Uma das principais características da economia de
mercado é o seu dinamismo. Nos tempos atuais, dar continuidade a um
empreendimento que já está com suas bases consolidadas e uma clientela
desenvolvida é, como regra, muito mais interessante do que começar um novo
negócio.
Diante desta realidade, são cada vez mais
freqüentes os negócios de aquisição de empresas, estas entendidas como a
atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou
serviços exercida pelo empresário.
Além dos processos de mera aquisição de controle
societário ou, ainda, de fusões e incorporações de sociedades, um dos
mecanismos para se implementar tal negócio é a aquisição do estabelecimento de
um empresário por outro (também conhecido por trespasse).
o estabelecimento empresarial, apesar de ser um
instituto jurídico consagrado na doutrina e jurisprudência nacionais, somente
foi legalmente previsto e regulado com a Lei nº 10.406/2002, popularmente conhecida como novo Código Civil
Brasileiro (CCB). Nos termos do artigo 1.142 do CCB, considera-se estabelecimento todo o complexo de bens organizado, para
exercício da empresa, por empresário ou sociedade empresária.
Ressalte-se que o negócio para a aquisição de um
estabelecimento diz respeito à aquisição de ativos (inclusive intangíveis) de
uma pessoa por outra, não tendo qualquer interferência no quadro social das
sociedades envolvidas. Caso o alienante seja uma sociedade empresária, esta
continuará existindo com os mesmos sócios, completamente distinta daqueles que
adquirirem seu estabelecimento.
Com o advento no novo Código Civil Brasileiro,
vários são os cuidados que deverão ser tomados para que a aquisição de um
estabelecimento seja feita de modo seguro para os contratantes e de que tal
negócio tenha eficácia quanto a terceiros (em especial credores do empresário
alienante).
A primeira regra que deverá ser observada para que
o contrato de alienação de estabelecimento tenha eficácia perante terceiros, é
de que o mesmo deverá ser levado a registro perante o Registro Público de
Empresas Mercantis (Junta Comercial) da respectiva sede do empresário alienante
e, também, na imprensa oficial.
Outro cuidado a ser observado é de que, caso os
bens que restarem ao alienante não sejam suficientes para fazer frente às suas
obrigações, exige-se o pagamento de todos os todos os credores do empresário
alienante ou, pelo menos, sejam eles notificados para que em um prazo máximo de
30 (trinta) dias manifestem seu consentimento, de modo expresso ou tácito. Em
outras palavras, nesta hipótese, todos os credores do alienante teriam de ser
notificados para, em um prazo de 30 (trinta) dias, manifestar sua discordância.
Passado o prazo sem manifestação, presume-se que consentiram. Se manifestarem
expressamente sua discordância, deverão ser pagos, sob pena de não ter eficácia
o negócio em relação a eles.
Importante observar, ainda, que todos os passos
previstos na legislação para formular tal contrato devem ser seguidos, sob pena
de poder incidir em um dos casos previstos para o pedido de falência do
empresário. A nova Lei de Falências (Lei nº 11.101 de 09 de fevereiro de 2.005,
e que entrou em vigor em 09 de junho de 2.006), prevê em seu art. 94 “Será
decretada a falência do devedor que: III- pratica qualquer dos seguintes atos,
exceto se fizer parte de plano de recuperação judicial: c) transfere
estabelecimento a terceiro, credor ou não, sem o consentimento de todos os
credores e sem ficar com bens suficientes para solver o seu passivo”.
O legislador preocupou-se, incessantemente, com o
interesse dos credores, de modo a evitar que a alienação do estabelecimento por
parte de um empresário pudesse ser usada como instrumento de fraude a credores.
Por essa razão, prevê o art. 1.146 do novo Código Civil Brasileiro que o
adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos do alienante
assumidos antes da transferência, desde que regularmente contabilizados.
Continua, porém, o devedor primitivo (alienante) solidariamente obrigado pelo
prazo de 01 (um) ano, a partir quanto aos créditos vencidos, da publicação (a
da imprensa oficial, que é requisito de eficácia perante terceiros) e quanto
aos que se vencerem, da data do seu respectivo vencimento.
Em outras palavras, apesar do estabelecimento ser
um conjunto de bens, a lei impõe ao adquirente deste ativo a responsabilidade
pelo passivo do alienante, desde que devidamente contabilizado.
A responsabilidade solidária, entre o adquirente e
o alienante do estabelecimento, permite aos credores exigir seu crédito tanto
de um quanto de outro, sem distinção.
Destaque-se que quanto às obrigações fiscais há
regra expressa no Código Tributário Nacional, o qual prevê que o adquirente do
estabelecimento que der continuidade à exploração da atividade responde pelos
tributos devidos até à data do ato: a) integralmente, se o alienante cessar a
exploração do comércio, indústria ou atividade; ou b) subsidiariamente com o
alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis meses a
contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão.
Quanto às obrigações trabalhistas, dando a alienante continuidade aos
contratos de trabalho, haverá sucessão das obrigações, tornando-se responsável
pelas obrigações trabalhistas devidas.
Por esta razão é de extrema importância que antes
de se concluir qualquer operação de negócio de aquisição de estabelecimento,
seja realizada uma verificação completa e detalhada não apenas do ativo (inclusive
intangíveis como a marca e do chamado aviamento, que é a capacidade de gerar
lucros) que se está adquirindo, mas das obrigações pelas quais passará a
responder. Única exceção à regra da responsabilidade do adquirente do
estabelecimento pelas dívidas do alienante é quando tal operação se dá através
de processo de falência ou de recuperação de empresa. Neste caso, a aquisição
do estabelecimento por meio de referidos processos judiciais prevê,
expressamente, que o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não
haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de
natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de
acidentes de trabalho. Tal benefício, todavia, não ocorre se o arrematante for
sócio da sociedade falida, ou sociedade controlada pelo falido; parente, em
linha reta ou colateral até o 4º (quarto) grau, consangüíneo ou afim, do falido
ou de sócio da sociedade falida; ou, ainda, se for identificado como agente do
falido com o objetivo de fraudar a sucessão.
Perceba-se, portanto, que, desde a entrada em
vigor do atual Código Civil Brasileiro, a aquisição do Estabelecimento passou a
ser um contrato muito mais complexo, sendo necessária a adequada assessoria
jurídica para que o contrato a ser elaborado reflita a real vontade dos
contratantes e, assim, evitar possíveis prejuízos e desnecessárias demandas judiciais.
Advogado – Sócio do Escritório Katzwinkel e Advogados Associados
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