricos.
Nas palavras de Ana Cristina Fraga Schwingel, relatora do evento preparatório da Rio +20 na Câmara dos Deputados,
“a conservação dos Recursos Hídricos é matéria do mais relevante interesse, principalmente no contexto das mudanças climáticas. As catástrofes que aumentam a cada dia em intensidade e em número de vítimas, estão, necessariamente, relacionadas aos recursos hídricos: seca prolongada ou enchentes. Ou há falta ou o excesso de água. Com o aumento, já inevitável, da temperatura média do Planeta, as intensidades dos fenômenos climáticos irão se agravar ainda mais.
Por este motivo, a matéria água, cada vez mais precária em sua qualidade e quantidade, principalmente nas aglomerações urbanas, deve ser objeto de crescentes e cuidadosas políticas públicas.
A gestão dos recursos hídricos precisa avançar, no sentido de permear toda a sociedade, por meio dos comitês e das agências de bacia, conforme preconiza a Lei nº 9.433, de 1997.
Os planos de Recursos Hídricos – Nacional, estaduais e de bacias – precisam também permear os demais planos de desenvolvimento do País, sendo indispensável que estejam contemplados e, mais que isso, que sejam mesmo a base da tomada de decisões para as demais atividades de infraestrutura e de processos produtivos de nossa economia” (SCHWINGEL, 2011).
Discussões integradas como esta propiciam um ambiente fértil para a elaboração de propostas e projetos inovadores que possam ser colocados em prática pelo setor privado, que de fato proporcionarão mudanças na busca pela proteção do meio ambiente, sobretudo da água, tão explorada por questões econômicas.
Antes da realização da Conferência Rio +20 ocorreu o Fórum de Sustentabilidade Corporativa da Rio+20, que foi uma iniciativa da ONU através do Pacto Global, reunindo aproximadamente 2.700 participantes e realizando mais de 120 sessões. Um, dentre os seis eixos temáticos, tratou da questão da água e ecossistemas (os demais trataram de energia e clima, agricultura e alimentação, urbanização e cidades, desenvolvimento social e economia e finanças do desenvolvimento sustentável).
Uma média de duzentos compromissos individuais e coletivos foram firmados durante o Fórum, que teve como objetivo contribuir com o diálogo entre empresas, governo, sociedade civil e a própria ONU, através do Pacto Global.
Dentre eles, destaca-se uma declaração voltada para as Instituições de Ensino Superior, que se comprometeram a incorporar a sustentabilidade em ensino e pesquisa (260 Universidades e escolas de diversos países assumiram o compromisso).
Cinco bolsas de valores se comprometeram com a promoção do investimento voltado para o desenvolvimento sustentável.
No relatório da visão geral e dos resultados do Fórum destaca-se:
“a escassez de água, poluição, mudanças climáticas e outras tendências globais problemáticas representam os maiores desafios para as empresas – não somente agora, mas também nos próximos anos. Fica cada vez mais claro que a era de fácil acesso à água, pelas empresas, está chegando ao fim. A ameaça que isto cria para as empresas é maior do que a perda de qualquer outro recurso natural. A Sustentabilidade Hídrica Empresarial – também conhecida como gestão corporativa da água – surgiu como uma estratégia para fazer frente ao risco hídrico. Ela é vista por muitos como uma boa prática empresarial e é fundamental para o bem-estar das comunidades, ecossistemas e leitos e bacias hidrográficas.
Na sua essência, a Sustentabilidade Hídrica Empresarial é uma abordagem de gestão holística, que abrange o desenvolvimento, implementação e divulgação de um amplo leque de políticas e práticas relacionadas à agua. Neste sentido, a verdadeira Sustentabilidade Hídrica Empresarial exige que a empresa olhe além de seu "quintal" e considere sua pegada hídrica, ao longo de sua cadeia de valor e em bacias hidrográficas específicas. Além disso, práticas emergentes enfatizam a importância do engajamento responsável na formulação de políticas públicas, bem como na ação coletiva e na colaboração transversal entre todos os setores e parcerias com governos, agências da ONU, organizações da sociedade civil, e outros interessados. Por último, os principais praticantes de Sustentabilidade Hídrica Empresarial enfatizam a necessidade de integrar as políticas sobre a água em outras questões-chave de sustentabilidade e desenvolvimento, como energia e mudança climática, alimentos e agricultura e direitos humanos em geral” (FÓRUM DE SUSTENTABILIDADE CORPORATIVA, VISÕES E RESULTADOS, 2012).
No Fórum foram discutidas questões como a inovação no desenvolvimento de tecnologias eficientes na gestão dos recursos hídricos, como: tratamento de água pelas indústrias e novas formas de irrigação e cultivo na agricultura, produção que utilize menos água.
Também se incentivou a realização de pesquisas que favoreçam a utilização dos dados obtidos, de forma a facilitar as iniciativas e tomadas de decisões referentes à exploração da água. Foi colocada, ainda, a necessidade de compartilhamento de experiências positivas na tentativa de se melhorar o uso da água.
8 CONCLUSÃO
Com o intuito de trazer a uma reflexão mais aprofundada a questão da necessidade que a escassez ou ameaça da falta de água no mundo impõe a cada dia, o presente artigo buscou analisar o que a experiência tem contado ao Brasil e ao mundo sobre os danos perpetrados pela agricultura e pelo setor industrial nas suas atividades, no que tange à exploração dos recursos hídricos.
Não raros os exemplos de uso indiscriminado e poluição da água, dificilmente um trabalho conseguiria abarcá-los completamente, levando-se em consideração a amplitude do problema. No entanto, não é difícil concluir que, de fato, os prejuízos são maiores onde há se encontra o rastro do desenvolvimento industrial, e em se tratando de rastro o trabalho abordou um importante mecanismo de controle do consumo de água, que é o estudo da “pegada hídrica”, através do qual um consumidor consegue avaliar eficientemente o impacto de um produto que consome diariamente, no que tange à quantidade de água utilizada em sua produção.
Ao analisar o tratamento internacional sobre o tema da proteção da água, percebe-se que os esforços empreendidos pelas organizações internacionais tem influenciado diretamente o mundo, e o Brasil não ficou à mercê das discussões, que certamente tem buscado (e encontrado) soluções conjuntas de proteção ambiental, sobretudo no que diz respeito à evolução da preocupação com a manutenção dos recursos hídricos.
Por fim, e aqui se encontrou a maior razão para a elaboração do presente estudo, o Pacto Global das Nações Unidas representou um grande avanço por parte da Organização, no sentido de elaborar mecanismos que possibilitem ao setor privado uma discussão direta com o setor público, sociedade global e os demais setores com relação à sustentabilidade.
Incontestável a importância das Organizações Internacionais no cenário atual, a ONU inovou e certamente tem alcançado sucesso no que tange ao seu objetivo de trazer as empresas à discussão sobre seus atos e impactos na humanidade.
Os binômios citados no início do estudo (desperdício e economia, disponibilidade e escassez), certamente continuarão a gerar discussões calorosas, e assim espera-se que ocorra, uma vez que é no campo das discussões, trocas de experiências e ideias que se avança. Acertada, portanto, a iniciativa da Organização das Nações Unidas na criação do Pacto Global.
Advogada. Mestranda em Direito pela Universidade de Itaúna. Área de concentração: Proteção dos Direitos Fundamentais. Linha de pesquisa: Organizações Internacionais e a Proteção dos Direitos Fundamentais. Membro do grupo de pesquisa Governança Global e Direitos Humanos da Universidade de Itaúna
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