Sumário: 1. Contexto de aviso prévio proporcional no sistema jurídico brasileiro. 2. Questionamento da base teórica da negação de sua efetividade. 2.1 Valor jurídico da Constituição. 2.2 A supremacia da Constituição. 2.3 Da superação do conceito de “normas programáticas”. 2.4 Da vinculação dos particulares às normas constitucionais. 3. Os direitos sociais como normas jusfundamentais. 3.1 Da justiciabilidade do art. 7º da Constituição Federal. 4. Os remédios jurídico-constitucionais à omissão do legislador. 5. Breve balanço da luta por sua efetivação. 5.1 Iniciativa legislativa. 5.2 Regulamentação pela negociação coletiva. 5.3 Decisões em processos individuais sobre aviso prévio proporcional. 6. Conclusão
1. Contexto de aviso prévio proporcional no sistema jurídico brasileiro
A Constituição de 1988 é um marco relevante para a afirmação dos direitos sociais no Brasil. Ainda que tal constitucionalização tenha sido tardia em relação aos demais países, a Constituição-cidadã afirmou sério compromisso com a evolução da sociedade.
Antes de tudo, é importante relembrar que o processo constituinte foi, talvez, o mais importante evento político-legislativo ocorrido em nosso País, com ampla mobilização popular e acompanhamento diuturno de seus trabalhos pelos setores organizados da sociedade, gerando enormes esperanças de um novo tempo de progresso e justiça social em um Brasil, que emergia após o período obscuro do regime militar.
A Assembléia Constituinte tornou-se palco de acirrada disputa parlamentar entre os blocos progressista e conservador (este último, autodenominado “Centrão”), sendo os direitos sociais reunidos no correspondente ao art. 7º do anteprojeto original, um dos principais pontos de embate[1]. Ao final, como resultado dos enfrentamentos, chegou-se a uma fórmula conciliadora, podendo-se dizer que o texto final representa um compromisso mínimo de toda a sociedade brasileira.
É este compromisso mínimo expressado no atual art. 7º da Constituição Federal que foi entregue à Nação pelo Constituinte de 1988, incumbindo prioritariamente ao Poder Judiciário a tarefa de zelar pela efetivação dos direitos ali consagrados.
Entre esses direitos sociais, explícitas promessas de resgate da histórica desigualdade que ainda marca nosso país, está o direito ao aviso prévio proporcional ao tempo de serviço prestado ao empregador. O direito de o trabalhador receber uma comunicação prévia do empregador de que será despedido sem justa causa é previsto no ordenamento jurídico brasileiro desde 1850, tendo sido originalmente destinado a contratos comerciais. Introduzido na legislação trabalhista em 1935 (Lei n°. 62/35), não era um direito do trabalhador, mas um dever em face do empregador em caso de rompimento contratual. Como direito do trabalhador, o aviso aparece definitivamente com a CLT (Capítulo VI, artigos 487 a 491) em 1943.[2]
Não se trata de originalidade brasileira, porque tal direito está previsto na legislação trabalhista da maior parte dos países e, inclusive, se integra no macro-conceito do “direito ao trabalho”, sendo um elemento do elenco de institutos destinados a proteger o trabalhador contra os riscos da despedida imotivada e do consequente provável período de desemprego que a seguirá[3]. No caso do aviso prévio, pensava-se em conceder ao trabalhador um período de tempo em que, já sabedor do desemprego em futuro breve, pudesse reavaliar sua condição profissional, buscando um novo emprego, outra atividade remunerada ou melhor qualificação profissional. A ideia é que esse período de tempo fosse remunerado, ainda que o trabalhador não estivesse dispensado de todo da prestação de trabalho, mantendo-se parte da jornada de trabalho.
O instituto do aviso prévio em tempos modernos não é tampouco exclusividade do Direito do Trabalho, mas é típico dos contratos de trato sucessivo, sendo bastante usual nos contratos de Direito Civil. Porém sua aplicação no Direito do Trabalho é tão diferenciada quanto pode ser um contrato de compra e venda em relação a um contrato de trabalho, já que o que se discute, no caso, é a proteção à pessoa do trabalhador, a preocupação com sobrevivência deste e de sua família, o resguardo da sua dignidade humana contra os riscos do desemprego e da miséria.
Assim, ao estabelecer o legislador constituinte que os trinta dias do antigo aviso prévio previsto na CLT passassem a ser o mínimo para qualquer trabalhador, urbano ou rural, contratado por prazo indeterminado, implicitamente pretendeu-se assegurar, por meio da “proporcionalidade ao tempo de serviço” que os empregados “com mais tempo de casa” – e, assim, provavelmente mais idosos e sujeitos a maiores riscos em relação ao desemprego – teriam um tempo adicional remunerado para reconstruir sua vida profissional em relação aos trabalhadores com menos tempo de serviço. E, na medida em que não se pode presumir que o legislador constituinte subestimasse fortemente as dificuldades evidentes dos trabalhadores mais idosos para obtenção de novo emprego, esse “tempo adicional” certamente deveria ser significativamente superior a trinta dias, ou seja, ao período mínimo que um aviso prévio poderia ter, mínimo de proteção previsto em lei.
Porém, tal direito social, como outros tantos do art. 7º da Constituição Federal, caíram no vazio, não foram efetivados mesmo após tantos anos da promulgação da Constituição-cidadã. O que ocorreu é que esses direitos, tão festejados e que tanta expectativa criaram, não conseguiram “sair do papel”, não tendo superado a infeliz conjugação da inação legislativa e da timidez dos próprios agentes sociais supostamente interessados em sua normativização pela via da negociação coletiva. Mais; também o Poder Judiciário, buscado como última esperança de efetivação, tem falhado em dar eficácia a esses direitos sociais.
O acompanhamento da trajetória do direito ao aviso prévio proporcional é representativo das dificuldades de efetivação de todos os direitos sociais constitucionais, podendo-se dizer que as objeções teóricas que se lhes opõem são as mesmas e repousam em um discurso que varia desde a negativa do valor jurídico das normas constitucionais até a inexequibilidade dos direitos sociais.
Porém, antes de tudo, a primeira dificuldade a ser enfrentada é a de base axiológica: a valoração do direito social como um direito humano fundamental. De acordo com a Teoria Crítica dos Direitos Humanos (Herrera Flores, 2009, p. 61-5), estes são um produto da luta coletiva concreta de determinada coletividade em determinado período histórico, ou seja, produtos culturais, não sendo o papel do jurista indiferente no resultado de tais processos. A luta pelos direitos humanos integra o processo pelo qual cada formação social, cultural e historicamente, constrói seu caminho para a dignidade. Assim, do jurista o que se espera é a atitude de compromisso com a construção de atitudes e aptidões que permitam levar adiante tais lutas por espaços mais amplos de dignidade.
Sendo o Direito uma obra cultural na busca da Justiça, CAPÓN FILAS aponta como elementos estruturais do sistema: como entradas, a realidade e os valores críticos; como saídas, as normas e a conduta transformadora (CAPÓN FILAS, 1998, p. 19). Tal conduta, a ser praticada por atores sociais e operadores jurídicos, está orientada para a transformação da sociedade, quando esta pareça injusta e de pouca valia.
Uma segunda dificuldade pode estar situada em uma limitada compreensão da importância dos contextos sociais, culturais e econômicos que marcam as arenas em que se disputa politicamente o real alcance que esses direitos possam ter.
Uma visão supostamente universalista tende a ignorar as implicações decisivas que as concretas circunstâncias históricas e sociais podem ter na definição das lutas pelos direitos humanos. A ideia de um homem universal com direitos abstratos comuns a todos os espaços históricos e temporais minimiza a importância de compreender os direitos humanos – e particularmente os direitos sociais – como produtos da luta coletiva concreta de determinada coletividade em determinado período histórico, de modo que a contextualização dessa luta como essencial para a devida compreensão do fenômeno jurídico, sem o que se corre o risco de uma teorização vazia e descarnada, que desconhece de onde provém e, em especial, para onde se encaminha o processo de conquista de maiores e mais elevados espaços de dignidade no mundo atual.
Daí, podemos dizer que
a) os direitos humanos não podem ser entendidos fora dos contextos sociais, econômicos, políticos e territoriais em que se dão, devendo fugir de todo tipo de análise metafísica ou transcendental que procure negar sua essência real e material (e, portanto, humana);
b) o estudo e a prática dos direitos humanos devem ser praticados desde um saber critico que desvele os conflitos de interesses dentro da sociedade. Além disso, devem ter em conta as transformações que ocorrem continuamente nos contextos sociais, culturais e políticos.
Ademais, a suposta preocupação universalista também tende a reforçar análises comparativas, pelas quais se supõe que as pautas de direitos humanos de países em desenvolvimento (como o Brasil) necessariamente se estabeleçam pela adoção dos direitos já conquistados ou em processo de conquista em países desenvolvidos. No caso do aviso prévio proporcional, a escassa importância desse direito em países desenvolvidos reforça a ideia de que estaríamos diante de um “direito menor”, de pequeno valor econômico e de limitado alcance social.
A diferença notável entre o instituto do aviso prévio no Brasil em relação a outros países de desenvolvimento econômico equivalente é que, em nosso país, o aviso prévio tem uma importância incomum em decorrência da inexistência no ordenamento jurídico brasileiro de um eficaz sistema de proteção contra a despedida imotivada. Em outros países, o aviso prévio tem relevância para marcar temporalmente, de forma inequívoca, o término da relação contratual (e, também sinalizar o início do prazo prescricional) e, principalmente, para determinar a causa da despedida. De fato, a legislação de outros países, em especial na Europa, a despedida deve ser fundamentada em uma causa econômica, técnica ou disciplinar, não sendo admitida a despedida sem motivação[4].
No Brasil, o aviso prévio se constitui em um elemento complementar no deficiente sistema protetivo contra a despedida imotivada – e, por isso, mesmo, um elemento essencial de um sistema que carece do instituto da “despedida causal”.
De fato, no Brasil vige o sistema da “despedida livre”, havendo muitos que, com exagero, vislumbram um ilimitado direito potestativo de despedida do empregador. Não é assim, mesmo porque o ato patronal está sujeito ao crivo revisional em relação, por exemplo, a eventual despedida discriminatória, em afronta ao “caput” do art. 5º da CF/88.[5]
De toda sorte, comparando-se com outros países, chega-se à conclusão que o nível de proteção ao emprego no Brasil é dos menores do mundo. Os dados do Banco Mundial demonstram que o Índice de Dificuldade de Demissão no Brasil é zero, enquanto que, na Alemanha e na Argentina, ele chega a 40. Outros dados: Chile, 20; Espanha, 30; Portugal, 50 (Relatório “Doing Bussiness”, 2008).
Também em relação aos custos da despedida, os dados mostram, no Brasil, despedir um trabalhador é mais barato que na média dos países da América Latina e, também, da maioria dos países europeus. Custo no Brasil: 37 semanas de salário; Custo na Argentina: 139 semanas de salário; Alemanha: 69 semanas de salário; Chile, 52 semanas; Espanha, 56 semanas; Portugal, 95 semanas.
O constrangedor processo de ratificação e, um ano depois, de denúncia da Convenção n°. 158 da OIT pelo Governo brasileiro evidencia como o assunto é difícil e delicado no Brasil. Tal Convenção prevê medidas de proteção contra a despedida imotivada e, por isso, o reconhecimento de seu valor jurídico no ordenamento jurídico interno poderia ser um sucedâneo ao dispositivo do art. 7o, I da Constituição Federal. Porém, mesmo durante o curto período em que o Brasil incorporou em seu ordenamento jurídico a Convenção n°. 158 da OIT, o Poder Judiciário, através do Supremo Tribunal Federal, terminou afastando qualquer esperança de uma interpretação mais ampla das normas de proteção contra a despedida imotivada. Entendeu o STF (sessão do daí 04/09/1997), ao examinar medida cautelar na ADIN-1.480-3-DF, que as normas da Convenção nº 158 da OIT têm caráter meramente programático. Diante da denúncia da Convenção n°.158, a ADIN acabou sendo extinta sem julgamento do mérito em decisão monocrática do Relator, Ministro Celso de Mello, em 27/6/2001:
“… Vê-se, portanto, que a convenção nº 158/OIT não mais se acha incorporada ao sistema de direito positivo interno brasileiro, eis que, com a denúncia, deixou de existir o próprio objeto sobre o qual incidiram os atos estatais – dec. Legisl. 68/92 e 1855/96 – questionados nesta sede de controle concentrado de constitucionalidade, não mais se justificando, por isso mesmo, a subsistência deste processo de fiscalização abstrata, independentemente da existência, ou não, no caso, de efeitos residuais concretos gerados por aquelas espécies normativas. (…) Sendo assim, e tendo em consideração as razões expostas, julgo extinto este processo de controle abstrato de constitucionalidade, em virtude da perda superveniente de seu objeto.”
A validade da denúncia da Convenção n°. 158 (Decreto Federal nº 2.100, de 20/12/1996) continua em discussão no STF – ADIN- 1625. Votou pela improcedência o Min. Nelson Jobim e pela procedência parcial, condicionando a denúncia ao referendo do Congresso Nacional, os Ministros Maurício Corrêa e Carlos Britto.
Como bem evidencia o recente episódio da crise econômica de 2008, quando as empresas recorreram, mais uma vez, à prática da despedida coletiva, não há, no Brasil, seja no arcabouço legislativo, seja em políticas públicas, uma proteção eficiente para os desempregados, nem medidas que desestimulem os abusos patronais quando desempregam massivamente ao primeiro sinal de crise.
A tímida reação de parte do Judiciário Trabalhista, especificamente os Tribunais das 15a. e 2a. Regiões[6], que apenas suspendiam os efeitos das despedidas por determinado prazo para que negociações coletivas pudessem acontecer (medida mais do usual em outros países, em especial na Europa), foi contida pelo TST, que não encontrou base normativa para que os Tribunais Regionais concedessem este “aviso prévio de natureza coletiva”, filiando-se à corrente do ilimitado direito potestativo do empregador a despedir, mesmo que coletivamente.
Destaque-se, entretanto, o voto vencido do Ministro Maurício Godinho Delgado, pelo qual:
“DISPENSAS COLETIVAS TRABALHISTAS. EFEITOS JURÍDICOS. A ordem constitucional e infraconstitucional democrática brasileira, desde a Constituição de 1988 e diplomas internacionais ratificados (Convenções OIT n°. 11, 87, 98, 135, 141 e 151, ilustrativamente), não permite o manejo meramente unilateral e potestativista das dispensas trabalhistas coletivas, por de tratar de ato/fato coletivo, inerente ao Direito Coletivo do Trabalho, e não Direito Individual, exigindo, por conseqüência, a participação do(s) respectivo(s) sindicato(s) profissional(is) obreiro(s). Regras e princípios constitucionais que determinam o respeito à dignidade da pessoa humana (art. 1o, III, CF), a valorização do trabalho e especialmente do emprego (artigos 1o, IV, 6o e 170, VIII, CF), a subordinação da propriedade à sua função socioambiental (artigos 5o, XXIII e 170, III, CF) e a intervenção sindical nas questões coletivas trabalhistas (art. 8o, III e VI da CF), tudo impõe que se reconheça distinção normativa entre as dispensas meramente tópicas e individuais e as dispensas massivas, coletivas, as quais são social, econômica, familiar e comunitariamente impactantes. Nesta linha, seria inválida a dispensa coletiva enquanto não negociada com o sindicato de trabalhadores, espontaneamente ou no plano do processo judicial coletivo. A d. Maioria, contudo, decidiu apenas fixar a premissa, para casos futuros, de que “a negociação coletiva é imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores, observados os fundamentos supra”. Processo TST 00309/2009. Publicado em 04/9/2009. Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Embraer, Dissídio Coletivo, oriundo do TRT 15ª. Região.”
Por outro lado, há de se entender a importância do elastecimento do aviso prévio a partir da insuficiência da proteção social no Brasil.
Uma importância algo desmesurada do instituto do aviso prévio nas relações de trabalho no Brasil não decorre apenas da inexistência da despedida causal no Brasil, sendo este apenas um dos elementos – ainda que o principal – do deficiente sistema de proteção ao emprego. A esse elemento, já analisado anteriormente, deve-se acrescentar outros, também decorrentes da estrutura social-econômica de um país ainda insuficientemente desenvolvido e com um enorme “déficit” social que deixa à margem dos benefícios do progresso ainda significativa parte da população brasileira, ainda que o país já se encontre entre os chamados “emergentes” ou “em vias de desenvolvimento”.
Entre os elementos que compõem o quadro de aguda deficiência de proteção social que atinge o “Welfare State” nacional pode-se mencionar: a insuficiência geral dos serviços públicos; a reduzida rede de assistência social (ainda que incluída a parte dos recursos públicos “desviada” da Previdência Social); a inexistência de proteção previdenciária para boa parte dos trabalhadores e a insuficiente cobertura previdenciária para os demais; a inexistência de uma política salarial que recupere a renda em geral dos trabalhadores (ainda que algo tenha sido feito, nos últimos anos em relação ao salário mínimo); a existência de uma política fiscal regressiva, que penaliza justamente os que ganham menos; uma política monetária que privilegia os que vivem de renda, prejudicando a economia produtiva; a inexistência de uma política sólida de desenvolvimento econômico que alavanque a criação de empregos e, assim, diminua o desemprego e valorize o fator trabalho na distribuição da renda nacional; entre outros.
Especificamente contribuem para a vulnerabilidade do trabalhador em vias de ser despedido e ingressar no contingente de desempregados, o insuficiente seguro-desemprego, que cobre, no máximo, cinco meses de não-ocupação e, ainda assim, apenas para os trabalhadores de salário mais baixo; a baixa qualificação profissional do trabalhador brasileiro, o que dificulta sobremaneira sua realocação do desempregado; a insuficiência de crédito para trabalhadores de baixa renda e a inexistência de crédito ao desempregado.
Assim, a aposição da baixa na CTPS do trabalhador marca o início de um tempo de verdadeira “tragédia pessoal e familiar”, em que a insegurança quanto ao futuro se soma à certeza quanto a um presente de penúria e privações. A data que assinala o “término da relação contratual” marca também o fim da cobertura médica para os trabalhadores que usufruem de convênio-saúde; o fim do vale-transporte; o fim do vale-refeição.
Não parece difícil imaginar que o interesse do trabalhador é que tal data seja postergada o maior tempo possível. Por certo as dificuldades de recolocação aumentam conforme a idade do trabalhador desempregado. Estatísticas recentes demonstram que o afastamento dos mais idosos das atividades produtivas importa, em muitos casos, “em uma situação de precariedade e não a conquista de um benefício recebido após uma longa vida de trabalho”. De fato, a população idosa encontra maior dificuldade de ser absorvida na atividade produtiva em um mercado de trabalho cada vez mais competitivo e, assim, em geral, “sua inserção se dá em condições mais desfavoráveis — menores possibilidades de emprego, vínculos empregatícios mais frágeis, postos de trabalho menos qualificados e, não raro, principalmente para as mulheres, remunerações inferiores e instáveis” (KRELING, 2009).
Além disso, conforme MARCELO AFONSO RIBEIRO, o trabalho tem um valor fundamente para todos os indivíduos, sendo uma forma de participar da construção do mundo, de forma que a impossibilidade de trabalhar pode gerar rupturas psicossociais significativas. Este autor analisa a ruptura biográfica (descontinuidade na história da vida das pessoas) decorrente de situações de desemprego, afirmando que o desemprego “produz a perda de referência e uma situação de fronteira, pois a pessoa se encontra à margem da lógica dominante, em uma situação de exclusão” (RIBEIRO, 2007).
Por sua dificuldade de inserção no mercado laboral, os idosos constituem parcela vulnerável à ocorrência de depressão (OLIVEIRA, 2006), o que, por si só, justificaria uma política pública diferenciada de proteção ao emprego para esse contingente da população.
O aturdimento que sofre o recém-desempregado é similar ao da crise psicótica, uma vez que as pessoas que atravessam tais situações, ainda que diferentes, sofrem experiências psicossociais semelhantes, pois “algo mudou em sua situação que não conseguem compreender, assimilar e lidar com seu momento, planejar o futuro, ficando presos ao eterno presente” (GINGRAS & SYLVAIN, 1998).
Por outro lado, quanto mais “tempo de casa” tem o trabalhador, maiores são os vínculos sociais, econômicos e psicológicos que ele mantém com o emprego, sendo mais difícil o rompimento abrupto.
Parece, assim, inequívoco que a postergação no tempo do momento fatal do desligamento do emprego é benéfica à saúde psicológica do trabalhador despedido, mormente quando tem maior tempo de serviço.
Nesse contexto, portanto, conceder ao trabalhador despedido com maior tempo de serviço prestado ao empregador o benefício de um tempo adicional para consumação da despedida tem perfeita coerência com a realidade brasileira e com a necessidade de proteção social a um contingente mais vulnerável da população.
Por fim, parece extreme de dúvidas de que a preocupação em efetivar o direito ao aviso prévio proporcional tem, ao menos, o mérito de trazer mais luz ao debate a respeito da urgente necessidade da sociedade brasileira em repensar a insuficiente proteção social ao trabalhador em geral (“livre despedida”, bem como a grupos específicos de trabalhadores (em especial, os de menor renda e/ou idosos).
2. Questionamento da base teórica da negação de sua efetividade
Quando se trata da efetividade de um direito constitucional, há de se entender as variadas objeções apresentadas pelo liberalismo, desde a negação do valor jurídico das normas constitucionais[7] até a redução de sua efetividade a conteúdos mínimos ou bastante diluídos.[8] Do mesmo modo, alguns autores apontam para a existência de direitos constitucionais meramente programáticos, negando que sejam verdadeiros direitos, mas meras recomendações ao legislador.[9] Outros, por constatarem a judiciabilidade deficiente dos direitos sociais se opõem a incluí-los como normas constitucionais, já que não representariam mais do que fonte de frustração e equívoco, pois os únicos direitos fundamentais que mereceriam esse nome seriam os individuais ligados à liberdade[10]. Por fim, também há os que negam, na prática, a aplicabilidade direta dos direitos sociais trabalhistas previstos na Constituição[11].
2.1 Valor jurídico da Constituição
Em primeiro lugar, reafirma-se o valor jurídico da Constituição, entendendo-a como norma jurídica fundamental, não apenas como no sentido de que seja fundamento de validade de todo o ordenamento, mas, principalmente, porque
“contém a ordem jurídica básica dos diversos setores da vida social e política, de modo que pré-configura de forma similar aos programas de partido, um modelo para a sociedade” (OTTO, 1998, p. 44, trad.).[12]
Com o passar dos anos, por uma lenta elaboração, os direitos sociais se cristalizaram nas constituições ocidentais, a elas se incorporando como valores fundantes dos Estados do pós-guerra. A normatização de tais direitos importa, na prática, na plasmação de um pacto constituinte que, abarcando amplamente as classes sociais, definiu um modelo de sociedade, que se pretende integradora e solidária e, assim, assumiu um solene compromisso de tornar realidade os direitos fundamentais, definidos como valores centrais da modernidade. É necessário lembrar que, sobre tal compromisso se assenta boa parte da legitimação democrática dos Estados modernos, passando suas constituições a ser bem mais do que emblemáticos signos de um pacto social. Elas mesmas, as Constituições, passam a ser a garantia de tais compromissos, no caso, de que os direitos reconhecidos como fundamentais sejam efetivos.
Assim, formam-se desenhos básicos para a ordem econômica e para a sociedade em seu conjunto, em que não se assinala apenas para o Poder Público os limites do permitido, mas que impõe a este também o dever positivo de criar uma ordem. Assim, a Constituição, toda ela, se transforma em um programa, e a legislação já não é mais o instrumento de uma ação política livre, dentro dos limites negativos impostos pela Constituição, mas é o desenvolvimento da Constituição, do programa que ela contém. A Constituição já não incorpora somente a concepção política do que o Estado deve ser, mas sim o programa que ele deve fazer (OTTO, 1998, loc. cit.).
Referindo-se à Constituição brasileira, EROS ROBERTO GRAU (2000, p. 199) denomina-a Constituição dirigente, na medida em que contém um conjunto de diretrizes, programas e fins a serem realizados pelo Estado e pela sociedade que lhe conferem o caráter de um plano global normativo, o do Estado e da sociedade.
Na correta interpretação desse plano global contido na Constituição, é preciso ter em conta os princípios fundamentais que a conformam, ou seja, a dignidade da pessoa humana, como fundamento da República e como fim da ordem econômica; os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1o, IV) como fundamento da República e a valorização do trabalho humano e da livre iniciativa como fundamento da ordem econômica (art. 170, caput) e construção de uma sociedade livre, justa e solidária como um dos objetivos fundamentais da República (art. 3o, I).
Além disso, a Constituição serve para fundamentar um modelo de organização política para a comunidade[13], cumprindo uma função de unificação do ordenamento jurídico em torno dos valores fundamentais, visando evitar sua dissipação por apreciações pontuais ou desvios que possam ser produzidos nos sucessivos desenvolvimentos normativos. Trata-se, assim, de colocar tais valores fundamentais a salvo de “possíveis excessos das dinâmicas políticas”, colocando-os em uma posição de “primazia constitucional” de forma que se projetem sobre toda a dinâmica normativa e atividade jurídica, sem que sejam afetados “pelas tensões ou desvios que se produzam nos planos inferiores” (PEÑA FREIRE, 1997, p. 80, trad.).[14]
Estes valores, que se aglutinam em macro-conceitos da liberdade, da dignidade e da igualdade têm, nas normas constitucionais, uma forte expectativa de realização plena, ainda que diferida no tempo. Trata-se de valores permanentes e definitivos, que, ainda que possam ser atualizados, devem ser resistentes a políticas econômicas conjunturais.
Assim, a mudança de expectativas econômicas, como ocorreu, por exemplo, em face da recente crise mundial de crédito, não deveria implicar em uma alteração substancial das cláusulas de bem-estar geral contidas no pacto social constituinte, que deveria ser entendidos como “intangiveis, incorporados como estão às regras fundadoras do contrato social” (BRUNET e BELZUNEGUI, 1999, p. 158)[15].
2.2 A supremacia da Constituição
Modernamente, não se admite que se possa resumir o poder normativo da norma constitucional a uma mera recomendação ao legislador, destituída, por completo, de efetiva e imediata aplicabilidade. Ao contrário, à norma constitucional se reconhece força normativa atual e vinculativa a todos os agentes públicos e, por efeito irradiante, também aos particulares.
Conforme GARCÍA DE ENTERRÍA, reconhece-se à Constituição uma “supralegalidade material” que a ela assegura “uma predominância jurídica hierárquica sobre todas às demais normas do ordenamento, produto dos poderes constituídos pela própria Constituição, obra do superior poder constituinte”. Assim, as demais normas somente são válidas se não contrariam, não apenas o sistema formal de produção das mesmas estabelecido pela Constituição, mas, sobretudo, o “quadro de valores e de limitação do poder em que a Constituição se expressa¨ (GARCÍA DE ENTERRÍA, 1994, p. 50 trad.). Assim,
“(…) la Constitución es ¨resistente¨ frente a cualquier norma u orden contraria a sus mandatos (…) Esta resistencia o plus de validez, o inmunidad de la Constitución frente a todas las normas y actos que de ella derivan, es la base misma de su supremacía, y, por tanto, la piedra angular de su eficacia como pieza técnica en la construcción del Estado y del ordenamiento jurídico.” (GARCIA DE ENTERRÍA, 1994. p. 64-5).
Temos, aqui, dois aspectos a considerar: primeiro, a Constituição define o sistema de fontes formais do Direito e mantém uma relação de superioridade com as demais normas do sistema, de modo que a norma constitucional prevalece e afasta do ordenamento jurídico qualquer outra norma que a contrarie; segundo, tal supremacia não se baseia em razões meramente formais, mas substanciais.
Assim, de um ponto de vista formal, basta por em relevo que as normas constitucionais, em seu conjunto, prevalecem sobre todas as demais normas jurídicas, sendo o parâmetro de validade no ordenamento jurídico. É o que se denomina a “primazia manifesta à vinculação constitucional” frente a todos as outras normas do ordenamento jurídico, que se constitui o elemento-chave na construção e na validade de todo o ordenamento jurídico. Por isso, em qualquer momento de aplicação das normas – por operadores públicos ou operadores privados, por juízes, legisladores ou administradores -, tal supremacia constitucional deve ser obrigatoriamente levada em conta “en el sentido que resulta de los principios y reglas constitucionales, tanto los generales como los específicos referentes a la materia de que se trate¨ (GARCÍA DE ENTERRÍA, 1994, p.95).
Conforme ENTERRÍA, as consequencias mais importantes da primazia normativa da Constituição podem ser assim resumidas na completa vinculação de todos os tribunais e sujeitos públicos e privadas a todas as normas constitucionais. Por outro lado, todas as normas infraconstitucionais devem ser interpretadas no sentido mais conforme com a Constituição (princípio da interpretação conforme com a Constituição). Em caso das normas de direito ordinário não se conformarem com a Constituição, tais normas deve ser entendidas como inválidas, de forma que não devam ser aplicadas pelos Tribunais que, ao contrário, devem declará-las inconstitucionais. Alem disso, em certas matérias, em especial no que concerne à regulação de direitos fundamentais, a Constituição é de aplicação direta como norma de decisão de qualquer classe de processo, por ter revogado todas as leis que opõem à sua regulação. Por fim, em caso de leis posteriores à Constituição, entende ENTERRÍA que, em se tratando de tutela direta de direitos fundamentais, incumbe ao juiz dar efetividade à norma constitucional, independentemente da declaração de inconstitucionalidade da lei ordinária (GARCÍA DE ENTERRÍA, 1994, p. 78).
Assim, se deduz o valor normativo e imediato de todas as normas constitucionais o que ¨afecta a todos los ciudadanos y a todos los poderes públicos, sin excepción y no sólo al Poder Legislativo como mandatos o instrucciones que a éste sólo cumpliese desarrollar – tesis tradicional del carácter ¨programático¨ de la Constitución – ; y entre poderes públicos, a todos los Jueces y Tribunales – y no sólo al Tribunal Constitucional¨.
No mesmo sentido, em comentários à Constituição portuguesa, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA apontam a possibilidade de aplicação direta de normas constitucionais, mesmo sem lei intermediária ou contra e em lugar dela, quando se trate de normas que dizem respeito a direitos, liberdades e garantias (GOMES CANOTILHO e MOREIRA, 1991, p. 46).
De outro lado, como se viu, a supremacia constitucional não se limita ao plano formal, pois se reconhece uma “força conformadora” que não se limita apenas aos direitos e garantias individuais, mas se estende também aos campos da ordem econômica e social. Conforme GOMES CANOTILHO e MOREIRA,
“Também está em crise a concepção clássica de Constituição que restringe a sua função à limitação do poder e à garantia das liberdades públicas. O texto constitucional não pode nem deve ser considerado como simples estatuto jurídico de repartição do poder de Estado e de garantia dos direitos e liberdades.” (GOMES CANOTILHO e MOREIRA, 1991, p. 43).
Tal característica de vinculatividade se encontra em todas as normas constitucionais, pois, conforme RUBIO LLORENTE, ¨a Constituição, toda Constituição que possa assim ser chamada, é fonte de direito no sentido pleno da expressão, quer dizer, origem mediata e imediata de direitos e obrigações – e não somente fonte das fontes¨ (RUBIO LLORENTE, 1997, p. 52, trad)[16].
Tal pensamento é incompatível com a ideia de normas praticamente destituídas de valor normativo, implícita no conceito de normas programáticas.
2.3 Da superação do conceito de “normas programáticas”
Um dos aspectos mais importantes na análise do valor normativo da Constituição diz respeito à aceitação ou não de que determinadas normas constitucionais seriam destituídas de juridicidade, não tendo capacidade de tutelar qualquer tipo de direito ou de interesse.
Tal equívoco decorre da ideia de que parte da Constituição possa constitui apenas uma “promessa política”, destituída de força normativa, desconhecendo-se seu compromisso histórico-institucional e invertendo-se a hierarquia interpretativa, de forma a dar prevalência à regra ordinária em relação à constitucional.
VEZIO CRISAFULLI combate tal ideia, afirmando que, uma Constituição é, sempre e acima de tudo, um ato normativo, não diversamente da Lei Ordinária, mas dotada de um maior valor. Em conseqüência, as contradições internas devem ser eliminadas, dando-se prioridade às normas postas na Constituição, enquanto fonte superior a qualquer outra lei posterior. Ademais, o autor “reprova o procedimento administrativo e da jurisprudência de superar as contradições, suprimindo praticamente um dos termos (a Constituição nova), aplicando-se o direito precedente, como se a Constituição não fosse lei (ato normativo), e lei predominante e superior” (LYRIO PIMENTA, 1999, p. 151).
GOMES CANOTILHO, a respeito da Constituição portuguesa, pondera ser pouco apropriado falar de “normas constitucionais programáticas”, preferindo o termo “normas-fim”, pois “informam uma atividade” e “dirigem materialmente à concreção constitucional” (GOMES CANOTILHO e MOREIRA, 1991, p. 89). Mesmo tais normas não são meras “exortações morais”, “promessas” ou “apelos ao legislador”, juridicamente não providos de qualquer vinculatividade, pois a elas se reconhece “positividade jurídico-constitucional”. O autor português as denomina “normas diretivas de ação estatal de alcance essencialmente político”, pois é certo que
“não se limitam a legitimar a pressão política sobre os órgãos competentes, não sendo irrelevantes sob o ponto de vista jurídico-constitucional: por um lado, podem constituir fundamento constitucional de ações e medidas estatais que, sem elas, poderiam não ser constitucionalmente lícitas; por outro lado, elas consubstanciam valores constitucionais que não podem deixar de ser relevantes em sede de interpretação constitucional (e legais).”
(GOMES CANOTILHO e MOREIRA, 1991, p. 113)
Assim, ainda conforme o autor, mesmo em relação às chamadas “normas programáticas”, se lhes reconhece:
– que vinculam o legislador, de forma permanente, à sua realização (imposição constitucional);
– que, com diretivas materiais permanentes, vinculam positivamente todos os órgãos concretizadores, devendo estes tomá-las em consideração em qualquer dos momentos da atividade concretizadora (legislação, execução, jurisdição);
– que são limites negativos, que justificam a eventual censura na forma de declaração de inconstitucionalidade dos atos que as contrariam.
O próprio JOSÉ AFONSO DA SILVA, provavelmente o mais citado autor brasileiro no que diz respeito à efetividade das normas constitucionais, admite que não existem normas constitucionais sem valor jurídico, apontando tais normas programáticas como capazes de assegurar, pelo menos, “situações subjetivas de vantagem, que podem caracterizar simples interesse, simples expectativa, interesse legítimo e até direito subjetivo” (AFONSO DA SILVA, 2000, p. 176).
Portanto, podemos afirmar com segurança que, mesmo as impropriamente chamadas normas programáticas são preceptivas, estabelecendo deveres de atividade do Estado e impondo o cumprimento de determinado programa, assim como tornam inconstitucionais as leis que as contrariam.[17] Sejam como parâmetro de regulação do ordenamento jurídico, sejam como fonte da melhor interpretação da legislação infraconstitucional, as normas constitucionais devem ser tomadas em seu conjunto, entendidas todas suas disposições como desenvolvimento de seus valores fundamentais.[18]
Nesse contexto, não há mais falar em normas constitucionais destituídas de valor jurídico, podendo-se dar por superada a polêmica histórica sobre “normas programáticas” que, tradicionalmente, serviu para “abrir portas” para o ingresso das teorias constitucionais que, na prática, negam a efetividade de direitos constitucionais, em especial os direitos sociais.
2.4 Da vinculação dos particulares às normas constitucionais
A força vinculante das normas constitucionais afeta igualmente as relações entre cidadãos – e não somente a relação cidadão-Estado, o que é particularmente relevante em se tratando de normas constitucionais que prescrevem direitos fundamentais. Pois estas podem ser violadas por particulares, ocasião em que a jurisdição também é via para resolver os litígios ¨interprivados¨.[19]
A aplicabilidade das normas constitucionais, especialmente as que contêm direitos fundamentais nas relações entre os particulares não foi pacífica, vencendo uma larga tradição que associa tais direitos unicamente aos conceitos negativos da liberdade, em oposição ao Estado.
Tal se relaciona significativamente com a configuração do papel que o Estado possa ter na sociedade: de um lado, como substituto da “autoproteção privada” (que se adapta perfeitamente à noção liberal dos direitos fundamentais); de outro, como promotor de determinados valores sociais que a Constituição é portadora e que são “primordiais e básicos para a vida coletiva” (algo que não se encaixa perfeitamente na tradição liberal) (GARCÍA DE ENTERRÍA, 1994, p. 98)[20].
A ideia da eficácia dos direitos constitucionais, não apenas frente ao Estado, mas também frente aos particulares é tributária da doutrina alemã (¨Drittwirkung der grundrechte¨ ou eficácia horizontal). Por esta doutrina, os valores constitucionais que vinculam os juízes operam no direito privado, em uma eficácia indireta ou mediata (ALEXY, 1997 p. 512-5). Nipperdey entende que das normas constitucionais, tomadas objetivamente, fluem diretamente também direitos privados subjetivos do indivíduo. Já Schwabe pensa que os efeitos “interprivados” das normas constitucionais se explicam como conseqüência dos direitos subjetivos públicos.
Para ALEXY, em um plano objetivo, as normas jusfundamentais, além de serem regras, se comportam como princípios que se irradiam a todo sistema jurídico. Sem desconhecer a realidade das normas infraconstitucionais, os princípios jusfundamentais “conduzem a direitos e deveres em relações entre iguais que, devido a vigência destes princípios em relação à Constituição, são necessários, mas que, sem sua vigência, não o seriam”[21].
Buscando unificar as diversas doutrinas sobre a eficácia horizontal das normas fundamentais, ALEXY chega à conclusão que, na prática, estas atuam com eficácia direta ou imediata nas relações cidadão-cidadão.
O que é um efeito imediato em terceiros? Para ALEXY,
“Há de se excluir, de pronto, duas coisas. Primeiro (…) não é consistente pensar que os direitos do cidadão frente ao Estado sejam, ao mesmo tempo, direitos do cidadão frente aos cidadãos (…) Segundo, não se pode chegar a um efeito imediato em terceiros, apenas trocando o destinatário dos direitos frente ao Estado. (…) Por efeito imediato em terceiros há de se entender uma terceira coisa. Ela consiste em que, por razões jusfundamentais, na relação cidadão-cidadão existem determinados direitos e não-direitos, liberdades e não-liberdades, competências e não-competências que, sem estas razões, não existiriam. Se assim se define o conceito de efeito imediato em terceiros, da teoria dos efeitos mediatos em terceiros e dos efeitos em terceiros através da mediação do Estado, surge um efeito imediato em terceiros.” (ALEXY, 1997, p.520).[22]
Esta dupla função que as normas podem desempenhar (como fonte de direitos subjetivos frente ao Estado ou como emanação de princípios objetivos que alcançam também as relações privadas) é claramente evidenciada nas situações em que se há de proteger o cidadão de intervenção de terceiros. Nesse caso, conforme ALEXY, o direito do cidadão a uma ação concreta do Estado contra a intervenção de um terceiro configura um ”direito à proteção” que se afasta do conceito clássico de “direito de defesa” – que é um direito frente ao Estado para que este se omita de intervir. No caso, não se pede a abstenção do Estado, mas, ao contrário, se trata de um direito frente ao Estado para que este atue contra terceiros, para que estes omitam intervenções. Trata-se, portanto, de suplantar o pensamento tradicional que resiste a reconhecer que, mesmo no direito privado ou penal, é possível sustentar a eficácia horizontal ou imediata das normas constitucionais.
As objeções à eficácia dos direitos fundamentais em relação a terceiros são ainda maiores quando se trata dos direitos sociais. Para alguns autores, como CASCAJO CASTRO, “os direitos socais somente obrigariam os terceiros privados quando assim o dispusessem os poderes públicos”[23], ao passo que GARCÍA MACHO afirma que “a introdução de particulares no círculo de destinatários dos direitos fundamentais sociais significaria o fim da liberdade pessoal, da autonomia privada, da liberdade de contrato e do direito privado¨[24]. PEREZ LUÑO é enfático ao sustentar a eficácia dos direitos sociais frente a terceiros como uma conseqüência do valor da igualdade material inerente ao Estado Social de Direito, o que leva “a atuação dos poderes públicos a fim de fazer eficaz a liberdade e a igualdade dos indivíduos¨.[25]
Admitido que as normas constitucionais prescrevam ao Estado ações positivas, de proteção dos valores sociais básicos, inclusive contra terceiros, a polêmica se traslada para a efetividade das normas de conteúdo positivo ou promocional, em especial relativamente aos direitos fundamentais.
3. Os direitos sociais como normas jusfundamentais
Os direitos sociais, conforme Oscar Olvera, são direitos do homem contextualizado (contrapondo-se à concepção abstrata dos direitos humanos), de titularidade individual e coletiva, cuja finalidade é garantir um piso social básico (a satisfação das necessidades mais importantes e relevantes para a vida humana) e de tendência universalista (de caráter evolutivo, destinam-se a albergar a maior quantidade possível de necessitados, mesmo que não cidadãos). Desta forma, potencialmente, podem ser utilizados por qualquer pessoa em determinadas circunstâncias, embasados na consciência social de viver todos em dignidade (fator de coesão social, com base na solidariedade social) (OLVERA, 1998, p. 257-261).
Os direitos sociais são conhecidos como “direitos de segunda geração” e compreendem os direitos de créditos ou de prestações, ou seja, direitos que tornam o Estado (e, em decorrência, também os particulares) devedores dos indivíduos, particularmente os menos favorecidos, exigindo ações concretas com o fim de assegurar a estes um mínimo de igualdade e bem-estar social.
Ao contrario de outras constituições (com a Lei Fundamental de Bonn, por exemplo), a Constituição brasileira cataloga uma série de direitos sociais, no Capítulo II do Título II, sendo que este dispõe sobre Direitos e Garantias Fundamentais. Nesse capítulo estão contidos os artigos 6º (que descreve genericamente os direitos sociais, enumerando expressamente os relativos à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à segurança, a previdência social, à proteção à maternidade, à infância e à assistência aos desamparados), 7º (que prevê os direitos trabalhistas), 8º (que dispõe sobre direitos e garantias às associações sindicais), 9º (que garante o direito de greve), 10º (que assegura a participação de trabalhadores e empregados, por suas entidades representativas, em colegiados de órgãos públicos) e 11 (que prevê a eleição de representante dos trabalhadores em empresas com mais de 200 empregados para fins de entendimento direto).
Optou, portanto, o legislador constituinte pela inclusão dos direitos sociais no capitulo dos direitos fundamentais, assegurando-os a todos os trabalhadores urbanos e rurais, ao lado de outros que visem à melhoria de sua condição social. Pelos mesmos motivos, os direitos sociais tem aplicação imediata, conforme artigo 5o, parágrafo 1o da Constituição Federal.[26]
Resumidamente, em ALEXY se pode dizer que os direitos fundamentais sejam aqueles que se extraem de normas de direito fundamental ou jusfundamentais. Já as normas jusfundamentais são aquelas expressas nas disposições de direito fundamental contidas essencialmente na Constituição. Tal definição contém um critério formal de norma fundamental que se afasta de critérios materiais ou estruturais (que, por exemplo, restringiriam as normas jusfundamentais àquelas que expressassem os direitos individuais de liberdade ou que limitariam essas normas aquelas que conferissem direitos subjetivos).
Mesmo por um critério não-formal, não deve pairar dúvidas de que, na Constituição brasileira, os direitos sociais são normas jusfundamentais (SARLET, 2001, p. 10). É possível identificá-los como integrados a um conjunto de normas que constituem uma “ordem objetiva” constitucional, superando-se uma visão tradicional que procura diferenciar os direitos sociais dos direitos políticos. Segundo CANOTILHO,
“tradicionalmente, afastavam-se dos direitos de personalidade os direitos fundamentais políticos e os direitos a prestações, por não serem atinentes ao ser como pessoa. Contudo, hoje em dia, dada a interdependência entre o estatuto positivo e negativo do cidadão e em face da concepção de um direito geral de personalidade como direito à pessoa ser e à pessoa devir, cada vez mais os direitos fundamentais tendem a ser direitos de personalidade e vice-versa”. (GOMES CANOTILHO, 1991, p. 532).
Pois existe, conforme SASTRE IBARRECHE “uma tendência cada vez mais estendida, que propõe a superação deste enfoque, eminentemente reducionista e baseado em uma contraposição, por uma concepção mais integradora que proclama a unidade dos direitos fundamentais¨ (SASTRE IBARRECHE, 1996, p. 102).
Ainda conforme este autor espanhol, a única finalidade de todos os direitos fundamentais, sem exceção, radica na “profundização e potencialização” da liberdade dos indivíduos e dos grupos integrados por eles. De tal modo, não existem direitos de liberdade, por um lado e direitos de igualdade, por outro. Todos os direitos são de liberdade, inclusive aqueles que aportam um elemento igualitário, como é o caso dos direitos econômicos e sociais, ao potenciar e reforçar dito elemento de liberdade para todos. Assim, se esfumaçam as diferenças últimas entre direito-autonomia, direito-participação e direito prestação, de forma que todos os direitos aparecem na forma de um catalogo concreto de direitos fundamentais, marcados por sua natureza constitucional e pelo meio dos quais se pretende garantir o papel central do cidadão no processo político com um triplo e simultâneo objetivo:
“1º. – respeitar sua esfera privativa de vida pessoal, não passível de coerção pelo poder político;
2º – erigir o cidadão em dominus da coisa pública; sujeito – e não objeto da mesma, mediante o reconhecimento de sua determinante participação na formação da vontade política do Estado e nas instâncias pública e socialmente relevantes e
3º. – organizar um sistema de prestações positivas do Estado em favor do cidadão, que tornem permanentemente possíveis sua existência, seu livre desenvolvimento e a manutenção de seu papel central no sistema”.
Entretanto, na doutrina tradicional, há uma clara diferenciação entre os direitos sociais “latu sensu” (englobando os sociais propriamente ditos, econômicos, culturais e, mesmo, os ambientais) e os direitos civis e políticos.
Há quem sustente a natureza meramente programática dos direitos sociais.[27] Outros, como Carl Schmitt, apontam uma suposta incompatibilidade dos direitos sociais como outros valores constitucionais, como a liberdade.[28]
Os direitos sociais se encontram como direitos a prestações ou de promoção, o que exige preponderantemente a ação do Estado. Se o constitucionalismo clássico “desconfiava do poder”, proclamando que os direitos e liberdades exigiam um papel abstencionista por parte do Estado, o constitucionalismo social (do qual os direitos sociais são o principal instrumento) pede a presença do Estado como principal agente de transformação social, depositário do bem comum. Isso implica na superação do esquema liberal do Estado não-interventor, pois a transformação da sociedade a que aspira o constitucionalismo social exige que o Estado tenha um papel ativo (MARTÍNEZ ESTAY, 1997, p. 75).
Por isso, quando se trata de fazer valer os direitos sociais constitucionais, em especial os ligados ao trabalho, a tensão política que acompanha toda a evolução do direito do trabalho se translada para uma polêmica jurídica sobre as reais possibilidades de efetivação desses direitos constitucionais. Alguns autores, com base na judiciabilidade deficiente dos direitos sociais, negam a eles qualquer pretensão de vinculação dos poderes públicos, entendendo que a definição de seu conteúdo é um assunto da política.
Contra uma opinião bastante difundida de que os direitos sociais, ao contrário dos direitos civis e políticos, não passariam de meras declarações programáticas, de compromisso político (ou, mesmo, uma fraude tranqüilizadora), é de se sustentar que os direitos econômicos, sociais e culturais geram obrigações concretas ao Estado e, em muitos casos, tais obrigações podem ser exigidas judicialmente. Antes de tudo, é preciso assinalar que a divisão entre os direitos civis e políticos e os direitos econômicos, sociais e culturais deve ser entendida como relativa. Tanto uns como os outros podem levar a diferentes níveis de obrigações estatais e possuem, pelo menos, alguns aspectos que podem ser exigidos judicialmente.
Em realidade, a noção de radical diferença entre direitos sociais e direitos civis e políticos coincide com a noção liberal de “Estado mínimo”, para a qual ao Estado incumbiria lidar com as questões de justiça, de segurança pública e de defesa. Tal posição já não mais se sustenta, nem mesmo no campo do pensamento liberal. Há claramente uma inter-relação entre as obrigações positivas e negativas e tal ocorre também quanto se trata de garantir a liberdade individual. As instituições políticas, judiciais, de segurança pública e de defesa necessitam também, para consecução de seus fins, que exercitem uma larga série de obrigações positivas. Da mesma forma, exige-se que o Estado desenvolva um papel ativo na criação das condições institucionais e legais para consolidação, funcionamento e expansão do mercado. O mesmo ocorre quando se pensa em outros direitos civis e políticos, como o do devido processo legal, do acesso à justiça, do direito de casar, de associar-se ou de eleger e ser eleito.
Portanto, mesmo os direitos civis e políticos necessitam de uma intensa atividade estatal destinada a que outros particulares não interfiram nessas liberdades, bem como para o restabelecimento das liberdades ou, mesmo, para a reparação dos prejuízos decorrentes de interferências indevidas. Todas essas funções reclamam obrigações positivas e dispêndio de recursos públicos – e não mera abstenção do Estado.
Assim, se pode dizer que as diferenças entre os direitos civis e políticos e os direitos econômicos, sociais e culturais são apenas de grau – e não substanciais. Admitida a impossibilidade de diferença substancial entre esses dois tipos de direitos, é de se reconhecer que uma distinção para fins meramente ordenatórios estaria no fato de o núcleo dos direitos econômicos, sociais e culturais não prescindir da ação estatal. Ainda que, tal como os direitos civis e políticos, os direitos econômicos, sociais e culturais constituem um complexo de obrigações positivas e negativas, pode-se dizer que a prestação estatal é o núcleo, o conteúdo essencial dos direitos e, assim, a inação do Estado supõe automaticamente sua denegação.
Por outro lado, é de se observar que muitos direitos tradicionalmente catalogados como direitos civis e políticos têm sido recentemente reinterpretados dentro de uma perspectiva social. Assim, o surgimento do direito do consumidor, a formulação do direito de informação para além da mera liberdade de imprensa e como direito de todo cidadão, a limitação do direito de propriedade em função do respeito ao meio ambiente, respeito ao direito ambiente – tudo levou a tornar ainda mais sem sentido a distinção entre direitos civis e políticos e direitos econômicos, sociais e culturais. Como resumo, pode-se entender que tal distinção tem um valor meramente classificatório: alguns direitos, por suas características principais, remetem mais a obrigações negativas pelo Estado (direitos civis e políticos); outros se caracterizam fundamentalmente por exigir obrigações positivas do Estado (direitos econômicos, sociais e culturais). No espaço intermediário entre os dois tipos se situam um espectro de direitos que combinam obrigações positivas e negativas em proporções diversas, sem que se possa enquadrá-los em um ou outro tipo, exceto como resultado de uma decisão mais ou menos arbitrária.
Autores como Fried van Hoof questionam a ideia de que somente ao Estado cabe satisfazer os direitos econômicos, sociais e culturais. Entendendo que é o indivíduo o sujeito ativo de todo desenvolvimento econômico e social, incumbiria ao Estado (em um esquema similar tanto aos direitos econômicos, sociais e culturais como aos direitos civis e políticos) as obrigações de respeitar, proteger, garantir e promover o direito em questão. As obrigações de respeitar se definem pelo dever do Estado de não interferir, obstaculizar ou impedir o acesso ao gozo dos bens que constituem o objeto do direito. As obrigações de proteger consistem em impedir que terceiros interfiram, obstaculizem ou impeçam o acesso a esses bens. As obrigações de garantir supõem assegurar que o titular do direito aceda aos bens quando não puder fazê-lo por si mesmo. As obrigações de promover se caracterizam pelo dever de desenvolver condições para que os titulares do direito acedam ao bem. Nenhum desses níveis pode se caracterizar unicamente através de obrigações positivas/negativas ou obrigações de resultado/de meios, o que reforça a unidade entre os direitos civis e políticos e os direitos econômicos, sociais e culturais. O debilitamento da distinção cabal entre os dois tipos põe em questão a principal objeção para a caracterização dos direitos econômicos, sociais e culturais como direitos exigíveis.
Por outro lado, as obrigações positivas não se limitam às obrigações prestacionais (que estabelecem uma relação direta entre o Estado e o beneficiário da prestação e que exigem a disponibilização de reservas orçamentárias), mas podem implicar em outro tipo de obrigações, em que o Estado assegura o gozo do direito por outros meios, em que podem tomar parte ativa outros sujeitos obrigados. Alguns desses direitos podem se caracterizar pela obrigação do Estado de estabelecer algum tipo de regulação, sem a qual o exercício do direito não tem sentido. No caso, a obrigação do Estado se situa, não em despender recursos, mas estabelecer normas que concedam relevância a uma situação determinada ou assegurar a existência de uma estrutura que se encarregue de por em prática uma atividade determinada. Por exemplo, o direito de criar associações implica a obrigação de não ingerência por parte do Estado. Em outros casos, a obrigação exige que a regulação estabelecida pelo Estado limite ou restrinja as faculdades das pessoas privadas ou lhes imponha obrigações de algum tipo. Trata-se de uma regulação que se estende também aos particulares como, por exemplo, o Direito do Trabalho. Por fim, o Estado pode cumprir sua obrigação provendo a população de serviços, seja de forma exclusiva, seja através de formas de cobertura mista que incluam, além de aporte de recursos públicos, uma regulação em que certas pessoas privadas se vejam afetadas através de restrições, limitações ou obrigações. Como exemplo, o sistema público de saúde.
Assim, os direitos econômicos, sociais e culturais envolvem um espectro amplo de obrigações estatais e, consequentemente, falso é o argumento de que sejam escassas as possibilidades de que tais direitos sejam exigíveis judicialmente. Cada tipo de obrigação, por sua vez, oferece um leque de ações possíveis, que vão desde a denúncia do não cumprimento de obrigações negativas, passando por diversas formas de controle de cumprimento de obrigações positivas e negativas, até chegar à exigência de cumprimento de obrigações positivas não cumpridas.
Superada a ideia liberal de não-intervenção do Estado, nova polêmica se cria em torno de que forma o Estado deve assegurar o gozo dos direitos fundamentais sociais. O conteúdo promocional das normas sociais pode ter distintos níveis de dificuldade para sua realização por parte do Estado, como destinatário de tais normas.
Os direitos fundamentais sociais necessitam distintas formas de intervenção pública para sua concreção. Tal diferença se mostra expressiva quando se trata de definir a existência dos chamados “direitos subjetivos públicos”, conforme clássica definição de JELLINEK.[29]
Alguns chegam a desacreditar das possibilidades de alcançar a efetividade dos direitos fundamentais através dos direitos subjetivos. Refletindo sobre aplicabilidade direta de tais direitos, tais autores, por entender difícil compatibilizar Estado de Direito com Estado Social, negam tal possibilidade, propondo que, “desde a Constituição somente se pode amparar o Estado de Direito e que o Estado Social é uma questão própria da legislação e da administração” (MARTÍNEZ ESTAY, 1997. p. 60). Nega-se, assim, a eficácia direta das normas constitucionais sociais que, desse modo, necessariamente teriam de ser desenvolvidas por meio de legislação ordinária.
A melhor doutrina, entretanto, em geral, aceita a eficácia direta das normas fundamentais sociais, bem como o efeito imediato de tais direitos fundamentais a ser promovido por meio da ação do Estado.
3.1 Da justiciabilidade do art. 7º da Constituição Federal
A polêmica sobre a efetividade das chamadas “normas programáticas” tende a contaminar o debate em relação a outro tipo de norma, sobre as quais não deveria pairar dúvidas sobre sua força normativa.
Assim, a polêmica em relação aos direitos sociais previstos no art. 6º da Constituição Federal poderem ou não configurar direitos subjetivos públicos é indevidamente trasladada para os direitos sociais trabalhistas previstos no 7º da Constituição, que arrola típicos direitos subjetivos, assegurados a todo trabalhador brasileiro. O debate aumenta de intensidade na medida em que, em se tratando de direitos trabalhistas, as normas que o estabelecem têm como destinatário, não somente o Estado, mas também os particulares, o que, recorrentemente, traz a debate uma incabível citação do art. 5º, II da Constituição Federal.[30]
Os direitos sociais trabalhistas previstos no art. 7º da Constituição Federal, no dizer de LYRIO PIMENTA são “autênticos direitos fundamentais do cidadão”, pois se tratam de direitos constitucionais a que correspondem “verdadeiras obrigações do Estado e que devem, à semelhança do que acontece com os direitos e liberdades tradicionais, ser concebidos como direitos subjetivos públicos do cidadão” (LYRIO PIMENTA, 1999, p. 129).
Tendo-se visto que as normas constitucionais obrigam também aos particulares, não se pode admitir que os direitos sociais sejam exceção à regra, não obrigando aos particulares e vinculando apenas o Poder Público. Assim, os direitos sociais podem vincular os particulares, como é tipicamente o caso dos direitos dos trabalhadores. Assim, toda a sociedade, além do Estado, é o sujeito passivo correspondente aos direitos sociais (CANOTILHO e MOREIRA, 1991, p. 128).
Em geral, os direitos sociais trabalhistas contidos no art. 7º da Constituição Federal são de aplicação direta, ou seja, tratam de situações em que o trabalhador é expressamente contemplado pela norma legal, que lhe atribui determinado direito subjetivo, sendo denominadas, na conhecida doutrina de JOSÉ AFONSO DA SILVA, como “normas constitucionais de eficácia plena” (AFONSO DA SILVA, 2000, p 171).
Segundo tal doutrina, as normas de eficácia plena produzem ou tem a possibilidade de, desde a entrada em vigor da Constituição, produzir todos os efeitos essenciais, relativamente aos interesses, comportamentos e situações, que o legislador constituinte entender por regular.
Porém, em relação às normas denominadas “de eficácia limitada”, ou seja, normas em que prevêem sua regulamentação por norma posterior, a maior parte dos autores não lhes reconhece como produtoras de direitos subjetivos positivos, limitando sua eficácia aos seguintes casos:
“I- estabelecem um dever para o legislador ordinário;
II- condicionam a legislação futura, com a conseqüência de serem inconstitucionais as leis ou atos que as ferirem;
III- informam a concepção do Estado e da sociedade e inspiram sua ordenação jurídica, mediante a atribuição de fins sociais, proteção dos valores da justiça social e revelação dos componentes do bem comum;
IV- constituem sentido teleológico par a interpretação, integração e aplicação das normas jurídicas;
V- condicionam a atividade discricionária da Administração e do Judiciário; VI- criam situações jurídicas subjetivas, de vantagem ou desvantagem”.
Apesar da inegável aceitação geral de tal doutrina, presencia-se, hoje, o surgimento de novas teorias, nomeadamente o chamado “neoconstitucionalismo”, que retorna à ideia de que todas as normas constitucionais, mormente as que definem direitos fundamentais, têm aplicabilidade direta e imediata independentemente de regulação. Para essa corrente, com base na força normativa da Constituição, “o órgão jurisdicional suscitado deve elaborar a norma jurídica ao caso concreto sempre, não sendo possível mais negar ao sujeito suscitante um direito subjetivo constitucional, sob a argumentação de este não fora ainda regulamentado e que, por isso, não tem eficácia jurídica” (GOMES, 2008).
LYRIO PIMENTA questiona, inclusive, se é possível diferenciar aspectos negativos e aspectos positivos do direito subjetivo, já que o aspecto negativo (direito à atuação negativa do Estado) está presente em qualquer direito subjetivo, ou seja, na faculdade de exigir que o Estado não se comporte de maneira contrária àquela conduta prevista no direito em questão. “Logo, o aspecto negativo é uma das formas de manifestação do direito subjetivo, não se constituindo em espécie autônoma”. Assim, conforme LYRIO PIMENTA, a cada dever jurídico previsto na norma programática corresponde um direito subjetivo público do cidadão.
Trata-se, então, mais uma vez de, ao invés de negar a eficácia das normas constitucionais, de assegurar a garantia aos direitos fundamentais nelas previstos.
4. Os remédios jurídico-constitucionais à omissão do legislador
Quando o legislador deixa de regulamentar direito previsto em norma constitucional incide em “inconstitucionalidade por omissão”, o que abre as portas do Judiciário para dois instrumentos previstos pelo ordenamento jurídico brasileiro: a ação de inconstitucionalidade por omissão, prevista no art. 103, § 2º, da Constituição Federal e o mandado de injunção, disciplinado no art. 5º, LXXI. A primeira é controle jurisdicional abstrato, “a posteriori” e “erga omnes”, enquanto que o segundo é meio concreto e difuso para paliar a omissão legislativa. O primeiro destina-se a “colmar as lacunas inconstitucionais, assegurando a plena eficácia de todas as normas constitucionais”; o segundo destina-se a ”assegurar a efetividade das normas constitucionais definidoras de direitos e garantias fundamentais” (LYRIO PIMENTA, 1999, p. 192).
Assim, a ação de inconstitucionalidade por omissão cumpre funções essencialmente institucionais, ou seja, a do Poder Judiciário declarar a lacuna normativa e a de cientificar os Poderes Públicos, em especial ao Legislativo, de que deve legislar sobre a matéria objeto da ação de inconstitucionalidade por omissão. Em se tratando de mera comunicação, não há qualquer obrigação do Poder Legislativo em cumprir o que foi decidido pelo Judiciário.
Já sobre o mandado de injunção repousaram as principais esperanças do legislador constituinte de que, ao contrário do que sucedeu com as normas de conteúdo programático das constituições brasileiras anteriores, os direitos e garantias da Constituição de 1988 não fossem vítimas da inércia do legislador.
Sobre as possibilidades da concretização do direito pretendido pela decisão judicial através do mandado de injunção, ainda conforme LYRIO PIMENTA, citam-se três correntes doutrinárias:
a) a primeira corrente entende que ao Poder Judiciário cabe apenas dar ciência ao órgão competente para suprir as lacunas constitucionais;
b) a segunda corrente diz que, ao conceder a injunção, o Poder Judiciário torna viável o exercício do direito, liberdade ou prerrogativa constitucional, que se encontra obstaculizado pela lacuna inconstitucional. Ou seja, o Judiciário edita a norma e atua na sua concreção, criando normas jurídicas individuais, colmatando, tão-somente no caso concreto, a lacuna inconstitucional.
c) A terceira corrente sustenta que o Poder Judiciário deve elaborar a norma então inexistente, suprimindo a omissão do legislador;
O Supremo Tribunal Federal tem alterado, com o tempo, sua posição a respeito dessa matéria: primeiramente, adotou entendimento compatível com a primeira corrente; posteriormente, passou a decidir de acordo com a segunda corrente; hoje, pode-se dizer que, cada vez mais, se aproxima da primeira corrente.
De fato, nas primeiras decisões em Mandado de Injunção, o STF entendeu que o único efeito desse instituto era o de obtenção da declaração da inconstitucionalidade por omissão, o que, na prática, tolhia sua própria razão de existir, na censura de JOSÉ AFONSO DA SILVA (AFONSO DA SILVA, 2000, p. 166).
Um passo adiante foi dado no julgamento do MI n°. 285, relatado pelo Ministro Sepúlveda Pertence, onde o STF decidiu que, se após o prazo dado para a edição da norma regulamentadora (60 dias), esta ainda não tivesse sido editada, o titular do direito poderia obter reparação por perdas e danos. Ou seja, o STF já não apenas comunica ao Legislativo a ausência da norma, mas determina que o Congresso edite norma em determinado prazo. No mesmo sentido, o julgamento do MI n°. 283, em que o STF converteu uma norma de eficácia limitada em norma de eficácia plena, também facultando os impetrantes a ingressarem em juízo para obterem a reparação pretendida. Declara, ainda, que, “prolatada a condenação, a superveniência de lei não prejudicará a coisa julgada, que, entretanto, não impedirá o impetrante de obter os benefícios da lei posterior, nos pontos em que for mais favorável.”
A doutrina majoritariamente concitava o STF a uma posição mais ativa, como é exemplo o magistério de FLAVIA PIOVESAN, quanto afirmava que “o mandado de injunção é instrumento apto a viabilizar, no caso concreto, o exercício de direitos, liberdades ou prerrogativas constitucionais, que se encontrem inviabilizados por faltar norma regulamentadora” (PIOVESAN, 2003. p. 150).
Contra o argumento de que a atuação mais ativa do STF na concreção dos direitos constitucionais seria uma invasão da competência legislativa, o Ministro Eros Grau, no julgamento do MI n°. 712, em seu voto, refutou tal entendimento, afirmando que:
“Ademais, não há que falar em agressão à “separação dos poderes”, mesmo porque é a Constituição que instituiu o mandado de injunção e não existe uma assim chamada “separação dos poderes” provinda do direito natural. Ela existe, na Constituição do Brasil, tal como nela definida. Nada mais. No Brasil vale, em matéria de independência e harmonia entre os poderes e de “separação de poderes”, o que está escrito na Constituição, não esta ou aquela doutrina em geral mal digerida por quem não leu Montesquieu no original. (…) No mandado de injunção o Poder Judiciário não define norma de decisão, mas enuncia a norma regulamentadora que faltava para, no caso, tornar viável o exercício do direito da impetrante, servidora pública, à aposentadoria especial.”
Finalmente, quando do julgamento dos MI de números 670, 708 e 712, o STF – que desde 1994 (data do julgamento), por ocasião da apreciação do Mandado de Injunção n°. 20, já havia denunciado a omissão legislativa em regulamentar o direito de greve, porém sem avançar em colmar a lacuna legislativa – revisando o posicionamento anterior, decidiu pela adoção da lei de greve do setor privado como regulamentação das greves do setor publico. Conforme voto condutor do Ministro Gilmar Ferreira Mendes[31], acolheu-se a pretensão dos impetrantes no sentido de que, após um prazo de 60 dias para que o Congresso Nacional legisle sobre a matéria, caso não o faça, determina-se que, solucionando a omissão legislativa, “se aplique a Lei n°. 7.783 de 28 de junho de 1989, no que couber”, enquanto a omissão não seja devidamente regulamentada por Lei específica para os servidores públicos”.
Em tão drástica mudança de posição, destaca-se a clara preocupação da Corte Constitucional em dar efetividade à norma fundamental que assegura o direito de greve aos servidores públicos, dando cobro a inércia abusiva dos poderes constituídos que, por dezenove anos, frustrou “a eficácia de situações subjetivas de vantagem reconhecidas pelo texto constitucional”. Segundo o Ministro Celso de Mello, em seu voto, “revela-se essencial que se estabeleça, tal como sucede na espécie, a necessária correlação entre a imposição constitucional de legislar, de um lado, e o consequente reconhecimento do direito público subjetivo à legislação, de outro, de forma que, presente a obrigação jurídico-constitucional de emanar provimentos legislativos, tornar-se-á possível não só imputar comportamento moroso ao Estado (…) mas, o que é muito mais importante ainda, pleitear, junto ao Poder Judiciário, que este dê expressão concreta, que confira efetividade e que faça atuar a cláusula constitucional tornada inoperante por um incompreensível estado de inércia governamental”.
Esta mudança de entendimento parece caminhar também no sentido de rever a atual posição do STF quanto ao aviso prévio proporcional, como sinaliza o julgamento do MI 695, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, que, ao limitar os efeitos da decisão favorável ao impetrante nos limites do pedido (declaração de mora do legislador em regulamentar o direito ao aviso prévio proporcional e comunicar tal fato ao órgão competente para a imediata regulamentação), foi mais além ao reconhecer ademais, “que, não fosse o pedido da inicial, limitado a requer a comunicação ao órgão competente para a imediata regulamentação da norma, seria talvez a oportunidade de reexaminar a posição do Supremo em relação à natureza e à eficácia do mandado de injunção, nos termos do que vem sendo decidido no MI 670/ES” (julgamento em 01/3/2007).
Nota-se, assim, uma evidente evolução do STF a sinalizar uma preocupação crescente quanto às conseqüências nefastas da inércia legislativa sobre a eficácia dos direitos fundamentais, passando a reconhecer um “direito subjetivo do beneficiário da norma a ver a situação jurídica esboçada na Lei Maior regulamentada de forma adequada”, como já preconizava LUÍS ROBERTO BARROSO (BARROSO, 2006).
Precisamente no entendimento de que as normas constitucionais são “imposições constitucionais”, há de se dar conteúdo ao art. 5º, § 1º da Constituição Federal, de forma que a aplicabilidade direta dos direitos sociais não se torne, ela mesma, vítima da “eficácia limitada” que pretendia conjurar.
Por isso, autores, como DIRLEY CUNHA JR., sustentam que, mesmo fora dos limites do mandado de injunção, tem o Poder Judiciário o dever de, no exercício da justiça constitucional, exercer um controle difuso da inconstitucionalidade por omissão, suprindo a lacuna aberta pela omissão legislativa e integrando a ordem jurídica. Conforme tal autor, é de se exigir, em nome dos ideais de um Estado Constitucional Democrático de Direito uma “firme postura do Judiciário”, pois o que está em jogo não são “as oscilações político-partidárias, mas a imperatividade da Constituição e o respeito pela vontade popular” (CUNHA JÚNIOR, 2004).
Conforme este autor, o Poder Judiciário brasileiro está autorizado a suprir as lacunas indesejadas, recorrendo à analogia, aos costumes, aos princípios gerais de direito e por meio de uma interpretação criativa e concretizante, não existindo, nesse caso, qualquer afronta ao princípio da separação dos poderes. Portanto, a falta de norma complementar não pode obstar a aplicação imediata das normas de direitos fundamentais pelos juízes e tribunais, já que, o Judiciário, está amparado no que dispõe o art. 5°. §1o, combinado com esse mesmo art. 5°., XXXV, da Constituição Federal, podendo se valer, para tanto, dos meios fornecidos pelo próprio sistema jurídico positivado, que contempla normas do art. 4°., da LICC, segundo a qual “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com analogia, os costumes e os princípios gerais do direito” (CUNHA JÚNIOR, 2008).
Já no pensamento de INGO SARLET (SARLET, 2008), tal norma tem cunho “inequivocamente principiológico” e representa uma “espécie de mandado de otimização ou “maximização”, isto é, estabelece aos órgãos estatais a tarefa de reconhecerem a maior eficácia possível aos direitos fundamentais”. Cria-se, assim, uma presunção em favor da aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais, pela qual eventual recusa de sua aplicação, em virtude da ausência de ato concretizador, deverá (por ser excepcional) ser necessariamente fundamentada e justificada, presunção esta que não milita em favor das demais normas.
Para além dessa “eficácia mínima”, contudo, podem-se configurar direitos subjetivos exigíveis judicialmente, inclusive para os direitos fundamentais sociais prestacionais, mas somente quando estes forem essenciais para assegurar o respeito à dignidade da pessoa humana.
Posicionamento diverso tem SÉRGIO MORO, que reconhece a exigibilidade judicial para todos os direitos fundamentais. Para ele, a supremacia constitucional exige que, na omissão do Poder Legislativo, outros passem a atuar superando a inércia normativa (MORO, 2008). Assim, através da jurisdição contratual, através dos métodos adequados e do respeito aos princípios da interpretação constitucional, é possível obter solução ótima para o conflito no caso concreto, resguardando a força normativa do comando constitucional. Exige-se, no entanto, que a legitimidade da intervenção judicial na esfera legislativa seja suficientemente fundamentada.
Tanto é assim que a própria Constituição, no seu art. 5o, § 2º, prevê que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Portanto, há referência expressa sobre a existência de “direitos implícitos” que autorizariam legisladores e também juízes a reconhecerem outros direitos fundamentais, decorrentes do regime ou dos princípios adotados pela Constituição. Logo, “o intérprete, mediante atividade criativa, estaria autorizado a extrair direitos não-enumerados do texto constitucional, inclusive de dispositivos que veiculam princípios ou programas para os poderes públicos, desde que estes possam ser minimamente reportados ao texto constitucional e que encontrem apoio em argumentos convincentes” (“reserva de consistência”). Assim, legitima-se o intérprete para “extrair dos princípios ou programas a regra que regulará o caso concreto, promovendo a intermediação necessária para sua aplicação imediata, não necessitando aguardar a intermediação legislativa, haja vista, a atuação dos princípios da efetividade e da supremacia como orientadores da interpretação constitucional, com o intuito de conferir máxima efetividade às normas constitucionais”.
Contra o argumento de que a jurisdição constitucional é incompatível com o instituto do mandado de injunção, SERGIO MORO argumenta:
“O mandado de injunção, apesar da interpretação nulificadora dada pelo STF, tem por propósito assegurar a fruição de direitos constitucionais cuja eficácia esteja comprometida pela falta de norma reguladora.
Poder-se-ia argumentar que a tese aqui exposta – de que todo juiz, vencida a barreira da reserva da consistência, poderia invocar qualquer norma constitucional para a resolução de casos concretos – não é consistente com a previsão de ação específica com tal desiderato.
Pode-se, contudo, defender o ponto de vista de que o mandado de injunção constitui apenas uma ação especial para o tratamento do problema, sem excluir as vias ordinárias.
Observe-se que tratamento semelhante é conferido ao mandado de segurança, cabível quando há violação de direito líquido e certo. Esse direito, na visão da doutrina e da jurisprudência, é apenas aquele amparado em provas documentais. É pacífico que tal ação especial não exclui as vias ordinárias. Em outras palavras: mesmo que se disponha de direito líquido e certo, pode-se propor ação ordinária, em vez de mandado de segurança.
Da mesma forma, o prejudicado pela falta de concretização legislativa de direito fundamental pode optar entre impetrar mandado de injunção – a ser julgado originariamente pelo Supremo nos casos mais relevantes (art.102, I, q, da CF/88) – ou propor ação ordinária, na qual o juiz decidirá incidentalmente sobre a questão, com eficácia para o caso concreto”. (MORO, Sergio. Desenvolvimento e Efetivação Judicial das Normas Constitucionais, 2001, p. 259. “Apud”: MACHADO, Ivja Neves Rabêlo. A eficácia dos direitos sociais. Disponível em http://www.iuspedia.com.br.09 abril. 2008. Acesso em 01/12/2009).
Recorde-se que nos julgamentos singulares não se pode omitir a manifestação judicial cabível ao caso concreto, conforme artigo 126 do Código de Processo Civil.
Considerando o ordenamento jurídico como um sistema que se pretende coerente e completo para resoluções de problemas, a formulação de uma norma como a presente representa, verdadeiramente, uma “cláusula de fechamento” do sistema, ou seja, a garantia da inexistência de lacunas, de forma que, para cada um dos casos possíveis, haja uma solução possível (ALCHOURRON e BULYGIN, 1993, p. 40).
Ao contrário de omitir-se na solução de lacunas e omissões do sistema normativo, tem o juiz o dever de prestar uma tutela efetiva com base no art. 5o, XXXV, da Constituição Federal, quando afirma que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.[32]
5. Breve balanço da luta por sua efetivação
5.1 Iniciativa legislativa
A inércia do legislador não ocorreu por falta de anteprojetos de lei, já que, tanto na Câmara dos Deputados, como no Senado Federal, foram apresentadas, várias proposições legislativas regulamentando o aviso prévio proporcional[33].
Constata-se que a maior parte das proposições legislativas fixa um aviso prévio proporcional na base de trinta dias para cada ano de tempo de serviço. Porém, o número de proposições apresentadas diminuiu consideravelmente nos últimos anos, podendo-se dizer que, atualmente, há um evidente desinteresse em relação a essa matéria. As últimas propostas apresentadas pretendem acrescer ao aviso prévio de trinta dias apenas cinco dias por ano trabalhado, na esteira da maior parte das normas coletivas acordadas. A proposição do Sen. Paulo Paim é mais completa, já que procura diferenciar diversas situações por faixa de tempo de serviço.
De um ponto de vista prático, nenhuma das propostas apresenta reais condições políticas de aprovação, sendo duvidoso que a própria tramitação das mesmas prossiga, sendo o arquivamento o cenário mais provável.
5.2 Regulamentação pela negociação coletiva
Em face desta conjugação da inércia do legislador e limitação interpretativa do Judiciário a tornar não efetiva a norma constitucional, no caso, o inciso XXI do art. 7º, terminou-se por delegar, na prática, à negociação coletiva a regulamentação da matéria, o que restringiu a um pequeno número de categorias profissionais mais organizadas esse importante direito, que também tinha em vista diminuir as demissões imotivadas.
Cita-se, por exemplo, a categoria dos farmacêuticos do Estado de São Paulo, que, em acordo em dissídio coletivo (SDC – 132/09-8), já há alguns anos, obteve e tem mantido a vantagem pela qual, enquanto não for regulamentado o direito previsto na Constituição Federal, será devido um aviso prévio proporcional aos empregados da categoria profissional na base de um dia por ano de serviço trabalhado, sem prejuízo dos trinta previstos em lei. Além disso, neste mesmo acordo, existe outra cláusula, esta protetiva dos trabalhadores com mais idade, pela qual os trabalhadores com mais de quarenta e cinco anos e mais de dois anos de tempo de serviço na mesma empresa fazem jus a um aviso prévio em dobro.
Da mesma forma, os metroviários de São Paulo que, mediante cláusula convencional, fazem jus a mais cinco dias de aviso prévio. Também pode ser citado o exemplo dos trabalhadores em processamento de dados do Estado de São Paulo com mais de quarenta e cinco anos e mais de cinco anos de empresa que tem, como conquista normativa, o direito a um aviso prévio de mais um dia por ano trabalhado ou fração superior a seis meses, mais uma quantia correspondente a cinquenta por cento de seu salário.
No Rio Grande do Sul, também algumas categorias, por acordos que mantém a conquista anterior, conservam direito a aviso prévio proporcional, de trinta dias acrescidos de mais cinco dias indenizados por ano de serviço ou fração igual ou superior a trinta dias, como é o caso dos trabalhadores do transporte rodoviário de Pelotas, os do comércio em empresas concessionárias e distribuidoras de veículos de Viamão e os trabalhadores marítimos e fluviais no Estado do Rio Grande do Sul.
O Tribunal Regional do Trabalho da 2a Região adota do Precedente Normativo n°. 7, pelo qual concede, além do prazo legal de aviso prévio, mais cinco dias por ano de serviço prestado à empresa.
Também o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª. Região chegou a adotar o Precedente Normativo n°. 13, pelo qual ficava assegurado aos integrantes da categoria profissional um aviso prévio de 30 dias acrescido de mais cinco dias por ano ou fração igual ou superior a seis meses de serviço na mesma empresa. No entanto, este precedente foi cancelado (DJ 21/11/2002).
Porém o Tribunal Superior do Trabalho tem, sistematicamente, reformado decisões em dissídio coletivo de Tribunais Regionais que deferem aviso prévio proporcional, entendendo que esta somente poderia ser estabelecida em “norma coletiva consensual, em face das possibilidades ampliativas de direitos trabalhistas, por interesse mútuo”. Assim, sem consenso quanto ao tema, “carece de fundamento legal a sua imposição na sentença normativa, ante a determinação constitucional que o submete à previsão legislativa”.[34]
Assim, consolidou-se posição do TST no sentido de que o aviso prévio só poderia ser ampliado em acordo ou convenção coletiva. O Supremo Tribunal Federal no mesmo sentido afirmou a impossibilidade de fixação de aviso prévio proporcional em sentença normativa (RE 197911/PE).
Dessa forma, presentemente, somente subsistem as conquistas normativas logradas em convênio coletivo, em acordo em dissídio coletivo ou que são deferidas pelos Tribunais Regionais como conquistas históricas da categoria.
5.3 Decisões em processos individuais sobre aviso prévio proporcional.
São inúmeras as decisões judiciais de primeiras e segundas instâncias, em todo o Brasil, que, desde 1988, como base na auto-aplicabilidade das normas fundamentais sociais prevista no art. 5º, parágrafo primeiro da Constituição, entenderam que o trabalho prestado ao longo de anos não pode ter o mesmo tratamento dispensado aos contratos de curta duração, conforme artigo 7º, inciso XXI, da Constituição e, assim, deferiram aviso prévio proporcional.
Citam-se, apenas exemplificativamente, três decisões da Justiça do Trabalho no Rio Grande do Sul: uma mais antiga, de 1989 e duas mais recentes, uma de primeira instância e outra, do TRT 4ª. Região.
A primeira, da então juíza, hoje Desembargadora VANIA CUNHA MATTOS, cujos fundamentos estão em artigo doutrinário de sua autoria[35]:
“Entendo que a sistematização de tal dispositivo constitucional encontra-se prevista de forma analógica, na própria legislação trabalhista.
Partindo-se da aplicação do art. 478 da CLT, que no sistema de indenização por tempo de serviço garantia ao trabalhador um mês de remuneração por ano de serviço, entende-se que tal regramento deve ser aplicado de forma subsidiária, para efeito de cálculo do aviso prévio proporcional. Então se tem que, para efeito de tempo para garantir-se a aplicação do aviso prévio proporcional, pode-se considerar que a cada ano de serviço do trabalhador despedido, corresponderá a um mês de aviso prévio. E esse prazo será devido em dobro, se o empregado contar com mais de dez anos de serviço” (art.499, parágrafo 3º. da CLT).
(MATTOS, Vania Cunha. “Aviso prévio – reflexões sobre o inciso XXI do artigo sétimo da atual Constituição Federal”. In: FRAGA, Ricardo Carvalho (Coordenador). “Aspectos dos direitos sociais na nova Constituição”. São Paulo: Editora LTr, 1989).
Portanto, tal decisão seguia na esteira do pensamento corrente, à época, que o aviso prévio proporcional poderia ser um sucedâneo da indenização por antiguidade prevista no art. 478 da CLT e em desuso desde a criação do FGTS em 1967.
Decisões mais recentes, em geral, fixaram o prazo de aviso prévio proporcional mais usualmente convencionado coletivamente, ou seja, o de acréscimo de cinco dias a cada ano de tempo de serviço prestado à empresa. Nesse sentido, exemplificativamente, se traz a decisão da 3ª. Turma do TRT 4ª. Região, Rel. RICARDO CARVALHO FRAGA, que se baseia no critério do revogado Precedente Normativo n°. 13 do TRT 4ª Região.[36]
Por fim, outro critério igualmente adotado é o do juiz do trabalho gaúcho RAFAEL DA SILVA MARQUES, que fixa o acréscimo de um dia por ano de tempo de serviço do empregado[37]:
“No que tange ao critério de fixação da proporcionalidade, além dos trinta dias, para cada ano de serviço ou fração igual ou superior a seis meses, deve o empregado receber um dia de aviso-prévio. Isso ocorre porque, para fim de apuração da indenização prevista na Súmula 291 do TST, o cômputo do período inferior a um ano assim se faz e, quanto à fixação de um dia, porque é desta forma que se apura, contagem diária, as proporcionalidades de férias e décimo terceiro salário, sendo esta, portanto, para fim de fixação de direitos trabalhistas decorrentes da execução do contrato a menor fração. Ressalto que a lei pode fixar critério mais benéfico, o que não é o caso, por falta desta mesma lei”
(Processo nº 00171-2006-003-04-00-0. 3ª Vara do Trabalho de Porto Alegre. Exmo. Juiz Rafael da Silva Marques. Publicação em 31.05.2007. Revista Eletrônica da Jurisprudência do TRT 4ª. Região, Ano V, num. 72, 2ª. quinzena de março de 2009).
A despeito de decisões de primeiro e segundo graus da Justiça do Trabalho reconhecendo a auto-aplicabilidade do direito ao aviso prévio proporcional, prevaleceu no Tribunal Superior do Trabalho entendimento diverso expresso na Orientação Jurisprudencial nº 84 da SDI-1 do TST:
“AVISO PRÉVIO. PROPORCIONALIDADE. Inserida em 28.04.97. “A proporcionalidade do aviso prévio, com base no tempo de serviço, depende da legislação regulamentadora, visto que o art. 7º, inc. XXI, da CF/1988 não é auto-aplicável”.
Consolidou-se, dessa forma, a “timidez” do Poder Judiciário Trabalhista na implementação do direito ao aviso prévio proporcional também no plano dos dissídios individuais (CAMINO, 2003, p. 543).
6. Conclusão
O aviso prévio proporcional ao tempo de serviço é um dos direitos sociais previstos no art. 7o da Constituição Federal brasileira e integra um conjunto de dispositivos constitucionais destinados a dar maior proteção contra a despedida imotivada, que, em nosso país, constitui um dos fatores de atraso de nossa legislação trabalhista em relação a países com o mesmo nível de desenvolvimento.
Elaborada tal norma constitucional em meio aos debates intensos que marcaram o processo constituinte brasileiro, em especial no que concerne aos direitos sociais e econômicos, o direito ao aviso prévio proporcional foi incluído no rol dos direitos sociais com a usual expressão “na forma da lei”, remetendo-se sua formatação à regulamentação por lei ordinária. Por certo, esperava-se que tal regulamentação fosse feita em tempo breve, mesmo porque o mesmo legislador constituinte previu que, cinco anos após a promulgação da Constituição, haveria um processo revisional. Portanto, era de se esperar que o aviso prévio proporcional, tal como outros direitos previstos no art. 7o e que também dependiam de regulamentação legal, fossem testados pela sociedade brasileira antes do processo revisional.
Entretanto, passaram, não cinco anos, mas já há mais de vinte anos sem que o legislador desse consequencia a tais direitos sociais, deixando de elaborar normas que os regulassem. Além disso, não se vislumbram políticas públicas que venham ao encontro ao propósito do constituinte de estender aos trabalhadores com maior tempo de serviço ao empregador uma proteção reforçada contra a despedida imotivada.
As expectativas de que esse direito fosse construído pela própria sociedade civil, por meio de acordo entre sindicatos de trabalhadores e empregador, estas se mostraram pouco realistas, na medida em que somente as categorias profissionais mais fortes lograram obter, na mesa de negociação, que esse direito fosse contemplado em convênios coletivos. Também se frustraram os que pensavam que o Poder Judiciário Trabalhista, pelo seu poder normativo (mantido pelo art. 114 da Constituição Federal, ainda que mitigado pela Emenda Constitucional n°. 45/2004), pudesse tornar realidade o aviso prévio proporcional para a generalidade das categorias profissionais. Tal possibilidade foi drasticamente suprimida pelo Tribunal Superior do Trabalho, que entendeu pela impossibilidade de deferimento de pedido com este teor em julgamento de dissídio coletivo.
Recorreu-se, também, ao mecanismo do mandado de injunção, instituto criado pelo constituinte para, justamente, dar efetividade a normas que, por inércia do legislador, sofriam o risco de “cair no vazio” (tal como aconteceu com tantos outros direitos constitucionais previstos em Constituições anteriores). Mais uma vez, sem sucesso, já que o Supremo Tribunal Federal limitou-se a comunicar formalmente o Parlamento da mora legislativa, dando ao mandado de injunção o mesmo efeito da ação declaratória de inconstitucionalidade por omissão.
Finalmente, o Poder Judiciário, já no âmbito de ações individuais, apesar do amplo debate doutrinário e jurisprudencial sobre a efetivação dos direitos fundamentais sociais, terminou por rejeitar a aplicação direta do direito ao aviso prévio proporcional, a despeito do contido no art. 5o, inciso 1º da Constituição Federal, tendo o Tribunal Superior do Trabalho editado a Orientação Jurisprudencial nº 84, SDI-1, que afasta a possibilidade de auto-aplicabilidade do art. 7, XXI da Constituição Federal.
Restam, assim, poucas esperanças de que, finalmente, este importante instrumento de proteção ao trabalhador – especialmente o mais idoso – contra a despedida arbitrária e as angústias do desemprego que lhe seguem seja, finalmente, colocado em prática: 1) a persistência dos atores sociais, no plano da negociação coletiva, em colocar em pauta o direito dos trabalhadores com maior tempo de serviço a um aviso prévio diferenciado e 2) um renovado alento quanto às novas perspectivas de utilização do mandado de injunção na regulação das omissões legislativas, em face de recentes decisões do STF, em especial quanto no julgamento do direito de greve dos servidores públicos.
Consideradas as atuais imensas dificuldades dos sindicatos de trabalhadores em obter, em negociação coletiva, direitos mínimos (como, por exemplo, aumentos reais baseados em ganhos de produtividade), parece pouco realista pensar que, em curto prazo, o panorama se altere a ponto de viabilizar que o aviso prévio proporcional conste dos pactos coletivos.
Resta, assim, persistir no caminho da judicialização da reivindicação social de mais garantias aos trabalhadores despedidos através de uma maior indenização vinculada ao tempo de serviço. Neste contexto, o direito ao aviso prévio proporcional pode ser objeto de demandas judiciais, desde que perfeitamente entendidos os limites e as possibilidades do Judiciário no processo de transformação social.
Conforme HERRERA FLORES (2009, p. 193),
“os direitos devem ser vistos e postos em prática, como produto de lutas culturais, sociais, econômicas e políticas para “ajustar” a realidade em função dos interesses mais gerais e difusos de uma formação social, quer dizer, os esforços por buscar o que faz com que a vida seja digna de ser vivida”.
A instrumentalização das demandas judiciais na efetivação dos direitos sociais constitui parte do processo social de luta por este “ajuste”, na medida em que possa representar a ampliação dos “espaços sociais de democracia” em que os grupos e indivíduos encontrem possibilidade de formação e de tomada de consciência para combater a totalidade de um sistema caracterizado pela reificação, pelo formalismo e pela fragmentação; ou seja, parte de um processo de construção de um “espaço público de empoderamento”, onde possa surgir uma variedade de diferentes experiências e onde sobressaiam a mutabilidade e as possibilidades de modificação e de transformação (Herrera Flores, ob. cit., p. 194).
Não é demasiado lembrar que, nas democracias modernas, “os juízes aparecem instalados no imaginário da sociedade como última ratio, como garantias finais do funcionamento do sistema democrático”, sendo que, por razões sistêmicas (pelas funções institucionais que lhes compete em uma sistema democrático garantista), são depositários de uma expectativa social maior do que a destinada a outros poderes da República (CÁRCOVA, 1996, p. 167).
A abertura hermenêutica propiciada pela nova leitura dos efeitos do mandado de injunção pelo Supremo Tribunal Federal pode ser utilizada pelo Judiciário Trabalhista para uma renovação da jurisprudência sobre a efetividade dos direitos sociais ainda pendentes de regulamentação por lei, no caso, especificamente sobre o direito ao aviso prévio proporcional.
Para tanto, é preciso superar tanto uma visão tímida e comodista – que reserva ao Judiciário um papel subalterno no processo democrático, incompatível com os novos tempos -, assim como uma pretensão exclusivista – que, nas palavras de GERARDO PISARELLO (2009), “pode levar a certa subordinação das garantias legais às suas definições dos órgãos judiciais, levando seu liberalismo igualitário a certa tensão com os ideais de autogoverno democrático”.
Como lembra tal autor, é possível vencer a desconfiança no Poder Judiciário através de uma aposta numa “permanente circulação de contrapoderes políticos, jurisdicionais e, sobretudo, sociais”, de forma que os controles jurisdicionais não se resumam a simples mecanismos contramajoritários, mas representem “vias aptas para provocar um diálogo, não necessariamente condescendente, entre órgãos jurisdicionais e políticos” sobre a devida proteção dos direitos sociais.[38]
Se a luta pela efetividade da Constituição Federal é de toda a sociedade, o que se espera do Poder Judiciário não é mais do que a justa expectativa de faça a sua parte.
Desembargador do Trabalho do TRT 4ª. Região
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