Resumo: Em determinadas circunstâncias, faz-se necessária restrição de direitos individuais em prol do interesse coletivo. Essas restrições são feitas ao contribuinte através do exercício do poder de polícia, não cabendo, ao contribuinte, se opor. Ocorre que as autoridades fazendárias se valem desse poder para obrigar os contribuintes a quitarem seu débito tributário, de forma excessiva e desproporcional, de modo que viola gravemente direitos fundamentais consagrados pela Carta Magna. O atendimento ao interesse público é utilizado como desculpa para as autoridades se desvincularem dos métodos de cobrança previstos em lei. Uma prática comumente aplicada é a apreensão de mercadorias, condicionando a liberação do bem ao pagamento dos tributos, ferindo direitos como a liberdade de ir e vir, direito de propriedade, livre exercício da atividade econômica, liberdade laboral, livre iniciativa e livre concorrência, direito ao devido processo legal, contraditório e ampla defesa. Os argumentos do Fisco são de que a Administração Pública tem a obrigação de zelar pelos interesses da coletividade, tais como isonomia tributária, segurança jurídica, justiça fiscal e livre concorrência. Após o estudo feito, concluiu-se pela inconstitucionalidade e, portanto, inadmissibilidade, da apreensão uma vez que trata-se de medida cometida de forma arbitrária, desrespeitando os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
Palavras-chave: Sanção Política. Apreensão de Mercadorias. Direitos Fundamentais. Interesse Público.
Sumário: Introdução. 1. Sanções políticas como meio indireto de cobrança de tributos. 1.1. Poder de Polícia e seus Limites. 1.2. Sanções Políticas no Direito Tributário. 1.3. Apreensão de Mercadorias como Forma Coercitiva de Exigir o Pagamento de Tributos. 2. Da violação aos direitos fundamentais do contribuinte. 2.1. Da Liberdade de Ir e Vir e do Direito à Propriedade. 2.2. Do Direito ao Exercício da Livre Atividade Econômica e da Liberdade Laboral. 2.3. Da Livre Iniciativa e da Livre Concorrência. 2.4. Do Devido Processo Legal. 2.5. Do Contraditório e da Ampla Defesa. 3. A supremacia do interesse público e os direitos fundamentais do contribuinte. 3.1. Da Defesa do Interesse Público. 3.2 Da Defesa dos Direitos Fundamentais da Coletividade. 3.2.1 Isonomia Tributária. 3.2.2 Segurança Jurídica e Justiça Fiscal. 3.2.3 Livre Concorrência. 3.3 Da Supremacia do Interesse Público contra os Direitos Fundamentais do Contribuinte. 3.4 Supremacia do Interesse Público e Apreensão de Mercadorias. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
É função do Estado zelar pelo interesse público e pela consolidação do bem comum. Para isto, em determinadas circunstâncias, faz-se necessária restrição de direitos individuais em prol do interesse coletivo. Essas restrições são feitas ao contribuinte através do exercício do poder de polícia, não cabendo, ao contribuinte, se opor.
Todavia, muitas vezes, as autoridades fazendárias se valem desse poder para obrigar os contribuintes a quitarem seu débito tributário, de forma excessiva e desproporcional, de modo que viola gravemente direitos fundamentais consagrados pela Carta Magna.
O atendimento ao interesse público é utilizado como desculpa para as autoridades se desvincularem dos métodos de cobrança previstos em lei, sob a alegativas de que restringe-se direitos fundamentais de determinado indivíduo para que se proteja direitos fundamentais de outros indivíduos.
Resta então a dualidade entre a defesa de interesses singulares e a defesa de interesses coletivos, questionando-se até que ponto a limitação de direitos assegurados pela Constituição ao contribuinte para a consolidação do bem comum é razoável.
Assim, no decorrer deste trabalho científico, procurar-se-á responder determinados questionamentos, tais como: seria a apreensão de mercadorias uma sanção política? Quais são os direitos fundamentais violados com tal prática? Até que ponto seria legítima a limitacnao de direitos fundamentais em prol do interesse coletivo?
A justificativa para este trabalho está no fato de apreensão de mercadorias como forma de exigir o pagamento de tributo ser lesiva ao contribuinte, uma vez que se fere direitos fundamentais consagrados pela Carta Magna, de forma desproporcional e desarrazoada. Tal posição vai de encontro à Constituição Federal e, seguramente, também é incompatível com a idéia do Estado Democrático de Direito.
Portanto, tem-se como objetivo geral a análise da constitucionalidade da apreensão de mercadorias quando aplicada como sanção política, tendo como base, fundamentos doutrinários, jurisprudenciais e constitucionais. Procura-se, ainda, salientar que tal conduta é lesiva ao contribuinte, pois quase sempre é aplicada de maneira desarrazoada.
Os objetivos desta pesquisa são a análise dos direitos fundamentais violados com a prática da apreensão de mercadorias, análise dos direitos coletivos defendidos pela aplicação de tais medidas, e até que ponto deve-se privilegiar estes, em detrimento daqueles.
Quanto aos aspectos metodológicos, as hipóteses foram levantadas através de pesquisa bibliográfica. Acerca do tipo de pesquisa, quanto aos fins é exploratória, buscando sempre maiores informações sobre o tema. Quanto à utilização dos resultados, é pura, visto ter como finalidade a ampliação dos conhecimentos da autora. A abordagem é qualitativa, procurando compreender questões sociais decorrentes da aplicação de sanções políticas, bem como sua repercussão na sociedade.
No primeiro capítulo, buscar-se-á, primeiramente, formar uma base à respeito do conceito de sanção política, explanando os limites do poder de polícia, permitindo, assim, verificar se a conduta de apreensão de mercadorias se enquadra como esse tipo de sanção.
O segundo capítulo abordará os direitos individuais violados com a apreensão indevida de mercadorias, tecendo comentários acerca dos princípios constitucionais infringidos pela pratica da apreensão.
O terceiro capítulo fará uma análise acerca da dos princípios da supremacia e indisponibilidade do interesse público e a sua compatibilidade com os direitos individuais, demonstrando os limites que devem ser observados quando da restrição de direitos fundamentais, finalizando com a questão da apreensão de mercadorias.
Logo, este trabalho consiste em um estudo acerca da admissibilidade da apreensão de mercadorias como meio de cobrança indireta de tributos, explanando, inicialmente, a noção de sanção política para, em seguida, analisar os direitos fundamentais que sofrem restrição com tal conduta, para, finalmente, analisar até que ponto os direitos fundamentais devem sofrer limitação em prol do interesse coletivo.
1 SANÇÕES POLÍTICAS COMO MEIO INDIRETO DE COBRANÇA DE TRIBUTOS
O poder de policia do Estado deve ser exercido de forma a fiscalizar e regular a conduta dos administrados a fim de preservar o interesse coletivo e o convívio social. Contudo, este poder de policia muitas vezes é mal exercido, ou exercido em excesso, e este abuso de poder gera algumas questões, conforme será analisado a seguir.
1.1 O Poder de Polícia e seus Limites
A restrição de direitos individuais, às vezes, se faz necessária para a manutenção do bem comum. É através do poder de policia que esta frenagem de direitos individuais é possível, a fim de prevenir que o mau exercício desses direitos acabem por ameaçar a consecução do bem estar coletivo. Segundo o magistério de Helly Lopes Meirelles (1999, p. 115):
Poder de polícia é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em beneficio da coletividade ou do próprio Estado.
O Código Tributário Nacional [CTN], traz, em seu art. 78, a definição legal de poder de polícia, verbis:
“Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interêsse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de intêresse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. (Redação dada pelo Ato Complementar nº 31, de 28.12.1966)
Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.”
Podemos verificar que o poder de polícia busca equilibrar o exercício de direitos individuais com o convívio em sociedade, impedindo que uma pessoa, ao exercer ilimitadamente os seus direitos, acabe por vir a ferir os direitos individuais de outra pessoa.
Ensina Odete Medauar (2008, p. 230) que esta limitação de direitos de determinado indivíduo ocorre justamente pelo poder-dever do Estado de garantir os direitos essenciais de toda a coletividade, tais como saúde, bem-estar, segurança, direito à propriedade, entre outros.
É por meio do poder de polícia que o Estado pode frenar o abuso do gozo de bens e direitos, cometido pelo particular, que venha a causar prejuízo para a coletividade, e, assim, manter a ordem pública e o bem-estar social. Esta frenagem de direitos pode ser exercida tanto em caráter preventivo, quando busca impedir que determinada conduta particular cause danos ao interesse coletivo; quanto em caráter repressivo, quando repreende e pune a conduta individual lesiva.
Segundo o Magistério de Celso Bandeira de Melo (2005, p. 731), estão sujeitas, à intervenção do poder de polícia, quaisquer condutas que violem: a) de segurança pública; b) de ordem pública; c) de tranqüilidade pública; d) de higiene e saúde públicas; e) estéticos e artísticos; f) históricos e paisagísticos; g) riquezas naturais; h) de moralidade pública; i) economia popular.
Acerca da razão e do fundamento do poder de polícia, ensina Meirelles[1]:
“A razão do poder de polícia é o interesse social, e o seu fundamento está na Constituição e nas normas de ordem pública, que, a cada passo deferem expressa ou implicitamente faculdades para a autoridade pública fiscalizar, controlar e restringir o uso de bens ou o exercício de direitos e atividades individuais em benefício da coletividade. Sem muito pesquisar, deparamos na vigente Constituição da República claras limitações às liberdades pessoais (art. 153, §§ 5º e 6º); à manifestação do pensamento e à divulgação pela imprensa (art. 153, § 8º); ao direito de propriedade (art. 153, § 22) ; ao exercício das profissões (art. 153, § 23) ; ao direito de reunião (art. 153, § 27) aos direitos políticos (art. 154) , à liberdade de comércio (art. 160). Por igual, o código Civil condiciona o exercício dos direitos individuais ao seu uso normal, proibindo o abuso (art. 160) , e, no que concerne ao direito de construir, além de sua normalidade, condiciona-o ao respeito, aos regulamentos urbanos e ao direito dos vizinhos (arts. 554, 572 e 578). Leis outras como o Código de Águas, o Código de Mineração, o Código Florestal, o Código de Caça e Pesca cominam idênticas restrições, visando sempre a proteção dos interesses gerais da comunidade contra os abusos do direito individual.”
A fiscalização tributária nada mais é que o exercício do poder de polícia administrativo, exercido pelas autoridades fazendárias, a fim de verificar o cumprimento das obrigações fiscais pelos contribuintes, protegendo, assim, a arrecadação das receitas públicas e, consequentemente, os interesses coletivos, não cabendo, portanto, ao particular, opor-se a ela.
Por se tratar de restrição de direitos do contribuinte, essa fiscalização não pode ocorrer de forma arbitrária, nem de maneira excessiva ou desnecessária, devendo a autoridade fazendária observar estritamente os limites delineados pela legislação tributária, sob pena de se cometer abuso de autoridade. (CRETELLA JR., José, 2002, p. 551).
Neste sentido, o dispositivo do art. 194[2], do CTN, que afirma que as competências e os poderes da autoridade fiscal se restringem àquelas que lhe foram concedidas por lei, estabelecidas a medida em que o legislador ache necessário para o cumprimento das funções de fiscalização e arrecadação.
Esses limites foram traçados para que a atividade da autoridade administrativa não aplique, aos administrados, restrições de direitos de forma discricionária e indiscriminada, mas, tão somente, nos casos em que sua aplicação é bem motivada e necessária, impedindo condutas arbitrárias, e, assim, obedecendo aos princípios da impessoalidade e moralidade.
Assim, nos casos mencionados, essas restrições e limitações de direitos são válidas e constitucionais, não cabendo ao particular questioná-las. Do contrário, tornam-se impróprias, configurando abuso de poder, estando, inclusive, a autoridade coatora sujeita à Responsabilidade Administrativa Civil e Criminal, regulada pela Lei Federal no 4898, de 9 de dezembro de 1965.
1.2 Sanções Políticas no Direito Tributário
O poder de polícia, quando não é exercido em conformidade com as disposições estabelecidas pela legislação tributária, acaba por ter seus limites extrapolados, provocando sanções que muitas vezes são desproporcionais e desarrazoadas, em relação à infração cometida pelo contribuinte.
No âmbito do Direito Tributário, muitas vezes, esses excessos são cometidos com o intuito de forçar o contribuinte ao cumprimento de uma obrigação fiscal, o que acaba por provocar algumas limitações. Essas restrições ou proibições, impostas ao contribuinte como forma coercitiva de cobrança indireta de exações, são conhecidas como sanções políticas.[3]
José Alberto Rôla (2007, p. 473) define as sanções políticas como “medidas cavilosas”, que não estão previstas em lei, mas que são frequentemente utilizadas, de forma coativa e abusiva, a fim de alcançar uma arrecadação desejada. Sustenta, ainda, o referido autor, que tais sanções são forma ilegítima de obrigar o contribuinte ao pagamento dos tributos supostamente devidos, manifestadas através de restrições e proibições arbitrárias.
Cesare Beccaria[4] defende que nenhuma pessoa faz um sacrifício em prol do bem-estar coletivo, mas por medo da pena que lhe seria aplicada, caso o mesmo não o fizesse. Desta forma, as sanções foram criadas com o intuito de garantir a eficácia do ordenamento jurídico, haja vista que, dado o seu caráter claramente intimidatório, acaba por evitar as distorções provocadas pelo descumprimento da legislação.
As sanções tributárias, por sua vez, são cabíveis e aplicáveis para reprimir e punir as condutas infracionárias cometidas pelos contribuintes [descumprimento de obrigação principal ou acessória], desde que sejam utilizadas em observância aos limites legais e nunca como forma oblíqua de se exigir o pagamento de tributos, pois, assim, passam a ter caráter de sanções politicas.
Esse tipo de sanção é muito criticado pela Doutrina, pois, quando as autoridades fazem uso delas, se desvinculando dos métodos de cobrança previstos em lei, acabam por proceder uma execução ilegítima, visto que, ao defender a satisfação de um crédito ainda presumido, faltam-lhe os requisitos fundamentais da execução, quais sejam certeza, liquidez e exigibilidade, haja vista que a obrigação é simplesmente imposta ao contribuinte, sem que lhe seja dada oportunidade de contestar a legalidade do débito.
Outra crítica que se faz é o fato de as sanções políticas acarretarem, na maioria das vezes, consequências muito mais gravosas que o próprio pagamento da exação, ferindo, assim, o princípio da proporcionalidade.
Neste sentido, o entendimento de Aliomar Baleeiro (2010, p. 987):
“Apenas abuso e arbítrio, ofensa a impessoalidade e à moralidade administrativa. Verdadeiro excesso na exação, uma vez que muitas dessas medidas trazem prejuízos muito maiores aos contribuintes do que o próprio tributo exigido (devida ou indevidamente).”
O Supremo Tribunal Federal [STF] entende no sentido de que, em regra, as sanções políticas ameaçam os direitos fundamentais constitucionais e, portanto, são inadmissíveis, conforme o entendimento sumulado:
“Súmula nº 70. É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.
Súmula nº 323. É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.
Súmula nº 547 Não é lícito a autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.”
Frisamos conforme o entendimento da Egrégia Corte, para que se caracterize sanção política, é necessário analisar os impactos das restrições de direitos na vida dos contribuintes, de modo que somente configuram o referido tipo de sanção aquelas dotadas de desproporcionalidade e desarrazoabilidade, conforme ficou ressaltado no julgamento da ADI 173[5], da Relatoria do Ministro Joaquim Barbosa:
“CONSTITUCIONAL. DIREITO FUNDAMENTAL DE ACESSO AO JUDICIÁRIO. DIREITO DE PETIÇÃO. TRIBUTÁRIO E POLÍTICA FISCAL. REGULARIDADE FISCAL. NORMAS QUE CONDICIONAM A PRÁTICA DE ATOS DA VIDA CIVIL E EMPRESARIAL À QUITAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS. CARACTERIZAÇÃO ESPECÍFICA COMO SANÇÃO POLÍTICA. AÇÃO CONHECIDA QUANTO À LEI FEDERAL 7.711/1988, ART. 1º, I, III E IV, PAR.1º A 3º, E ART. 2º. […]
3. Esta Corte tem historicamente confirmado e garantido a proibição constitucional às sanções políticas, invocando, para tanto, o direito ao exercício de atividades econômicas e profissionais lícitas (art. 170, par. ún., da Constituição), a violação do devido processo legal substantivo (falta de proporcionalidade e razoabilidade de medidas gravosas que se predispõem a substituir os mecanismos de cobrança de créditos tributários) e a violação do devido processo legal manifestado no direito de acesso aos órgãos do Executivo ou do Judiciário tanto para controle da validade dos créditos tributários, cuja inadimplência pretensamente justifica a nefasta penalidade, quanto para controle do próprio ato que culmina na restrição. É inequívoco, contudo, que a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal não serve de escusa ao deliberado e temerário desrespeito à legislação tributária. Não há que se falar em sanção política se as restrições à prática de atividade econômica objetivam combater estruturas empresariais que têm na inadimplência tributária sistemática e consciente sua maior vantagem concorrencial. Para ser tida como inconstitucional, a restrição ao exercício de atividade econômica deve ser desproporcional e não-razoável”. (grifo nosso)
Analisando essa jurisprudência, ousamos entender que toda sanção política é considerada inconstitucional pela Suprema Instância, haja vista que tal conduta viola direitos fundamentais. Todavia, a ausência dos elementos da proporcionalidade e razoabilidade são essenciais para caracterização do instituto jurídico repudiado, podendo uma mesma conduta repressora ter ou não o status de sanção política.
Desta forma, o que se questiona não é a admissibilidade destas sanções, visto que serão sempre inconstitucionais e, portanto, inadmissíveis. Mas sim, o enquadramento de tal conduta na modalidade descrita, ou seja, a análise da razoabilidade e da proporcionalidade da conduta da autoridade fazendária. Caso estejam estas ausentes, a sanção seria tipificada por arbitrária e, portanto, política.
Isto porque, ao se tratar de restrições de direitos fundamentais de um particular em prol da coletividade
1.3 Apreensão de Mercadorias como Forma Coercitiva de Exigir o Pagamento de Tributos
O poder de polícia do Estado, como já fora abordado, é bastante importante para a atividade de fiscalização, pois é através do exercício deste poder-dever que pode a autoridade administrativa reter determinados bens, a fim de verificar a regularidade dos mesmos, assim como o cumprimento das obrigações fiscais que lhes são inerentes.
Primeiramente, é importante se ter em mente que esta retenção de mercadorias, devidamente motivada, para fins de fiscalização do cumprimento de obrigações tributárias principais e acessórias, é lícita e necessária para a verificação do seu adimplemento e, em caso negativo, para que o crédito tributário possa futuramente vir a ser cobrado.
Com efeito, em determinadas circunstâncias, não há outro método eficaz para comprovar a ocorrência da operação tida como irregular, apurar o valor dos tributos supostamente devidos e, até mesmo, identificar o contribuinte responsável pelo pagamento da quantia, se não for pela apreensão de mercadorias. [6]
Nestes casos, em que não há outra forma de apurar os fatos, a autoridade administrativa pode, e deve, reter a mercadoria, pois, ausentes tais dados, o Fisco não teria os requisitos fundamentais de constituir o crédito tributário e, futuramente, proceder com a execução fiscal. Após verificadas tais informações, não razão para que a autoridade mantenha as mercadorias retidas.
O momento final da fiscalização culmina com a liberação da mercadoria, ou com a lavratura de auto de infração, instrumento que constitui prova da irregularidade apurada e do qual pode ser feito uso para executar o crédito tributário. Assim, devidamente munida de tal documento hábil, cessam os motivos que justificam a retenção pela autoridade administrativa, que deve proceder com a liberação do bem em questão.
Ocorre que, muitas vezes, o Fisco, com o intuito de obter a satisfação imediata da obrigação, mantém o bem apreendido por tempo superior ao necessário para a apuração da irregularidade, e até mesmo após finda a fiscalização, condicionando a liberação do bem ao pagamento dos tributos que lhes são inerentes.
Conforme o entendimento de Hugo de Brito Machado[7]:
“São exemplos mais comuns de sanções políticas a apreensão de mercadorias sem que a presença física destas seja necessária para a comprovação do que o fisco aponta como ilícito […]”
A manutenção da mercadoria apreendida, mesmo depois da lavratura do auto de infração, como forma de coagir o contribuinte ao pagamento da exação, configura abuso da autoridade administrativa, assim como desvio de finalidade, uma vez que este método diverge daquele previsto em lei para a execução fiscal, caracterizando a figura da citada sanção política.
O procedimento da execução fiscal está regulamentado pela Lei Federal no 6.830/80 e deve ser observado pela autoridade, exatamente nos termos da legislação, uma vez que, à matéria em questão, não foi concedida discricionariedade. Assim, infere-se que a arbitrariedade no modo de condução da execução fiscal fere, também, um importante princípio da Administração Pública, qual seja o principio da legalidade.
A Suprema Corte Brasileira, no que concerne à apreensão de mercadorias, consolidou o seu entendimento jurisprudencial, ao editar, em 1963, a retrocitada Súmula 323, que diz que é “inadmissível a apreensão de mercadoria como forma coercitiva para pagamento de tributo”, rechaçando, desta forma, a detenção de bens e objetos por tempo superior ao necessário para a apuração da infração tributária.
A Doutrina sustenta também que a apreensão abusiva de mercadoria caracteriza meio de cobrança gravoso e vexatório, o que tipifica também o crime de excesso de exação, previsto no art. 316, parágrafo 1o, do Código Penal Brasileiro.
“Art. 316 omissis
Excesso de exação
§ 1° Se o funcionário exige imposto, taxa ou emolumento que sabe indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, de um conto a dez contos de réis.”
Pela análise do dispositivo, podemos verificar que, mesmo quando o tributo é devido e, portanto, o agente tenha o dever de cobrá-lo, o Estado não o autoriza a fazê-lo de maneira constrangedora para o contribuinte, sob pena de responder civil e criminalmente pelos seu atos arbitrários.
Logo, apreensão de mercadorias como meio de coação indireta, para obrigar o contribuinte ao pagamento de tributos, além de ilegal, é desarrazoada e desproporcional e caracteriza espécie das já abordadas sanções políticas, práticas que são, largamente repudiada pelos doutrinadores, inclusive porque viola direitos fundamentais do contribuinte, direitos estes que serão objeto de análise do próximo capítulo.
2. DA VIOLAÇÃO AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO CONTRIBUINTE
Quando o Estado promove a aplicação de sanções políticas, a fim de garantir a adimplência de tributos, o mesmo põe em risco direitos fundamentais do contribuinte, direitos estes previstos constitucionalmente. No caso da apreensão de mercadorias, há ofensa aos seguintes direitos:
2.1. Da Liberdade de Ir e Vir e do Direito à Propriedade
O primeiro direito fundamental a sofrer violação, pela apreensão indevida de mercadoria, é o que convencionou-se chamar de direito de ir e vir do contribuinte. A Constituição Federal Brasileira [CFB/88] em seu art. 5o, inciso XV, garante que “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens” (grifo nosso).
Analisando o mencionado dispositivo, pode-se observar claramente que a garantia constitucional de ir e vir não é restrita apenas à pessoa do brasileiro ou do estrangeiro residente, mas estende-se também aos seus bens.
Neste viés, corrobora o art. 150, inciso V, da CFB/88, que garante a liberdade do tráfego de pessoas e seus bens, de modo que é defeso ao Estado utilizar qualquer forma de tributo para limitá-lo, verbis:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
V – estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio[8] pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público;”
O motivo pelo qual se estende o direito de locomoção da pessoa aos seus bens é a proteção ao direito à propriedade, garantido pelo art. 5o, inciso XXII, da CFB/88, que expressa que “é garantido e direito de propriedade”.
Por configurarem direitos e garantias individuais [art. 5o, CFB/88], tanto o direito de ir e vir, quanto o direito à propriedade, configuram cláusula pétrea, nos termos do art. 60, inciso IV, da Carta Magna Brasileira. Esse último, no entanto, admite algumas formas de intervenção, todas previstas na Constituição, são elas: requisição, ocupação temporária, limitação administrativa, servidão, tombamento, desapropriação e confisco.
Primeiramente, a retenção indevida pelo fisco não configura limitação administrativa, servidão ou tombamento, uma vez que essas modalidades de intervenção não implicam a perda da posse do proprietário.
Em segundo lugar, não é requisição, pois não se observa o iminente perigo público, ao qual alude o art. 5o, inciso XXV, da CFB/88[9]; ou ocupação temporária, haja vista que também não se trata de bem imóvel não edificado, conforme exige o art. 36, Decreto-Lei no 3365/41[10]. Tampouco se enquadra na hipótese de desapropriação, uma vez que não se observa a indenização prévia e justa referida pelo art.5o, inciso XXIV, da CFB/88[11].
Logo, a apreensão de mercadorias pelo Estado, em razão do não pagamento de exações, pode caracterizar prática confiscatória, vedada aos tributos através do princípio constitucional do não confisco, previsto no art. 150, IV, da CFB/88[12] .
2.2 Do Direito ao Exercício da Livre Atividade Econômica e da Liberdade Laboral
A Constituição garante a o direito à liberdade laboral e ao exercício da livre atividade econômica em seu art. 170, inciso VIII e parágrafo único, respectivamente, ipsis literis:
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:[…]
VIII – busca do pleno emprego;[…]
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”.
No caso do contribuinte comerciante, a mercadoria que é apreendida é o objeto da sua atividade laboral, de forma que ocorre violação também do livre exercício da atividade econômica do direito ao pleno emprego, uma vez que a continuação da sua atividade passa a ser condicionada à satisfação do crédito tributário.[13]
De fato, os bens em questão foi adquirido com a finalidade de ser comercializado ou para ser utilizado como ativo ou insumo no processo de fabricação do produto final da empresa. Assim, quando esses bens são injustamente detidos, acabam por acarretar consequências de elevada proporção e, inclusive, chegam a causar prejuízo para a atividade laboral do comerciante.
De fato, como bem ressalta Machado Segundo (2010, p. 66), o contribuinte não pode ter a sua liberdade ao exercício de atividade econômica lícita cerceada como meio coativo para pagar tributo.
Nesse sentido, entendeu o STF, no RE 374981/RS[14], que teve como Relator o Min. Celso de Mello, julgou inadmissível a restrição indevida da liberdade da empresa e da profissão, decorrente da aplicação de sanções políticas.
“EMENTA: SANÇÕES POLÍTICAS NO DIREITO TRIBUTÁRIO. INADMISSIBILIDADE DA UTILIZAÇÃO, PELO PODER PÚBLICO, DE MEIOS GRAVOSOS E INDIRETOS DE COERÇÃO ESTATAL DESTINADOS A COMPELIR O CONTRIBUINTE INADIMPLENTE A PAGAR O TRIBUTO (SÚMULAS 70, 323 E 547 DO STF). RESTRIÇÕES ESTATAIS, QUE, FUNDADAS EM EXIGÊNCIAS QUE TRANSGRIDEM OS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE EM SENTIDO ESTRITO, CULMINAM POR INVIABILIZAR, SEM JUSTO FUNDAMENTO, O EXERCÍCIO, PELO SUJEITO PASSIVO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA, DE ATIVIDADE ECONÔMICA OU PROFISSIONAL LÍCITA. LIMITAÇÕES ARBITRÁRIAS QUE NÃO PODEM SER IMPOSTAS PELO ESTADO AO CONTRIBUINTE EM DÉBITO, SOB PENA DE OFENSA AO "SUBSTANTIVE DUE PROCESS OF LAW". IMPOSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL DE O ESTADO LEGISLAR DE MODO ABUSIVO OU IMODERADO (RTJ 160/140-141 – RTJ 173/807-808 – RTJ 178/22-24). O PODER DE TRIBUTAR – QUE ENCONTRA LIMITAÇÕES ESSENCIAIS NO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL, INSTITUÍDAS EM FAVOR DO CONTRIBUINTE – "NÃO PODE CHEGAR À DESMEDIDA DO PODER DE DESTRUIR" (MIN. OROSIMBO NONATO, RDA 34/132). A PRERROGATIVA ESTATAL DE TRIBUTAR TRADUZ PODER CUJO EXERCÍCIO NÃO PODE COMPROMETER A LIBERDADE DE TRABALHO, DE COMÉRCIO E DE INDÚSTRIA DO CONTRIBUINTE. A SIGNIFICAÇÃO TUTELAR, EM NOSSO SISTEMA JURÍDICO, DO "ESTATUTO CONSTITUCIONAL DO CONTRIBUINTE". DOUTRINA. “PRECEDENTES. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO. (grifos nossos)
Neste viés, o entendimento de Hugo de Brito Machado[15], no sentido de que não pode o contribuinte ter a sua atividade comercial cerceada, verbis:
“Mesmo o contribuinte mais remitente na prática de infrações à lei tributária não pode ser proibido de comerciar. Mesmo aquele que tenha sido condenado, no juízo criminal competente, por prática do crime de sonegação de tributos, tem o direito de continuar exercendo o comércio, porque a lei não comina aos que cometem esse crime a pena de proibição do exercício do comércio.
Aliás, mesmo a lei penal, lei ordinária federal posto que à União compete legislar em matéria penal, não pode cominar a pena de cancelamento da inscrição do contribuinte, posto que estaria instituindo pena de caráter perpétuo, que a Constituição proíbe (CF/88, art.5º, inciso XLVII, alínea “b”)”.
Assim, se a proibição do exercício da atividade econômica não poderia ser imposta ao contribuinte nem mesmo se o mesmo já houvesse sido condenado em juízo criminal, uma vez que a lei não prevê essa proibição como pena para o contribuinte inadimplente, sequer é possível sem que lhe haja sido garantido o direito ao contraditório e a ampla defesa, assim como o direito ao devido processo legal.
Cumpre ressaltar, ainda, que mesmo que o contribuinte consiga a liberação das mercadorias por meio de mandado de segurança, ainda assim, pode ser que tenha sido causado prejuízo à sua atividade econômica, como é o caso de, como cita Machado Segundo[16], produtos perecíveis, artigos natalinos e brinquedos que são liberados somente após natal e dia das crianças, etc. Há também a hipótese dos produtos já vendidos, mas que tem a sua entrega atrasada em virtude da apreensão, o que implica o dever de pagamento de multas ao consumidor pelo comerciante.
Machado Segundo sustenta que, caberia a responsabilização da autoridade fazendária, ou do Estado, pelos eventuais danos e prejuízos provocados ao contribuinte, se verificado que os mesmos guardam nexo causal com a apreensão abusiva, por força da disposição expressa no art. 37, caput e parágrafo 6º, da CFB/88, verbis:
“As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa.
Desta forma, tem o contribuin”te o direito de ingressar com ação de perdas e danos, para recuperar o prejuizo material e os danos morais que possa ter sofrido, fruto da conduta coativa e abusiva da autoridade fazendária.
2.3 Da Livre Iniciativa e da Livre Concorrência
A Doutrina defende, ainda, que a coação através da apreensão de mercadorias fere também o princípio da livre iniciativa, previsto no art. 1o, inciso IV[17] da CF/88 e no art. 170, caput, do Texto Constitucional, sob a alegativas de que a autoridade administrativa, ao obrigar o contribuinte ao pagamento do tributo, estaria violando essa garantia.
O princípio da livre iniciativa tutela o direito do contribuinte de exercer a sua atividade econômica sem limitações por parte do Estado e decorre do principio constitucional da intervenção mínima do Estado na economia nacional.
Quando o fisco mantém a mercadoria apreendida injustamente, de forma que caracterize a sanção política, acaba por interferir na atividade econômica, impedindo até mesmo o seu desenvolvimento, conforme ressalta Sávio Carmona de Lima (2006, p. 158):
“Muitas vezes, a Administração tributária extravasa os limites que a Constituição Federal lhe concede, e chega a impedir o pleno desenvolvimento das atividades empresariais de contribuintes, os quais, por algum infortúnio, encontram-se devedores para com as respectivas Fazendas Públicas. E esses agentes públicos, lançando mão de instrumentos malévolos, chegam a impedir o próprio desenvolvimento da atividade empresarial, sendo estes instrumentos considerados como inconstitucionais em face das disposições contidas na Magna Carta.”
Neste sentido, também discorre Aristóteles de Queiroz Câmara (2007, p.128):
“As sanções políticas, em regra, se não impedem o exercício e desenvolvimento das práticas rotineiras e produtivas que o empresário habitualmente exercita, embaraça, dificulta e muitas vezes impõem restrições manifestamente injustificáveis que, com o intuito de fomentar a arrecadação de tributos, acaba por reduzi- la ao desestimular, impedir, ou tornar menor o exercício da atividade empresarial.”
Desta forma, fica clara a interferencia negativa do fisco na atividade econômica do contribuinte quando o Órgão fiscalizador detém a mercadoria desnecessariamente, a fim de exigir o cumprimento dos tributos, o que configura afronta ao princípio da livre iniciativa.
Igualmente, também afronta ao princípio da livre concorrência, é um desdobramento daquele, já que quando o Estado interfere na atividade economica de um comerciante singular, acaba por intervir, mesmo que indiretamente, na concorrência.
2.4 Do Devido Processo Legal
O due process of law [devido processo legal] teve sua origem documentada na Carta Magna[18] de 1215 e hoje encontra-se positivado no art. 11, item 1[19], da Declaração Universal dos Direitos do Homem . (MORAES, Alexandre, 2006, p. 92).
Esta garantia está intrinsicamente ligada aos princípios do contraditório e da ampla defesa, assim como ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, e tutela a inocência da pessoa até que a mesma, após ter tido oportunidade de defesa, tenha sido declarada culpada.
A Constituição Federal Brasileira preconiza, em seu art. 5, inciso LIV, que “ninguém será privado de seus bens sem que haja o devido processo legal”. O princípio do devido processo legal constitui direito fundamental e é frequentemente invocado nas decisões dos tribunais, visto que é considerado uma das maiores garantias processuais constitucionais, conforme ressalta Paulo de Barros Carvalho (2011, p. 213). No âmbito fiscal, o direito ao devido processo legal visa, acima de tudo, impedir arbitrariedades, por parte do Fisco, na cobrança de tributos supostamente devidos.
Tributos devem ser cobrados na forma lei, por meio de inscrição em Divida Ativa e ação de execução fiscal, em defesa ao principio do devido processo legal, assegurado o direito ao contraditório e à ampla defesa, e, somente obedecendo ao respectivo tramite legal é que o contribuinte poderia ser privado da propriedade de seus bens.
Desta forma, não pode o Fisco apreender a mercadoria do contribuinte sem que tenha sido proferida sentença condenatória, ou pelo menos concedida medida cautelar, em processo administrativo fiscal, estando tal conduta, portanto, totalmente desprovida de respaldo legal.
2.5 Do Contraditório e da Ampla Defesa
Nos termos do art. 5o, inciso LV[20], da CF/88, é garantido, aos brasileiros e estrangeiros residentes, o direito ao contraditório e à ampla defesa, que foi definido por Maria Sylvia Di Pietro (2007, p. 367) com sendo:
“O princípio do contraditório, que é inerente ao direito de defesa, é decorrente da bilateralidade do processo: quando uma das partes alega alguma coisa, há de ser ouvida também a outra, dando-se-lhe oportunidade de resposta.”
Essa cláusula pétrea integra o princípio do devido processo legal e não se resume apenas à manifestação de ambos os litigantes, mas sim, no caso em questão, ao direito do contribuinte de contestar o crédito tributário que lhe é cobrado, direito este que lhe é cerceado pela sanção política que lhe é aplicada.
Roque Antônio Carraza (2009, p. 464) defende que, até mesmo no procedimento administrativo fiscal, deve-se observar o princípio do contraditório e da ampla defesa antes de se aplicar qualquer medida punitiva.
Neste sentido, corrobora a jurisprudência do STF, que entende que tais garantias, nos processos administrativos, devem ser asseguradas, tanto quando em caso de punições disciplinares, quanto nas demais restrições de direito. (MENDES, 2009, p. 602)
Desta forma, fica claro que, quando a autoridade apreende o bem de forma indevida, acaba por cercear o direito de defesa do contribuinte, pois o mesmo se vê impossibilitado de discutir o crédito tributário e se defender da cobrança que lhe é feita. Desta forma, o contribuinte fica obrigado a pagar um tributo que, até então, é apenas supostamente devido e se, por ventura, caso não o seja, depois ingressar com ação de ressarcimento.
3 A SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO CONTRIBUINTE
É papel da Administração Pública defender o interesse coletivo. Quando uma sanção politica é aplicada, não se busca apenas uma satisfação do crédito tributário, mas também a proteger direitos fundamentais da coletividade.
3.1. Da Defesa do Interesse Público
A Administração Pública é regida por dois princípios fundamentais, conhecidos como princípios da supremacia e da indisponibilidade do interesse público, que são de extrema relevância para o convívio social estável.
O princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado roga que havendo conflitos entre o interesse da coletividade e o interesse do particular, o primeiro deverá prevalecer, até mesmo como forma de proteger e assegurar o segundo (Mello, 2005, p. 58). Ou seja, estes interesses estão intimamente ligados, de forma que, atingindo o interesse coletivo, o interesse particular acaba por se beneficiar também, uma vez que o indivíduo é parte da sociedade.
Já a respeito do princípio da indisponibilidade do interesse público, ensina Mello (2005, pp. 73-74) que os interesses coletivos são impropriáveis, não podendo serem colocados a disposição de ninguém, nem mesmo do próprio Órgão Administrativo, a quem cabe-lhes, tão somente o dever de guardá-los e assegurá-los.
São esses princípios que justificam as atividades e imposições praticadas pela Administração Pública, a fim de que o Estado possa alcançar as finalidades que lhe são conferidas legal e constitucionalmente e, assim, consolide-se a consecução do bem comum. (ALEXANDRINO, 2010, pp. 10-11).
Destarte, ensina Medauar (2008, p. 129) que, em observância à supremacia e a indisponibilidade do interesse público, não pode a autoridade administrativa deixar de praticar atos ou tomar providências importantes para o atendimento do interesse coletivo.
Quando a providência diz respeito à arrecadação tributária, alguns doutrinadores afirmam, ainda, que não pode a autoridade fazendária deixar de praticar atos que satisfaçam a respectiva cobrança, pois, do contrário, caberia responsabilização daquele agente administrativo por ato de improbidade administrativa, com fulcro no art. 10, inciso X, da Lei no 8.429/92, ipsis litteris:
“Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:
X – agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público;”
3.2 Da Defesa dos Direitos Fundamentais da Coletividade
Com base nesses argumentos, as autoridades fazendárias sustentam que, quando se apreende a mercadoria por falta de pagamento de tributo, o Fisco estaria agindo de acordo com o seu dever, buscando não somente a entrada de receitas públicas no Erário, mas a defesa dos seguintes direitos fundamentais coletivos:
3.2.1 Isonomia tributária
O princípio da isonomia tributária está previsto no art. 150, inciso II, da CFB/88 e consiste em garantir tratamento igualitário a todos os contribuintes que estejam em situações similares, verbis:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;”
Desta forma, quando o fisco procede com a apreensão do bem até o pagamento dos tributos que lhe são inerentes, estaria protegendo a justiça fiscal, uma vez que não seria justo dar o mesmo tratamento do contribuinte que cumpre corretamente com o seu dever de pagar tributo ao contribuinte inadimplente, uma vez que, visivelmente, os mesmos não estão em situações equivalentes.
Nesse sentido, o entendimento da Segunda Câmara do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, no julgamento do Reexame Necessário no 16473/2010[21], tendo como revisora a Des. Marilsen Andrade Addario:
“REEXAME NECESSÁRIO DE SENTENÇA – APREENSÃO DE MERCADORIAS PELO FISCO ESTADUAL – LEGALIDADE (§ 5º, ART. 150, CE) – NÃO COMPROVAÇÃO PELO CONTRIBUINTE DO RECOLHIMENTO DO ICMS GARANTIDO – IMPOSTO DEVIDO – PROTEÇÃO CONTRA CONCORRÊNCIA DESLEAL E EFICÁCIA DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA TRIBUTÁRIA (ART. 150, II, CF/88) – DIREITO LÍQUIDO E CERTO NÃO CONFIGURADO – SENTENÇA RETIFICADA. Não configura arbitrariedade a apreensão de mercadoria pelo Fisco quando o contribuinte não comprova o recolhimento do ICMS Garantido devido por lei, porquanto constitui o ato infração material de caráter permanente prevista no § 5º do artigo 150 da Constituição Estadual, inserido pela Emenda Constitucional nº 55 de 05-03-2009. Ademais, visa a medida/retenção garantir a leal concorrência entre os comerciantes bem como a eficácia do princípio da isonomia tributária previsto no artigo 150, II, da CF. “
Assim, até nos parecem boas as intenções da autoridade fazendária, mas discordamos, pois, que este seria fundamento para tutelar a apreensão de mercadorias, uma vez que acreditamos que é o pagamento do tributo que garante o tratamento igualitário aos contribuintes, e esse pagamento, por sua vez, pode ser alcançado por meio da Ação Execução Fiscal.
3.2.2 Segurança Jurídica e Justiça
A segurança jurídica existe para que o propósito do ordenamento jurídico seja alcançado, fornecendo, aos administrados, a garantia necessária para o convívio social, concedendo a certeza de punição de atos praticados em desobediência às normas às quais estão os administrados obrigados.
A segurança jurídica é o principio através do qual se consolida a idéia de justiça, e constitui um direito fundamental do cidadão, devendo, portanto, o Estado zelá-lo e defendê-lo quando o mesmo tiver sido posto em risco, de modo a garantir também a estabilidade do convívio social.
É sabido que a obrigação de pagar tributo é imposta a todos aqueles contribuintes que tenham praticado determinado fato gerador, excluídas, obviamente, as hipóteses de concessão de imunidades e isenções. Isso porque é obrigação de todos contribuir para o financiamento da máquina Estatal.
Desta forma, o direito subjetivo da justiça fiscal descende da solidariedade, da cidadania, da unidade nacional e, também, do princípio da capacidade contributiva, uma vez que este direito prevê que as cargas tributárias sejam distribuídas e suportadas por todos os contribuintes.
Isso consiste, conforme saliente Arnaldo Godoy[22] utilizar mecanismos de progressividade e regressividade a fim de manter um equilíbrio contributivo, de modo não haja sobrecarga do contribuinte economicamente menos portentoso e, tampouco, uma carga tributária muito baixa para aqueles com capacidade contributiva maior.
Assim, é função do Fisco preservar esse equilíbrio e, consequentemente, garantir a manutenção da justiça fiscal aos administrados. E esse propósito é atingido quando o plano arrecadatório se concretiza, de modo que cada contribuinte tenha pago aquilo que lhe foi atribuído.
Desta forma, cabe ao Fisco garantir o adimplemento das obrigações fiscais como meio de garantir o cumprimento do estrito dever de pagar tributo, de forma a preservar a justiça fiscal, uma vez que não é justo que, sendo dever de todos contribuir, apenas determinados contribuintes cumprisse com suas obrigações e custeio do propósito social.
Por meio da garantia do cumprimento das obrigações tributárias por todos os contribuintes, aplicando-se sanções quando necessário, acaba-se por garantir, também, a segurança jurídica a todos, haja vista que a impunidade das consequências dos atos praticados em afronta à legislação tributária acabaria por causa um intenso mal-estar coletivo.
3.2.3 Livre Concorrência
Como já fora mencionado, todos os contribuintes têm o direito de competir livremente no mercado, sob pena de ferir o princípio da livre concorrência. Todavia, quando determinado contribuinte se vale da não intervenção do Estado na sua atividade econômica e passa a abusar desse direito, acaba por em risco o direito dos demais.
Deste modo, o comerciante deve se utilizar de políticas econômicas estratégicas para alcançar a preferência do público, utilizando a boa-fé e cumprindo para com os seus deveres fiscais, sob pena de cometimento de uso abusivo do poder econômico.
Uma empresa que é menos onerada por não adimplir as suas obrigações tributárias, logicamente, aufere uma vantagem maior, frente ao mercado, que aquela que paga todos os tributos de forma correta, o que viola visivelmente o direito a livre concorrência dos demais e acaba por acarretar sérios problemas na ordem econômica.
O próprio art. 170, parágrafo único, da CFB/88, estabelece os contornos da liberdade de iniciativas, quando expressa “salvo nos casos previstos em lei”, de modo que a Administração Pública poderá intervir em casos de afronta aos princípios resguardados pela Constituição, tais como boa-fé, isonomia, justiça fiscal e da própria livre concorrência coletiva.
Logo, verifica-se que liberdade econômica, garantida ao contribuinte, não é absoluta, mas um direito condicionado ao cumprimento de as suas finalidades. Assim, cabe ao Estado intervir na autonomia privada, caso verifique que o exercício da livre iniciativa individual esteja acarretando qualquer tipo de anarquia, nos termos do art. 173, parágrafo 4o, da CFB/88.
“Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
§ 4º – A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.”
A apreensão de mercadorias por falta de pagamento de tributo, de fato, é um método eficaz de barrar a concorrência desleal, haja vista que tais bens seriam impedidos de competir no mercado até que tivessem suas obrigações fiscais satisfeitas, corroborando também com a isonomia tributária e a justiça fiscal.
Contudo, apesar da praticidade desse método aplicado, cumpre analisar até que ponto essa limitação de direitos em prol do benefício coletivo é razoável, haja vista que os direitos que são gravemente violados são os direitos fundamentais do contribuinte.
3.3 Da Supremacia do Interesse Público contra os Direitos Fundamentais do Contribuinte
Sabemos que a restrição de alguns direitos individuais é fundamental para a consolidação do bem estar coletivo, todavia, essas limitações de direitos devem obedecer os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, sendo necessário analisar se os benefícios coletivos, por elas gerados, se sobrepõem às consequências e aos impactos causados à vida dos administrados.
Uma questão que se coloca em relação a esse tema é a ausência de definição legal acerca do interesse público. Apesar de a Doutrina trazer uma série de definições acerca dessa expressão, cabe à autoridade administrativa definí-la a seu senso, o que abre espaço para possíveis arbitrariedades.
De fato, diante do caráter vago do termo em questão, Fabio Medina Osório (2000, p. 81) ressalta que seria um tanto quanto imprudente reconhecer a intocabilidade de um princípio que, antes de tudo, determina a prevalência do interesse coletivo em detrimento do interesse individual, “em quaisquer hipóteses de conflitos e colisões, de forma radical e absoluta”.
Essa questão, conforme destaca Daniel Sarmento (2005, p. 99-100), assume contornos, ainda mais, delicados quando os direitos individuais em questão se tratam de direitos fundamentais, que são garantidos pela Constituição como forma de garantir uma existência digna aos seus administrados. Como ficaria a defesa a esses direitos frente a um princípio que, ao invés de buscar uma solução balanceada para o conflito de interesses, acaba sempre por conceder prestígio a uma das partes da relação, não importando as especificidades de cada caso concreto.
Outra questão que se coloca é se seria a defesa dos direitos fundamentais uma forma de se proteger o interesse coletivo, pois, como observou Gustavo Binenbojm (2005, pp. 29-30):
“[…] muitas vezes, a promoção do interesse público – entendido como conjunto de metas gerais da coletividade – consiste, justamente, na preservação de um direito individual, na medida do possível.”
Seguindo a linha de pensamento do autor, verifica-se que esses fatores [interesse público e direitos individuais] não são sempre antagônicos, de modo que, sendo possível conciliá-los, essa harmonização deverá ser feita, em atendimento também ao princípio da concordância prática. Este princípio hermenêutico constitucional, formulado por Konrad Hesse, apud Inocêncio Mártires Coelho[23], roga que os aplicadores da lei devem buscar uma solução que harmonize, ao máximo, os bens protegidos constitucionalmente, de modo que, em caso de conflito, não se opte pela afirmação em detrimento do sacrifício do outro.
Entendemos, desta forma, que os princípios da supremacia e da indisponibilidade do interesse coletivo não devem ser interpretados de forma rígida e absoluta, de modo que devem ser respeitados, na medida do possível, os direitos individuais do contribuinte, principalmente os direitos fundamentais.
Assim, cabe à Administração Pública o dever respeitar esses direitos individuais até o limite em que lhe seja possível compatibilizá-lo com a defesa dos interesses coletivos, de modo que somente devem ser aplicadas, aos administrados, aquelas restrições extremamente necessárias para o bem estar comum.
3.4 Supremacia do Interesse Público e Apreensão de Mercadorias
Pelo que fora exposto, entendemos que, assim como os direitos individuais não podem ser exercidos de forma ilimitada, tampouco o interesse público não é absoluto, a ponto de restringir de maneira excessiva e aleatória os direitos do particular. O que se deve buscar é uma convivência harmônica entre os direitos individuais e o interesse público, a fim de, desta maneira, garantir o próprio bem-estar social e os objetivos do Estado democrático de Direito.
Desta forma, as restrições cujas imposições aos contribuintes acabam por lhes violar gravemente os direitos fundamentais, assegurados pela Constituição, deve acontecer apenas naqueles casos extremos, em que a aplicação de sanções menos gravosas acabassem por impedir que o Estado de proteger e defender o interesse coletivo e a ordem pública.
Nesse viés, quando se aplica determinada medida, com intuito de reprimir e punir o descumprimento de alguma norma, primeiro há de se questionar se tal medida é mesmo adequada, necessária e proporcional. É adequada quando os resultados almejados são alcançados [ou, pelo menos, atingíveis] com o menor prejuízo possível. É necessária quando a sua realização é imprescindível para que os fins sejam realizados. Por fim, é proporcional quando as vantagens auferidas forem superiores às desvantagens. (GUERRA FILHO, 2000, pp. 84-85).
Também, conforme bem ressalta Alysson Maia Fontenele (2009, p. 57), há de se ponderar se as medidas restritivas aplicadas, de fato, buscam defender o interesse coletivo, ou se consistem apenas em medidas arrecadatórias utilizadas com refúgio no princípio da Supremacia do Interesse Público, verbis:
“O Fisco ao praticar esse tipo de atividade, qual seja, a imposição de Sanções Políticas como condição ao exercício dos diversos direitos fundamentais já analisados, muitas vezes, defende a constitucionalidade desse comportamento, refugiando-se no principio administrativo da Supremacia do Interesse Público.
Porém, não é legitimo concluir que o referido principio se confunda com mero interesse arrecadatório da Administração Fazendária, haja vista que o Interesse Público- isto é, a finalidade geral de todos os atos da Administração Pública – é justamente caracterizado pelo atingimento dos objetivos do estado democrático de Direito, ou seja, pelo respeito dos direitos fundamentais previstos no ordenamento jurídico pátrio.”
Em relação à apreensão de mercadorias pelo não pagamento de tributos, entendemos que não se pode invocar a defesa do interesse público como forma de motivar a prática em questão, visto que, após a lavratura do auto de infração, o Fisco possui outros métodos eficazes para satisfazer o adimplemento da obrigação tributária, sem falar que, ao cometer tal conduta, o agente fazendário acaba por se afastar do procedimento da execução fiscal, previsto em lei, e, assim, afronta o principio da legalidade, que é um dos pilares da Administração Pública.
Assim, não concordamos que o Fisco possa se valer da prática de apreensão de mercadorias, pois, ao nosso ver, a esse tipo de coação aos direitos fundamentais faltam adequação, exigibilidade e proporcionalidade, uma vez que já há procedimentos menos gravosos [tais como a ação de execução fiscal e suas cautelares] que garantiriam a obtenção dos mesmos resultados.
Como já fora abordado, tais restrições de direitos não podem ser utilizadas a fim de se exigir a satisfação do débito fiscal, muito menos sem que se sejam levados em conta a proporcionalidade e a razoabilidade de tais medidas, pois, assim, as mesmas acabam por configurar a figura da sanção política, já rechaçada pela Suprema Corte brasileira.
Ex positis, entendemos que a supremacia do interesse público não é fundamento para a conduta da autoridade fazendária, sendo, portanto, a apreensão de mercadorias é desmotivada e imprópria, e consideramos que esse tipo de afronta aos direitos fundamentais do contribuinte seja uma medida cometida com excessos, ultrapassando os limites da razoabilidade e da proporcionalidade e é, dessa forma, inadmissível.
O poder de polícia do Estado existe para que se pratiquem as limitações e restrições de direitos necessárias para a defesa do interesse coletivo e a consecução do bem comum. Todavia, este poder de polícia não pode ser exercido de forma excessiva e arbitrária, sob pena de se cometer abuso de autoridade.
Ocorre que, no caso do Brasil, as autoridades fazendárias se valem desse poder de polícia para exigir o pagamento de tributos, caracterizando a figura das sanções políticas. Essas sanções são rechaçadas tanto pela Doutrina, quanto pela jurisprudência, haja vista o seu caráter arbitrário e desproporcional.
Uma prática comumente aplicada pelas autoridades fazendárias é a apreensão de mercadorias, condicionando a liberação do bem ao pagamento dos tributos que são supostamente devidos, ferindo direitos como a liberdade de ir e vir, direito de propriedade, livre exercício da atividade econômica, liberdade laboral, livre iniciativa e livre concorrência, direito ao devido processo legal, contraditório e ampla defesa.
Os argumentos do Fisco são de que a Administração Pública tem a obrigação de zelar pelos interesses da coletividade, tais como isonomia tributária, segurança jurídica, justiça fiscal e livre concorrência.
Evidentemente, a restrição de direitos individuais, algumas vezes, se faz necessária, todavia essa limitação deve ser imposta dentro dos limites da razoabilidade e da proporcionalidade, de modo que não se sacrifícios o contribuinte mais que o necessário.
Por tudo isso, depreende-se que tal apreensão de mercadorias como sanção política é inconstitucional, haja vista que é conduta exercida de for arbitrária e desarrazoada, provocando violação não apenas dos direitos fundamentais do contribuinte, mas também aos princípios da moralidade, impessoalidade e legalidade
Advogada. Mestranda em Direito Fiscal pela Universidade de Coimbra. Especialista em Advocacia Tributária pela Universidade Candido Mendes. Graduada em Direito pela Universidade de Fortaleza
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