Faz-se cada vez mais necessário o reconhecimento da defesa do meio ambiente como política pública, de interesse totalmente coletivo. Em razão disto, as atenções do Poder Judiciário devem também se voltar à defesa do equilíbrio nas relações do homem com o meio ambiente. O presente artigo aborda a questão da efetividade da participação das entidades de defesa do meio ambiente no âmbito judicial.
1 – O que é o Terceiro Setor
O Terceiro Setor (do inglês Third Sector) pode ser considerado como a interação de forças do Estado, da iniciativa privada e da sociedade civil. É bastante claro para todos que, hodiernamente, o Estado não possui mais condições financeiras, estruturais e, até mesmo, éticas para arcar com todos os deveres a ele atribuídos por nossa Constituição Federal, especialmente no que se trata da tutela de direitos e garantias fundamentais, individuais ou coletivos. Da mesma forma, é sabido que a iniciativa privada dispõe, em muitos setores, de condições financeiras satisfatórias, sendo economicamente viável a ajuda ao Estado para o cumprimento de suas funções.
Se a atividade realizada simplesmente consistir em doação ao Estado de recursos financeiros para que os aplique na melhoria das condições sociais, isto deveria chamar-se simplesmente de filantropia. O que caracteriza o Terceiro Setor é, finalmente, a participação efetiva da sociedade, através de cidadãos comprometidos com a transformação da realidade em que vivem. Para isto, dispõem de recursos financeiros provindos da iniciativa privada – que também retira resultados positivos destas ações, consideradas socialmente responsáveis.
Desta forma, o Terceiro Setor, como atualmente se apresenta, consiste na atuação da sociedade civil organizada, nas mais diversas áreas, utilizando-se, em muitas vezes, de recursos de entidades privadas, para o cumprimento de ações e o desenvolvimento de projetos que visem à melhoria das atividades antes atribuídas apenas ao Estado.
Para que a atividade do Terceiro Setor pudesse ser exercida da melhor forma possível, a fim de garantir à sociedade a efetiva participação na defesa de interesses coletivos, o Estado dispôs de seu poder de legislar para autorizar a organização da sociedade civil para o alcance desta finalidade. A própria Constituição Federal de 1988 determinou, em seu art. 5o, inciso XVII, o direito à plena associação para fins lícitos. Em caráter de lei ordinária, principalmente através das Leis de nº 9.637/98 e 9.790/99, foram criadas as Organizações Sociais (OSS) e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP’s), respectivamente, que se tornaram nos principais instrumentos de materialização do Terceiro Setor no Brasil.
De acordo com Celso Spitzcovski, as Organizações Sociais são “pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, criadas por particulares, para desempenhar serviços sociais não exclusivos do Estado, tais como: ensino, pesquisa científica, proteção ao meio ambiente, incentivo à cultura, programas de saúde” [1].
É necessário registrar que as Organizações Sociais não podem ter finalidade lucrativa. Continua Spitzcovski: “trata-se, portanto, de instrumento de privatização para diminuir as atividades desenvolvidas pelo Estado, repassando-as, em caráter temporário, para a iniciativa privada” [2].
A materialização das OSS é realizada pelo contrato de gestão, que deverá estabelecer as condições nas quais serão exercidas as atividades, especialmente a participação estatal nestas. Entre os incentivos, pode haver a destinação de recursos orçamentários, bens e servidores; a aquisição de bens com dispensa de licitação, dentre outros. É importante ressaltar que a titularidade do serviço público continua com o Estado – há a transferência apenas da execução do mesmo. Em razão disto, o serviço público oferecido por uma Organização Social deve cumprir os mesmos princípios traçados constitucionalmente para a Administração Pública.
Por seu turno, as OSCIP’s – Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – que surgiram no ordenamento jurídico através da Lei nº 9790/99, e são conceituadas como “pessoas jurídicas de direito privado que pretendam ser habilitadas a firmar termos de parceria com o Poder Público” [3]. A lei que instituiu as OSCIPs é bastante clara ao determinar a quais finalidades uma organização desta monta pode se dedicar e a quais está vedada a tal.
O que importa saber, resumidamente, é que há, além das associações civis e fundações, opções de organizações que atendem a finalidades prioritariamente estatais e que possuem muita relevância na defesa do meio ambiente como um todo. A efetividade das ações das organizações de defesa do meio ambiente será o objeto central deste trabalho, que pretende compreender a relevância dos interesses defendidos por tais entidades.
2 – Finalidades e perspectivas das entidades de defesa do meio ambiente
As organizações civis que têm como finalidade precípua a defesa do meio ambiente, há tempos, ocuparam um espaço na mídia que as colocam ora como agressivas, ora inoperantes. Trata-se de mais um paradoxo a ser combatido.
O que pode ser determinante para a transformação desta situação é o entendimento, por parte da sociedade, de que a tutela (e, nesse sentido, deve-se entender a preservação plena) do meio ambiente não pode ser realizada com os instrumentos legais formalmente utilizados para a busca de direitos individuais. O meio ambiente possui natureza difusa exatamente pelo fato de que sua preservação ou degradação atinge a toda uma coletividade, determinável ou não. Assim, os instrumentos jurídico-processuais à disposição da defesa do meio ambiente – quer seja através das entidades surgidas da organização da sociedade ou através do Ministério Público, também suficientemente competente para tal – não podem ser os mesmos que ensejam a tutela dos direitos individuais. Édis Milaré e Flávia Loures, em artigo sobre o tema, asseveram que “a natureza difusa do meio ambiente, enquanto direito de todos, demanda a criação de uma tutela processual adequada, ágil e eficiente, que garanta ao indivíduo o acesso ao Poder Judiciário, no exercício da cidadania, bem como aos grupos sociais intermediários legitimados para tanto, na forma da lei.
A Constituição Federal de 1988 incumbiu-se de apontar instrumentos processuais cabíveis à tutela dos interesses difusos e coletivos. Podemos citar a ação popular – que, como legitimado para a propositura da mesma indica “qualquer cidadão”, portanto, restringindo a legitimidade ativa a pessoas físicas; o mandado de segurança coletivo, que pode ser impetrado por partido político que tenha representação no Congresso Nacional e por sindicatos, entidades de classe ou associações constituídas em defesa de interesses de seus membros e associados. Nesta última hipótese de legitimidade ativa inserem-se as entidades de defesa do meio ambiente. Finalmente, a ação covil pública – instrumento processual definido constitucionalmente tendo principalmente o Ministério Público como titular, foi descrita por lei ordinária – a Lei nº 7.347/85, que definiu, além do Ministério Público, outros legitimados, entre os quais as associações que tenham sido constituídas há mais de um ano e que incluam, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, histórico, turístico ou paisagístico, conforme estabelece o art. 5o da referida lei.
Este último instrumento legal é, sem dúvida, o mais utilizado pelas entidades de defesa do meio ambiente para a tutela judicial de seus interesses, dada a agilidade do procedimento e da possibilidade de participação da sociedade e da entidade para a tomada de decisões a respeito do processo. É importante afirmar que, em muitos casos, o Ministério Público atua, no pólo ativo, juntamente com uma entidade de defesa do consumidor, o que possibilita ainda mais a compreensão de que os interesses da sociedade e dos poderes públicos devem caminhar juntos.
Em termos de propositura da ação civil pública, principalmente, não há que se falar nas dificuldades de acesso à Justiça, na maioria das vezes. Uma dificuldade citada pelos autores Édis Milaré e Flávia Loures é o pagamento, por parte das entidades de defesa do meio ambiente, das custas judiciais, já que não há previsão de isenção do pagamento das mesmas a associações de defesa de interesses difusos e, dada a sua constituição, que a caracteriza por não possuir fins lucrativos, a sustentabilidade econômica da manutenção do processo fica seriamente comprometida. Os autores citam a tendência atual da doutrina em entender que, com fundamento no art. 5o, inciso LXXIV da Constituição Federal, pode haver a isenção de custas às associações [4]. Há um segundo entendimento de que a Defensoria Pública deveria englobar, no âmbito de sua atuação, a defesa dos interesses difusos e coletivos. Conforme o artigo 132, caput da Constituição Federal, instituído pela Emenda Constitucional 45/2004, “a Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5o, LXXIV”.
Percebe-se que, nos termos dispostos na Constituição Federal, não se cita que tipo de interesses devem ser defendidos pela Defensoria Pública. A tendência é que, se for aplicada a interpretação utilizada para o art.5o, LXXIV, CF, a mesma deve ser acompanhada por esta norma que regulamenta o funcionamento da Defensoria Pública, criando novo acesso à Justiça às entidades de defesa do meio ambiente. Cabe aguardar maiores definições e, principalmente, a criação destes órgãos em Estados como o de São Paulo.
3 – O meio ambiente como direito constitucional e a dificuldade no reconhecimento da ação do Terceiro Setor na defesa do meio ambiente
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 225 e seguintes, definiu que todos têm direito a um ”meio ambiente ecologicamente equilibrado”, cabendo a sua preservação ao Poder Público e à coletividade, tendo como objetivo a melhora das condições ecológicas para as futuras gerações. Assim, torna-se claro o caráter difuso da defesa do meio ambiente, uma vez que se deve ter em mente a antecipação a futuras gerações. Além disso, quando a norma constitucional determina ser a defesa do meio ambiente dever da coletividade, atesta a legitimidade da participação das mais diversas associações e, hodiernamente, do Terceiro Setor, para a tutela judicial de seus interesses.
Os parágrafos do art. 225 da Constituição Federal determinam deveres do Poder Público para assegurar a efetividade do direito ecologicamente equilibrado. Porém, dada a confluência de interesses do Estado e da sociedade, capazes de gerar parcerias como as OSCIPs, muitos destes deveres são também encampados por tais entidades, como a preservação da diversidade e a integridade do patrimônio genético do país e a fiscalização de entidades dedicadas à pesquisa e à manipulação de material genético, como determina o inciso II deste dispositivo constitucional.
Assim, por meio deste exemplo, pode-se compreender a relevância da participação das entidades de defesa do meio ambiente das mais diversas formas: preventivamente, com a proposição de políticas públicas voltadas a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, com a intervenção nos âmbitos administrativo (com a participação nos mais diversos conselhos e órgãos que estabelecem parâmetros para a atuação na área ambiental, como o CONAMA) e judicial, com a intervenção em processos judiciais sobre os quais tenha interesse.
Entretanto, cabe ressaltar que, especialmente no que tange à participação judicial das entidades de defesa do meio ambiente, muitos obstáculos ainda devem ser superados para que a tutela difusa ou coletiva seja considerada pela maioria dos juízes e tribunais. Há uma dificuldade grande em se reconhecer que um dano causado ao meio ambiente na atualidade pode ter sérias conseqüências futuras. O operador do Direito, acostumado a lides de caráter meramente individual, tem dificuldades em reconhecer e garantir determinados direitos. Porém, deve-se compreender que a tarefa de esclarecimento a cidadãos e, principalmente, aos representantes do Poder Público – sejam do Poder Executivo, Legislativo ou Judiciário – também pode ser assumida pelas entidades de defesa do meio ambiente. A propagação da educação ambiental, como muitos defensores propõem, compõe-se de EDUCAR e AGIR. Assim, a ação pode se materializar pelos instrumentos dos quais estas entidades podem usufruir, superadas as dificuldades neste trabalho já citadas; a ação, por sua vez, fica a cargo de projetos que visem uma maior compreensão da importância de condutas responsáveis em relação ao meio ambiente, como a coleta seletiva, o controle de emissão de poluentes, a luta para que as noções de cidadania se propaguem a todos.
Conclusões
Portanto, é importante dizer que, se se entende que os interesses difusos e coletivos devem ser cada vez mais priorizados, isto deve ser realizado, principalmente, sob a forma de proposição de políticas públicas que mobilizem Estado, sociedade e empresas, determinando a união ideal do que compõe o Terceiro Setor, e não apenas com a imposição da atuação do Judiciário. Se a defesa de um meio ambiente ecologicamente equilibrado é dever da coletividade em geral, todos os entes que dela participam devem colaborar; assim, a atuação responsável de empresas, apoiando financeiramente projetos de educação ambiental para seus funcionários e para a comunidade, assim como a modificação de comportamentos que possam agredir o meio ambiente, como a redução – ou erradicação – na emissão de poluentes seria considerado como a exposição de um compromisso com a sociedade, com o Estado e, especialmente, com o meio ambiente.
Por sua vez, o Estado, por meio de ações que visem à observância dos princípios constitucionais de defesa do meio ambiente, deve proporcionar à sociedade formas mais ágeis de acesso à Justiça para a defesa do meio ambiente.
E, finalmente, à sociedade cabe o papel mais importante: a participação e a mobilização efetiva, para que ações sejam propostas e tomadas. Apenas a discussão de temas que envolvam a proteção do meio ambiente já é muito válida; porém, cabe compreender que a participação da sociedade é essencial, para que os efeitos das proposições e exigências, estas realizadas tanto em âmbito administrativo quanto judicial, realmente sejam produzidos.
O objetivo do presente trabalho não foi, de forma alguma, esgotar o tema, e sim provocar alguns questionamentos, principalmente a respeito da participação efetiva das entidades de defesa do meio ambiente. A luta por um reconhecimento cada vez maior de representantes do Terceiro Setor no âmbito judicial é, também, a luta que possui como princípio primordial defesa da própria cidadania.
Advogada graduada pela UNESP (Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”) e colaboradora do escritório Públio Emílio Rocha Advogados Associados S/C.
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