Resumo: o presente artigo objetiva demonstrar a atual orientação da jurisprudência do STJ a respeito da responsabilidade por erro ocorrido em hospital privado credenciado ao SUS, apresentando, ainda,a posição da Corte no passado.
Palavras-chave: responsabilidade civil; União; erro; SUS; hospital privado.
Sumário: Introdução.1. O Sistema Único de Saúde – SUS. 2. Responsabilidade Solidária no Fornecimento de Medicamentos. 3. Responsabilidade por Erro Ocorrido em Hospital Privado Credenciado pelo SUS. 4. Conclusão. 5. Referências Bibliográficas.
Introdução.
A saúde constitui direito social e, portanto, está elencada entre os direitos fundamentais previstos na Constituição da República Federativa do Brasil. Com efeito, o direito à saúde emana do art. 6º da Carta Magna, localizado topograficamente no Capítulo II (“Dos Direitos Sociais”) do Título II (“Dos Direitos e Garantias Fundamentais”).
As disposições atinentes à saúde são especificadas a partir do art. 196 do Texto Maior. É a partir desse importante dispositivo que se conclui pela solidariedade da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de serviços e no fornecimento de produtos que se destinem à preservação da saúde da população e à erradicação dos males que possam afetá-la.
No entanto, embora seja obrigação de todos os entes federados a garantia da saúde, é preciso perquirir se a responsabilidade por erro médico ocorrido no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS também se estende, de modo indistinto, à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. Esse é o objeto do presente artigo.
1. O Sistema Único de Saúde – SUS.
A fim de dar cumprimento ao dever dos entes federados de prover a saúde da população, a Constituição da República estabelece, em seu art. 198, que “as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único (…)”. O referido sistema, continua o dispositivo em questão, é organizado de acordo com certas diretrizes, a saber: (a) descentralização; (b) atendimento integral; e (c) participação da comunidade. Por descentralização, entende-se a existência de direção única em cada esfera de governo. O atendimento integral impõe que o SUS dê cobertura a todos os eventos que importem risco ou prejuízo à saúde, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais. Por fim, a participação da comunidade é exigência das mais salutares, pois permite que os próprios destinatários das ações de saúde opinem sobre o modo de implementá-las.
Com o escopo de dar cumprimento à missão constitucional dos entes federados, foi editada pela União a Lei 8.080/90, que, como se depreende de sua própria ementa, “dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências”. Apelidado de Lei do SUS, o diploma normativo em questão apresenta, entre outras disposições, regras atinentes à organização do Sistema Único de Saúde.
2. Responsabilidade Solidária no Fornecimento de Medicamentos.
A partir do disposto no art. 196 da Constituição Federal, cujo conteúdo é repetido, conquanto com outras palavras, no art. 2º da Lei 8.080/90, passaram a doutrina e a jurisprudência a entender que os entes federados são solidariamente responsáveis pelo fornecimento de medicamentos aos indivíduos que deles necessitam. Isso significa que o sujeito tem como direito exigir de quaisquer deles o fármaco indispensável à manutenção ou recuperação de sua saúde.
À guisa de ilustração, se José, morador de Vitória, no Espírito Santo, não consegue obter determinado medicamento nos locais designados pelo SUS, pode valer-se de uma demanda judicial para compelir qualquer dos três entes federados envolvidos (Município de Vitória, Estado-membro do Espírito Santo ou União) afornecê-lo. Mais do que isso, se entender conveniente, João pode até mesmo alocar no polo passivo, a um só tempo, os três entes, ou qualquer combinação entre eles.
Tal interpretação, hoje unânime nos Tribunais, decorre do fato de ser a saúde dever do Estado, como salienta o supracitado art. 196 da Constituição. Ora, como o Poder Constituinte não fez nenhuma distinção, não cabe ao intérprete distinguir, de modo que “Estado” deve ser entendido em sua acepção mais ampla, como Poder Público. Evidentemente, não se trata dos Estados-membros (de que são exemplos o Acre, o Ceará, o Mato Grosso, o Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul – para não deixar de fora nenhuma Região do País). Fosse essa a intenção do Poder Constituinte, teria evidentemente deixado expressa a restrição. Além disso, o art. 198, § 1º, da Carta Magna, estipula que o SUS será financiado com recursos de todos os entes federados, a reforçar a exegese ampliativa.
Portanto, quanto ao fornecimento de medicamentos, não resta dúvida: trata-se de dever constitucional que incumbe de modo indistinto e solidário à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. Nesse sentido, mencione-se, a título de exemplo, o seguinte julgado, do Superior Tribunal de Justiça – STJ (grifos do autor):
“(…) II. Conforme a jurisprudência do STJ, ‘o funcionamento do Sistema Único de Saúde – SUS é de responsabilidade solidária da União, estados-membros e municípios de modo que qualquer destas entidades tem legitimidade ad causam para figurar no polo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros’ (STJ, AgRg no REsp 1.225.222/RR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 05/12/2013). (…)” Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial 717593/PR. Segunda Turma. Relatora: Ministra Assusete Magalhães. Julgado em 13/10/2015.
3. Responsabilidade por Erro Ocorrido em Hospital Privado Credenciado pelo SUS.
Imagine-se a seguinte situação hipotética: José, morador de Vitória, no Espírito Santo, é submetido a uma cirurgia para retirada do apêndice, em hospital privado credenciado pelo SUS. Durante o procedimento, o médico esquece um objeto qualquer no interior do corpo do paciente (por exemplo, um pedaço de gaze). Meses mais tarde, depois de resistir a intensas dores, José descobre a origem de seu sofrimento. Pergunta-se: qualquer um dentre os três entes federados responsáveis pelo SUS no local (União, Estado-membro do Espírito Santo e Município de Vitória) pode figurar no polo passivo de demanda judicial visando à reparação dos danos causados a José?
Convocado a se manifestar sobre o tema, o STJ, inicialmente, respondia negativamente à referida indagação. Segundo a Corte da Cidadania, a legitimidade passiva nas ações de indenização por falha em atendimento médico ocorrida em hospital privado credenciado no SUS caberia ao Município, visto que, de acordo com a Lei 8.080/90, a ele incumbe a responsabilidade pela fiscalização do mencionado nosocômio. Nesse sentido era o posicionamento tanto da 1ª Turma (Agravo Regimental nos Embargos de Declaração no Recurso Especial 1218845/PR, de relatoria do Ministro Arnaldo Esteves Lima, julgado em 03/05/2012) como da 2ª Turma (Recurso Especial 1162669/PR, de relatoria do Ministro Herman Benjamin, julgado em 23/03/2010).
Ocorre que, posteriormente, a 1ª Turma alterou seu entendimento, passando a afirmar que, sendo o funcionamento do SUS de responsabilidade solidária da União, dos Estados-membros e dos Municípios, qualquer um desses entes teria legitimidade para figurar no polo passivo de demandas envolvendo tal sistema, inclusive as indenizatórias decorrentes de erro médico ocorrido em hospitais privados conveniados (Recurso Especial 1388822/RN, de relatoria do Ministro Benedito Gonçalves, julgado em 16/06/2014).
Parecia, assim, que o STJ havia mudado completamente o rumo de sua jurisprudência sobre o assunto. O novo entendimento, evidentemente, era mais favorável à população, uma vez que os prejudicados por falha médica podiam voltar sua pretensão ressarcitória e compensatória não só contra o Município responsável pelo credenciamento do hospital privado, mas também contra o Estado-membro respectivo e a União.
Todavia, instada a se pronunciar a propósito, a 1ª Seção do STJ (Embargos de Divergência em Recurso Especial 138822/RN, de relatoria do Ministro Og Fernandes, julgado em 13/05/2015) concluiu que a União não é parte legítima nas demandas em questão. Para a Corte, não estariam presentes, com relação à União, os elementos que suscitam a responsabilidade civil, uma vez que a Lei 8.080/90, em seu art. 18, inciso X, estabelece que compete ao Município celebrar contratos e convênios com entidades prestadoras de serviços privados de saúde, bem como controlar e avaliar sua execução.
Com efeito, para a caracterização da responsabilidade civil das pessoas jurídicas prestadoras de serviços públicos, exige-se a presença cumulativa dos seguintes pressupostos, tomando-se como base o art. 37, § 6º, da Constituição Federal: (a) conduta; (b) dano; e (c) nexo causal. Não se exige a culpa, uma vez que, superadas as Teorias da Irresponsabilidade do Estado, da Responsabilidade com Culpa e da Culpa Administrativa, passou-se a abraçar a Teoria da Responsabilidade Objetiva, que dispensa justamente o referido elemento.
Pois bem. A conduta, atribuída ao Poder Público, pode ser comissiva ou omissiva, legítima ou ilegítima. Exige-se apenas que tenha sido levada a efeito por agente do Estado. Esse agente pode até não estar no exercício de suas funções, desde que atue a pretexto de exercê-las. O dano, por sua vez, pode ser moral ou material, e deve ser comprovado pelo prejudicado. Por fim, o nexo causal consiste no liame entre os dois pressupostos anteriores (conduta e dano). Em outros termos, deve ficar claro que o prejuízo causado ao particular decorre da ação ou omissão do Poder Público.
Sendo assim, o STJ, hoje, considera que não se pode confundir a obrigação solidária dos entes federados quanto à obrigação de assegurar o direito à saúde com a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros. Nesta última, o dever de indenizar sujeita-se à comprovação da conduta, do dano e do nexo causal. Ora, no caso de dano causado em hospital particular credenciado pelo SUS, não existem os elementos que autorizam a responsabilidade da União, haja vista que a conduta não foi por ela praticada, já que cumpre à direção municipal credenciar, controlar e fiscalizar os nosocômios privados no âmbito do Sistema Único. Se não há conduta, obviamente nem se faz necessário aferir se os dois outros pressupostos estão presentes, visto que eles são cumulativos.
4. Conclusão.
Atualmente, prevalece o entendimento segundo o qual a União não possui responsabilidade por erro ocorrido em hospital privado credenciado pelo SUS. Essa é a orientação da 1ª Seção do STJ, firmada em embargos de divergência em recurso especial, no ano de 2015. A posição da Corte se baseia nos elementos necessários à configuração da responsabilidade civil do Estado, a saber: (a) conduta; (b) dano; e (c) nexo causal. Como, no caso, não há conduta a ser imputada à União, não se pode dizer que estejam presentes os pressupostos do dever de indenizar por parte do referido ente. A obrigação recai, portanto, sobre o Município, que possui competência para celebrar contratos e convênios com entidades prestadoras de serviços privados de saúde, nos precisos termos do art. 18, inciso X, da Lei 8.080/90 – Lei do SUS.
Oficial de Justiça Avaliador Federal. Graduou-se pela Universidade Federal do Espírito Santo – UFES
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