A atipicidade da conduta de porte de arma branca

Resumo: Este presente estudo tem por objetivo o estudo das normas jurídicas para a obtenção de respostas quanto à atipicidade da conduta de porte arma branca. Visualizando sua construção histórica e social através das legislações vigentes, passando pela revolução das armas e a primeira legislação de repressão ao porte de armas, assim como por legislações atuais como a de contravenções penais, o código penal, e nossa carta magna. A abordagem de conceitos como o da teoria do delito e tipicidade formal e material, assim como a tipicidade conglobante. A base principiológica será aprofundada para o entendimento do tema e facilitar a visualização de quando indevida é a tipicidade desta conduta, assim como com o auxílio de jurisprudências reais e citação de autores renomados como Rogério Sanches Cunha, Fernando Capez, Júlio Fabbrini Mirabete, José Afonso da Cunha entre outros.

Palavras-chaves: Atipicidade, porte, posse, arma branca, código penal.

Abstract: This present work aims the study of legal standards to obtain answers for the conduct of atypical carrying of cold weapons, viewing its historical and social development through the current legislation, passing through the Revolução das armas, as well as the first legislation of punishment for issue of arms, as well as current laws such as a misdemeanor laws, the criminal code, and our Magna Carta. The approach of concepts as the offense theory and  material and formal typicity, as well as the conglobante one. The basis of principles will be detailed for a better understanding of the theme and to ease the viewing of when the typicity of the conduct is inappropriate, also counting with the aid of real jurisprudences and quotes of renowned authors, such as  Rogério Sanches Cunha, Fernando Capez , Julio Fabbrini Mirabete, José Afonso da Cunha and others.

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Keywords: Atypical, carry, possession, cold weapon, criminal code.

Sumário: 1. Introdução. 2. Conceitualização. 2.1. Da atipicidade (fato típico). 2.2. Da atipicidade formal e material. 3. Do porte de arma branca. 4. Dos princípios penais e constitucionais. 4.1. Do princípio da lesividade. 4.2. Do princípio da legalidade ou reserva legal. 4.3. Do princípio da intervenção mínima. 4.4. Princípio da presunção de inocência. 5. Considerações finais. 6. Referências.

1. INTRODUÇÃO:  

O motivo fundamental para escolha deste tema, fora a lacuna da lei quanto a conduta de portede armas brancas, na qual o objetivo é obter uma conclusão quanto a tipicidade ou não desta conduta, que leva muitos a delegacias sob alcunha de obterem explicações quanto a mesma.

Já é do cotidiano brasileiro à arma branca tratada muitas vezes como instrumentos de trabalho, visto que uma grande variedade de objetos que pode vir a se tornar um, dependendo de sua utilização deste. É típico das praias brasileiras, por exemplo, a figura do vendedor de cocos, sempre carregando seu instrumento laboral, o facão.

Um exemplo clássico, e de mais fácil visualização seriam os próprios militares, que utilizam facas, e cassetetes em serviço. Lembrando é claro que quanto a alguns tipos específicos há tal autorização, como para certos tipos de espadas privativas de oficiais do exército.

Com foco em perceber a denominada atipicidade (em linhas gerais significando não crime) da condutaque é portar armas brancas, se torna imprescindívelcompreender igualmente a legislação em vigor por inteiro, assim como os artifícios e os arquétipos de interpretação que por sua vez, podem vir a serem aplicados pelo Estado para cercear um direito daquele que realiza a conduta.

Com grande recorrência acabam por ocorrer abuso de poder pelas autoridades que encontram indivíduos em posse de armas brancas, ao executar o recolhimento compulsório das mesmas, sem comprovada materialidade e ofensa ao bem jurídico. Fator importante a ser narrado, visto que os atos administrativos desfrutam de presunção de veracidade e legitimidade, de maneira que jamais um policial responderá por abuso de autoridade por ter prendido alguém portando uma arma branca, porquanto, dificilmente a própria doutrina e a jurisprudência se entendem, seria exigir demais que a Polícia pacificasse o assunto.

Decorrentes da falta de legislação, da falta de respeito aos princípios a seguir narrados e até mesmo a não coerência com artigos da própria constituição.

Ainda, vale ressaltar que o objetivo principal do trabalho, por óbvio, concluirmos pela não tipicidade da conduta de porte de arma branca, como já foi mencionado de forma que seja suficiente para a compreensão do tema proposto.

2. CONCEITUALIZAÇÃO:

Neste capítulo visamos explanar a conceito geral do termo por completo, a iniciar pela exploração do conceito de crime, contravenção penal assim como da teoria do delito em seus aspectos formal e material.

A teoria do delito é uma das mais respeitáveis ao direito penalista brasileiro, pois ela traçara o caminho a ser verificado para o apropriado enquadramento da ação praticada pelo autor dentro do conceito de crime. Zaffaroni afirma que a teoria do delito preocupa-se em explicar como se pode conceituas o delito e quais são as suas características.

Importante de pronto ressaltar que Delito se difere de infração, visto que o Brasil adotou o sistema bipartido (ou dicotômico) onde a infração penal é um gênero que comporta por sua vez duas espécies: Crime e contravenção penal. O delito por sua vez é sinônimo de crime no Brasil. Diferentemente dos países que adotam o sistema tripartido (ou tricotômico) no qual há diferenciação entre crime, delito e contravenção penal.

Sendo assim, em nosso País, crime e delito designam o mesmo fenômeno, porém distinto de contravenção penal, esta que Nelson Hungria denominou “crime anão”, ou seja, o crime menor, condito dentro das normas legais que regem as Contravenções Penais.

No mesmo sentido se entendia “por tipicidade a relação de subsunção entre um fato concreto e um tipo penal previsto abstratamente na lei e a lesão ou perigo de lesão ao bem penalmente tutelado. Trata-se de uma relação de encaixe, de enquadramento” (ESTEFAM, 2010, p. 194).

Mirabete (2006) auxilia na construção dessa conceituação afirmando que em consequência do caráter dogmático do direito penalista brasileiro, o conceito de crime e essencialmente jurídico. Contudo, diferentemente de leis anteriores, o código penal atual não conta com uma acepçãoexata do vocábulo crime, deixando esta para elaboração da doutrina. É de anuênciadentre os doutrinadores a divisão da conceituação de crime em três esferas; material, formal e analítico, aqui focará inicialmente nas esferas forma e material, visto que analítica denota maiores observações graças a sua grande gama de teorias.

Crime, assim, em seu aspecto formal, poderá ter seu conceito, em Capez (2012, p.106), que simplificadamente, expõe: “Em seu aspecto formal o conceito de crime resulta da mera subsunção da conduta do tipo legal e por considerar-se infração penal tudo aquilo que o legislador descreve como tal, pouco importando o seu conteúdo”.

De fácil compreensão e conclusão então, que, quanto a formalidade do crime, sendo crime a infração direta da lei formulada pelo Estado, ou ainda podendo ser o que assim é classificado em uma norma penal incriminadora, sob prenúncio de pena.

Capez (2012), afirma ainda que quanto a material o delito configura-se como aquele buscandosituar ocerne do conceito isto e, o porquê de determinado fato poder ser taxado como criminoso enquanto outros não o são. Nesta ótica, crime pode ser definido como todo fato humano que propositada ou descuidadosamente lesa ou podem vir a lesar bens jurídicos considerados basilares para a vivência da coletividade e da paz social. Numa visão bem humanizada e de mais fácil explicação, o (aqui conceituado) crime, em aspecto material, pode ser descrito como toda aquela conduta que transgride os bens jurídicos mais importantes e essenciais para o ser humano.

Resumidamente, infração penal é comportamento humano causador de relevante e intolerável lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado, passível de sanção penal.

Como afirmado anteriormente o aspecto analítico do crime é envolto por muitas teorias, sobentendimento de Capez (2012), o aspecto analítico é aquele que busca, sob um prisma jurídico, estabelecer os elementos estruturais do crime. A finalidade deste enfoque é propiciar a correta e mais justa decisão sobre a infração penal e seu autor, fazendo com que o julgador ou intérprete desenvolva o seu raciocínio em etapas. Sob esse ângulo, crime é todo fato típico e ilícito. Dessa maneira, primeiramente deve ser observada a tipicidade da conduta. Em caso positivo, e só neste caso, verifica-se se a mesma é ilícita ou não. Sendo o fato típico e ilícito, já surge a infração penal. A partir daí, é só verificar se o autor foi ou não culpado pela sua prática, isto é, se deve ou não sofrer um juízo de reprovação pelo crime que cometeu. Para a existência da infração penal, portanto, é preciso que o fato seja típico e ilícito.

Assim, de acordo com Capez, em primeiro plano, para concluir sobre a criminalização ou não de um ato é necessário observação a Tipicidade da conduta, o que tem fundamental importância para o trabalho em tela, tipicidade esta mais explanada ao decorrer do mesmo.

Por haver ausência (Lacuna) na lei quanto ao tema, faz-se questionar há existência ou não de crime, quando se referir ao porte de arma branca (transitar com arma objeto que possa ser utilizado agressivamente, para defesa ou ataque, mas cuja utilização normal é outra, geralmente para trabalho). O código penal se exime de colaborar com conceituação do que seria crime, cabe a LICP (Lei de introdução ao código penal) definir em seu artigo 1º:

“Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas. alternativa ou cumulativamente.”

Sendo assim, a existência ou não de pena de reclusão ou detenção, independentemente de isoladamente, alternativa ou cumulativamente com pena de multa ajuda na Conceitualização de crime. Já Contravenção penal a LICP restringe apenas a infração penal que cominar APENAS em pena de prisão simples, multa ou ainda de ambas, independentemente de formas alternativas ou cumulativas. Graças a Lei de introdução penal se pode ter um norte para Conceitualização dos ditos vocábulos, assim como para seu entendimento quando inseridos em contextos doutrinários e jurisprudenciais.

2.1. DA ATIPICIDADE (FATO TÍPICO):

Ernst vonBeling, grande jurista alemão, especializado em direito penal, iniciou a idealização da teoria causalista, de grande importância pra este projeto visto que foi o primeiro a instituir a Tipicidade como requisito do crime.

Fernando Capez (2012) em seu curso de direito penal, resume inicialmente fato típico dizendo que é o fato material que se amolda perfeitamente aos elementos constantes do modelo previsto na lei penal,sendo o fato material aquele que existe independentemente de se enquadrar ou não ao modelo descritivo legal. A tipicidade é, portanto, irrelevante para a existência do fato material. O autor ainda afirma que o fato se dividem em quatro elementos: Condutas dolosa ou culposa, resultado e nexo causal (nos crimes materiais) e tipicidade.

Para entendermos melhor a atipicidade Rogério Sanches Cunha (2013) afirma que fato típico pode ainda ser conceituado como ação ou omissão humana, antissocial que, norteada pelo princípio da intervenção mínima, consiste numa conduta produtora de um resultado que se subsome ao modelo de conduta proibida pelo Direito Penal, seja crime ou contravenção penal. Do seu conceito extraímos seus elementos; conduta, nexo causal, resultado e tipicidade.

Quando se fala em conduta se adentra num dos tópico mais conflitante no âmbito do direto penal, que por sua vez gerou inúmeras teorias, uma delas é a teoria causalista (também chamada de teoria naturalista), que para Rogério Sanches (2013) faz parte de um panorama científico marcado pelos ideais positivistas que, no âmbito científico, representavam a valorização do método empregado pelas ciências naturais, reinando as leis da causalidade (relação de causa-efeito). O mundo deveria ser explicado através da experimentação dos fenômenos, sem espaço para abstrações.

Segundo essa teoria a estrutura do crime estava dividida em três partes como sendo fato típico, antijurídico ou ilícito e culpável.

Outra teoria predominante é a Teoria neokantista não altera a estrutura do conceito analítico de crime compreendendo-o, também, como fato típico, antijurídico e culpável; necessitando aqui, maiores divagação, visto que a conduta permanece sendo elemento do fato típico, porém mais abrangente, aparecendo não como ação, mas comportamento, englobando a omissão.

Deve-se explanar ainda a teoria Finalista que Sancher (2013) explicita como Criada por Hans Welzel em meados do século XX (1930-1960), a teoria finalista concebe a conduta como comportamento humano voluntário psiquicamente dirigido a uam fim. A finalidade, portanto, é a nota distintiva entre esta teoria e as que lhe antecedem. É ela que transformará a ação num ato de vontade com conteúdo, ao partir da premissa de que toda conduta é orientada por um querer. Os finalistas entendem o crime como fato típico, antijurídico e culpável. A grande mudança estrutural se opera realmente na culpabilidade.

Luís Flavio Gomes, em artigo de seu próprio site conclui quanto as teorias de tipicidade penal e sua evolução explicitando que:

“Para que haja responsabilidade penal, como se vê, já não basta a simples causação objetiva de um resultado (mero desvalor do resultado). Isso é necessário, mas não é suficiente. A tipicidade penal, de outro lado, já não é tão-somente formal ou fático-legal (ou formal-objetiva). É também material e normativa. Causar não é a mesma coisa  que imputar. Causação é distinta da imputação. Por isso que o art. 13 do nosso Código Penal diz: "O resultado, de que depende a existência do crime, só é imputável a quem lhe deu causa". O causar está no mundo fático (mundo da causalidade). A imputação pertence ao mundo axiológico (ou valorativo). O causar é objetivo (pertence ao mundo da causalidade, ao mundo fático). A imputação é normativa (depende de juízo de valor do juiz). O causar é formal. A imputação é normativa e o resultado é requisito material (de garantia)”. (2015, S/P).

O fato típico, como já estudado, é o primeiro substrato do conceito analítico de crime. São seus elementos a conduta, o resultado, o nexo causal e a tipicidade penal, cabe agora, superados os conceitos básicos de fato típico, adentrarmos a seara da Tipicidade.

Segundo nobre doutrinador Muñoz (2004) tipicidade é a adequação de um fato cometido à descrição que desse fato tenha feito a lei penal. Por imperativo do princípio da legalidade, em sua vertente do nullumcrimensine lege, somente os fatos tipificados na lei penal como delitos podem ser classificados como tais.

A teoria tradicional apenas via a tipicidade somente pelo aspecto formal, por isso visualizavam a mesma como uma subsunção do fato a norma. No entanto com a evolução do direito penal, fora considerado outra vertente, chamado de Teoria Moderna. Quanto à teoria moderna Sanches (2013) explica se tratar de tipicidade formal aquela que engloba a tipicidade formal e material, o mesmo explica e exemplifica:

“A tipicidade penal deixou de ser mera subsunção do fato à norma, abrigando também juízo de valor, consistente na relevância da lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado. É somente sob essa ótica que se passa a admitir o princípio da insignificância como hipótese de atipicidade (material) da conduta. Assim, no exemplo acima, embora haja tipicidade formal, a conduta do agente que subtraiu a caneta “bic” não representa lesão relevante e intolerável ao bem jurídico tutelado.” (CUNHA, 2013, p.225).

Zaffaroni inovou na concepção moderna, desenvolvendo a teoria da tipicidade conglobante onde a tipicidade penal é a soma entre tipicidade formal e tipicidade conglobante, esta composta pela tipicidade material e antinormatividade do ato (ato não determinado ou não incentivado por lei).

De acordo Sanches (2013) a teoria Conglobante tinha como proposta harmonizar os diversos ramos do Direito, partindo-se da premissa de unidade do ordenamento jurídico. Afirma esta que é uma incoerência o Direito Penal estabelecer proibição de comportamento determinado ou incentivado por outro ramo do Direito. Dentro desse espírito, para se concluir pela tipicidade penal da conduta causadora de um resultado, é imprescindível verificar não apenas a subsunção formal fato/tipo e a relevância da lesão ou perigo de lesão, mas também se o comportamento é antinormativo, leia-se, não determinado ou incentivado por qualquer ramo do Direito.

Explica Luiz Flávio Gomes (2009, p. 164):

“A dimensão formal ou fática/legal (do fato materialmente típico) cuida da causação (da relação de causa e efeito e do princípio da legalidade). A doutrina penal clássica voltava-se somente para essa dimensão. Esqueceu (quase que) por completo do aspecto da desvaloração da conduta assim como da desvaloração do resultado jurídico.”

A partir da visão ofertada pela teoria constitucionalista do delito, a tipicidade ganhou nova dimensão, acrescendo a tipicidade material ao seu estudo, com a análise do desvalor da conduta e do resultado, que como GOMES (2009, p. 164), “aproxima-se muito do conceito de tipicidade sistemática e conglobante de Zaffaroni, mas com ele não se identifica totalmente”

A tipicidade conglobante aparece quando comprovado, no caso concreto, que a conduta praticada pelo agente é considerada antinormativa, isto é, contrária à norma penal, e não imposta ou fomentada por ela, bem como ofensiva a bens de relevo para o Direito Penal (tipicidade material, que será exposto no tópico a seguir).

Conclui Rogério Sanches (2013) que a tipicidade conglobante tem como consequência a transferência do estrito cumprimento de um dever legal e do exercício regular de direito incentivado da ilicitude para a tipicidade, servindo como suas causas de exclusão.

2.2. DA ATIPICIDADE FORMAL E MATERIAL:

Quanto a atipicidade devemos deixar claro seu conceito e como as doutrinas atuais as classificam, visto que é através desta que se “caracteriza” a lei, não bastando para isso que a conduta se adeque ao texto da lei, exigindo fatores aquém da relação conduta/texto da lei, como será visto a seguir.

A adentrar ao mundo da Tipificação de condutas, não há como não citar Fernando Capez (2013), que afirma o tipo legal ser um dos postulados básicos da reserva legal, não cabendo à lei proibir GENERICAMENTE os delitos, senão descreve-los de forma detalhada, delimitando em termos precisos, o que o ordenamento entende por fato criminoso. O nobre doutrinador deixa claro seu entendimento de que a proibição genérica causaria (como no caso em tela) abrangência muito grande de entendimentos limitando assim direitos além do esperado na criação da suposta norma. Limitações estas que ficam claramente não previstas na elaboração.

A atipicidade de uma regra se não se satisfaz com a mera adequação da conduta ao tipo legal. Sendo esta a tipicidade formal, não a bastando para configurar tipicidade. Exige-se ainda a chamada tipicidade material, sendo indispensável que a conduta imputada tenha causado um resultado jurídico (ofensa ao bem jurídico) relevante (principio da insignificância) e intolerável (princípio da adequação social), além de outros requisitos (imputação objetiva, elemento subjetivo).

Sendo assim, através de brilhante conceitualização de Fernando Capez, podemos atribuir para o caso sem tela. Ao se tratar da conduta-porte de arma branca- a lei supracitada(contravenções penais) se exime de detalhamento necessário para a dissociação desses dois portes (arma de fogo x arma branca) portes este explicado mais detalhadamente no decorrer deste trabalho.

Rogério Greco (2005) propõe o seguinte questionamento para se descobrir se determinado fato é ou não materialmente típico: será que o legislador, a tipificar aquela conduta determinada, teve a intenção de englobar aquela lesão específica (considerando-se a gravidade da lesão)?  O dito autor afirma que caso a resposta seja negativa, faltaria ao ato a chamada tipicidade material o que, via de consequência, excluiria a tipicidade conglobante e, ato contínuo, a tipicidade penal. Não havendo assim fato típico, não se pode falar em crime.  

É entendimento predominante nos órgãos de acusação e de julgamento que o porte de arma branca é fato atípico, por esta razão, não raras vezes a Defensoria Pública faz a defesa processual de cidadãos que praticam esta conduta. Tratando-se de fato manifestamente atípico, pela inexistência de complementação normativa da União tratando do licenciamento para o porte de arma branca, sofre o cidadão manifesto constrangi- mento quando tem contra si instaurado Termo Circunstanciado ou quando figura como réu em processo judicial.

Conclui Capez (2013) que na sua integralidade, o tipo é composto dos seguintes elementos: núcleo, designado por um verbo; referências a certas qualidades exigidas, em alguns casos, para o sujeito ativo; referências ao sujeito passivo; objeto material, que, em alguns casos, confunde-se com o próprio sujeito passivo; referências ao lugar, tempo, ocasião, modo de execução, meios empregados e, em alguns casos, ao fim especial visado pelo agente.

Quando afirmamos que só haverá tipicidade se existir uma adequação perfeita da conduta do agente ao modelo em abstrato previsto na lei penal (tipo), estamos querendo dizer que por mais que seja parecida a conduta levada a efeito pelo agente com aquela descrita no tipo penal, se não houver um encaixe perfeito, não se pode falar em tipicidade.

Ficará claro na explanação do próximo capítulo que não se pode falar em adequação perfeita da conduta do agente, quando é explícito que a conduta do agente se faz diferente da necessária em lei para tipificar-se ao crime. Ficará ainda explícito no próximo capítulo quanto a supracitada lacuna e a conceitualização do porte de arma branca, ficando clara a atipicidade até então discutida.

3. DO PORTE DE ARMA BRANCA

 Neste capítulo será explanado sobre a descrição e conceitualização da arma branca em si, exemplificando com fotos e texto da lei. Explicitado ainda será sobre a grande lacuna deixada pela falta de legislação específica ao tema, da falta de respeito aos princípios e a não coerência com artigos da própria constituição. Ainda neste capítulo pretende-se explanar quantoà apreensão de arma branca acobertado pelo denominado poder de polícia ou por abuso de poder.

Primeiramente, devemos constituir do que trata uma arma branca na legislação brasileira em vigor.  Para iniciar a abordagem da questão pelo conceito de arma branca. Usando aqui em caso de Exceção a enciclopédia livre Wikipédia, justamente para expor o conceito conhecido popularmente, sem profundidade, que diz que arma branca é:

“ (…) todo objeto simples ou singelo que serve de arma, para a defesa ou ao ataque, constituído de ponta(s) ou lâminas com capacidade de perfurar ou cortar como prego(s), parafuso(s), agulha(s)de costura, tricot, para fazer redes de pesca, tesouras, chaves de fenda, canivete ou navalhas. Também podem ser consideradas armas brancas outros objetos simples ou singelos utilizados para golpear, perfurar ou cortar como pedaços de madeira, canetas ou cacos de vidro. “(ARMA BRANCA É, 2015, S/P)

Assim podemos construir um gráfico com os tipos de objetos que podem ser classificados como Armas brancas de fato, para facilitar o entendimento desta conceitualização.

A despeito de que há doutos promotores e juízes com definições próprias, assim como sites especializados e genéricos que expõe conceitos (como o supracitado) a seguir elencados, devemos nos ater a letra da lei que coloca arma branca, no Decreto nº 3.665, de 20 de novembro de 2000, no qual regulamenta a fiscalização de produtos controlados, como:

“Art. 3o Para os efeitos deste Regulamento e sua adequada aplicação, são adotadas as seguintes definições: (…)

XI – arma branca: artefato cortante ou perfurante, normalmente constituído por peça em lâmina ou oblonga;”  (DECRETO Nº 3.665,DE 20 DE NOVEMBRO DE 2000.) (Grifo nosso)

A lei entende apenas os cortantes ou perfurantes, normalmente constituídos por lâmina, ou seja, de pronto descarta uma grande gama do gráfico popular a cima exposto, deixando apenas cortantes, perfurantes e por ser de fácil entendimento os que pertencem a ambas as categorias. Seriam esses a título de exemplo, Navalhas (Cortantes), Facas (Perfuro-cortantes) e Agulhas (perfurantes).

Assim o gráfico que mais se assemelharia dos tipos legais de arma branca seriam:

Assim, apenas através da leitura da letra da lei se desmistifica a caracterização de objetos popularmente chamados de armas brancas, tais como tonfas, bastões, sprays, tasers dentro outros objetos que não colecionem as características de cortantes ou perfurantes.

Há que se falar brevemente, sobre o projeto de lei 2967/2004, que busca dispor sobre o porte de arma brancas. Brevemente pois o mesmo encontra-se tramitando a mais de dez anos, e como será demonstrado ao decorrer deste trabalho, não deve se tornar vigente. Este busca instituir que:

“Art. 1º Fica proibido o porte de arma branca em via pública. Pena – detenção de três meses a um ano e multa.

§ 1º Entende-se como arma branca, todo instrumento, constituído de lâmina de qualquer material cortante ou pérfuro-cortante, tendo dez ou mais centímetros de comprimento.

§ 2º Não constitui o crime tipificado no caput o transporte de objeto, que possa ser considerado arma branca, entre o seu local de depósito e o local de sua adequada utilização e vice-versa.”

O projeto de lei acima encontrado aguardando Parecer do Relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Estabelecido assim o conceito legal de arma branca, podemos nos aprofundar aos textos legais e o que os mesmos oferecem no que tange ao caso em tela.

Inicialmente cabe fazermos uma breve retrospectiva histórica, para compreendermos em que situação político-histórica convivia o legislador ao criar a lei que viria a proibição do porte de armas e se possível traçarmos o seu pensamento subjetivo objetivando a compreensão e (mais importante) interpretação da norma.

No Brasil, precisamente em 1932, houve a constituição de um movimento armado no Estado de São Paulo, movimento este com o intuito de derrubar o governo provisório Getúlio Vargas, assim como a promulgação de uma nova constituição para o país. Assim se constituiu a Revolução de 1932 ou Guerra Paulista. Revolução esta de extrema importância para o povo brasileiro por ter o maior movimento cívico de sua história.

Em 9 de Julho do ano de 1932, eclodiu o movimento revolucionário, assim como fora lançada uma proclamação da "Junta Revolucionária" conclamando os paulistas a lutarem contra a ditadura. Cartazes foram espalhados convocando os paulistas às armas, alistaram-se assim 200.000 voluntários, sendo que se estima que, destes, 60.000 combateram nas fileiras do exército constitucionalista.

Praticamente sitiado, São Paulo se viu sem alternativa para conseguir armamentos. Passou a arrecadar ouro doado por seus moradores e tentou comprar armas dos Estados Unidos, mas o navio foi interceptado pela Marinha.

Com tantos problemas, a revolução foi derrotada. Em 2 de outubro, na cidade de Cruzeiro, as forças paulistas se entregam ao líder da ofensiva federal. Apesar de ter sido derrotado no campo de batalha, politicamente o movimento atingiu seus objetivos. A luta pela constituição foi fortalecida, e em 1933 as eleições foram realizadas colocando o civil Armando Sales como governador do estado.

Cerca de 4 anos após esta revolução, o legislador maturado pela revolução, e os rumos que levou elaborou e outorgou a lei o Decreto 1.246. Importante ressaltar que até então, no Brasil, não haviam restrições as armas.

O decreto Lei 1.246, de 11 de Dezembro de 1936 fora criado com intuito de aprovar o Regulamento para Fiscalização, assim como o Comércio e Transporte de armas, munições e explosivos, produtos agressivos e matérias primas correspondentes para época. Decreto este focado em termos como regulamentar, registrar e fiscalizar, assim como manutenção para armas, uma inovação pode se dizer para época.

No entanto, o decreto ao que se pode observar, não cite em momento algum, armas brancas de nenhum tipo, nem em nenhuma modalidade, fixando, como as leis posteriores, de fácil entendimento que se focaliza nas armas de fogo como pode se observar no seu inteiro teor ao citar partes como “munição” e “explosivos”, ficando impossível a conotação juntamente de armas brancas.

Tal decreto acabou por ser revogado em meados de 1941, juntamente com a aprovação do Decreto-Lei 3.688, a lei de contravenções penais, que vigora até hoje.

Sendo uma das leis mais explorada neste trabalho, convés expormos o momento histórico em que foi gerado, assim como sua função antes de prosseguirmos, para assim se possível, alcançarmos o entendimento do legislador e quão seu real intuito.

A Lei de Contravenções Penais foi instituída por Getúlio Vargas, por meio de decreto-lei, em 1941, durante o período ditatorial conhecido como Estado Novo.

Novamente assim, como no decreto lei anterior em nada se fala em arma branca ou em sua proibição no contexto jurídico brasileiro, em seu teor, como logo será mostrado, o legislador habilmente selecionou uma espécie de objeto, longe de pertencer à armas brancas aqui tratadas. Como se pode observar no capítulo referente à pessoa do DECRETO-LEI Nº 3.688, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941:

“Art. 18. Fabricar, importar, exportar, ter em depósito ou vender, sem permissão da autoridade, arma ou munição:

Pena – prisão simples, de três meses a um ano, ou multa, de um a cinco contos de réis, ou ambas cumulativamente, se o fato não constitue crime contra a ordem política ou social.

Art. 19. Trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta, sem licença da autoridade:

Pena – prisão simples, de quinze dias a seis meses, ou multa, de duzentos mil réis a três contos de réis, ou ambas cumulativamente.

§ 1º A pena é aumentada de um terço até metade, se o agente já foi condenado, em sentença irrecorrível, por violência contra pessoa.

§ 2º Incorre na pena de prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de duzentos mil réis a um conto de réis, quem, possuindo arma ou munição:

a) deixa de fazer comunicação ou entrega à autoridade, quando a lei o determina;

b) permite que alienado menor de 18 anos ou pessoa inexperiente no manejo de arma a tenha consigo;

c) omite as cautelas necessárias para impedir que dela se apodere facilmente alienado, menor de 18 anos ou pessoa inexperiente em manejá-la. […]”

Após leitura do Art. 19 da própria lei de contravenções penais fica fácil visualizar que na elaboração, o exímio legislador da dita leitratava especificamente das armas de fogo, visto que até mesmo se fala “arma ou munição” e exige também a suposta “licença da autoridade”, o que não faz nexo ao se falar de armas brancas, ao ser de conhecimento geral que armas brancas não possuem munições, assim como não possui no ordenamento jurídico atual qualquer licença quanto ao especulado neste artigo.

É então de clareza solar que, até que a conduta “portar arma branca” se conclua e coadune com o complemente “sem licença de autoridade”, não há como se falar em contravenção penal.

Imprescindívelfocar que ao dizer “Trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta, sem licença da autoridade” o legislador acabou por criar uma lei penal incompleta, da espécie lei penal em branco. Silvio Maciel, mestre em Direito, explica:

“Sem embargo da discussão que há sobre esse decreto (se foi ou não recepcionado pela Constituição de 1988; qual seu âmbito espacial de aplicação etc.) a verdade é que ele não dispõe sobre nenhuma licença para porte de arma branca. Também não serve, portanto, como complemento para aplicação do dispositivo em estudo.”(MACIEL, 2009. p. 77/78).

A Lei penal incompleta se trata de gênero de lei penal, da qual pode se encontrar as espécies lei penal em branco (a do caso em tela), lei penal que faz referência quanto a sanção e lei que estampa requisitos normativos. Devemos focar aqui na lei penal em branco, que de acordo com José Augusto de Paula Sousa, em artigo publicado no site da rede FGV de ensino, explica com simplicidade exemplar que a lei penal em branco é       a lei que depende de outro ato normativo para que tenha sentido, uma vez que seu conteúdo é incompleto. Pode ser classificada como homogênea (sentido lato) ou heterogênea (sentido estrito).

Assim, a classificação homogênea é aquela cujo complemento deverá estar em outra lei. Já a classificação heterogênea seria quando o complemento estiver em ato normativo diverso da lei, tais como, portarias, decretos, resoluções. Ao caso em tela neste trabalho independe desta classificação específica, no entanto é de obrigatória a compreensão de que se trata de Lei penal (norma penal) incompleta.

A lei de contravenções penais explicitamente deixou a regulamentação do porte de arma branca para posterior licença de autoridade, no entanto no Brasil, até o presente não a nenhuma autorização que se combine com tal teor da norma. Trata-se assim de uma lacuna na lei, cerceando direitos por falta de legislação especifica até então.

Desta forma, a classificação homogênea é aquela cujo complemento estiver em outra lei e podemos citar como exemplo o casamento contraído com ciência de impedimento absoluto. Já a classificação heterogênea dar-se-á quando o complemento estiver em ato normativo diverso da lei, tais como, portarias, decretos, resoluções. Assim a norma penal incompleta é, sem dúvidas, a lei penal em branco, que depende de um complemento normativo para a exata compreensão do delito.

Para entendermos do se trata essa lacuna e quais os direitos que ela cerceia, é necessário explicado do se trata oporte de armas (independente do tipo inicialmente) em si, assim como a diferenciação entre transporte, posse e porte.

No Brasil,É proibido por força do Art. 6º da Lei 10.826/03, o porte de armas, afirmando “É proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional”, mas tanto a sua posse quanto o seu transporte podem ser permitidos, em determinadas situações, entendamos que ao menos e tese, portar arma de fogo é ter o contato da mesma consigo, no entanto o legislador amplia este conceito para assim aumentar a abrangência da norma. Importante ressaltar, que apesar do aumento da abrangência da supracitada norma, esta continua a se restringir a armas de fogo, em momento algum falando em armas brancas.

A lei 10.826/03 ainda fez onze exceções, em sua maior parte relacionadas a funcionários do estado, como se pode ver a seguir pelo texto da lei:

“I – os integrantes das Forças Armadas;

II – os integrantes de órgãos referidos nos incisos do caput do art. 144 da Constituição Federal;

III – os integrantes das guardas municipais das capitais dos Estados e dos Municípios com mais de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, nas condições estabelecidas no regulamento desta Lei;

IV – os integrantes das guardas municipais dos Municípios com mais de 50.000 (cinqüenta mil) e menos de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, quando em serviço; (Redação dada pela Lei nº 10.867, de 2004)

V – os agentes operacionais da Agência Brasileira de Inteligência e os agentes do Departamento de Segurança do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República;

VI – os integrantes dos órgãos policiais referidos no art. 51, IV, e no art. 52, XIII, da Constituição Federal;

VII – os integrantes do quadro efetivo dos agentes e guardas prisionais, os integrantes das escoltas de presos e as guardas portuárias;

VIII – as empresas de segurança privada e de transporte de valores constituídas, nos termos desta Lei;

IX – para os integrantes das entidades de desporto legalmente constituídas, cujas atividades esportivas demandem o uso de armas de fogo, na forma do regulamento desta Lei, observando-se, no que couber, a legislação ambiental.

   X – integrantes das Carreiras de Auditoria da Receita Federal do Brasil e de Auditoria-Fiscal do Trabalho, cargos de Auditor-Fiscal e Analista Tributário. (Redação dada pela Lei nº 11.501, de 2007)

XI – os tribunais do Poder Judiciário descritos no art. 92 da Constituição Federal e os Ministérios Públicos da União e dos Estados, para uso exclusivo de servidores de seus quadros pessoais que efetivamente estejam no exercício de funções de segurança, na forma de regulamento a ser emitido pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ e pelo Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP.”

A posse por sua vez, é permitida (ainda que através de restrições demasiadas e burocracia), no entanto o STF não nos dá um conceito formado do que se trata, afirmando não existir conceito decisivo para o termo.

Assim temos de analisar o que o legislador ambicionava, na criação do decreto lei. Tomando por alicerce o que se pode compreender da Lei 10.826 de 2003, “posse” é possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, dentro de sua residência ou dependência dela ou em seu local de trabalho, se este for responsável legal ou titular do local ou da empresa.

Ou seja, possuir arma, significa ter a mesma em casa,ou ainda no trabalho, sem poder, assim, trazer a mesma consigo para fora de suas terras (propriedades). Cabe ressaltar que o agente pode exercer a conduta da posse de arma, com a arma carregada, estando em sua residência.

Distingue-se o porte do transporte ao vermos que, no porte a arma se encontra pronta para o uso (imediato), enquanto no transporte a mesma não tem como haver o seu uso imediato. Assim, em tese, quem está levando uma arma sem munição, ou seja, desmuniciada, não está a portando, mas apenas transportando-a, não sendo possível esta modalidade, visto que uma arma branca não contém munições e ou acessórios que impossibilitam seu uso, assim configurando transporte e porte como sinônimos para armas brancas.

Infelizmente pode se observar que o dito legislador confundiu os conceitos na elaboração da Lei 10.826/03 e afirma queaté mesmo aquele que estiver transportando arma de fogo pode se responsabilizado por crime de porte de armas não referentes a este trabalho, de fogo.

Frise-se que no próprio Estatuto do Desarmamento, o legislador só ambicionou cuidar dos aspectos referentes às armas de fogo, seus acessórios e munições, é dizer, não cuida de armasbrancas, como explicitado anteriormente.

A despeito do contínuoempenho vindos do poder Legislativo, do poder Executivo e do poder Judiciário de, aos poucos, diminuírem as liberdades individuais brasileiras, lacunas,até então não sanadas, foram deixadas, de modo que, definidascomo normas penais “em branco”, como são conceituadas no âmbito jurídico, fornece paraaos que ambicionamproteger o que tem importância para este, no país que tem índices de homicídios entre os maiores do globo.

Quanto à existência de decisões de tribunais, pouco tempo antes vindo até mesmo do próprio Superior Tribunal de Justiça, em diverso sentido, restaclara a má fé da interpretação extensiva do supracitado tema.

Instituir uma obrigação de não fazer baseada em uma ideologia expressamente adversa ao interesse público, como no tema deste trabalho, além de inconstitucional acaba por ferir o ordenamento jurídico assim como a própria democracia pela quais todos deveriam ter o comprometimento de cuidar.

Em solo brasileiro, proibido por força do Art. 6º da Lei 10.826/03, o porte de armas, no entanto sua posse e seu transporte podem (com certa dificuldade) ser permitidos, ao depender de situações também especificas.

O ato do policial de prender alguém portando arma branca (conceituada pela doutrina como facas, punhais soco-inglês etc.) encontra-se acobertado pelo denominado poder de polícia (“strito sensu”), portanto, se houver resistência pode a polícia se valer do uso da força física para conter a resistência, ou seja, a coisa só vai se agravar. A apreensão (indevida) de arma branca através de busca pessoal,também chamada de revista, é de fato ilegal, assim como o agente que por sua ver tiver seu objeto apreendido (ilicitamente) por supostaautoridade policial tem o dever e a obrigação de comunicar o fato à autoridade competente para que assim, seja apurada a irregularidade.

Pelo conceito moderno, adotado no direito brasileiro, explicita Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2010) que o poder de polícia é a atividade do Estado consistente em Limitar o exercício dos direitos individuais em beneficio do interesse público. Assim este dito interesse público pode dizer respeito a vários setores da sociedade, como: segurança, ordem social, moralidade, saúde, educação, propriedade e outros. Daí surge então à divisão da polícia administrativa em vários setores: polícia florestal, de trânsito, segurança pública.

Conforme Hely Lopes Meirelles (1996, p. 115), “é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em beneficio da coletividade ou do próprio Estado.” Apenas reiterando o conceito dito anteriormente.

Entretanto, como ira ser dito no capítulo referente aos princípios constitucionais, não há como se falar infração de interesses públicos como segurança, ordem social e moralidade através apenas do porte de arma branca, visto que não há constituição alguma de fato delituosa ou ameaça pela própria realização da conduta “portar arma branca”.

Não identificada a própria violação à ordem social, moralidade, saúde entre outros pela prática propriamente dita, não haveria como se falar em confisco, apreensão, ainda que como ocorre na realidade, encaminhamento para delegacia pra esclarecimentos. Na verdade, é inaceitável a prática de qualquer uma das práticas acima citadas, visto a não lesividade diretamente relacionada pelo simples porte do agente, quando o mesmo não oferece perigo ao bem estar social.

Na prática algumas autoridades policiais, como medida preventiva, apreendem as armas brancas a depender da situação, mas o proprietário não poderá ser preso por porte ilegal de arma, pois como visto, não existe legislação que restrinja o porte de arma branca, mesmo esta sendo considerada arma própria.

A autoridade policial apenas deve apreender arma branca quando seu uso representar risco ou ameaça, ou quando for instrumento de crime. Isto porque o objeto não tem como finalidade principal causar dano e seu porte independe de licença ou registro. Felizmente este é o entendimento 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Entendimento este que por sua vez levou a manter certa sentença que concedeu Habeas Corpus aum homem flagrado na posse de um facão num assentamento do interior gaúcho.

Segue o supracitado acórdão:

“REEXAME NECESSÁRIO. PORTE DE ARMA. FACÃO. ARMA IMPRÓPRIA. CONTRAVENÇÃO PENAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA DO AGENTE. O porte de arma branca, também dita imprópria, é conduta que carece de tipicidade penal, porquanto, diversamente da arma de fogo, possui ela finalidade própria diversa, malgrado possa também ser utilizada para elevar a potencialidade lesiva do agente. Habeas corpus concedido de oficio pelo magistrado a quo trancando o termo circunstanciado mantido. REEXAME NECESSÁRIO DESPROVIDO.” (Recurso de Ofício Nº 70056689656, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Conrado Kurtz de Souza, Julgado em 20/02/2014) (TJ-RS – Recurso de Ofício: 70056689656 RS , Relator: José Conrado Kurtz de Souza, Data de Julgamento: 20/02/2014, Sétima Câmara Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 27/02/2014)

De vital importância para este trabalho ressaltar o que o douto relator explicita em trecho do acórdão acima colacionado,que diz:

“Arma em sentido estrito é somente a de fogo, tanto assim que a Lei 10.826/2003 é específica ao conceituar “arma”.

A arma branca somente será considerada como tal, isto é, como arma, quando potencializar concretamente, através de violência física ou grave ameaça, a ação do agente, como por exemplo nas hipóteses do inciso I do §2º do art. 157 do Código Penal.”

Trecho este, que assimila todas as idéias até agora colacionados neste trabalho. Fica claro qual o entendimento do douto desembargador é, e facilita nosso entendimento com a visualização de um caso real. Sem o, tão ambicionado pela doutrina, “complemento normativo”, no Brasil, apenas existe quanto à restrição sobre espadas e espadins das Forças Armadas e Auxiliares, consideradas privativas destas segundo o regulamento de produtos controlados do Exército (R-105).

Assim, segundo a regra constitucional, no Brasil o porte de faca ou qualquer tipo de lâmina não é proibido pela legislação, salvo a exceção acima mencionada (espadas e espadins das Forças Armadas e Auxiliares), podendo qualquer indivíduo mentalmente sadio portar sua faca para defesa ou trabalho, independentemente de qualquer autorização para tanto, constituindo abuso de autoridade qualquer medida policial coercitiva contra o porte de lâminas.

4. DOS PRINCÍPIOS PENAIS E CONSTITUCIONAIS:

 Dando seguimento ao estudo, será explanado no presente capítulo quanto aos princípios penais e constitucionais que vão contra a tipificação da conduta como crime, afim de deixar claro que ainda no âmbito principiológico, o porte de arma branca é cercado pela atipicidade, assim como sua conduta não é passível de pena real.

Para chegarmos até esse ponto e compreendermos do que estamos falando, é imprescindível fazer um rápida incursão sobre a evolução da teoria do crime. Como se deu a evolução até chegarmos ao momento atual do direito e dos princípios atuais.

De fácil observação que nem todos os princípios que dão forma o Direito Penal, na atualidade, derivam do movimento político filosófico do Século XVIII. Alguns, aliás, são muito recentes e não se pode deixar de perceber uma tendência doutrinária à criação, quase que diuturna, de novos princípios.

O termo “princípio” origina-se do latim principiu e significa o momento, local ou trecho em que algo tem origem ou começo.

Princípios são os valores fundamentais que regem cada disciplina jurídica. Com o Direito Penal não é diferente. Os princípios penais acham seu fundamento de validade na Constituição Federal, ainda que seja bom destacar que há princípios que não estão previstos expressamente no texto constitucional. Não existe um consenso entre doutrinadores em um só rol de princípios do Direito Penal, no entanto, esse rol não é taxativo.

A Constituição Federal, estatuto máximo de uma sociedade que vive de forma politicamente organizada. Todos os ramos do direito positivo só adquirem a plena eficácia quando compatível com os Princípios e Normas descritos na Constituição Federal abstraindo-a como um todo.

Sendo assim, não haveria porque para aceitar que o direito penal tivesse tratamento diferenciado. À luz de uma Constituição que não é essencialmente liberal, pois não somente regulou os princípios básicos tangentes a formação do Estado Democrático de Direito, o Direito Penal teve que se sustentar nas demandas de matérias que poderiam estar reguladas em leis infra-constitucionais, mas que foram por ela abraçadas.

Cumpre-nos assinalar que o direito é uno, indivisível e indecomponível, estando dividido em segmentos, mas com finalidade meramente didática, pois o Direito Penal está interligado a todos os ramos do Direito, especialmente Direito Constitucional.

Para José Afonso da Silva (2012) os princípios são como ordenações que irradiam e imantam os sistemas de normas. Ou seja, são espécies de classificações que tentam unificar o direito. Celso Antônio Bandeira de Melo  (2009) por sua vez explicita que o princípio acabar por exprime a noção de mandamento nuclear de um sistema, sustentando assim o mesmo pensamento.

Decorrentes da falta de legislação, da falta de respeito aos princípios a seguir narrados e até mesmo a não coerência com artigos da própria constituição, prisões são efetuadas ilicitamente, assim como apreensões de objetos são efetuadas, prejudicando direitos fundamentais, um dos objetivos específicos deste trabalho é a pesquisa da realidade por trás destas violações, que por vezes resultam em abuso de poder e/ou autoridade e desrespeito a aos supracitados direitos.

Os princípios constitucionais informadores do Direito penal constituem garantia do cidadão até contra a maioria, implicando assim, que não basta o legislativo criar leis penais ou que a sociedade entenda que este ou aquele fato deva ser criminalizado desta ou daquela maneira.

Um único cidadão pode contrapor-se a todo o parlamento do país ou contra toda a sociedade, mesmo estando esta, muitas vezes ensandecida por influência da mídia, se tiver um princípio constitucional a seu favor na interpretação da lei penal que lhe imputar.

Constituição é a lei superior na qual todas as demais buscam validade. Por isso, a adequação da legislação infraconstitucional e sua interpretação em conformidade com os ditames da Lei Fundamental é tema que deveria dispensar dúvidas.

Isto exposto, passemos aos princípios em si.

4.1 DO PRINCÍPIO DA LESIVIDADE:

Princípio marcante, que será recorrentemente narrado é o princípio da lesividade. O princípio da ofensividade ou lesividade (nullum crimen sine injuria) exige que do fato praticado ocorra lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado.  O princípio da lesividade não se destina somente ao legislador, mas também ao aplicador da norma incriminadora, que deverá observar, diante da ocorrência de um fato tido como criminoso, se houve efetiva lesão ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico protegido.

Sendo assim o Estado não pode se dispor com os cidadãos a menos que suas condutas afetem os demais. Esse princípio é chave para o Direito penal liberal.

O princípio da ofensividade (ou da lesividade) significa para o direito penal moderno um importante instrumento garantista e limitador do jus puniendi estatal, devendo ser ratificado e interpretado juntamente com outros relevantes postulados, como o da intervenção mínima, para a própria defesa adequada dos bens jurídicos mais relevantes do ordenamento jurídico.

Importante destacar que existem três concepções sobre a atuação do Direito Penal na vida das pessoas. A corrente da “Lei e Ordem”, adotada principalmente nos países norte-americanos, ostenta a idéia da atuação máxima do Direito Penal, com a aplicação de penas severas.

 A corrente abolicionista, que pugna pela extinção do Direito Penal, eis que a defesa de bens jurídicos poderia ser buscada em outros ramos menos severos do direito.

A última e intermediária corrente é a do Direito Penal mínimo, cuja idéia principal é que o Direito Penal é mesmo um mal necessário, todavia, inevitável, pra proteger os bens mais relevantes socialmente. Por vez, essa é a idéia aceita no direito doutrinário brasileiro.

Daí surge o aforismo nullumcrimensine injuria (não há crime sem lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico relevante). Por isso Ferrajoli (2002) leciona que no Brasil, a lei penal tem o dever de prevenir os mais graves custos individuais e sociais apresentados por estes efeitos lesivos e somente assim eles podem justificar o custo das penas e proibições. Não se pode e nem se deve pedir mais ao direito penal, como no caso em tela, se pedir extensão da norma penal, sempre relacionada a armas de fogo, para abranger o porte de arma branca.

Assim, não basta que uma conduta se acomode a um tipo penal como mera infração, mas também é necessário que a conduta lesione um bem jurídico tutelado pela norma penal. Neste entendimento afirma Luiz Flávio Gomes (2002, p. 28): “O delito, não pode ser concebido como mera desobediência ou simples infração de um dever (simples violação do aspecto imperativo da norma). Delito é sempre uma violação a direitos de outrem”.

Afirmação de fácil observação, que se contrasta com o tema deste trabalho, visto que ao ocorrer uma apreensão, ou direcionamento de um sujeito encontrado com arma branca “sem licença de autoridade”, o objeto necessita de maior potencialidade lesiva ao bem jurídico, indevida sendo a lesão ao direito do sujeito.

Nas palavras de Rogério Greco (2005, p. 90) “o Direito Penal só pode, de acordo com o princípio da lesividade, proibir comportamentos que extrapolem o âmbito do próprio agente, que venham atingir bens de terceiros”. É este (deveria ser na prática) o foco do Direito Penal, acautelar bens jurídicos de grande relevância ao todo da sociedade.

Luiz Flávio Gomes (2002) compartilha do pensamento de Greco neste sentido, explicitando em linhas gerais que apenas se pode falar em fato penalmente relevante, quando ficar notável que a conduta é dotada periculosidade (criadora de riscos, como afirma o autor) alcança o núcleo de garantia e proteção da norma, que expressa um bem ou interesse jurídico.

Cezar Bitencourt (2006, p. 22) explica as funções deste princípio:

“O princípio da ofensividade no Direito Penal tem a pretensão de que seus efeitos tenham reflexos em dois planos: no primeiro, servir de orientação à atividade legiferante, fornecendo substratos político-jurídicos para que o legislador adote, na elaboração do tipo penal, a exigência indeclinável de que a conduta proibida represente ou contenha verdadeiro conteúdo ofensivo a bens jurídicos socialmente relevantes; no segundo plano, servir de critério interpretativo, constrangendo o intérprete legal a encontrar em cada caso concreto indispensável lesividade ao bem jurídico protegido”.

Assim é de translúcido entendimento que além da necessidade de existência de lesão ao um bem jurídico, ainda é indispensável que aquela lesão seja grave, intolerável, perturbadora da paz social, e não remediável por outro ramo do direito a não ser pelo sistema penal.

Há certo caminho tortuoso na doutrina que cria os chamados delitos de perigo abstrato, definidos pela doutrina majoritária como o perigo constitui unicamente a ratio legis, inerente à ação, não necessitando de comprovação.

Há forte corrente doutrinária que aponta a inconstitucionalidade dos delitos de perigo abstrato. Nesse sentido, como já apontado, Ferrajoli (2002) explicita que estes tipos deveriam ser reestruturados, sobre a base do princípio da lesividade, como delitos de lesão, ou, pelo menos, de perigo concreto.

4.2 DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE OU RESERVA LEGAL

Para falar em princípio da legalidade ou da Reserva legal, deve-se ter ciência que, podendo ser chamado ainda de “princípio da Estrita legalidade”, é antes de qualquer coisa, uma cláusula pétrea, ao ver que está prevista no artigo 5º XXXIX de nossa Constituição, sendo assim, não como negar que se trata de um direito fundamental, assim como uma Garantia Fundamental.

Isto posto, podemos afirmar que o conteúdo do Direito Penal, bem como suas regras de caráter punitivo, acrescendo ainda as sanções e bens jurídicos sujeitos a sua proteção devem estar a ela conectados.

O princípio da reserva legal, exposto em nossa Carta Magna, encontra-se assim disposto:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(…) XXXIX – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;” (grifamos).

A Constituição Federal de 1988 explicita em seu Art. 5º, II “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. É o chamado princípio da legalidade. Este princípio nos ensina que, no Brasil, apenas é proibido aquilo que a lei expressamente diz, pouco importando, para efeitos concretos e imediatos, a opinião pessoal de quem quer que seja: presidente da república, juízes, promotores, doutrinadores ou policiais.

Uma das exigências trazidas através do Princípio da Reserva Legal, podemos observar que o agente somente poderá ser processado, se sua conduta for previamente tipificada (com clareza e precisão) como crime. Através disto, por força deste princípio, o ato de criminalizar comportamentos só deve ocorrer quando se constituir meio necessário aamparo de bens jurídicos ou à defesa de interesses juridicamente indispensáveis à coexistência harmônica e pacífica da sociedade.

De bom grado ressaltar o que diz a jurista Alice Bianchini (2000, p. 458), quando nos explica que “a criminalização da conduta deve pautar-se, neste quadro, por processo meticuloso e que jamais pode deixar de contemplar direitos e garantias inscritos na Constituição”.

O Professor Julio Fabbrini Mirabete (2009), ao comentar o artigo 1o, do Código Penal, explica, em palavras resumidas, que o artigo define o Princípio da Legalidade, uma das mais importantes conquistas de índole política, norma básica do Direito Penalista Brasileiro Moderno, inscrito este ainda como garantia constitucional.

Devemos ressaltar que o Princípio da Legalidade para explicar as garantias para sua inviolabilidade, este desdobra-se em quatro funções garantidoras, sendo estas: A Lei anterior, lei escrita, lei estrita e lei certa.

Por “lei anterior” devemos entendera lei que institui o crime, sabendo que a pena deverá ser anterior ao fato ao qual se deve punir, assim como acaba por proibir a retroatividade da lei penal que cria constantemente delitos novos, que possamagravar,a situação do acusado.

É de conhecimento geral que a regra é a não punição de acordo com a vontade arbitral de cada agente, assim a lei deve instituir a pena de um crime (específico)sendo preposta ao fato que deve ser punido.Assim como que apenas a lei (aqui em seu sentido estrito) pode criar delitos e penas delituosas.

Ainda que se fale em medida provisória, como o fato de apreender o que o agente da conduta carrega, ou ainda ao leva-lo para delegacia para “averiguação”, deve-se lembrar que medida provisória em hipótese alguma ser considerada lei, ainda que seja admitida ter esta força de lei, não terá capacidade de versar a respeito de matéria de importância e responsabilidade como é o Direito Penal, não podendo, portanto, criar tipos penais ou prescrição de penas.

Já por “lei escrita” isenta muitos comentários, visto que, como a própria denominação já deixa claro que  só pode ser considerado crime, o que já está escrito por lei anterior.

Pode-se concluir então, que o Princípio da Reserva Legal acaba por obrigar com que o Estado atue estritamente dentro de exigências legais, de forma que torne legítima qualquer condenação ou imputação de sanção ao réu (como ter de entregar sua arma branca, ou ter seu direito de ir e vir restrito por certo tempo), demonstrando, precisamente, a necessidade da aplicação da pena, naquilo que podemos chamar de requisitos de observância obrigatória à persecução penal.

A “lei estrita” por sua vez (não confundir com lei escrita que já fora explicada anteriormente) restringe a criação de tipos penais, assim como a cominação de sanções apenas à lei, considerada em seu sentido menos abrangente, e veda o uso da analogia para extensão.

Por fim cabede acordo “lei certa” afirmar que a Lei não deve admitir margem a imprecisões, não deve fazer uso de normas muito abrangentes e nem se fazer valer de tipos incriminadores genéricos. Não é preciso notificar como se assemelha com o que não acontece na lei de contravenções penais, ou seja, a abrangência que muitos juristas dão a lei que explicitamente focada nas armas de fogo.

O Princípio da Legalidade rebate qualquer tendência de exagero seja de magistrados como de agentes públicos embutidos de poder de polícia. Em âmbito geral, pelo Princípio da Reserva Legal, nenhuma conduta poderá ser considerada crime ao nãohaver uma lei que o emoldure no adjetivo “crime”, bem como nenhuma pena poderá ser aplicada, se não houver sanção existente previamente e que faça correspondência à conduta.

Assim, resta claro que a reserva legal nos torna imunes ao livre arbítrio do Estado, para que assim nenhum indivíduo seja punido imotivadamente, sendo necessária a demonstração clara de indício de autoria de conduta previamente tipificada como criminosa, a qual investigação se dê dentro dos limites da Lei, e a punição seja proporcional ao abalo causado à vítima, para que a pena não se torne leve, ou pesada demais ao réu.

4.3 DO PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA

Nossa carta magna não prevê expressamente o princípio da intervenção mínima, assim, ela decorre de um caráter subsidiário e fragmentário do Direito penal.

É de fácil observação que o Estado se utilizada do direito penal como forma de proteger bens e interesses que contenham grande valor para o todo da sociedade, interpondo restrições severas aos direitos, como a restrição de liberdade, quando amparada na legalidade. No entanto, há a necessidade deste dito princípio para evitar que seja de livre arbítrio do julgador quanto à penas desnecessárias. Assim ocorre por muitas vezes em relação ao agente que executa a conduta de portar arma branca, tendo direito ferido sem mesmo ter gerado dano.

Vigora no Direito Penal o princípio da intervenção mínima, o qual de acordo com Bittencourt (2012, p. 39):

“Orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para proteção de determinado bem jurídico. Se outras formas de sanção ou outros meios de controle social revelarem-se suficientes para a tutela desse bem, a sua criminalização é inadequada e não recomendável. Se para o restabelecimento da ordem jurídica violada forem suficientes medidas civis ou administrativas, são estas que devem ser empregadas e não as penais”

Assim, como disciplina Sanches (2013) o direito deve servir como a último recuso de restrição de condutas, aplicando-se este apenas de forma subsidiária, assim como racional, quanto a preservação de bens de maior significação.

Para Heleno Cláudio Fragoso (2003, apud SANCHES, 2013,p. 68) A intervenção punitiva só será legítima para assegurar a ordem externa. Ou seja, a incriminação só será justificável quando o que está em causa ser um bem ou valor social importante. Coadunando com o pensamento presente neste trabalho de que uma mera conduta não tipificada, e até então sem dano ao ordenamento jurídico palpável, seja abruptamente interrompida.

Cabe explanar sobre o princípio da intervenção mínima, conforme leciona Muñoz Conde:

"O poder punitivo do Estado deve estar regido e limitado pelo princípio da intervenção mínima. Com isto, quero dizer que o Direito Penal somente deve intervir nos casos de ataques muito graves aos bens jurídicos mais importantes. As perturbações mais leves do ordenamento jurídico são objeto de outros ramos do direito” (MUÑOZ, 1975, p. 59-60).

De certa forma Muñoz acaba por impor ao direito penal carga de grande responsabilidade, por estabelecer para este o encargo de fazer valer o ordenamento jurídico presente em causas de grande perigo ao bem jurídico. No entanto através de tamanho encargo, cabe a este a responsabilidade por utilizar-se apenas quando realmente houver grande necessidade. Trata-se da máxima: Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades.

Deste modo, podemos entender que de acordo com o princípio da intervenção mínima o direito penal deve intervir o mínimo possível na vida em sociedade, somente entrando em ação quando, comprovadamente, os demais ramos do direito não forem capazes de proteger aqueles bens considerados de maior importância.

Assim, é de clareza inquestionável que o Direito Penal absorve como objetivo basilar, a proteção da sociedade, claro dentro do estado democrático de direito. Vem então, para por certo freio, este princípio, deve-se ser o último recurso a aplicação de sanções tão drásticas como são as do Direito Penal.

4.4. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

Não raras vezes, pessoas comuns, leigas e até mesmo de notável saber jurídico recaem sobe a afirmação de: “se foi pego com arma branca, boa coisa não ambicionava”. Devemos para contornar este pensamento sem fundamentação nos debruçarmos sobre o princípio da inocência presumida ou como é mais conhecido, presunção de inocência, ou ainda da não culpa.

Este princípio, trata-se de garantia fundamental, tendo em vista que  se encontra expresso no Artigo 5º, LVII da nossa Carta Magna.

“Art. 5.  Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pais a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.(EC nº 45/2004)

LVII- ninguém será culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;”

É através deste princípio que se têm por norma evitar uma aplicação irresponsável e repentina da justiça. Devemos porém ressaltar que não se trata de certeza de inocência presumida e sim de não culpabilidade, como afirma Rogério Sanches Cunha (2013, p.93.):

“Na verdade, o princípio insculpido na referida norma garantia é o da presunção de não culpa (ou de não culpabilidade). Uma situação é a de presumir alguém inocente; outra, sensivelmente distinta, é a de impedir a incidência dos efeitos da condenação até o trânsito em julgado da sentença, que é justamente o que a Constituição brasileira garante a todos”.

Princípio este de fácil compreensão, implica simplesmente a não culpabilidade por ato não gerador de dano até então, visto que é de clareza solar a punição severa de agente que além de não praticar conduta tipificada em lei, ainda não reste provado subsídio algum para visualizar a possibilidade de dano aos bens juridicamente tutelados. Sendo assim esta garantia fundamental protege e garante um julgamento justo tomando como base à dignidade da pessoa humana, evitando assim aplicações errôneas de sanções punitivas por parte do estado, o qual deve ser o a mais zelar pelos direitos do todo.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS:

É notória a falta e abrangência de entendimento que uma lacuna jurídica pode causar, assim como a amplitude de direitos infringidos quando a mesma não é sanada. Notado isto, cabe à doutrina do direito penal e processual penal sanear tais lacunas através de entendimento sob o que não é discutido na lei.

Entende-se ter ficado compreendido neste trabalho que, resumidamente, infração penal é comportamento humano causador de relevante e intolerável lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado, passível de sanção penal. O fato típico pode-se entender como a conduta que se enquadra perfeitamente ao que consta na lei penal.

O porte de arma-branca está longe de ser um crime ou uma contravenção penal, com respaldo amplamente aqui fundamentado, e sim um atípico penal. O tipo penal exige que o agente traga consigo arma fora de casa ou de dependência desta, sem licença da autoridade, sendo assim ao avesso do que se sucede com as armas de fogo, não se tem expressa necessidade de licença para portar faca ou outro tipo arma branca, visto que a mesma inexiste por ausência de previsão legislativa, o que evidencia a atipicidade da conduta aqui descrita.

Ao se debruçar em fatos cotidianos, não dificilmente pode se ter conhecimento de uso de força policial desnecessária e apreensão de armas brancas, independente de serem ou não instrumentos de crime praticado, assim como levada do agente da conduta para explicações. Toda esta narrativa encontra-se em desacordo com o aqui elucidado princípio da intervenção mínima, a qual preconiza que o direito deve ser último recurso para restrição de condutas.

Legalmente falando não há em nenhuma lei, nada sobre porte de "arma branca", a única que prestasse a cita-la é a lei de contravenções penais em seuartigo 19, a referência não é sobre "arma branca" e sim sobre arma de fogo. Explicado aqui o pensamento do legislador através da fase histórica que se passava, não resta dúvida quanto ao foco da lei.

A apreensão de canivetes, facas, punhais, soco inglês entre outros só deverá se dar se estas forem usadas como objeto instrumento de crime ocorrido ou podendo se estender ao máximo a pessoa que tiver comprovado histórico de delitos fazendo uso dos mesmos. Assim, dá-se ainda a prisão do autor do delito. No entanto, se o agente da conduta estiver, portanto um desses objetos pura e simplesmente, e o mesmo for preso e tiver o objeto apreendido, "poderá" o agente que apreendeu, responder por abuso de autoridade, com fulcro na lei 4.898.

O princípio talvez mais marcante neste trabalho seja o da lesividade, amplamente discutido aqui, explicitando não haver o crime senão dano causado. Juntamente e em mesma linha de pensamento pode se observar o princípio da reserva legal através do qual afirma sem dúvida de entendimento que não há como existir crime se não houver lei anterior que o defino como, assim como, por consequência, não há como existir pena para tal crime inexistente.

Desta forma, entende-se neste trabalho que qualquer cidadão tem o direito reservado de portar ou transportar qualquer que seja o tipo de arma branca, sem a classificação de conduta criminosa ou de ilegalidade, com a consciência de seu uso próprio para finalidade que não seja nenhuma que venha a gerar dano a bens tutelados por lei.

Ainda é de grande importância ressaltar que quanto a criminalidade alarmante e até mesmo os aumentos nos índices de homicídios tanto por armas brancas como por armas brancas têm correlação, ao ver deste trabalho, negativa com a legislação atual, visto que ao contrário do que ainda é muito pensado pela mídia ou pela massa, aqueles que destinam tanto armas de fogo, quanto a armas brancas para ilegalidade pouco tem sido afetados pela implicação legal ou não. Não sendo a proibição ou não do porte, posse ou transporte que acarretará na diminuição do número dos homicídios, como pode ser demonstrado por exemplo em pesquisa realizada por Harvard, Universidade Norte-Americana entre as mais conceituadas mundialmente, em que, após estudo concluiu que o direito a posse reduz a criminalidade. Como diz a reportagem que reporta o tema:

 “Ao longo dos últimos 20 anos, as vendas de armas dispararam nos EUA, mas os homicídios relacionados a armas de fogo caíram 39 por cento durante esse mesmo período.  Mais ainda: “outros crimes relacionados a armas de fogo”despencaram 69%.”

Stefan Molyneux, Direito da posse de arma reduz criminalidade, afirma Harvard (Disponível em: <https://www.epochtimes.com.br/direito-posse-de-arma-reduz-criminalidade-afirma-harvard/#.VWKXL0_BzGd>. Acesso em 25/05/2015)

Projetos de leis como a supracitada PL 2967/2006 pode ser vistos mais como uma medida populista, para angariar atenção da população, do que medida efetiva em si, tendo em vista que pouco gerará o sentimento ambicionado pela população, sentimento este de segurança ou de redução da impunidade, como comprova o estudo acima colacionado.

Isto posto o que se deve considera, é a finalidade da arma branca a que se destina o seu porte, sem utilizar-se de mero “achismo”, visto que este configura discriminante meio de culpabilidade do agente, se não vinculado a requisitos que fundamente tal conduta respeitando o princípio da presunção de inocência.
 

Referências
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BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – Parte Geral. vol. 1. 17a ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 39.
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TJRJ, 7ª câmara criminal. REEXAME NECESSÁRIO, Nº 70056689656, MINISTÉRIO PÚBLICO X JACKSON HUTTEL, 20 de Fevereiro de 2014.
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INFORMAÇÕES SOBRE O AUTOR:
Pós graduando em Direito e processo do trabalho e Direito Previdenciário pela faculdade Estácio/Ceut. Advogado atuante na Trabalhista e Previdenciária. Membro atuante da Comissão de Direito do Trabalho da Ordem dos Advogados/Piauí.

Informações Sobre o Autor

André Luís Ferraz Moreira Saraiva

Pós graduando em Direito e processo do trabalho e Direito Previdenciário pela faculdade Estácio/Ceut. Advogado atuante na Trabalhista e Previdenciária. Membro atuante da Comissão de Direito do Trabalho da Ordem dos Advogados/Piauí


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