Resumo: A atividade do trabalho é antiga, existe desde o momento que o homem passou a transformar a natureza e o ambiente ao seu redor para suprir a necessidade de sobrevivência. O trabalho humano se apresentou sob diferentes formas no decorrer da história, passando por vários percalços até atingir o patamar que está hoje, com a existência de políticas sociais, contratos reguladores, e fundamentalmente, ressaltando a consideração da dignidade da pessoa humana, haja vista, a degradação histórica a qual passaram diversos trabalhadores, antes de terem seus direitos reconhecidos. O presente trabalho tem por objetivo abordar sobre a aplicabilidade do princípio da dignidade da pessoa humana na relação de emprego. Versa sobre o conceito de trabalho e sua evolução histórica, o Direito do trabalho no Brasil, descrevendo sobre os reflexos da globalização nas relações de emprego, o contrato de trabalho, os sujeitos envolvidos, requisitos, características, alterações contratuais e extinção. O cerne deste estudo consiste na abordagem acerca da aplicação e limites do poder diretivo do empregador em face dos direitos fundamentais garantidos constitucionalmente ao empregado. Assim, procura-se demonstrar até onde o empregador poderá utilizar dessa prerrogativa sem infringir na dignidade do trabalhador, que antes de tudo é um ser humano, e em defesa deste, está reconhecida pela Constituição da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana. Portanto, o empregador no uso do poder hierárquico deve atentar aos direitos acertados no contrato de trabalho, e também aos direitos fundamentais dos trabalhadores, pois, são estes que representam limites verdadeiros na aplicabilidade deste poder em tese, fundamentado na Constituição Federal, na Consolidação das Leis Trabalhistas e em outras leis extravagantes vigentes.
Palavras-chave: Dignidade da Pessoa Humana. Poder Diretivo. Direitos Fundamentais.
Sumário: 1. Introdução. 2. O trabalho. 2.1. Conceito de trabalho. 2.2. Considerações históricas do direito do trabalho. 2.3. O direito do trabalho no Brasil. 2.4. Os reflexos da globalização nas relações de emprego. 2.5. O contrato de trabalho. 2.5.1. Sujeitos. 2.5.2. Requisitos. 2.5.3. Características. 2.5.4. Alterações Contratuais. 2.5.5. Extinção. 3. O poder diretivo do empregador. 3.1. Conceito. 3.2. Poder de disciplinar. 3.3. Poder de organização. 3.4. Poder de controle. 3.5. O preceito da proporcionalidade e aplicabilidade do poder diretivo do empregador. 3.6. O poder de direção do empregador em face do jus resistentiae. 4. O princípio da dignidade da pessoa humana. 4.1. Abordagem conceitual: princípio, dignidade e pessoa humana. 4.2. A dignidade da pessoa humana na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 4.2.1. Direitos Fundamentais. 4.2.2. O Trabalho como Direito Fundamental e Instrumento Propulsor da Dignidade da Pessoa Humana. 4.3. O princípio da dignidade da pessoa humana e os limites do poder diretivo do empregador. 5. Conclusão. Referências.
1 INTRODUÇÃO
O trabalho humano se apresentou sob diferentes formas no decorrer da história da humanidade. Nesse aspecto, constata-se que a referida variação é consequência do nível cultural e evolutivo de cada sociedade, assim evidencia-se que na acepção bíblica era sinônimo de castigo; na antiguidade, de escravidão; na idade média, o feudo; no fim da idade moderna, as corporações de oficio; na revolução industrial, o capitalismo que se propagou até a atualidade.
Ao longo dos anos, os trabalhadores foram submetidos a condições subumanas, sem proteção alguma, fato este que exigiu atitude por parte do Estado a fim de tutelar a classe proletária. O ápice para se reivindicar melhoras foi com o advento da Revolução Industrial. A partir de então, diversos países ratificaram inúmeros direitos à classe trabalhadora e, elevou-se o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana como fundamento do ordenamento jurídico pátrio.
Por vez, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é um norte a ser seguido por todos indistintamente. A dignidade humana se perfaz a partir do momento que o indivíduo tem concretizado seus direitos vitais mínimos, denominados direitos fundamentais, responsáveis por proporcionar o respeito e qualidade de vida a todo ser humano, tais como: a saúde, a educação, a liberdade, o trabalho, o meio ambiente equilibrado entre inúmeros outros.
No primeiro capítulo, abordar-se-á o conceito de trabalho por intermédio de uma análise histórica, explanando o desenvolvimento do Direito do Trabalho na esfera mundial e nacional, analisando sucintamente o modo que o trabalho foi tratado nas Constituições brasileiras até alcançar, na Constituição de 1988 a cátedra de fundamento de toda ordem da República Federativa do Brasil.
Na sequência, partir-se-á para abordagem concernente aos reflexos trazidos pela globalização nas relações de emprego, visto que as novas invenções trouxeram a concorrência entre as organizações empresariais, realidade que estampa claramente a necessidade de aprimorar os meios de produção e adequar o capital humano para que se tenham condições de sobreviverem e destacarem no mercado globalizado. Superado isso, analisar-se-á o contrato laboral, seus sujeitos, requisitos, características, possibilidades de alterações e sua extinção.
No segundo capítulo, far-se-á, preponderantemente, um breve estudo sobre o poder diretivo do empregador, demonstrando sua subdivisão em: poder disciplinar, poder de organização e poder de controle, no intuito de melhor compreensão do tema. Após, tratar-se-á do preceito da proporcionalidade em face da aplicabilidade do referido poder e, por derradeiro apontar-se-á o jus resistentiae, espécie de autonomia que porta o empregado para inibir eventual abuso por parte do empregador.
Dessa sorte, levando em consideração a atual realidade, ou seja, as influências neoliberais, a concorrência, o anseio pela flexibilização das leis trabalhistas, pode-se verificar que o âmbito empresarial é um campo fértil para a empregadora abusar do poder que tem em mãos para alcançar os resultados almejados.
O cerne do presente trabalho consiste na abordagem acerca da aplicação e limites do poder diretivo do empregador em face dos direitos fundamentais garantidos constitucionalmente ao empregado. Deste modo, procurar-se-á demonstrar até onde o empregador poderá utilizar dessa prerrogativa sem infringir na dignidade do trabalhador, que antes de tudo é um ser humano.
Diante disso, é imprescindível que o poder em tela tenha aplicação com base no princípio da boa-fé contratual, da razoabilidade e da proporcionalidade, visto que a não observância aos direitos dos trabalhadores ocasiona uma lesão à dignidade Humana, o que gera para a empresa a obrigação de indenizar o dano causado.
No terceiro capítulo, trar-se-á especificamente sobre o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, passando-se, inicialmente, pela conceituação de princípio, posteriormente de dignidade e por derradeiro ao seu titular, ou seja, a pessoa humana. Na sequência, será tratado das gerações dos direitos fundamentais, enfocando o trabalho como um direito fundamental responsável pela propulsão da dignidade da pessoa humana e, por fim serão traçados os limites do poder de comando do empregador.
É de suma importância o estudo do presente tema, haja vista que o poder diretivo patronal mal aplicado poderá representar uma medida vexatória, com conseqüências drásticas aos sujeitos do pacto laboral, caracterizando uma ofensa ao princípio basilar do ordenamento jurídico, passível de danos tanto para o empregador quando ao empregado.
2. O TRABALHO
Neste tópico, procurar-se-á demonstrar a história abrangida pelo conceito de trabalho, a desenvoltura do Direito do Trabalho, analisando-se, sucintamente, o modo que o trabalho foi tratado nas Constituições da República Federativa do Brasil.
Discorrer-se-á também sobre os reflexos trazidos pela globalização nas relações de emprego e, por último, analisar-se-á o contrato laboral, seus sujeitos, requisitos, características, possibilidades de alterações e sua extinção.
2.1 CONCEITO DE TRABALHO
O presente capítulo aborda a história acerca do trabalho humano, com as respectivas evoluções legislativas pertinentes a relação de emprego, demonstrando a necessidade da presença estatal com finco de regularizar os direitos e obrigações dos envolvidos no pacto laboral, como explanado a seguir.
Numa visão genérica, conceitua-se trabalho como um encargo, tarefa, serviço, atividade consciente e voluntária, física ou intelectual, com dispêndio de esforço humano, aplicado na realização de determinado empreendimento, a fim de produzir riqueza. [1]
Etimologicamente analisando, afirma-se que a palavra em apreço, vem do latim tripalium, uma espécie de instrumento de tortura de três paus ou uma canga que pesava sobre os animais, usado para sujeitar os cavalos à ferradura. [2]
À luz da história da humanidade evidencia-se que, o trabalho se apresentou sob diferentes formas, variando conforme o nível cultural e o estágio evolutivo de cada sociedade.
“[…] as primeiras raízes estão no pensamento da antiguidade e da Idade Média- do Trabalho como um castigo dos deuses-, no Renascimento- com as idéias de valorização do Trabalho como forma da cultura-, e, mais recentemente, nos preceitos constitucionais modernos- do Trabalho como Direito, como dever, Direito-dever ou, ainda, como valor fundante das sociedades políticas.”[3]
Na acepção bíblica era considerado como castigo, visto que Adão teve que trabalhar para prover sua subsistência, em razão de ter comido a maçã proibida. Na antiguidade, a relação de trabalho era a escravidão. O escravo era tido como mera coisa, não possuía direitos, nem personalidade e muito menos a dignidade humana, considerado verdadeiro objeto de compra e venda. Na idade média, encontra-se o feudalismo, época em que os servos trabalhavam nas terras dos senhores feudais e, em prol de proteção [militar e política] e uso dos solos, entregavam-lhes parte da produção rural, como forma de pagamento. [4]
No fim da idade média surgem as denominadas corporações de oficio, espécies de associações, com certa liberdade aos trabalhadores, vez que podiam desenvolver grupos para cada tipo de trabalho, havia uma maior organização, com estatutos que regularizavam as relações de trabalho e dividiam seus membros em: mestres [proprietários das oficinas], aprendizes [menores que recebiam o ensino metódico do oficio ou profissão] e companheiros [trabalhadores que percebiam salários dos mestres]. Todavia, as corporações somente visavam interesses dos mestres. [5]
A Revolução Industrial ocorrida no final do século XVIII foi o ápice histórico para uma nova visão de trabalho, visto que passou a implantar inovações na ordem econômica e social, e na mesma esteira, a Revolução Política Francesa com os ideais de liberdade e igualdade. No entanto, o capitalismo selvagem da era industrial explorou e escravizou a massa trabalhadora. Assim, houve a intervenção estatal na relação de trabalho, com reconhecimento dos direitos sociais e busca de um mínimo de vida digna. [6]
Neste esteio, frisa-se que, o capitalismo significou um fabuloso crescimento industrial o que derivou um grande rendimento de trabalho. No entanto, este auge de riqueza social não se desenvolveu de forma equilibrada. Havia, por um lado, acúmulo de riqueza e do outro, muita miséria, com jornadas de trabalho que atingiam 14 horas diárias. Dessa forma, surgem duas classes: a alta burguesia, detentora dos meios de produção e a classe proletária, vendedora do trabalho à primeira, em troca de salário. [7]
É de valia ressaltar que, no momento pós-revolução, o Papa Leão XIII [1891] redigiu a encíclica papal Rerum novarum, e, o papa Pio XII escreveu Quadragesimo anno, documentos que versaram sobre as necessidades dos trabalhadores e que caracterizaram definitivamente o trabalho humano como uma prestação de serviços [aluguel de serviços], mediante alguma retribuição [por vezes até por mercadorias]. A partir de então, deu-se importância à valorização do trabalho humano, incorporando-se de alguma forma, nas diversas legislações editadas pelos países.[8]
Num entendimento capitalista, o trabalho tornou-se uma atividade humana voltada para a produção de bem material, que por conseqüência leva à riqueza, dando um significado eminentemente produtivo-mercantilista, com interesse do Estado e do capital. E ainda, é considerado fonte de realização pessoal, enriquecimento, integração no meio social e etc. [9]
Atualmente, pode-se afirmar que o conceito de trabalho apresenta-se em outra era, haja vista que o mundo se encontra num ambiente extremamente dinâmico, por vez o conhecimento se apresenta como fator determinante. As novas tendências se concentram no aprendizado contínuo, especialização, unificação do conhecimento teórico ao pragmatismo, valorização salarial do capital humano, vez que o poder está nas mãos das pessoas com conhecimento e a era da informação está sendo mais do que uma mudança social, ela é uma mudança na condição humana. [10]
Corroborando com a idéia supracitada, Maria Aparecida Alkimin assinala que a era pós-moderna teve seu marco inicial com a globalização da economia que, sob o ponto de vista socioeconômico, além de reforçar a distância e diferenças entre países pobres e ricos, interferiu drasticamente nas relações de trabalho, exigindo um novo modelo de organização de trabalho e de perfil de trabalhador.[11]
Dessa sorte, o trabalho já significou algo desonroso para a sociedade, sua execução ficava a cargo de pessoas consideradas medíocres. No entanto, atualmente é compreendido como algo que dignifica o homem, o que procurar-se-á demonstrar no capítulo posterior.
2.2. CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS DO DIREITO DO TRABALHO
A ciência do Direito provém de uma necessidade social, traz em seu bojo a necessidade de regularizar determinada área, almeja a pacificação de conflitos. No que compete ao âmbito trabalhista não foi diferente, surgiu para harmonizar a relação entre empregado e empregador. Na doutrina, o Direito do Trabalho é proveniente de:
“[…] Fatos econômico-trabalhistas que se seguiram à Revolução Industrial, consistentes na formação de um aglomerado de trabalho em torno da máquina a vapor, então descoberta, constituem, sem dúvida, a base sobre a qual nossa disciplina foi construída”.[12]
Desta forma, verifica-se sua origem no anseio por moderar as relações trabalhistas, considerando-se miseráveis as condições em que os trabalhadores laboravam, comumente verificava-se a exploração de crianças e mulheres e a remuneração em contrapartida era miserável.
Nessa época, os empregadores deixavam os empregados à mercê de incêndios, inundações, intoxicação por gases, sujeitando-os a contaminações por doenças, muitas vezes, incuráveis (tuberculose, asma e pneumonia). Os contratos de trabalho eram consolidados verbalmente. Existia comércio de trabalhadores e suas respectivas famílias entre patrões.[13]
Destarte, evidencia-se que, o Direito do Trabalho surgiu com propósito de garantir e preservar a dignidade do trabalho do ser humano ocupado nas indústrias.[14]
No tocante a palavra Direito, define-se como ciência que sistematiza os fatos, as relações e as normas necessárias para assegurar o equilíbrio do organismo social. Refere-se ao processo de adaptação social, que estabelece regras de convivência entre as pessoas. O Estado por vez submete os indivíduos às regras coativas.[15]
Todavia, conceitua-se Direito do Trabalho como:
“Complexo de princípios, regras e institutos jurídicos que regulam a relação empregatícia de trabalho e outras relações normativamente especificadas, englobando, também, os institutos, regras e princípios jurídicos concernentes às relações coletivas entre trabalhadores e tomadores de serviços, em especial através de suas associações coletivas.”[16]
Nos Estados Unidos, na data de 1° de Maio de 1886, os operários, cansados dessa situação, se reuniram numa manifestação, reivindicando melhorias nas condições laborais, vez que não possuíam quaisquer garantias trabalhistas. Houve confrontos entre manifestantes e policiais, motivo este que ocasionou a morte de vários trabalhadores. Certo tempo depois, governos e sindicatos elegeram este dia como o dia do trabalho. [17]
Em meados de 1919, o trabalho toma posição definitiva e preponderante nos níveis nacionais e internacionais. Cria-se, o Tratado de Versalhes, prevendo a elaboração da Organização Internacional do Trabalho (OIT), agência multilateral ligada a Organização das Nações Unidas (ONU), com objetivo de estudar e promover a melhoria da condição dos trabalhadores no mundo. [18]
Cumpre dispor que, a preocupação humanitária direcionada à situação dos trabalhadores da época, os quais eram explorados, com total desconsideração pela saúde, vida familiar, progresso profissional e social, respondia a um dos motivos essenciais à criação da Organização Internacional do Trabalho. [19]
O fim da Primeira Guerra Mundial marcou o inicio do período conhecido como constitucionalismo social. Por vez, os países principiaram a inserção, em seus textos constitucionais, de preceitos relativos à defesa social da pessoa, à normas de interesse social e à garantia de direitos fundamentais, incluindo o Direito do Trabalho. Há, portanto, o início da constitucionalização dos direitos trabalhistas.[20]
Acrescenta Fábio Ferraz que, o Direito do Trabalho surge com o finco de sustentar a valorização do trabalho num sentido social, humano e jurídico. E sustenta a tese que há necessidade de intervenção estatal nas relações trabalhistas, de modo que o mais forte não subjugue o mais fraco. Trata-se, todavia, de uma igualdade jurídica ao lado de uma desigualdade econômica. [21]
Desse mesmo norte, Orlando Gomes e Elson Gottschalk reforçam que o Direito do Trabalho da atualidade compõe-se de medidas protetoras ao trabalhador que se traduzem e se concretizam em indisfarçáveis privilégios jurídicos, com a finalidade de atenuar juridicamente as desigualdades sociais que reina entre os homens.[22]
Diante do exposto, constata-se que a atualidade representa um grande progresso desta ciência, e isso infelizmente é fruto do sofrimento e da morte de muitos operários, como também da colaboração da igreja e de instituições nacionais e internacionais. A atualidade revela uma preocupação global, a qual aponta como finalidade combater resquícios das violências ainda existentes nesta área.
2.3. O DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL
A trajetória do Direito do Trabalho no Brasil iniciou-se recentemente, as diferentes constituições registraram direitos, que por vez retratam as verdadeiras necessidades de cada época.
O Direito do Trabalho no Brasil expandiu a partir de 1930, como conseqüência de fatores políticos. Nesse período, foi reestruturada a ordem jurídica trabalhista, influenciada pelo modelo corporativista italiano e criado o Ministério do Trabalho. A nacionalização do trabalho foi valorizada com diversas medidas de proteção aos proletariados. [23]
O primeiro documento oficial a tratar sobre Direito do Trabalho foi a Carta Magna de 1934. Nela se estabelecia as normas básicas acerca da relação de emprego, quais são: liberdade sindical, isonomia salarial, limitação da jornada de 8 horas diárias, estipulação do salário mínimo, repouso semanal, férias anuais remuneradas, regulamentação de determinadas profissões e a proteção de mulheres e crianças. [24]
A Constituição brasileira de 1937 retratou a fase intervencionista do Estado nas relações de emprego. Instituiu-se o sindicato único, imposto por lei e vinculado ao Estado. Elaborou-se o imposto sindical. Estabeleceu-se a competência normativa dos tribunais do trabalho, com propósito de evitar entendimento direto entre trabalhadores e empregadores. [25]
Até a década de 40, as normas reguladoras eram esparsas, cresceram de forma desordenada, de modo que cada profissão possuía uma norma especifica. Aprimorou-se tal situação em 1943, com a unificação de todas as leis, os chefes do governo, portanto, aprovaram a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). [26]
A Carta Magna de 1946, considerada norma democrática, trouxe a participação dos empregados nos lucros, repouso semanal remunerado, estabilidade, direito de greve e demais direitos contidos em constituições anteriores.[27]
Em 1964 ocorreu a reformulação política econômica, que repercutiu imediatamente sobre as leis trabalhistas, passando a ter um caráter econômico. Surgiram várias leis, como a “Política Salarial de Governo”. Institui-se o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e o Programa de Integração Social (PIS).[28]
No tocante a Constituição de 1967 cumpre ressaltar que, manteve praticamente inalterados os dispositivos anteriores acerca de direitos trabalhistas. No entanto, dispôs sobre o trabalho rural, temporário e doméstico. [29]
No final da década de 80, entrou em vigor a atual Carta Magna. Incluíram-se nesta, dispositivos sobre: direitos individuais e tutelares do trabalho; relações sindicais; direitos de greves; regularização de trabalhadores em colegiados e a determinação da eleição de um empregado, em empresas com mais de 200, para facilitar entendimentos para com o empregador. [30]
Partindo dessa premissa, Maria Aparecida Alkimin acrescenta:
“A Constituição Federal de 1988, inspirada nos documentos internacionais que exaltaram a dignidade humana disciplinou os chamados direitos e garantias individuais, contemplando a valorização da pessoa humana, protegendo seus direitos da personalidade como a vida, integridade, intimidade, liberdade, através do poder-dever do Estado em reprimir as lesões ou ameaças de lesões, a par da garantia dos direitos sociais que também contemplam a valorização da pessoa humana.”[31]
Atualmente, a legislação trabalhista impera com caráter rígido, no intuito de proteger o empregado. Rigidez esta que se traduz, por intermédio de sanções penais, multas e prisões, contra aqueles que infringirem o arcabouço jurídico.[32]
É oportuno discorrer que, a atividade legislativa é um processo contínuo. O Congresso Nacional e o Executivo permanentemente estão analisando matérias do Direito do Trabalho, devido ao dinamismo apresentado. Atualmente, há inúmeros projetos em andamento, com finalidade de modernizar a legislação pertinente. [33]
Adiciona-se que, com o advento da Constituição o direito arraigou-se na dignidade humana, de forma que para a elaboração dessa ciência é necessário se ater totalmente aos seus ditames limitadores.[34]
Percebe-se que, cada Constituição contribuiu, na medida do possível, com a evolução do Direito do Trabalho no Brasil. Um dos grandes passos ocorreu no ano de 1943, quando se unificou os direitos trabalhistas na denominada Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a qual tem aplicação até nos dias de hoje. Mais tarde, a atual Carta Magna concedeu ao homem o direito essencial do Trabalho, bem como o elevou como fundamento de toda a ordem constitucional. O homem, portanto, têm direitos a serem respeitados tanto na condição de operário, quanto na de ser humano.
2.4 OS REFLEXOS DA GLOBALIZAÇÃO NAS RELAÇÕES DE EMPREGO
O cenário econômico da atualidade revela uma questão que afeta as relações de emprego, vez que é composto por empresas, com âmbito de atuação a nível internacional, que busca o lucro a qualquer custo, ainda que para tanto seja necessário o sacrifício das condições dignas de trabalho. Diante da concorrência acirrada e da luta para se destacar no mercado, as empresas têm investido muito capital em tecnologias, de forma a aprimorar a capacidade produtiva e reduzir custos, ocasionando, em muitos casos, a substituição do trabalho humano pela máquina.
A globalização da economia estreitou os laços entre os países do globo, o que de antemão afetou as relações trabalhistas, vez que não há mais fronteiras para circulação de bens, mercadorias e trabalhadores. Além do mais, o avanço tecnológico e as inovações nos sistemas de comunicação contribuíram para uma nova realidade.[35]
As organizações empresariais estão obrigadas a se adaptarem ao novo ditame global, enxugando os gastos excessivos, ou seja, os provindos do capital humano.[36] Aos trabalhadores exige-se mais agilidade, mentes abertas às mudanças em curto prazo, aptidão para assumir riscos permanentemente, dependência mínima de leis e métodos formais.[37]
Deste modo, percebe-se que as empresas preocupam-se cada vez mais em investimentos tecnológicos, aumento de produtividade e redução de custos, tornando seus ambientes internos passivos de concorrências entre trabalhadores, pela vaga do emprego. Revela-se assim, no ambiente de trabalho, um local desagradável, e que representa um campo fértil para a empregadora, no uso do seu poder diretivo, exigir muito mais do seu capital humano, sob pena de ser demitido. Empregados humilhados preferem, muitas vezes, suportar toda a pressão existente em seus locais de trabalho, do que encarar o desemprego.
A globalização representa fruto da 3º Revolução Industrial ou Revolução Tecnológica (substituição do homem pela máquina) que trouxe a competitividade acirrada entre as empresas, prevalecendo quem oferece o produto com menor custo e melhor qualidade. Com isso, há redução de mão-de-obra, gerando desemprego estrutural. As grandes empresas, por vez, ditam as ordens para os países subdesenvolvidos, estes por não possuírem tecnologia de ponta, têm dificuldades de competir internacionalmente.[38]
Compete dizer que ela abarca melhorias nas condições sociais e econômicas do país, uma vez que fortalece as empresas, criando oportunidades de crescimento e competitividade no mercado internacional.
A concorrência, por vez, é benéfica para consumidores, por este motivo deve ser estimulada, no entanto, é mister que seja bem administrada, para inibir esmagamento das pequenas empresas. Ademais, numa outra vertente, tem o lado prejudicial, vez que dividiu a sociedade entre incluídos e excluídos, desse modo, agravou a desigualdade social.[39]
Neste contexto, Maria Aparecida Alkimin menciona:
“A violência da vida moderna que mais assombra e que constitui em flagrante atentado à dignidade humana e à garantia de exercício pleno dos direitos fundamentais é a chamada violência estrutural ou institucionalizada, ou seja, aquela baseada em fatores socioeconômicos, institucionais, culturais bem como fruto da explosão demográfica, desintegração social, influência dos meios de comunicação de massa, da globalização sem fronteiras e sem respeito às diferenças, que amplia as desigualdades e enaltece a miséria, causando mal-estar coletivo e enfraquecimento das instituições públicas, revelando-se também, a violência estrutural em forma de atentado à criança com a exploração do trabalho infantil, às mulheres, negros, trabalhadores que são discriminados, condições de vida indigna- baixos salários, desemprego, etc., que levam a miséria e até a criminalidade, como forma de repressão ou defesa dos oprimidos pela desigualdade e desequilíbrio estrutural, enfim, são as violências que integram o contexto da vida moderna.”[40]
Diante da realidade atual, evidencia um enfraquecimento do poder soberano dos Estados nacionais, vez que por um lado, os países precisam de investimentos tecnológicos trazidos pelas multinacionais, e, por outro lado, cada vez mais, essas grandes organizações ditam suas próprias legislações, afastando, de certo modo, regulamentação estatal, como por exemplo: acordos coletivos de trabalho, celebração de contratos internacionais arraigados em costumes do comércio internacional, nomeação de arbitragem como forma de resolução de conflitos e etc.[41]
Neste sentido, apresenta-se a SA 8000 (Grupo Social Accountability), norma Internacional de responsabilidade social, com finalidade de conjugar o mercado e a dignidade humana, podendo tornar-se um passaporte para a era da globalização. Trata-se de um certificado obtido pela empresa, por intermédio de uma entidade credenciadora competente, atestando que a organização encontra-se em conformidade com os requisitos voltados ao respeito dos direitos humanos fundamentais e direitos dos trabalhadores.
Os requisitos em comento se resumem na proibição de trabalho infantil; na proibição de trabalho escravo; na preservação da saúde e segurança; na garantia de liberdade associativa e no direito à contratação coletiva; na proibição de discriminações; na proibição de procedimentos disciplinares; no horário de Trabalho não superior a 48 horas semanais; no critério de retribuição, na remuneração suficiente; e, na adoção de um sistema de gestão de responsabilidade social, o qual garanta o cumprimento de todos os requisitos supracitados. Não obstante, esta certificação ordena que as empresas exijam de seus fornecedores os referidos critérios, formando assim uma cadeia que beneficia os trabalhadores, de modo que, os mesmos realmente tenham seus direitos observados.[42]
Este fato demonstra que as organizações multinacionais preocupam-se com o ser humano na sua essência, e a par disso ditam padrões a serem seguidos por aqueles que têm interesses em possíveis relações comerciais. Muitas vezes, não significa um custo maior, mas sim uma visão diferente, aquela voltada para a valorização das pessoas. Certamente, uma organização nesses parâmetros adquire uma boa imagem diante da sociedade, o que atrai compradores, investidores, como também candidatos qualificados ao emprego.
Dentro desse prisma, o Estado deverá reorganizar-se, compatibilizar as normas de Direito do Trabalho conforme os propósitos sociais trazidos pela globalização, sendo que cabe a este ramo da ciência somente produção de benefícios aos trabalhadores.[43] Agindo assim, contribui com o desenvolvimento econômico almejado, criando oportunidades de crescimento para as empresas, tornando-as mais competitivas no mercado internacional, consequentemente prolifera-se oportunidades de empregos e desperta interesses de investidores.
Nesse particular, traz-se o instituto da flexibilização com finalidade de adequar as mudanças econômicas, tecnológicas, sociais ou políticas entre a organização empresarial e trabalhadores, ou ainda, adequar o direito à realidade. Não se trata de desregulamentação, mas sim de um intervencionismo estatal minimizado.[44]
É de bom alvitre trazer que, a Constituição da República Federativa do Brasil[45] de 1988 se preocupou e instituiu várias formas de flexibilização, tais como: a redução dos salários mediante convenção ou acordo coletivo (artigo 7º, VI); compensação ou redução da jornada por meio de acordo ou convenção coletiva (artigo 7º, XIII); aumento da jornada ininterrupta nos turnos ininterruptos de revezamento para mais de 6 horas diárias, por intercessão de negociação coletiva ou acordo coletivo de trabalho (artigo 7º, XIV)[46]. Cabe ainda, a participação nos lucros como outra modalidade de flexibilização, na qual o empregado participa democraticamente na gestão da organização empresarial e dos resultados positivos, no entanto, ressalta-se que a mesma é celebrada por acordo ou convenção coletiva.[47]
Observa-se, todavia, que as flexibilizações permitidas no Direito do Trabalho brasileiro exigem a hábil e efetiva presença sindical. Assim, convém pronunciar que, há necessidade dessa entidade ser fortalecida, para poder intermediar nas negociações e não simplesmente deixar no livre arbítrio das partes.
Na sequência, abordar-se-á acerca do contrato de trabalho, momento em que as partes estipulam as condições predominantes no pacto, as quais necessariamente devem atender as disposições legais e as exigências do mercado concomitantemente.
2.5. O CONTRATO DE TRABALHO
A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT)[48], em seu artigo 442[49], define contrato de trabalho como um acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego. No entanto, há uma distinção entre contrato de trabalho e contrato de emprego, como explicação seguinte.
Convém apontar que, a expressão contrato de trabalho tem caráter genérico, pois envolve todas as relações jurídicas centradas numa obrigação de fazer consubstanciada em labor humano. Ademais, a relação de emprego, do ponto de vista técnico-jurídico, é uma espécie da primeira e refere-se apenas ao trabalho subordinado do empregado em relação ao empregador. No entanto, do ponto de vista econômico-social a relação de emprego constitui a modalidade mais importante dos últimos anos da relação de trabalho. Em razão disso, justifica-se a utilização da expressão relação de trabalho para indicar relações, institutos e normas concernentes à relação de emprego especificamente.[50]
No entendimento de Sérgio Pinto Martins, contrato de trabalho “é o negócio jurídico entre uma pessoa (empregado) e uma pessoa física ou jurídica (empregador) sobre condições de trabalho”. Acrescenta ainda que, representa um pacto de atividade, com as seguintes características: deve haver continuidade na prestação de serviços, por vez devem ser remunerados e administrados por aquele que detém a referida prestação. Demonstra-se, portanto, a existência de um acordo de vontades. [51]
Os elementos essenciais (jurídico-formais) do contrato de trabalho se resumem em: capacidade das partes (aptidão reconhecida no Direito do Trabalho para o exercício da vida laborativa); licitude do objeto (objeto lícito); forma regular ou não proibida; forma e prova (o elemento forma cumpre no Direito do Trabalho o papel de provar os atos); higidez de manifestação da vontade (é imprescindível a ocorrência de livre e regular manifestação de vontade, pelas partes contratuais, para que o pacto tenha validade).[52]
Francisco Antônio de Oliveira adverte:
“O contrato de trabalho tem por sua própria natureza (produção) vocação de continuidade. O trabalhador deverá estar identificado com os objetivos empresariais e receber idêntica retribuição. No decorrer dos anos, o empregado se traduz em um dos elementos vitais da produção e deverá ser preservado pelo empregador. Da sua preservação dependerá em muito o equilíbrio do negócio em termos de produtividade e de produção”.[53]
A natureza jurídica do contrato de trabalho é entendida como contratual. A razão disso se concentra na sua constituição, ou seja, nas cláusulas convencionadas, que têm reciprocidade de direitos e obrigações entre as partes envolvidas.[54]
Tem-se como objeto do contrato em tela a prestação de serviço subordinado, mediante remuneração. Assim, afirma-se que a prestação laboral realizada de maneira eventual ou ainda autônoma não o caracteriza.[55]
É de suma importância a interação entre as partes para um bom desenvolvimento do que foi acordado. É necessário que as cláusulas sejam aplicadas corretamente, para que nenhuma das partes venha a sofrer lesão de direitos e, consequentemente, desempenhar as obrigações inerentes ao pacto com desmotivação.
2.5.1. Sujeitos
As partes integrantes da relação de emprego são compostas, de um lado pelo empregador, com poder diretivo, e do outro pelo empregado, que está constantemente subordinado às ordens da empresa.
Assim, a Consolidação das Leis Trabalhistas conceitua nos artigos, 2º e 3º, os sujeitos do contrato de trabalho:
“Art. 2º – Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
Art. 3º – Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”.
É de grande relevância para o Direito do Trabalho a definição de empregador e empregado, vez que o primeiro é o devedor das prestações sociais-assistenciais, bem como é a figura central do poder hierárquico inerente às empresas e o segundo é o destinatário das leis trabalhistas. [56]
Nessa mesma seara, Maria Aparecida Alkimin avigora que, tanto o empregado quanto o empregador ao estabelecerem um vínculo empregatício, tornam-se credores e devedores, concomitantemente. De modo que, o crédito daquele coincide com o débito deste. Assim, o objeto imediato de interesse do empregador é a prestação de serviço e o de interesse do empregado é o pagamento do salário.[57]
As obrigações, de dar e de fazer, desdobram-se entre eles, por um lado o empregador se responsabiliza em dar a remuneração, outras verbas como: vale-transporte, alimentação, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e etc., responsabiliza-se em determinadas obrigações de fazer como assinatura e atualização na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), emissão de Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT). Por outro lado, o obreiro se reveste da obrigação de fazer, que é a prestação de serviços e de dar, que é o caso do trabalhador incumbir-se na obrigação de devolver as ferramentas de trabalho ao final do expediente.[58]
No entanto, ao empregador é incumbido o dever de atuar com boa-fé, observar normas de segurança e higiene do trabalho, não discriminar e respeitar as invenções do trabalhador. No tocante ao empregado, cabe-lhe exercer a função pela qual foi contratado, atuando com boa-fé, diligência, fidelidade, assiduidade, colaboração e se sujeitar à revista quando não vexatória. [59]
Oportuna-se apresentar o artigo 422 do Código Civil que expressa que: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.[60]
Ante o exposto, verifica-se que, a legislação se preocupou em disciplinar as relações laborais, tanto na fase contratual, quanto na pós- contratual. Por vez, a boa-fé que norteia os contratantes apresenta arraigada nos princípios civilistas, os quais designam o agir pautados nos padrões éticos, corretos, honestos e sem intenção de prejudicar. “As partes dos contratantes têm o dever de cooperar entre si, fazendo o que estiver em seu alcance para que a outra parte atinja os objetivos desejados”.[61]
O empregador, por um lado, carece de profissional capacitado para atuar no mercado e o empregado, por outro, precisa de emprego para prover sua sobrevivência. Assim, unindo as necessidades, a empresa precisa valorizar seus empregados, formando cidadãos dentro e fora de seu ambiente, disponibilizando a eles os direitos já garantidos e proporcionando o bem estar, a fim de que exerçam suas funções com respeito e fidelidade, o crescimento mútuo é o ponto-chave para esta concretização.
2.5.2. Requisitos
Os requisitos são condições essenciais para que se configure determinada situação jurídica. Neste aspecto, na relação de emprego eles também estão presentes, os quais serão brevemente abordados.
A configuração jurídica do contrato de trabalho ocorre se presentes os cinco requisitos indispensáveis, são eles: a pessoalidade, a onerosidade, a continuidade, a alteridade e a subordinação.[62]
A condição da pessoalidade determina que o contrato de trabalho somente poderá ser exercido por pessoa física e ainda pessoalmente, assim sendo, trata-se de contrato intuitu personae. Não obstante, o contrato é infungível, haja vista que o empregado não poderá substituir-se por outro, por assim formar uma nova relação de emprego.[63]
No que tange a onerosidade, diz-se que toda relação de emprego é remunerada.[64] O trabalhador necessita do fruto do seu trabalho, ou seja, o salário, para prover seu próprio sustento.[65]
No tocante a continuidade significa afirmar que, necessariamente, a prestação de serviços deve ser de forma contínua. Assim, prestações esporádicas e eventuais não caracterizam a pessoa do empregado.[66]
A alteridade exige que o empregado labore por conta alheia, ou seja, não poderá sofrer prejuízo pela execução do trabalho, vez que cabe ao empregador ostentar o risco da atividade.[67]
O quesito da subordinação profere que o trabalhador deve exercer a atividade sob dependência do empregador. No entanto, trata-se de subordinação jurídica, por resultar de um contrato, no qual é estipulado seu fundamento e seus limites.[68]
Neste âmbito, existem quatro teorias que explicam e caracterizam a subordinação, são elas: dependência econômica, o trabalhador está subordinado ao empregador por pretextos econômicos (salário); dependência técnica: a subordinação existente é oriunda de diretrizes traçadas pelo empregador no que concerne a técnica de produção; dependência hierárquica: a subordinação consiste no fato do empregador ditar as ordens e o empregado obedecê-las; dependência social: baseia-se nos critérios da dependência econômica e dependência hierárquica.[69]
Como dito, os requisitos supracitados caracterizam a relação de emprego. Vale dizer que, especificamente em face da subordinação colocada ao empregado, insurge como conseqüência, o poder diretivo do empregador, por ser ele quem assume o risco da atividade econômica e conduz a prestação do serviço.[70]
Contudo, mesmo que não há a formalidade contratual, mas evidencia-se na prática certa situação fática, a qual abarca todos os requisitos citados, configura-se a relação de emprego, derivando-se então todo o rol de direitos trabalhistas em prol do trabalhador.
2.5.3. Características
O contrato empregatício se individualiza por conter em seu âmago alguns propósitos, eis que neste tópico serão brevemente explanados.
É de relevância, portanto, mencionar que as características do pacto laboral, estendem-se aos aspectos: pessoal, patrimonial e misto. Na primeira, há o dever de fidelidade entre as partes, o empregado deve ser pontual e dedicado ao serviço e abster-se de agir com intuito de prejudicar a empresa, por vez o empregador não poderá tratar o operário como escravo, mercadoria. No âmbito patrimonial, é certo que ambas as partes almejam fins econômicos. Deste modo, justifica-se o aspecto misto.[71]
Destaca-se pela ausência de formalismo, ao contrário de alguns contratos no âmbito comercial, vale a primazia da realidade, tanto que poderá ser tácito ou expresso, como demonstra o dispositivo legal da CLT: “Art. 443 – O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito e por prazo determinado ou indeterminado”
Embora a norma legal conceda tal possibilidade, o mais adequado e o mais seguro é o realizado na forma escrita, no qual as partes estipulam todas as condições pertinentes, inibindo lacunas passiveis de discórdias.[72]
No que compete ao prazo, poderá ser determinado ou indeterminado. No primeiro, as partes pré ajustam a data do término, a qual não poderá exceder a dois anos, porém esta modalidade não se aplica em toda e qualquer situação, utiliza-se nos seguintes casos: a natureza ou transitoriedade justificar a predeterminação (serviços breves, temporários), a atividade empresarial possuir caráter transitório (estabelecimentos que exploram determinada atividade diversa da normal, para atender uma demanda do mercado, tais como: fabricação de ovos de páscoa, panetones) ou em contrato de experiência. No segundo, isso não ocorre, o que não significa ser eterno, mas sim que perdura no tempo.[73]
Considerando a dinamicidade da atualidade, as necessidades podem ser alteradas. De repente, o que foi firmado no início tende a partir para outro rumo. Assim, foram normatizadas possibilidades de modificações das regras contratuais, assunto do próximo esboço.
2.5.4. Alterações Contratuais
Como explanado, o contrato de trabalho é fruto da concordância de vontades entre empregado e empregador. Todavia, são permitidas determinadas alterações. Para tanto, resta-se informar que se coíbem mudanças que venham representar prejuízo ao operário. Neste entendimento, destacam-se as palavras de Aluísio Henrique Ferreira:
“Somente será possível a alteração de condições contratuais, sejam elas tácitas ou expressas, oriundas do pacto laboral ou do regulamento de empresa, mediante o mútuo consentimento das partes, isto é, deve haver a concordância tanto do empregador como do empregado, e desde que – mesmo havendo recíproca concordância –, não resulte em prejuízo direto ou indireto ao empregado, sob pena de nulidade.”[74]
Existem dois princípios que fundamentam o instituto da alteração, são eles: o Princípio da Alterabilidade Bilateral do Contrato (as partes, em comum acordo, estipulam inovações em determinadas cláusulas na vigência do pacto laboral) e o Princípio da Inalterabilidade do Contrato (as alterações permitidas devem-se ater às normas legais ou do poder Direito do empregador).[75]
A Consolidação das Leis Trabalhistas estabelece alguns dispositivos autorizando o empregador promover modificações no contrato de trabalho, tais como: mudança do local de trabalho desde que não se caracterize a transferência, ou seja, que não haja a mudança de domicílio; transferência para localidade diversa da qual resultar do contrato no caso do empregado que exerça cargo de confiança; transferência quando ocorrer extinção do estabelecimento em que trabalhar o empregado; transferência do empregado para localidade diversa da qual resultar do contrato, desde que decorra da necessidade do serviço, sob pagamento suplementar, nunca inferior a 25% do salário.[76]
As despesas decorrentes de transferências correrão por conta do empregador.[77]
Em suma, a legislação permite a ocorrência de alterações específicas no contrato de trabalho. No entanto, é imprescindível que sejam realizadas obedecendo alguns critérios, a fim de que sejam válidas, são eles: não resultar prejuízo ao obreiro e possuir a anuência do mesmo. É de valia reforçar que, cabe à organização empresarial arcar com as despesas provenientes de possíveis transferências.
2.5.5. Extinção
Extinguir o contrato de trabalho é o momento em que a relação de emprego chega ao fim, por ora a empregadora deverá apurar os saldos rescisórios e efetuar o devido pagamento ao trabalhador, cessando-se assim, as obrigações entre as partes contratantes.
Na doutrina de Mozart Victor Russomano encontram-se as possibilidades que cessam o vínculo contratual, são elas: mútuo consentimento entre as partes, morte do trabalhador ou do empregador (empresa constituída em firma individual), motivo de força maior (ocorrência de evento irresistível que abala profundamente a estrutura econômica da empresa e o empregador em nada concorreu, nem direta, nem indiretamente), sentença do juiz (nos casos de estabilidade), aposentadoria irrevogável, decurso do prazo (contrato por prazo determinado) ou ainda rescisão unilateral.[78]
É importante destacar que a extinção do pacto laboral, de antemão, provoca efeitos marcantes na sociedade, pois, na possibilidade do empregado não estar preparado, além do desemprego, ocorre desaceleração da economia local, uma vez que o operário não portará mais o salário para fazer girar o mercado de consumo, aumentando-se, portanto, as probabilidades de inadimplências. Neste aspecto, justifica-se toda a proteção legal pertinente a cada modalidade de extinção supracitada, citam-se como exemplos: o aviso prévio, o seguro desemprego, a multa do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, os quais são devidos ao obreiro nas hipóteses de despedidas arbitrárias.
3. O PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR
No presente capítulo, discorrer-se-á acerca do poder diretivo do empregador, abordando sua subdivisão em poder de disciplinar, de organizar e controlar. Por conseguinte, tratar-se-á do preceito da proporcionalidade e do jus resistentiae.
3.1. CONCEITO
A expressão poder contextualizada equivale ao domínio do pacto empregatício conferido ao empregador, o qual é portador de uma gama de prerrogativas, dentre elas, a administração e a organização da atividade empreendida. Deste modo, ao ser firmado um contrato, o trabalhador acata as determinações impostas pela empregadora.
Convém ressaltar que o poder diretivo é determinado por lei, cabendo ao empregador ditar as ordens na relação de trabalho e assumir os riscos da atividade empresarial.[79] O fundamento legal do poder de comando encontra-se previsto na Constituição Federal, especificamente no direito de propriedade, artigo 5º, XXII. A par disso, Maria Aparecida Alkimin ensina:
“O poder de direção tem fundamento no direito de propriedade (CF/88, art. 5º, XXII), pois, como ao empregador incumbe arcar com os riscos do empreendimento, a ele compete organizar as atividades laborativas de modo a zelar e proteger o patrimônio empresarial, razão pela qual justificável a fiscalização das atividades do empregado, cuja fiscalização ou vigilância recai sobre as atividades e até mesmo sobre a pessoa do empregado […].”[80]
Para Mauricio Godinho Delgado o poder diretivo do empregador conceitua-se como “conjunto de prerrogativas tendencialmente concentradas no empregador dirigidas à organização da estrutura e espaço empresariais internos inclusive o processo de trabalho adotado no estabelecimento e na empresa”.[81]
Em Orlando Gomes e Elson Gottschalk, encontram-se os seguintes esclarecimentos:
“Este poder é conferido ao empregador para alcançar uma boa organização do Trabalho na empresa. O seu exercício, assim, não se justificaria se fosse, verbi gratia, utilizado com fins persecutórios ou por mero capricho. Tratar-se-ia, então de um desvio de finalidade, reprovado pela ordem jurídica.”[82]
Não obstante, este poder não se limita apenas ao de organizar, mas também de controlar e disciplinar o trabalho, conforme os fins do empreendimento empresarial. [83] Abarca a organização, o controle e a disciplina do trabalho realizado pelo empregado e permanentemente devem ser respeitados o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e os direitos fundamentais dos trabalhadores.[84]
Ademais, Mozart Victor Russomano aponta que, o poder diretivo do empregador decorre de fatos sociais, históricos e econômicos, arraigados e restritos à lei. Assim, o empregador está incumbido na missão de organizar sistematicamente o ambiente de trabalho e disciplinar os empregados. Demais disso, não está o empregador apto a dar ordens que excedam os perímetros legais e, ao mesmo tempo, não está obrigado o empregado a cumpri-las.[85]
Considerando o que foi apresentado entende-se que, esta atribuição ao empregador tem por meta a condução da atividade empresarial e da organização de regras e técnicas que o subordinado deve seguir. Representa uma parcela de colaboração trazida pela legislação para fazer valer os direitos sociais do trabalho, uma vez que incumbe ao Estado o dever de criar prestações positivas para proliferar empregos. Desta sorte, a empregadora também se encontra protegida pelo poder estatal, devido à importância que tem diante de toda a sociedade.
Por fim, o poder diretivo é exteriorizado por três principais modos, são eles: poder de disciplinar, poder de organização e poder de controle,[86] os quais serão na sequência explicados.
3.2. PODER DE DISCIPLINAR
O poder disciplinar é o responsável por conceder ao empregador a liberdade de aplicar sanções ao obreiro, na hipótese do descumprimento de determinada obrigação decorrente do contrato laboral.
De início, o Maurício Godinho Delgado define poder disciplinar como, “o conjunto de prerrogativas concentradas no empregador dirigidas a propiciar a imposição de sanções aos empregados em face do descumprimento por esses de suas obrigações contratuais.” [87]
A propósito, aponta-se como beneficio do empregador para estipular ordens na empresa, de modo que, se não cumpridas, consequentemente podem gerar penalidades ao empregado, haja vista que, o trabalho deste deve ser exercido com disciplina e respeito ao patrão. [88]
Neste afã, o poder disciplinar tem aplicação quando não são observados os deveres de obediência, diligência ou fidelidade do empregado em face do empregador.[89]
Sérgio Pinto Martins ensina que, o poder disciplinar divide-se nas seguintes teorias: negativista, que aclara ser o Estado detentor do poder de punir e não o empregador; civilista ou contratualista, que explana ser este poder decorrência do contrato de trabalho; penalista, estabelece estar à pena restrita apenas aos empregados no ambiente laboral; e a administrativa que esclarece ser conseqüência do poder de direção do empregador. Contudo, faz-se necessário sua aplicação com boa-fé, vez que tem função pedagógica. Sendo assim, se utilizado em desconformidade com os fins, configura-se excesso ou abuso de poder.[90]
Ademais, Amauri Mascaro Nascimento leciona que, o poder disciplinar se apresenta de duas formas: a estatutária, quando as regras disciplinares estão contidas em regulamentos empresariais; a convencional, quando provindas de acordos ou convenções coletivas. No entanto, nenhuma delas poderá afrontar as normas legais, sob pena de incorrer em abuso de direito. E ainda, esse poder está submetido a controle, tanto do Judiciário ou do Ministério do Trabalho (controle estatal), quanto pelo próprio quadro pessoal da empresa (controle não-estatal).[91]
Neste âmbito, dispõe Marlon Marcelo Murari:
“O que não é admitido, sob hipótese nenhuma, é a utilização de medidas punitivas que atentem contra a dignidade do empregado, representando ofensa a sua honra ou aos direitos fundamentais assegurados. Evidente que os princípios e regras constitucionais incidem sobre o plano empregatício, de forma a limitar atitudes que possam prejudicar a individualidade dos empregados.”[92]
Destarte, a exteriorização das medidas disciplinares é realizada por meio de advertências (verbal ou escrita), suspensões disciplinares e rescisões contratuais por justa causa.[93] Contudo, não poderá sofrer sanção de multa, salvo se exercer profissão de jogador de futebol.[94]
A advertência, como o próprio nome diz, é uma maneira de advertir o funcionário pelo cometimento de determinada falta, trata-se da penalidade mais branda, por vez o empregado não sofre prejuízos salariais e nem deixa de trabalhar. Já no tocante a suspensão, a própria Consolidação das Leis Trabalhistas impõe a penalidade com prazo máximo de 30 dias e, caso extrapolado, caracteriza dispensa sem justa causa, vindo a assegurar ao trabalhador todos os direitos de rescisão contratual, provindos dessa modalidade.[95]
Neste sentido, a suspensão poderá ser de 1, 2, 5, 20, 30 dias, dependendo da falta cometida. No período em que o empregado estiver suspenso, o empregador não pagará o salário e nem computará o tempo de serviço. Em se tratando de empregado estável, a suspensão poderá ser aplicada para apuração de falta grave. Também será suspenso o trabalhador que atentar contra a segurança nacional. [96]
No que tange a justa causa, afirma-se que é utilizada para punir falta grave do funcionário. Diante disso, para sua efetivação é imprescindível atender alguns requisitos, são eles: previsão na lei, abalo de confiança da relação de emprego, nexo causal entre a falta e a dispensa, proporcionalidade entre a falta cometida e a punição, a aplicação da sanção deve ser imediata, ou seja, logo após o empregador ter conhecimento do ato falto. Assim, o artigo 482 da Consolidação das Leis Trabalhistas traz um rol taxativo dos motivos ensejadores[97]:
“Art. 482. Constituem justa causa para rescisão do contrato de Trabalho pelo empregador:
a) ato de improbidade;
b) incontinência de conduta ou mau procedimento;
c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço;
d) condenação criminal do empregado, passada em julgamento, caso não tenha havido suspensão da execução da pena;
e) desídia no desempenho das respectivas funções;
f) embriaguez habitual ou em serviço;
g) violação de segredo da empresa;
h) ato de indisciplina ou de insubordinação;
i) abandono de emprego;
j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
k) ato lesivo da honra ou boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
l) prática constante de jogos de azar.
Parágrafo único. Constitui igualmente justa causa para dispensa de empregado a prática, devidamente comprovada em inquérito administrativo, de atos atentatórios à segurança nacional.”
Para melhor compreensão, explicam-se brevemente as alíneas do artigo supracitado. Desta forma, o ato de improbidade é caracterizado pela jurisprudência, como atentado contra o patrimônio do empregador, de terceiros ou ainda companheiros de trabalho.[98]
A incontinência de conduta ou mau procedimento refere-se ao modo de ser do empregado e suas relações para com terceiros, ou seja, conduta anômala diante da sociedade em geral.[99] Enquanto que na incontinência a falta do empregado está associada ao desregramento à vida sexual dentro da empresa, cometendo assédio sexual, atos obscenos, sem reciprocidade da outra parte; no mau procedimento tem-se ato faltoso não enquadrado em nenhuma das demais alíneas do artigo 482.[100]
A negociação habitual está relacionada a atos freqüentes do empregado, não autorizados pelo empregador, implicando em concorrência para a atividade empregadora ou, alternativamente, atrapalhando o desempenho e rendimento dos serviços.[101]
A condenação criminal transitada em julgado enseja justa causa, haja vista ser impossível o réu permanecer cumprindo as exigências do contrato de trabalho. A fase recursal não caracteriza esta modalidade de rescisão. Sobre a suspensão da execução da pena, quando não houver privação de liberdade, não há motivo para rescindir o pacto laboral.[102]
A desídia calha quando o empregado trabalha repetindo atos indicativos de ineficiência ou diligência, portanto, não se caracteriza com faltas isoladas. No entanto, em se tratando de desídia grave e proposital, a justa causa é caracterizada ainda que de fato isolado.[103]Trata-se de falta culposa, relacionada à negligência, tais como: atrasos, ausências, produção imperfeita, dentre outras.[104]
A embriaguez habitual ou em serviço, refere-se ao consumo de álcool ou a tóxicos, na qual o empregado comete tal atitude dentro do ambiente de trabalho e se embriaga. É de relevância frisar que apenas o ato de ingerir bebida alcoólica e não embriagar não caracteriza a justa causa. Ela se justifica como motivo de rescisão contratual devido ao fato do ébrio gerar uma desarmonia no ambiente interno da empresa, não produzir o necessário, apresentar mais probabilidade de prejuízos e até acidentes.[105]
A violação do segredo da empresa rompe o elo de confiança que deve ligar o empregado e o empregador. Considerando que a fidelidade é dever primordial ao exercício de qualquer atividade, sua transgressão, portanto, enseja motivo suficiente para justa causa do pacto laboral.[106]
O ato de indisciplina ocorre quando o empregado descumpre as ordens gerais do serviço, ou aquelas dadas pelo empregador, descritas no regulamento da empresa, nas circulares, entre outras. Como também ocorre indisciplina quando o empregado recusa-se a realizar revista na saída da empresa, desde que sejam moderadas.[107]
O abandono de emprego ou a ausência reiterada do empregado enseja a justa causa. No entanto, faz-se necessário a presença do animus abandonandi. No que tange a faltas injustificadas por mais de 30 dias consecutivos a caracteriza, pelo fato de ocorrer o elemento objetivo, que é a ausência prolongada.[108]
No que se refere ao ato lesivo à honra ou a boa fama, afirmar-se que originam da injúria, da calúnia e da difamação, como também a lesão física praticada contra o empregador, superiores hierárquicos ou qualquer outra pessoa. A legítima defesa própria ou de outrem, exclui a hipótese de justa causa, cabendo ao empregado prová-la,[109] porém faz-se necessário reagir com moderação. Configura-se mesmo fora do ambiente laboral, em se tratando da pessoa do empregador ou superior hierárquico.[110]
A prática de jogos de azar deve ser constante, ou seja, deve haver habitualidade, práticas isoladas não a configuram. É indispensável a informação se o jogo envolve ou não dinheiro. Na hipótese de ser realizada fora do horário de trabalho, como no intervalo para refeição, que não gera prejuízos para a empregadora não se justifica a justa causa. Exemplifica-se com: jogo do bicho, loterias, bingo, dominó, rifas não autorizadas dentre outras.[111]
Aliás, existem outros motivos ensejadores de dispensa por justa causa, tratados pela legislação vigente, nos quais há cometimento de falta grave, tais como: o não uso pelo funcionário de equipamentos de proteção individual fornecido pela empresa (artigo 158,§ único CLT), a recusa injustificada pelo maquinista, em casos de urgência ou acidente, para Trabalhos extraordinários (artigo 240 CLT); o aprendiz que não aproveita o curso de aprendizagem (artigo 432 CLT), bancário que omite o pagamento de dívidas (artigo 508 CLT) e etc.[112]
Convém apontar que, ao empregador é cedido o direito de fazer uso de qualquer uma delas, conforme a ocorrência da falta cometida. No entanto, é mister que se paute nos princípios da boa-fé, da razoabilidade e do bom-senso. Para tanto, não se admite o rebaixamento, a transferência, a redução e muito menos a redução salarial como forma de punição.[113] É vedado mais de uma punição pelo mesmo ato faltoso, ou seja, non bis in idem. A falta deverá ter convexidade com o trabalho. Dependendo o caso, cabe ao empregador o ônus da prova.[114]
Por tudo o exposto, conclui-se que sempre se deve pautar na responsabilidade e na coerência em relação ao ato faltoso, observando o uso da boa-fé, da honestidade, da proporcionalidade, valores morais sem os quais a humanidade não suportaria conviver em sociedade.
3.3. PODER DE ORGANIZAÇÃO
A organização engloba tanto a ordem econômica, quanto a social do estabelecimento empresarial, cabe ao empregador determinar as normas a serem seguidas pelo quadro de pessoas. È incontestável que o trabalho em equipe seja desenvolvido de maneira organizada e coordenada nos moldes de algum plano de conjunto já pré-estabelecido.
O poder de organização do empregador abarca a coordenação da atividade do empregado, fatores produtivos, organização social e econômica da empresa, de modo que a unidade empresarial cumpra as diretrizes propostas e alcance a real finalidade.[115]
Nesta quadra, Sérgio Pinto Martins acrescenta que, esse poder decorre do Direito de propriedade do empregador. Cabendo a este, para tanto, definir a atividade (agrícola, comercial, entre outras), a estrutura jurídica, o número de funcionários, os cargos, horário, local, e ainda, a elaboração de regulamento de empresa.[116]
Para Mauricio Godinho Delgado, quem o denomina de poder regulamentar, trata ser fruto da vontade unilateral do empregador (dispositivos intra-empresariais). Com isso, não tem status de norma jurídica, significando para o Direito do Trabalho, simples cláusula contratual.[117]
Obviamente, faz-se necessário a observação aos direitos fundamentais do capital humano para a aplicação das exigências pertinentes a cada atividade empresarial. São elas: uso de equipamento de segurança, utilização de uniformes, necessidade de determinados exames médicos, utilização de aparelhos celulares e emails. Caberá, portanto, uma análise específica do serviço prestado para evidenciar se houve ou não ofensa a dignidade do trabalhador.[118]
Trata-se, portanto, de políticas internas da organização empresarial, não indicam normas jurídicas, mas apenas cláusulas obrigacionais, que aderem ao contrato por vontade exclusiva do empregador. Em face desta particularidade, não possuem o condão de desconsiderar as normas legais trabalhistas, as quais representam direitos garantidos constitucionalmente.
3.4. PODER DE CONTROLE
A organização empresarial estabelece metas a serem percorridas a fim de alcançar a missão planejada. O poder de controle apresenta-se como o mecanismo legal responsável pelo monitoramento das tarefas que estão sendo desempenhadas, no intuito de ratificar sua correta implantação.
Neste aspecto, o empregador tem o direito de fiscalizar o labor, como também o comportamento do trabalhador,[119] Nas palavras de Maurício Godinho Delgado, o poder fiscalizatório, como também é conhecido o poder de controle, é conceituado como:
“Conjunto de prerrogativas dirigidas a propiciar o acompanhamento contínuo da prestação de trabalho e a própria vigilância efetivada ao longo do espaço empresarial interno. Medidas como controle de portaria, as revistas, o circuito interno de televisão, o controle de horário e freqüência, a prestação de contas (em certas funções e profissões) e outras providências correlatas é que seriam manifestação do poder de controle.”[120]
Ressalta-se que, a utilização dos meios de controle já referidos acima tem por objetivo salvaguardar o patrimônio da empresa. Além dos citados, poderá o empregador monitorar os e-mails dos seus empregados, para certificar se não são utilizados, durante o expediente, para fins pessoais. E ainda, é lícito ao empregador utilizar câmeras e microfones no ambiente de trabalho. No entanto, é expressamente vedada a utilização com intuito vexatório. [121]
Deste modo, evidencia-se que enquanto no poder de organização é determinado o modo como será desenvolvida a atividade empresarial, no poder de controle fiscaliza como está sendo executado o que foi planejado. Para tanto, é imprescindível, o respeito ao direito à vida, à liberdade, à igualdade, à privacidade e à intimidade dos empregados, por se tratarem de limites constitucionais presentes na Carta Magna de 1988, a fim de preservar a dignidade humana e os direitos fundamentais, haja vista que qualquer conduta que os viole é passível de nulidade.[122]
Neste esteio, Maurício Godinho Delgado ratifica a existência de normas impositivas no Texto Constitucional, as quais demonstram total inviabilidade jurídica a quem fazer jus de procedimentos fiscalizatórios que afrontam os direitos fundamentais, inerentes à pessoa do trabalhador. [123]
Entretanto, como já mencionado neste estudo, a realidade do mercado exige que as empresas se preparem estrategicamente para atuar e ter condições de alcançar o objetivo principal, que é um resultado positivo do empreendimento. Com o poder de controle em mãos é possível a correção de falhas e aprimoramento da trajetória dos serviços, além de formar uma equipe capacitada, comprometida com o resultado final das operações.
3.5. O PRECEITO DA PROPORCIONALIDADE E APLICABILIDADE DO PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR
O termo em evidência condiz à aplicação ideal do poder diretivo, nem a mais, nem a menos, tem que ser na medida certa.
Refere-se a um método que obsta intromissões dos poderes públicos na esfera dos direitos e liberdades públicas dos particulares. Trata-se do critério orientador para resolver lides entre direitos fundamentais em conflito, envolvendo as mais variadas relações jurídicas. Aqui, importa as relações que envolvem empregados e empregadores.[124]
Válido é o ensinamento de Aluisio Henrique Ferreira a respeito, veja:
“O empregador deve pautar-se pela proporcionalidade de suas ações, buscando sempre a justa medida de seus atos, de modo que os meios utilizados para a proteção e utilização do patrimônio de sua empresa não ultrapassem os limites de seu direito, violando a dignidade e direitos da personalidade dos empregados, o que não é tarefa fácil.”[125]
Ainda o autor enfatiza que:
“Deverá sempre ser observada a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito na utilização do poder diretivo, de forma que abusos não ocorram, e não surja uma colisão entre direito de propriedade do empregador e direitos personalíssimos do trabalhador.”
Ao contrário sensu ocorrerá abuso ou arbítrio de direito,[126] o que afronta os direitos constitucionais assegurados aos trabalhadores. Nesta quadra, é o entendimento do Tribunal Regional do Trabalho do Estado de Santa Catarina:
“DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. O princípio de que aquele que causou dano a outrem, com fundamento em ato ilícito, deve ressarci-lo do prejuízo causado, de há muito orienta os ordenamentos jurídicos. Essa obrigação decorre do escopo da preservação da paz social por meio da reparação e o retorno ao “status quo ante” do prejudicado, resguardando a dignidade humana e a boa fé contratual. Trata-se, no entanto, de medida pedagógica a ser aplicada com moderação e bom senso, atendendo às premissas da proporcionalidade e da razoabilidade, de modo a incentivar o empregador a tomar medidas para evitar a reiteração do evento danoso, não implicando recompensa ao ofendido que supere de forma exacerbada o gravame sofrido pela ocorrência ilícita. TRT-SC- RO 00008-2009-012-12-00- 7.Juíza Ligia M. Teixeira Gouvêa – Publicado no TRTSC/DOE em 16-06-2010.”[127]
A título de melhor compreensão é de importância discorrer acerca de dano moral, mesmo não sendo objeto do presente estudo, uma vez que é muito utilizado na Justiça do Trabalho. Sobre isso, calham os ensinamentos de Maria Helena Diniz, quem o define como:
“[…] ofensa a um bem material, ou um dano patrimonial indireto, que decorre de evento que lesa direito extrapatrimonial, como, p.ex., direito à vida, à saúde, provocando também um prejuízo patrimonial, como a incapacidade para o trabalho, despesas com tratamento. O direito à integridade corporal, que é um direito de personalidade, pode sofrer um prejuízo patrimonial, caso em que a lesão ao interesse patrimonial será representada pelas despesas (dano emergente) com o tratamento da vítima e pela sua incapacidade para o trabalho (lucro cessante) e, um prejuízo extrapatrimonial, hipótese em que se terá uma lesão ao interesse à incolumidade física que esse direito pressupõe que sofreu.”[128]
O artigo 186 do Código Civil de 2002 dispôs que ocorre o cometimento de dano ainda que exclusivamente moral, quando há ação ou omissão voluntária, negligência, imprudência que viola um direito. Com isso, consequentemente, nasce à obrigação de reparação.
Além disso, o empregador que transgride um direito do empregado, por dolo ou culpa, será responsabilizado no âmbito trabalhista e penal. Nesta quadra, esclarece Maria Aparecida Alkimin:
“Qualquer conduta lesiva ao patrimônio moral do trabalhador, enseja a responsabilidade trabalhista, assim como a responsabilidade civil, pois ambas as responsabilidades condizem com a obrigação de reparar o prejuízo, sendo que na responsabilidade trabalhista a reparação será de natureza trabalhista (verbas rescisórias e indenizatórias) e na responsabilidade civil (dano moral e/ ou material), sem prejuízo, ainda, da responsabilidade penal, nos casos de violências tipificadas pelo código penal, pois nullum crimen, nullo poena sine lege”.[129]
Diante do exposto, discorre-se que não é uma tarefa fácil o papel do empregador, no entanto, incumbe-lhe na obrigação de salvaguardar a saúde física e psicológica de todos os empregados na parte que lhe compete e ainda assumir os riscos da atividade econômica organizada. Caso não respeite direitos da pessoa do trabalhador, ocasionará um dano e, consequentemente, terá que arcar com indenizações cabíveis. Portanto, o melhor caminho a seguir é aquele calcado nas leis, nos bons costumes e no respeito mútuo.
3.6. O PODER DE DIREÇÃO DO EMPREGADOR EM FACE DO JUS RESISTENTIAE
O empregado é subordinado, como já explicado alhures. No entanto, esta condição não dá ensejo ao empregador de sujeitá-lo a qualquer mandamento, visto que deverá ater aos limites emanados pelo ordenamento jurídico e pelos costumes. Menciona-se que, ao proletário é cedido o direito de recusar ordens de natureza abusiva ou ilegal. Essa prerrogativa, entretanto, é denominada de jus resistetiae.[130]
Sobre isso, é de bom agrado apresentar as palavras de Victor Mozart Russomano:
“A obrigação fundamental do trabalhador é realizar as tarefas que lhe sejam confiadas pelo empresário. O descumprimento dessa obrigação constitui indisciplina, insubordinação ou desídia. Mas, o empregador não pode ir além, no uso de sua faculdade, dos limites traçados pelas normas em vigor e pelas cláusulas do contrato de trabalho. Se o fizer, o serviço não será devido pelo trabalhador e a recusa será legítima. Mais ainda: a exigência do empregador, adquirindo gravidade, constituirá despedida indireta.”[131]
Desta forma, a recusa pelo empregado de cumprir ordens ilícitas encontra-se respaldo na legislação atual (artigo 188, I, do Código Civil Brasileiro/2002), portanto, não lhe acarreta cometimento de falta. Trata-se de exercício regular de um direito.[132] Não obstante, se realizado de forma abusiva ou irregular gera a obrigação de indenizar por afrontar a boa-fé e os bons costumes.[133]
O artigo 483 da Consolidação das Leis Trabalhistas demonstra hipóteses em que o empregado poderá pedir demissão, por justa causa do empregador, pelo uso abusivo do poder diretivo:
“Art. 483. O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:
a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;
b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;
c) correr perigo manifesto de mal considerável;
d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato;
e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e da boa fama;
f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
g) o empregador reduzir o seu Trabalho, sendo este por peça ou tarefa,
§ 1º O empregado poderá suspender a prestação dos serviços ou rescindir o contrato, quando tiver de desempenhar obrigações legais, incompatíveis com a continuação do serviço.
§ 2º No caso de morte do empregador constituído em empresa individual, é facultado ao empregado rescindir o contrato de Trabalho.
§ 3º Nas hipóteses das letras “d” e “g”, poderá o empregado pleitear a rescisão de seu contrato de Trabalho e o pagamento das respectivas indenizações, permanecendo ou não no serviço até final decisão do processo.”
Nos moldes da explicação de Mozart Victor Russomano, os serviços superiores às forças do trabalhador abrangem força física, habilidade profissional ou técnica; o defeso por lei cita-se o exemplo do menor exercer trabalho insalubre; os contrários aos bons costumes são atos que ofendem a moral do trabalhador; o rigor excessivo concentra-se em atos agressivos e cruéis do empresário ao empregado; o perigo consiste em exigências ao trabalhador para executar tarefas que manifestam perigo, ou seja, com gravidade de risco.[134]
Segue o autor esclarecendo que o inadimplemento das condições contratuais deve revelar situação que torna impossível a permanência do trabalhador na organização empresarial; ofensa física é a agressão física ao trabalhador pelo empresário ou preposto, não precisa ser consumada, é suficiente a ameaça ou tentativa de agressão; a redução de salário demonstra-se na hipótese do obreiro receber por peça, por hora, por dia ou tarefa e o empregador reduzir o número de peças ou volumes de trabalho. Ademais, traz que são motivos que oportuna a rescisão indireta do contrato de trabalho, vez que o empresário exige a execução do serviço acima dos limites das normas trabalhistas.
Para Amauri Mascaro Nascimento, o dispositivo legal em fomento também é espécie de dispensa indireta, por se tratar de rescisão do contrato de trabalho por parte do empregado, em detrimento de uma justa causa praticada pelo empregador. No que tange a formalização, não há previsão legal. No entanto, para que isto não configure abandono de emprego, aconselha-se uma comunicação escrita ao empregador. [135]
No tocante a rescisão indireta, Sérgio Pinto Martins afirma que:
“A irregularidade cometida pelo empregador deve ser de tal monta que abale ou torna impossível a continuidade do contrato. Se o empregado tolera repentinamente pequenas infrações cometidas pelo empregador, não se poderá falar em rescisão indireta, devendo o juiz preservar a relação de emprego, pois, principalmente em época de crise, é difícil conseguir nova colocação no mercado de Trabalho.”[136]
Ademais, a justa causa pelo empregador enseja o direito ao trabalhador de receber indenização a que teria direito se fora demitido sem justa causa[137] Neste caso, é devido aviso prévio, indenização de 40% do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), férias proporcionais e etc.[138]
Por certo que a empresa carece de preparo ardiloso para se manter no mercado e a base disso se revela no respeito perante seu capital humano, pautando sempre na boa-fé, sob pena de ser responsabilizada civilmente pelos danos, com conseqüente imagem negativa diante da sociedade.
Enquanto houver indisponibilidade de direitos, haverá sempre a carência do respeito. O proletário exigente vai produzir melhor no momento em que sentir prazer na realização do seu trabalho. A empresa que não possuir essa visão e não priorizar a responsabilidade social, certamente, encontrará dificuldade para suprir a mão-de-obra, com qualidade, e consequentemente, estará inapta para encarar a instigada concorrência do mercado.
4. O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Neste capítulo, explanar-se-á o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, as gerações dos direitos fundamentais, destacando o trabalho como direito propulsor da dignidade humana e, por derradeiro os limites do poder de comando do empregador.
4.1. ABORDAGEM CONCEITUAL: PRINCÍPIO, DIGNIDADE E PESSOA HUMANA
A priori, trar-se-á a conceituação de princípio, posteriormente, de dignidade e na sequência demonstrar-se-á o seu titular. Ressalta-se que, há uma conexão entre a ciência jurídica que tutela o trabalho e o princípio em comento, haja vista que o labor humano é um dos responsáveis pela sua concretização.
No dicionário, princípio detém as seguintes acepções:
“sm (lat principiu) 1 Ato de principiar. 2 Momento em que uma coisa tem origem; começo, início. 3 Ponto de partida. 4 Causa primária. […]11 Lei, doutrina ou acepção fundamental em que outras são baseadas ou de que outras são derivadas: Os princípios de uma ciência.”[139]
Desse norte, refere-se ao passo inicial para consecução de uma regulação, de modo que deve nortear todos os demais. Tem propósito de estabelecer limites e conceder diretrizes que embasam uma ciência, no intuito de proporcioná-la uma correta interpretação e compreensão.[140] Assim, afirma-se que agredir determinado princípio tem a mesma relevância que a transgressão a uma norma jurídica, uma vez que o bem tutelado pela norma e pelo princípio tem o mesmo grau de importância.[141]
É de relevância acrescentar que, o princípio subordina todas as pessoas, órgãos públicos e privados, impondo-lhes o dever de respeito e proteção. Dentre outras funções, destaca-se como fonte interpretativa das normas constitucionais e infraconstitucionais. Além do mais, exige que o poder legislativo desempenhe sua função típica conforme os parâmetros por ele exigidos.[142]
Entende-se, portanto, que é a base a ser acatada por todos indistintamente tanto no momento da elaboração, quanto na interpretação e na aplicação das normas jurídicas. Especificamente ao estudo em tela, esta base é prosseguida de dignidade, a qual se constitui como:
“sf (lat dignitate) 1 Modo de proceder que infunde respeito. 2 Elevação ou grandeza moral. 3 Honra. 4 Autoridade, gravidade. 5 Qualidade daquele ou daquilo que é nobre e grande. 6 Honraria. 7 Título ou cargo de graduação elevada. 8 Respeitabilidade. 9 Pundonor, seriedade. 10 Nobreza […]”[143]
Para tanto se traz toda a aptidão de Ingo Wolfgang Sarlet, a fim de melhor compreensão acerca deste preceito:
“Qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência da vida em comunhão com os demais seres humanos.”[144]
Neste entrosamento, já se entrevê que a referida base requer o respeito a determinado titular, ou seja, a pessoa humana, que por vez pessoa é prestigiada como “[…] criatura humana; homem, mulher […] Dir. toda entidade natural ou moral com capacidade para ser sujeito ativo ou passivo de direito, na ordem civil”, e, finalmente, humana “[…] que pertence ou se refere ao homem”.
Diante do colecionado, vale trazer os apontamentos de Aluisio Henrique Ferreira:
“[…] trata-se a Dignidade da Pessoa Humana de um atributo natural da pessoa, assim considerada como aquela que possui um corpo e espírito, autonomia quanto ao ser, autoconsciência, comunicação e autotranscende e, além disso, revela-se como valor constitucional supremo que norteia todo o ordenamento jurídico brasileiro, bem como é a razão de ser dos direitos fundamentais e dos direitos da personalidade.”[145]
E continua:
“Deve-se também lembrar que se cuida de um mínimo essencial que todo estatuto jurídico deve proteger, somente podendo ser limitada em caráter excepcional, desde que não se deixe de lado toda a estima e respeito que todos devem ter, pelo fato de serem pessoas humanas.”
Diante disso, completa-se que basta envolver um ser humano, independente de qualquer condição, faz-se necessário atender aos valores abarcados pelo Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, que se resumem no respeito, na honra, nos direitos fundamentais efetivados, na seriedade, entre tantos outros responsáveis pela existência decente das pessoas.
A finalidade da ciência do direito positivado é tutelar, garantir e vedar qualquer ato que o afronte.[146] Fato que justifica toda a inserção e resguardo, no texto constitucional, para tanto Maria Aparecida Alkimin coteja que:
“[…] podemos afirmar que a dignidade humana é o fundamento primário de todo ordenamento jurídico-constitucional, cuja dignidade é admitida e resguardada através do reconhecimento dos direitos e garantias fundamentais, como o respeito à liberdade, não discriminação, proteção à saúde, direito à vida, acesso ao trabalho como condição social humana e digna etc. Portanto, violadas quaisquer dessa garantias fundamentais, estar-se-á violando a dignidade humana da pessoa.”[147]
Todavia, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é tido como fio condutor que ilumina todo o ordenamento jurídico brasileiro, e, na hipótese da não existência do mesmo, o sistema, como um todo, poderia ser interpretado em desfavor ao próprio ser humano.
Com isso, evidencia-se que a pessoa tem concretizada a dignidade humana a partir do momento em que seus direitos básicos encontram-se materializados, fato este que explica a importância concedida ao tema na atual Carta Magna, como será demonstrado no próximo tópico.
4.1. A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988
No âmbito desta apresentação importa analisar a imprescindibilidade de respeitar as pessoas individualmente, como também cabe ao Estado desenvolver meios para convivência em sociedade de maneira harmoniosa. Nesta seara, a Norma Constitucional de 1988 concedeu à dignidade humana valor supremo e fundante da República Federativa do Brasil, a qual deve ser observada e seguida por todos indistintamente.
A pessoa deve ser considerada individualmente como sujeito de direitos e créditos, visto que se mostra voltada para satisfazer suas necessidades biológicas, como também deve ser considerada no meio social, uma vez que o homem só se completa se presentes todas as dimensões, quais são: a ética, a política, a religião, a ciência, a economia e a arte, de maneira harmônica, interativa e interdisciplinar. Por vez, a dignidade humana tem valor único e individual e jamais poderá ser sacrificada por quaisquer interesses coletivos.[148]
A propósito, aduz o artigo 1º, Inciso III:
“Art.1º A República Federativa do Brasil, formada pela União Indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III- A dignidade da pessoa humana;”
Nota-se que a inclusão da dignidade humana no Texto Constitucional comprova a importância concedida ao homem na sociedade moderna, a qual traz consigo a unanimidade dos direitos e garantias fundamentais, direitos sociais, educacionais dentre outros.[149] É certo que, a efetivação do princípio em questão independe de condição econômica, social ou intelectual dos seres humanos, visto que a própria Constituição garante a igualdade entre todos.
Por sua vez, Marlon Marcelo Murari relata:
“[…] ora a dignidade pode ser considerada como um limite, evitando que os atos próprios ou de terceiros reduzam a pessoa à condição de objeto, gerando direitos defensivos contra condutas que possam ameaçá-la; ora como uma verdadeira prestação, no sentido de justificar, nos casos concretos, a tutela por meio de medidas e prestações, visando proteger a dignidade de todos.”[150]
A vida humana, indiscutivelmente, é a maior merecedora da atenção do poder judiciário, visto que nela há capacidade de dialogar, reconhecer o próximo, amar e, também, destaca-se por ser intangível. A positivação da dignidade humana traz como conseqüência o respeito à integridade física e psíquica da pessoa humana, o respeito às condições mínimas de vida.
Vale colacionar os ensinamentos de Maria Aparecida Alkimin sobre o direito à vida:
“[…] abrange o direito de nascer, permanecer vivo e a uma subsistência digna, a qual se alcança com a destinação dos direitos sociais, em especial, o acesso ao trabalho produtivo, à moradia, à saúde, proteção à maternidade, à velhice, garantia do direito de propriedade, garantias essenciais para a dignidade humana.”[151]
Com efeito, a não concretização ou observação do respeito aos direitos supracitados, configura um ambiente indigno e revela ser um campo fértil para ocorrência de arbítrios e injustiças.[152]
Tendo em vista os aspectos destacados, vale apontar que a Norma Máxima aderiu aos ditames da Declaração Universal dos Direitos Humanos, demonstra-se, portanto, que o Brasil sobrepôs os direitos humanos sobre qualquer outro conflito que possa vir a existir. Com isso, deverá promover e defender os direitos fundamentais, nas relações internacionais firmadas com outros Estados soberanos[153], veja-se:
“Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas relações internacionais pelos seguintes princípios:
II- Prevalência dos direitos humanos.”
A referida inclusão almejou proteger e garantir o bem-estar da sociedade, traçando ordem pública mundial. Muito embora o conteúdo da Declaração dos Direitos Humanos não detém força obrigatória, constitui conteúdo respeitado em virtude dos valores humanos por ela abrangidos.[154] Trata-se do alicerce dos direitos de liberdade, de justiça e paz mundial.[155]
Considerando a interdependência entre os países trazida pela globalização, não é interessante aos Estados ignorarem esta ordem internacional, mesmo não portando caráter obrigatório, haja vista que a resistência pode significar um grande entrave para concretização de acordos expressivos, fato este que consequentemente indica probabilidade de atraso econômico. Ressalta-se, portanto, que o desenvolvimento da dignidade da pessoa humana é missão brasileira, compreendida pela Norma Suprema, a qual requer o respeito aos direitos humanos fundamentais, os quais serão apresentados a seguir.
4.2.1. Direitos Fundamentais
Aliado a noção de fundamental percebe-se, de antemão, a correlação de necessidade entre os direitos em tela e a concretização de condições de existência com o mínimo de dignidade das pessoas.
Alexandre de Moraes os definem como:
“Conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana.”[156]
Há de relevar que os direitos humanos fundamentais foram reconhecidos progressivamente e atualmente são classificados em quatro gerações.
A primeira delas retrata o direito da liberdade, com objetivo de obstar a atitude estatal contra as pessoas, tutelando a vida, a dignidade, a integridade física, a intimidade e a inviolabilidade do domicílio, sua validade, que são estendidos às entidades privadas, pessoas físicas e jurídicas, o que revela o impedimento da privação da liberdade do empregado pelo empregador.[157]
Na realidade, a geração em tese, é retrato da necessidade da época, como bem explica Marlon Marcelo Murari:
“Os direitos de primeira geração manifestam a liberdade individual, com seus direitos civis e políticos, conquistados pelo Estado liberal-burguês do século XVIII. Significavam a resistência do súdito, em oposição ao soberano, ou seja, da separação entre Estado e seus cidadãos. São direitos de defesa do individuo perante o Estado.”[158]
A segunda geração tutela os direitos sociais, os quais exigem prestações por parte do Estado, no intuito de diminuir as diferenças sociais e conferir condições de sobrevivência às pessoas.[159] Assim entendidos: as prestações assistenciais, como a saúde, a educação, o trabalho, a assistência social e etc.[160]
Sobre isso, é importante destacar que o trabalho, objeto deste estudo, é um direito fundamental de segunda geração e que está intimamente relacionado com os valores da dignidade, liberdade e igualdade. Cabendo ao Estado respeitá-lo, promovê-lo e ainda, garanti-lo[161], de forma igualitária entre todas as pessoas, sem distinção de raça, origem, cor, condição econômica ou social.[162]
Os direitos de terceira geração são os coletivos e difusos. Os coletivos são os que favorecem uma categoria de pessoas, como por exemplo, os sindicatos; já os difusos são os comuns a toda espécie humana como o ar, luz solar, patrimônio histórico.[163] Marlon Marcelo Murari exemplifica o meio ambiente de trabalho digno como fruto deste período e relata acerca da geração em tela que:
“Os direitos fundamentais de terceira geração caracterizam-se por representar direitos desvinculados do homem-indivíduo ou do grupo titular especificamente. São direitos que abrangem uma coletividade indeterminada ou o gênero humano mesmo e, consequentemente, são de titularidade coletiva ou difusa.”[164]
No que competem as proteções legais de quarta geração, destacam-se os direitos de solidariedade e de fraternidade. Tem-se, portanto, neste âmbito uma ordem internacional na qual todos os países devem se apoiar.[165]
Os direitos fundamentais caracterizam-se por serem imprescritíveis (não perdem em razão do decurso do prazo); inalienáveis (não são transferidos, seja a titulo gratuito ou oneroso); irrenunciáveis (não são recusáveis); invioláveis (não podem ser desrespeitados); universais (engloba a todos os indivíduos indistintamente); efetivos (o poder público deve garanti-los); interdependentes (possuem intersecções para atingir seus fins); complementares (não devem ser interpretados isoladamente).[166]
Na verdade são garantias constitucionais que representam verdadeiros limites aos órgãos do Poder Público, de modo que estes sempre se atenham à observância dos direitos fundamentais, cabendo-lhe ainda a missão de combater qualquer forma de violação[167], no intuito de assegurar-lhes a efetivação.
A Constituição da República Federativa do Brasil elencou no título II um rol de dispositivos legais fundamentais, classificando-os em cinco espécies: Direitos Individuais e Coletivos, como a liberdade, a honra, a vida, a dignidade (artigo 5º); Direitos Sociais (artigos 6º a 11); Direitos de Nacionalidade (artigos 12 e 13); Direitos Políticos (artigos 14 a 16) e Direitos Relacionados à Existência, Organização e Participação em Partidos Políticos (artigos 14 a 17).[168]
Pelo apresentando, pode-se compreender que os direitos fundamentais garantidos representam o pilar para que se construa um verdadeiro Estado Democrático de Direito, como também é a base para se solidificar a personalidade da pessoa humana.
4.2.2. O Trabalho como Direito Fundamental e Instrumento Propulsor da Dignidade da Pessoa Humana
Considerando o histórico do trabalho, evidenciam-se inúmeras acepções degradantes, como relatadas neste estudo. Contudo, a realidade atual o destaca na Norma Constitucional, por ser o responsável pela sadia qualidade de vida das pessoas. Por certo, refere-se ao mecanismo responsável em assegurar ao homem a autodeterminação, protegendo-o contra quaisquer necessidades de ordem material.
A Constituição Federal em vigor proclama o trabalho como sinônimo de princípio, fundamento, valor e direito social, haja vista ser o garantidor da sobrevivência humana, no âmbito individual, familiar e social.[169] Nesse prisma, apresenta-se:
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
IV – os valores sociais do Trabalho.”
Convém frisar que, é inapreciável o valor do trabalho humano, por ser um direito fundamental responsável pela promoção social e desenvolvimento econômico do país, por meio da produção e circulação de bens e serviços.[170] Neste compasso, acrescenta-se ainda, que é fonte de realização pessoal, integração no meio social, enriquecimento entre outros.[171]
O trabalho, como já explicado alhures, inclui-se nos direitos sociais, que por sua vez exigem prestações positivas por parte do Estado, no intuito de diminuir as diferenças sociais e conferir condições de sobrevivência às pessoas[172]. Os direitos sociais são os responsáveis por proporcionar melhores condições de vida às pessoas mais fracas, com finalidade de conceder a igualdade na sociedade, ou melhor, igualar as desigualdades sociais.[173]
Nesse contexto, a Norma Máxima dispõe:
“Art.6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” (grifo nosso)
Observa-se, porém, que o trabalho é considerado como um direito fundamental concretizado, se exercido de forma digna.[174] Em sentido contrário, o operário é lesionado, fato este que gera danos passíveis de indenizações, sendo pertinente a seguinte lição:
“REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. TRABALHO ANÁLOGO À ESCRAVIDÃO. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. O trabalho prestado em condição análoga à de escravo é considerado gênero, do qual são espécies o trabalho forçado e o trabalho degradante. Este último se caracteriza pela falta de garantias mínimas de saúde, segurança, moradia, higiene, ou seja, trata-se do trabalho humano no qual não são satisfeitos os direitos primordiais para o resguardo da dignidade do trabalhador, assegurada pela Constituição Federal (art. 1º, III). Acórdão do processo 0001700-59.2008.5.04.0821 (RO). Redator: CLEUSA REGINA HALFEN. Participam: MARIA DA GRAÇA RIBEIRO CENTENO, DENIS MARCELO DE LIMA MOLARINHO. Data: 01/10/2009 Origem: Vara do Trabalho de Alegrete.”[175]
Deste modo, empresas que não agem nos padrões solicitados pela norma, sofrerão punições cabíveis no momento em que houver provocação do judiciário, por intermédio de ação trabalhista, ou então, por fiscalização por parte do Estado. Obviamente, que o trabalho escravo é ilegal e imoral, visto que afronta ao princípio da liberdade, são necessários ambientes adequados, fornecimento dos equipamentos de proteção individual em decorrência do respeito ao direito à segurança e à saúde, veja-se:
“TRT-PR-18-06-2010 DANO MORAL. INSTALAÇÕES SANITÁRIAS E LOCAL PARA REFEIÇÕES INAPROPRIADOS. INOBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DO VALOR SOCIAL DO TRABALHO. O Reclamante desempenhava suas atividades no meio rural, executando o ofício de cortador de cana. Conforme o teor da prova testemunhal, as instalações para refeição (cobertura de toldo, mesas e cadeiras), só podem ser desfrutadas por aqueles que se encontram trabalhando próximo aos ônibus, ao passo que os banheiros disponibilizados apresentam-se inadequados, pois, com a ausência de ventilação, apresentam temperatura extremamente elevada e odor insuportável. Restou evidenciado, assim, que a Ré relegou as condições de trabalho do Reclamante a segundo plano, ao deixar de oferecer condições mínimas e dignas de higiene e saúde, atingindo-o como pessoa e trabalhador. Saliente-se que o trabalho tem por finalidade, essencialmente, conferir dignidade ao ser humano, traduzindo-se em uma das formas de exteriorização da cidadania, não se podendo considerá-lo apenas em seu aspecto econômico. Inobservou a Ré, pois, os princípios fundamentais estabelecidos na Carta Magna, mormente a prevalência da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho (incisos III e IV do art. 1º), sem olvidar o enaltecimento dos direitos humanos (inciso II do art. 4º). Resta, pois, devido o pagamento de indenização por danos morais. Recurso ordinário da Reclamada a que se dá parcial provimento, apenas para reduzir o valor da indenização. TRT-PR-01056-2008-093-09-00-2-ACO-18600-2010-1A.TURMA.Relator: UBIRAJARA CARLOS MENDES. Publicado no DJPR em 18-06-2010.’[176]
O meio ambiente no qual se presta o trabalho também é um direito fundamental, como já explicado, e ao empregador cabe acatá-lo. Todavia, qualquer mudança a ser realizada faz-se necessário considerar os parâmetros estabelecidos pela segurança, saúde e higiene, visto que o trabalho digno é aquele realizado em condições dignas.[177]
Sobre isso, relata-se que o direito à saúde abrange a proteção à integridade física, moral e psíquica do empregado, cabendo a empregadora proporcionar um local livre de riscos e agressões, ou seja, com qualidade, visando qualidade de vida para todos os envolvidos.[178]
A valorização do trabalho humano é base da Ordem Econômica e tem finalidade de integrar a economia pública e privada, ditando padrões aos desafios econômicos do país. Diante disso, frisa-se que, esta área é dinâmica e trabalha com novas propostas políticas, sempre respeitando os princípios constitucionais, os quais foram introduzidos no artigo 170, nota-se:[179]
“Art.170 A ordem econômica, fundada na valorização do Trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.”
Evidencia-se que, a Norma Máxima consagrou o sistema capitalista como economia de mercado, visto que a iniciativa privada é base desta ordem. Além do mais, emerge o valor do trabalho humano sobre todos os demais de natureza econômica. Dessa forma, o Estado poderá intervir na economia no intuito de fazer concretizar os valores sociais do trabalho.[180]
Por oportuno então, é bom apontar que, o legislador constituinte protege a pessoa humana tanto no aspecto subjetivo, como a tutela da integridade física e mental, quanto no material, como o salário, o qual tem por lei a função de assegurar o mínimo de dignidade para os trabalhadores.[181]
Por vez, a Ordem Social tem como alicerce o primado do trabalho. Destarte, o texto constitucional concede primazia às questões de ordem social, ao valor do trabalho, em concordância com os fundamentos da República Federativa do Brasil, o que justifica o desenvolvimento de políticas para criar novos empregos, bem como garantir aos trabalhadores inúmeros direitos[182], assim revela o Artigo 193 “A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”.
As disposições constitucionais apresentadas têm o propósito de ratificar o valor do labor humano, levando-se em conta que, indiscutivelmente, é um dos principais instrumentos que solidifica a dignidade da pessoa humana. [183] Trata-se, portanto, do garantidor, na maioria das vezes, de proporcionar o salário, que por vez é o responsável que ostenta as necessidades vitais básicas do trabalhador, tais como: a alimentação, lazer, saúde, moradia, educação, entre outras. Além do mais, considera-se que o trabalho deve ser exercido em ambientes que preservem a boa qualidade de vida dos funcionários, assegurando-os um ambiente laboral decente.
4.3. O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E OS LIMITES DO PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR
Muito embora a Constituição Federal conceda direitos às pessoas físicas e jurídicas, é imprescindível que sejam exercidos de forma regular, para que tenham a proteção jurídica necessária. No que tange a aplicação do poder diretivo do empregador não é diferente, visto que está cercado de limites e, portanto, deve-se ater às normas constitucionais para gozar de eficácia plena.
Neste cenário, o Tribunal Regional do Trabalho da 9º Região eximiu a empresa de arcar com indenização por entender que o empregador agiu em conformidade com os princípios da administração pública, da moralidade e da legalidade, fato que não gera ato ilícito, apenas a aplicação devida do poder de direção, na ementa que segue:
“TRT-PR-07-05-2010 REVISTA ÍNTIMA. AUSÊNCIA DE EXCESSO NA VISTORIA. DANO MORAL. NÃO-CARACTERIZAÇÃO – A reparação do dano moral tem fundamento na teoria da responsabilidade civil e previsão legal no art. 5º, inciso X, da Constituição, bem como no art. 186 do Código Civil. Não se pode esquecer, todavia, que o instituto não pode ser banalizado. A existência, por si só, de revistas em pertences dos empregados não implica reconhecimento imediato de dano moral. A forma, sim, como é procedida a revista, é que pode dar ensejo àquela indenização. Procedida em observância à lei, sem revelar-se excessiva, tampouco abusiva, a conduta do empregador não vulnera direito individual do empregado, não se revestindo de caráter atentatório à dignidade que possa gerar reparação de ordem moral, como na hipótese em exame, onde não ficou comprovada a revista íntima, na acepção legal, nem de que houve desrespeito ou exposição do autor além do juridicamente permitido. Recurso ordinário a que se nega provimento, neste particular. TRT-PR-14845-2006-002-09-00-0-ACO-13720-2010 – 1 A. TURMA. Relator: EDMILSON ANTONIO DE LIMA. Publicado no DJPR em 07-05-2010.”[184]
É válido destacar que o trabalhador, na condição de pessoa humana, goza de direitos fundamentais constitucionalmente acobertados, já explicados anteriormente, os quais representam verdadeiros limites naturais e legais ao poder diretivo que o empregador tem em mãos.[185] Tem-se assim que, qualquer ato do empregador que agrida os direitos fundamentais e sociais do trabalhador e o princípio da valorização do trabalho humano deve der rechaçado[186], por expressar uma verdadeira ofensa ao fundamento de todo ordenamento jurídico brasileiro.
Neste sentido, ensina Júlio Ricardo de Paula Amaral:
“Os equilíbrios e limitações recíprocos que se derivam para ambas as partes do contrato de trabalho supõem, para o que agora interessa, que também as faculdades organizativas empresariais se encontram limitadas pelos direitos fundamentais do trabalhador, ficando obrigado o empregador a respeitá-los.”[187]
Desse norte, exemplificam-se alguns incisos do o artigo 5º[188], da Constituição Federal empregador, que repudia qualquer ato contra o operário que venha a discriminá-lo (incisos I e VIII); que o submeta a tortura e a tratamento desumano ou degradante (inciso III); que o impeça a livre manifestação do seu pensamento (inciso IV); que viole a sua liberdade de consciência e crença (inciso VI); bem como a sua intimidade, honra, imagem e vida privada (inciso X); que o obrigue a associar-se ou que o impeça de fazer (inciso XX) e etc.
No mesmo sentido, demonstra-se a decisão abaixo:
“PODER DIRETIVO PATRONAL. LIMITES. DANO MORAL. Ainda que o poder diretivo permita ao empregador estabelecer e fiscalizar como o serviço deve ser prestado, o abuso de direito caracteriza ato ilícito. Além disso, seja qual for a profissão do empregado ou o comportamento por ele adotado durante o transcurso do contrato de trabalho, todo e qualquer poder patronal também encontra limite no respeito à dignidade da pessoa humana, fundamento da República e cláusula geral que informa todo o ordenamento jurídico. Assim, sob pena de configurar-se dano moral, se algo deve ser dito ao prestador, que o seja de forma respeitosa e, na medida do necessário, com o cuidado de não expô-lo à situação constrangedora na presença de outras pessoas. TRT-SC- RO 01983-2008-002-12-00-4.Juíza Viviane Colucci – Publicado no TRTSC/DOE em 30-03-2010.”[189]
Existem outras normas legais que ratificam direitos cabíveis aos trabalhadores, e que as empregadoras devem considerar, um exemplo típico é a Lei 9.029/95, a qual fornece providências sobre a admissão no trabalho, proibindo qualquer espécie de discriminação no acesso à relação de emprego por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade.[190]
Por vez, a Consolidação das Leis do Trabalho, no artigo 373-A veda qualquer discriminação contra a inserção da mulher no mercado de Trabalho.[191] A razão disso é por ser considerada como sexo frágil, além de apresentar possibilidade de ausência periódica, caso venha a ser mãe. E isso representa um atraso na produção em decorrência da rotatividade.[192] Neste contexto, transcreve-se a seguinte ementa:
“DANO MORAL. REVISTA EM PERTENCES PESSOAIS. CONSTRANGIMENTO. AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVA. INDENIZAÇÃO. AVALIAÇÃO. RAZOABILIDADE. As revistas pessoais provocam profundo constrangimento, especialmente quando realizadas em local de atendimento ao público, em meio à atividade normal do estabelecimento. No ambiente de trabalho, o fato se reveste de maior gravidade, pois além de denotar desconfiança pelo empregador, constrange seriamente o empregado, que não dispõe de meios de recusa no ambiente onde prepondera o poder do empregador. Essa submissão não se justifica sequer pela preocupação em proteger o patrimônio, já que se faz ao arrepio de qualquer consideração por sentimentos e valores íntimos do trabalhador, considerado como homem médio. Na hipótese, trata-se de empregada, a quem o ordenamento jurídico assegura proteção especial pela vedação expressa às revistas pessoais, como se extrai do artigo 373-A, VI, da CLT. [Acentue-se que no presente caso não há que se falar em distinção entre homem e mulher, por conta do princípio constitucional da isonomia] TRT-PR-00099-2006-093-09-00-9-ACO-00924-2008 – 2A. TURMA Relator: MARLENE T. FUVERKI SUGUIMATSU Publicado no DJPR em 18-01-2008.”[193]
Percebe-se que a prática de revistas íntimas em mulheres deve ser estendida aos homens em atenção ao princípio da isonomia, que estabelece igualdade entre homens e mulheres.
Outra restrição ao poder de comando está relacionada com o trabalho do menor, visto que as normas em vigor proíbem a prestação de trabalho noturno (horário compreendido entre vinte e duas horas de um dia e as cinco horas do dia imediato), para os que não possuem idade mínima de dezoito anos. Além do mais, não é permitido submetê-los a trabalhos insalubres e periculosos. [194]
Contudo, Maria Aparecida Alkimin enumera em três momentos a possibilidade de ocorrências de dano moral trabalhista pelo empregador, por ultrapassagem de direitos. A primeira é a fase pré-contratual: aquela antes mesmo de se firmar o pacto laboral, com apenas meras expectativas de direito, na qual poderão ocorrer discriminações e abuso ofensivo à personalidade do candidato à vaga do emprego. A segunda é a fase de execução do contrato: nesta já se tem o pacto trabalhista firmado e o trabalho está em plena execução, podendo o empregador ultrapassar seus limites em face da subordinação do empregado, e ocasionar o assédio moral, o assédio sexual, invasão a intimidade e privacidade por meio de câmeras, revistas abusivas, trabalho forçado e etc. A terceira e última é a fase da extinção ou pós-extinção do contrato de trabalho: neste momento já ocorreu à homologação da rescisão contratual, porém ainda merece respeito pela empregadora, é o caso de informações inverídicas de seu ex-empregado.[195]
Assim, a aplicação do poder diretivo deve estar em conformidade com as normas legais, sentenças normativas, convenções coletivas e outros regulamentos profissionais, e ao contrato de trabalho e, sobretudo, aquelas que se relacionam com qualificação profissional e com a remuneração do trabalhador. Veda-se qualquer submissão de empregados a ordens contrárias a moralidade, convicções religiosas, liberdade de opinião e sindical ou que atinjam sua integridade física, tendo em vista que este poder é conferido ao empregador com a finalidade de alcançar a organização almejada pela empresa, no entanto, na hipótese de ser utilizado com fins persecutórios caracteriza-se desvio de finalidade, o que revela reprovação pela legislação vigente.[196]
Portanto, como explanado, inadmite-se ilicitude na aplicação do poder de comando, a não observância aos direitos dos trabalhadores ocasiona uma lesão à dignidade humana, o que gera para a empresa a obrigação de indenizar o dano causado. Diante disso, observa-se a decisão do acórdão abaixo:
“INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Hipótese na qual restou demonstrada a submissão do empregado a tratamento desrespeitoso e ofensivo, o que excede o poder diretivo do empregador. Os direitos de personalidade possuem proteção jus fundamental. Exercício do poder diretivo que só se legitima na medida em que não viola os direitos em apreço. São presumíveis as consequências negativas na estrutura psíquica do empregado, atingida a sua honra subjetiva e objetiva. Violação aos preceitos do art. 5º, inciso X, da Constituição Federal. Reparação por danos morais que deve atender às finalidades punitivo-educativas e de compensação à vítima. Valor da indenização mantido. Acórdão do processo 0032000-07.2009.5.04.0841 (RO) Redator: JOSÉ FELIPE LEDUR Data: 28/04/2010 Origem: Vara do Trabalho de Rosário do Sul.”[197]
Deve-se ter em mente que o trabalhador é um ser humano, em virtude disso jamais poderá ser tratado como mera “coisa”, é um ser dotado de poder criativo, movido por sentimentos, detentor de necessidades, objetivos, histórias e valores. Assim, tratamentos desumanos devem ser repudiados por apresentar-se como uma verdadeira ameaça ao psicológico do operário.
Indubitavelmente, o poder diretivo encontra-se intimamente ligado ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana por ser considerado ponto de equilíbrio entre os direitos fundamentais em colisão.[198]
Os limites, entretanto, têm a finalidade de preservar a pessoa humana que está permanentemente presente na figura do trabalhador. Neste sentido, é interessante o texto do Administrador Max Gehringer, que faz a correlação da carreira profissional e a imagem do empregado diante dos demais empregadoes e da sociedade em geral.
“Existem cinco estágios em uma carreira. O PRIMEIRO ESTÁGIO é aquele em que um funcionário precisa usar crachá, porque quase ninguém na empresa sabe o nome dele. No SEGUNDO ESTÁGIO, o funcionário começa a ficar conhecido dentro da empresa e seu sobrenome passa a ser o nome do departamento em que trabalha. Por exemplo, Heitor do contas a pagar. No TERCEIRO ESTÁGIO, o funcionário passa a ser conhecido fora da empresa e o nome da empresa se transforma em sobrenome. Heitor do banco tal. No QUARTO ESTÁGIO, é acrescentado um título hierárquico ao nome dele: Heitor, diretor do banco tal. Finalmente, no QUINTO ESTÁGIO, vem a distinção definitiva. Pessoas que mal conhecem o Heitor passam a se referir a ele como “o meu amigo Heitor, diretor do banco tal”. Esse é o momento em que uma pessoa se torna, mesmo contra a sua vontade, em “amigo profissional”.”[199]
A partir do momento que se firma um pacto laboral, a pessoa humana operária é inserida no capital humano da organização contribuindo, assim, com o desenvolvimento da atividade empresarial, compartilhando a manifestação particular de sua personalidade, agregando valor, originalidade e qualidade ao meio produtivo. Deste modo, é conhecida no meio social ao qual pertence.
Para tanto, justifica-se a proteção legal e os limites de aplicabilidade do poder diretivo do empregador, pois as atitudes tomadas por esse empregador que desrespeitam ou ultrapassam os limites estabelecidos, refletirão no convívio social do empregado e, certamente colabora para abalar mais agudamente a estrutura psíquica do obreiro, causando dano, agredindo os direitos abarcados pelo Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
CONCLUSÃO
No presente trabalho analisou-se cientificamente o poder diretivo do empregador focando na sua aplicabilidade e limites diante do pilar mestre denominado Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, em face dos trabalhadores abarcados pela Consolidação das Leis do Trabalho, os quais fazem jus tanto aos direitos relativos ao contrato laborativo quanto aos advindos da necessidade natural de todo ser humano, tratados como direitos fundamentais na Constituição e demais leis cabíveis.
Etimologicamente analisando a palavra trabalho percebe-se a sinonímia à tortura, não obstante é meio de prover a subsistência humana digna, fato que revela determinada obrigatoriedade de sua execução e em consequência, muitas vezes, o desagrado do obreiro, visto que poderá ser submetido a labores indesejados, porém necessários, por falta de opções de emprego.
A contextualização histórica demonstrada revelou o modo que o trabalho foi tratado em cada época. Muito embora, atualmente, exista uma legislação que tutela os empregados, vale frisar que nem sempre foi assim, haja vista que em determinado momento, mais precisamente na era industrial, houve a necessidade de intervenção estatal com finco de equilibrar as relações de emprego e inibir certos abusos provindos do livre arbítrio do empregador, vivenciados até então, para se conduzir a atividade empresarial.
O Estado, portanto, ocupou-se na incumbência de estabelecer normas cogentes de observância obrigatória e inseriu o princípio da proteção no campo laboral a fim de melhorar as condições de vida e proporcionar o bem estar social do empregado, em razão da hipossuficiência deste na relação de emprego.
O contrato de trabalho se caracteriza pela informalidade, resume-se num acordo de vontades, tácito ou expresso, no qual uma pessoa física, o empregado, compromete-se a prestar trabalho não eventual, mediante salário, sob comando e proveito de outra pessoa, o empregador. Originam-se então direitos e deveres recíprocos, cabendo aos sujeitos respeitá-los.
Nesse norte, as partes são livres para pactuarem o que melhor lhes convir, desde que para tanto sejam respeitadas as normas de proteção mínima do trabalhador, ou seja, as ditadas pelo Estado.
A globalização trouxe alguns reflexos sobre o Direito do Trabalho, visto que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 anuiu várias formas de flexibilização, tais como: a redução dos salários mediante convenção ou acordo coletivo; compensação ou redução da jornada por meio de acordo ou convenção coletiva; aumento da jornada ininterrupta nos turnos ininterruptos de revezamento para mais de 6 horas diárias, por intercessão de negociação coletiva ou acordo coletivo de trabalho. O objetivo primordial das referidas possibilidades consiste no fortalecimento das empresas, almejando o crescimento e a competitividade no mercado internacional, em contrapartida proliferando oportunidades de empregos.
Como visto, a relação de emprego é formada de um lado pelo empregado, subordinado e, do outro, pelo empregador, com poder diretivo. Deste modo, existe um desnível, o que justifica toda proteção do Estado em favor do empregado, que mesmo autorizando algumas flexibilizações, exige a presença da entidade sindical, inibindo, entretanto, a arbitrariedade do empregador.
Ademais, a superioridade hierárquica do empregador, não lhe enseja, em momento algum, o agir desmoderadamente. Faz-se necessário a presença da boa-fé e da cordialidade na fase pré-contratual, na contratual e na pós-contratual, para que não ocorram abusos entre as partes contratantes, sob pena de violação passível de responsabilização pelos danos materiais e morais causados.
O poder diretivo ao empregador provém da lei em decorrência da alteridade, uma vez que cabe a ele o risco do empreendimento empresarial. O referido poder se desdobra nas funções de controlar, de organizar e de disciplinar seus empregados. A principal finalidade do poder em comento é salvaguardar as diretrizes e o patrimônio da organização empresarial para que os planos estratégicos sejam ordenadamente colocados em prática.
Na aplicação do poder de comando é possível a empregabilidade de determinadas penalidades, com intuito de inibir atitudes desabonadoras por parte dos trabalhadores que venham representar empecilho á execução das tarefas, tais medidas se exteriorizam nas modalidades de advertência, suspensão, demissão por justa causa e multa, a esta última caberá apenas aos atletas profissionais de futebol, nos moldes da lei 6354/76.
O papel do Estado, portanto, é ditar as normas básicas, as responsáveis por concretizar o piso vital mínimo, ou seja, os direitos fundamentais compreendido pelo Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
Todavia, dispõe que os direitos fundamentais se apresentam em quatro gerações. A primeira retrata o direito da liberdade, com objetivo de obstar a atitude estatal contra as pessoas, tutelando a vida, a dignidade, a integridade física, a intimidade e a inviolabilidade do domicílio. A segunda tutela os direitos sociais, que por sua vez exigem prestações por parte do Estado, tais como: a saúde, a educação, o trabalho e etc. A terceira são os coletivos e difusos. E por último, a quarta geração que engloba direitos de solidariedade e de fraternidade, é na realidade, uma ordem internacional.
O trabalho, portanto, é um direito de segunda geração, garantidor da sobrevivência do empregado. Por vez, o Estado é o responsável por assegurar novos empregos, garanti-los e fiscalizá-los, visto que somente é considerado como direito fundamental se exercido licitamente, caso contrário deverá ser rechaçado.
Cumpre dispor que, concretiza-se a Dignidade da Pessoa Humana quando se tem todos os direitos fundamentais satisfeitos. Em virtude disso, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 elevou o Princípio da Dignidade Humana como valor fundante de todo o ordenamento jurídico e atrelou a todos o dever de respeitá-lo. Trata-se de um direito de todo ser humano e caracteriza-se por ser irrenunciável, imprescritível, inalienável, inviolável, efetivo, interdependente e complementar.
Sendo assim, o empregador no uso do poder hierárquico deverá se atentar tanto aos direitos convencionados no contrato de trabalho, quanto aos fundamentais dos trabalhadores, que representam verdadeiros limites na aplicabilidade do poder em tese, podendo ser encontrados na Constituição Federal, na Consolidação das Leis Trabalhistas e em outras leis extravagantes vigentes.
Neste prisma, a lei cede ao empregado subordinado o direito de se opor a qualquer mandamento abusivo, é o denominado jus resistentiae, cuja finalidade é fazer valer tanto os direitos fundamentais quanto os pactuados na relação de emprego.
Diante do exposto, é de extrema importância que a empresa possua conhecimento e coloque corretamente em prática as armas que tem em mãos, ou seja, os meios de exteriorização do poder de comando. Com isso, inibe-se a má-fé, em hipótese de se deparar com o perfil de funcionário desinteressado pela permanência no emprego, que age de maneira incorreta, transgredindo as normas internas, tumultuando o andamento dos trabalhos, objetivando a demissão sem justa causa e, por óbvio, usufruir de todos os encargos a ele concedidos nesta condição, tais como: aviso prévio, indenização sobre o montante do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e seguro desemprego.
O Estado na qualidade de responsável pela proliferação de empregos majora os custos com a demissão sem justa causa, exatamente para não representar a modalidade preferida da organização empresarial, no entanto, esta proteção favorece o desinteresse de muitas pessoas pelo trabalho honesto, haja vista que, muitas vezes, preferem viver de sombra e água fresca, à custa do governo. Reforça-se que, isso demonstra a real necessidade do empregador estar preparado, agir nos moldes legais e aplicar as sanções cabíveis para salvaguardar o patrimônio e a imagem da empresa diante da sociedade em geral.
Neste norte, analisando toda a história do Direito do Trabalho percebe-se que se faz pertinente toda tutela existente ao empregado, cabe ao empregador respeitá-la, visto que o trabalho, indiscutivelmente, é um dos principais instrumentos que materializa a dignidade humana.
Advogada. Graduada em Administração em Comércio Exterior pela Faculdade de Cieêcias Econômicas de Apucarana -FECEA e em Direito pela UNOPAR-Universidade Norte do Paraná
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