A busca da verdade real em detrimento do princípio da vedação de provas ilícitas no processo penal

Resumo: A presente pesquisa tem o objetivo central em apresentar o fenômeno das provas ilícitas no processo penal e seu estanque pela verdade real. De certo, com a constitucionalização do Direito e a irradiação dos Direitos Fundamentais, a humanização do processo penal está sendo cada vez mais difundida por autores e pesquisadores das ciências penais, na busca diária pela proteção e reconhecimento dos direitos fundamentais como norteadores vetoriais do mundo jurídico, logo, do processo penal.

Palavras-chave: Direitos Fundamentais; Processo Penal; Provas ilícitas; Verdade Real.

Abstract: The present research has the main objective to present the phenomenon of the illicit evidence in the criminal process and its estanque by the real truth. With the constitutionalization of the Right and the irradiation of the Fundamental Rights, the humanization of the criminal process is being increasingly spread by authors and researchers of the criminal sciences, in the daily search for the protection and recognition of fundamental rights as vector guiding principles of the legal world , therefore, of criminal proceedings.

Key words: Fundamental Rights; Criminal proceedings; Illicit evidence; Real Truth.

Sumário: Introdução. 1. O processo penal e suas nuances no mundo jurídico. 2. Princípio livre convencimento motivado. 3. Princípio da verdade real. 4. Princípio da presunção de inocência (não culpabilidade). 5. Princípio do contraditório. 6. Princípio da ampla defesa. 7. As provas na fase pré-processual. 7.1. As provas cautelares. 7.2. Provas não repetível. 7.3. Conceito de provas. 7.4. Meios de prova. 8. Vedação probatório (princípio da vedação do uso de provas ilícitas). 8.1. Prova ilegítima. 8.2. Prova ilícita. 8.3. Prova ilícita por derivação. 9. Teoria da descoberta inevitável (serendipidade). 10. Teoria dos frutos da árvore envenenada. 11. A admissibilidade e inadmissibilidade de provas ilícitas no sistema penal brasileiro. 12. Da inadmissibilidade absoluta. 13. Da proporcionalidade. 14. Corrente da prova ilícita pro réu. 15. A importância das provas para o livre convencimento motivado. 16. A possível alteração na admissibilidade das provas ilícitas no processo penal. 17. Considerações finais. Referências.

INTRODUÇÃO

A ideia de uma prova ser obtida de forma ilegal assusta a segurança jurídica em todas as situações uma vez que no cenário jurídico nacional é vedado tal uso de provas por força constitucional de cláusula pétrea como observada no artigo 5º inciso LVI, como também as derivadas de tal meio como explana o Código de Processo Penal em seu artigo 157.

Porém, a relativização deixa evidente que o interesse em buscar a verdade real dos juízes deve ir além de garantias que não devem ser tidas como absoluta.

Tal admissibilidade deve ser levada em consideração uma vez que observada a natureza protecionista do código de processo penal, de forma que uma vez proveitosa para a absolvição do réu deverá ser levada em consideração.

Destarte, se o maior foco do processo penal é que se chegue ao mais próximo da realidade dos fatos (a verdade real), por que a relativização do uso de provas obtidas por meio ilícito não deve ser aceita para condenar o réu?

Ora, é evidente que as provas são meios para que o julgador baseie sua decisão, diante de tal importância todo o tipo de prova deverá ser levada em consideração para que assim possamos alcançar a tão sonhada justiça.

O presente trabalho aborda exatamente o processo de busca pela justiça e paz social com a possível alteração proposta ao art. 157 do código de processo penal, é trazido conceito de processo penal e a forma de como ele é constituído, como a atuação estatal veio evoluindo e para tanto foi necessário que se criassem princípios para limitar essa atuação do Estado em relação à sociedade.

Com a apresentação do projeto de lei, é citada também, a operação da polícia federal que se baseou em provas ilícitas, denominada Sundown e os princípios constantes na legislação norte-americana que deu origem a vedação probatória existente em nosso ordenamento jurídico.

O PROCESSO PENAL E SUAS NUANCES NO MUNDO JURÍDICO

O processo penal é o meio com o qual o Estado-juiz "pune" um crime. Pelo Brasil ser em um Estado democrático de direito1 o juiz está limitado ao que as leis estabelecem como um parâmetro para uma punição justa para cada crime cometido. Sendo assim a constituição federal e as normas infraconstitucionais estabelecem princípios que limitam a atuação do estado em relação à sociedade. Dentre esses princípios é importante citar o do Livre Convencimento Motivado, pautado em norma infraconstitucional, dentre outras, no decreto-lei nº 3.689/41(Código de Processo Penal), mais precisamente no seu artigo 155 onde diz que o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvados as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas, entendendo-se assim que o que não constar nos autos não pode servir de base para uma decisão judicial.

No processo penal, diferente do que ocorre no processo civil, existe o chamado Princípio da verdade real, que nada mais é que sobressair das provas constantes nos autos (a verdade formal) para uma elucidação completa dos fatos, tendo em vista a maior gravidade dos fatos nesse ramo do direto.

Embora seja buscada no processo penal a “verdade real” é evidente a extrema dificuldade de ser alcançado o fiel retrato de um crime uma vez que independente dos meios, a verdade obtida no processo será sempre a verdade processual, será sempre uma verdade reconstruída, e que depende do maior número de contribuição das partes e em alguns momentos do próprio juiz.

No sistema penal brasileiro existe o princípio da presunção de inocência (não culpabilidade) o que significa que todo acusado é presumido inocente, até que seja declarado culpado por sentença condenatória, com trânsito em julgado tal princípio

previsto no art. 5. °, LVII, da Constituição Federal transfere todo o ônus da prova ao órgão de acusação, incumbido de provar a materialidade e a autoria do crime.

Ante este princípio fica evidenciada o quanto são excepcionais as medidas cautelares, devendo, por conseguinte, toda prisão processual estar fundada em dois requisitos gerais, o periculum libertatis e o fumus comissi delicti. O que significa que para que seja decretada a prisão do réu, na fase processual (antes da sentença) é necessário que seja demonstrado que o réu causa um perigo real, seja ao andamento do processo ou a evidência de que caso seja mantido em liberdade praticará outro crime, e cumulativamente com a materialidade do crime e indícios suficientes de autoria. Apenas depois de demonstrado fundamentadamente esses pressupostos que o réu terá seu direito constitucional à liberdade violado.

Pode-se afirmar então que a função das provas no processo penal é unicamente reproduzir algo que mais se aproxime com a verdade para que seja julgada determinada conduta.

Se o mais importante no processo penal são as provas é imprescindível saber quais os tipos de provas que são aceitas e, principalmente, não aceitas no processo. Dispõe o art. 5. °, LVI, da Constituição Federal que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”, princípio da vedação do uso de provas ilícitas, deste princípio surge a Teoria dos frutos da árvore envenenada (fruits of the poisonous tree): as provas, mesmo que formalmente lícitas decorrentes da prova ilícita são inválidas. Ex.: o produto do crime apreendido em uma busca e apreensão domiciliar ilegal, pois realizada sem mandado judicial. Conforme o código de processo penal em seu artigo 157 onde diz que são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.

Desta forma, mesmo sabendo da enorme dificuldade de passar o retrato exato dos fatos uma vez transitado em julgado a decisão final, sobre ela incidirá os efeitos da coisa julgada, com todas as suas consequências legais. O processo então trará uma certeza jurídica e uma resposta à sociedade sobre determinada conduta reprovável.

É evidente que a análise da prova recebeu diversas etapas durante o passar do tempo, de acordo com o desenvolvimento da cultura social, os costumes e com o momento político-econômico de cada povo.

Nesse sentido podemos destacar as palavras de Lívia de Fátima Oliveira da

Costa:[1]

“Na legislação brasileira inicia em 1808, sendo que antes vigoravam as Ordenações Portuguesas, e a ideia de um Código Civil e Criminal, surge com a Constituição Política do Império do Brasil, de 25 de março de 1824, que 3 ao tratar da questão da inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, afirmava que esses direitos teriam por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade. Assegurando ainda que ninguém poderia ser preso sem culpa formada, exceto nos casos declarados em lei, essa Constituição dispunha que seria organizado um Código Civil e um Código Criminal, fundado nas sólidas bases da justiça e equidade” (COSTA, 2009, p.01).

Exemplos sobre estas provas caracterizadas tão cruéis e surreais destacam- se as palavras de OLIVEIRA e COSTA que descrevem o seguinte:

“As principais provas eram: a prova da água fria: jogando o indiciado na água, caso submergisse era inocente, caso viesse à tona, era culpado. A prova do ferro em brasa: o pretenso culpado, com os pés descalços, teria de passar por uma chapa de ferro em brasa; caso nada lhe acontecesse, era inocente, porém, se queimassem os seus pés, a culpa era manifesta. A prova do judicium affae: o indivíduo deveria engolir de uma só vez grande quantidade de alimento, que era farinha de trigo. Se não conseguisse, era culpado. Prova do pão e queijo: acusado deveria engolir um pedaço de pão e queijo, em não conseguindo era culpado” (OLIVEIRA; COSTA, 2010, p.04).

Dessa forma, não havia nenhum caráter técnico na forma de julgamento desta época. Sendo muito difícil, ou talvez até mesmo impossível, o acusado provar sua inocência.

Segundo Geisa Matos Farah:

“Esse sistema permaneceu até o fim do século XII e no curso do século XIII, quando sob a égide do Direito canônico, não totalmente desvinculados da religião, a inquirição tomou lugar dos juízos de Deus, atribuindo a solução dos conflitos, não mais confiando às divindades”.(FARAH, 2008, p.11)

Passando assim para o sistema inquisitivo, nesse sistema a confissão era o objetivo principal, onde se buscava a “verdade” fazendo com que o acusado viesse a confessar a suposta autoria do crime de qualquer maneira, sendo muito utilizado o método de tortura, inexistindo qualquer tipo de proteção ou direito a ser resguardado no curso da “investigação”. Nesse sistema a confissão era tida como “mãe das provas”, vez que o acusado era quem poderia melhor descrever os fatos.

Após o período da inquirição passa a ser utilizado um sistema legal das provas, baseado em textos de direito romano e de direito canônico, onde foram estabelecidas em leis as regras para avaliação da prova. Restando apenas ao juiz à observância de rigorosos preceitos estabelecidos nas leis, não havia espaço para liberdade de apreciação, era a lei que dizia quais as provas são apropriadas a levar à convicção e quais não são aptas para tanto. Claramente não é esse o sistema que vigora no atual sistema penal brasileiro visto que ao observarmos o art. 93, inciso IX da CRFB, as decisões devem ser fundamentadas sob pena de nulidade. Porém é excepcionalmente utilizado nos julgamentos do tribunal do júri, como preceitua o doutrinador Renato Brasileiro3:

“A despeito da regra constante da Constituição Federal, não se pode negar que referido sistema tenha sido adotado em relação às decisões dos jurados no tribunal do júri, as quais não precisam ser motivadas. Isso porque, de acordo com o art. 5º, inciso XXXVIII, da Magna Carta, tem-se como uma das garantias do júri o sigilo das votações. Ou seja, fosse o jurado obrigado a fundamentar sua decisão, seria possível identificar-se o sentido de seu voto. Daí a desnecessidade de fundamentação do voto do jurado, limitando-se o mesmo a um singelo “sim” ou “não” para cada quesito que lhe for formulado, nos exatos termos do art. 486, caput, do CPP”. (LIMA, 2016, p.831)

Logo em observância tanto do art. 93, inciso IX, quanto do art. 155, caput, do CPP, o sistema vigente, em regra, é o do livre convencimento motivado. Princípio que será abrangido no próximo tópico.

PRINCÍPIO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO

Como dito anteriormente de forma sucinta, por força deste princípio o juiz é livre na formação de seu convencimento, não há uma hierarquia para as provas, o próprio julgador deide qual (is) prova(s) é (são) suficiente(s) para formar a sua convicção.

Ou seja, o julgador poderá formular sua decisão de acordo com o seu entendimento a respeito da demanda estando compelido a motivar em provas válidas apresentadas, respeitado a ampla defesa e o contraditório, para motivar sua decisão.

Este princípio está evidenciado no artigo 155 do código de processo penal, in

verbis:

“Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”. (BRASIL, Código de Processo Penal 1941)

Como se pode observar é livre a apreciação da prova produzida, sendo assim, não há prova com valor absoluto, muito menos hierarquia entre as provas.

Mais uma vez ressalvado que o magistrado deve valorar todas as provas produzidas, uma vez que esteja nos autos do processo e que tenham sido submetidas ao contraditório e ampla defesa. Isso porque as partes têm o direito de ação, que em um dos seus desdobramentos está o direito à prova, dessa forma tem o direito de ter sua prova analisada pelo magistrado.

Além de ser um princípio constante em norma infraconstitucional, o princípio do livre convencimento motivado é, sobretudo, um princípio constitucional pautado no artigo 93, inciso IX da constituição federal, in verbis:

“IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;” (BRASIL, Constituição Federal, 1988)

Como observado, o texto constitucional evidencia que os julgamentos que não forem devidamente fundamentados serão considerados nulos.

PRINCÍPIO DA VERDADE REAL

Como já explanado, esse princípio nada mais é que sobressair das provas constantes nos autos (a verdade formal) para uma elucidação completa dos fatos, tendo em vista a maior gravidade dos fatos nesse ramo do direto.

Embora seja buscada no processo penal a “verdade real” é evidente a extrema dificuldade de ser alcançado o fiel retrato de um crime uma vez que independente dos meios, a verdade obtida no processo será sempre a verdade processual, será sempre uma verdade reconstruída, e que depende do maior número de contribuição das partes e em alguns momentos do próprio juiz.

De acordo com o código de processo civil em seu artigo 3414 a mera falta de impugnação do réu ao fato alegado já caracteriza como verdadeira as alegações, enquanto no processo penal é imprescindível a materialização da prova a respeito dos fatos alegados, ou seja, mesmo que não sejam impugnadas as alegações pelo réu ou até mesmo confessadas cabe a acusação a produção de provas o que é chamado verdade material, a materialização das alegações.

Para que seja alcançada a verdade no processo, é preciso que as alegações sejam materializadas por meio de provas, onde passada ao julgador cabe o seu livre convencimento a respeito de tais, o princípio do livre convencimento motivado (CF, art. 93, IX) garante ao processo que não haverá prova de maior valoração uma vez que existindo a prova o juiz pode se motivar nela sua decisão independentemente se há ou não outras provas em contrário, sendo assim as provas apresentadas fundamentarão a decisão do juiz de acordo com sua apreciação.

PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (NÃO CULPABILIDADE)

Como foi brevemente citado este princípio diz que todo acusado é presumido inocente, até que seja declarado culpado por sentença condenatória, com trânsito em julgado tal princípio previsto no art. 5. °, LVII, da Constituição Federal transfere todo o ônus da prova ao órgão de acusação, incumbido de provar a materialidade e a autoria do crime.

A doutrina processualista penal, visceralmente, disserta acerca desta temática, por ser, como diz o Aury Lopes Jr. (2015), a presunção de inocência um “verdadeiro dever de tratamento – na medida em que exige que o réu seja tratado como inocente”. Ou, como cita FERRAJOLI,[2] a presunção de inocência foi reforçado com a Declaração dos Direitos do Homem de 1789.

A doutrina processualista penal, visceralmente, disserta acerca desta temática, por ser, como diz o Aury Lopes Jr. (2015), a presunção de inocência um “verdadeiro dever de tratamento – na medida em que exige que o réu seja tratado como inocente”. Ou, como cita FERRAJOLI,[3] a presunção de inocência foi reforçado com a Declaração dos Direitos do Homem de 1789.

O carácter de se presumir a inocência de outrem reforça, tanto o respeito individual do acusado, aos seus direitos e dignidade, como, secundariamente, o reforço no papel do julgador em ser cada vez mais imparcial e garantidor no processo penal.

PRINCIPIO DO CONTRADITÓRIO

Um dos princípios basilares do processo penal e que não poderíamos deixar de apresentar, por ser de suma importância ao estudo aqui apresentado.

O contraditório é a garantia que a as partes tem de confrontar qualquer fato ou alegação, a que seja contrária, afim de que possa exercer seu direito de ação no curso do processo contribuindo assim com o convencimento do julgador.

Na visão do doutrinador Eugênio Pacelli:

“(…) o contraditório é um dos princípios mais caros ao processo penal, constituindo verdadeiro requisito de validade do processo, na medida em que a sua não observância é passível até de nulidade absoluta, quando em prejuízo do acusado. Já veremos que, quando se tratar de violação do contraditório em relação à acusação, será necessária a arguição expressa da irregularidade no recurso, sob pena de preclusão, ainda que se cuide de nulidade absoluta. Nessa hipótese, excepcional, por certo, levam-se em consideração outras questões, ora ligadas ao controle do bom desempenho das funções públicas (o Ministério Público deve zelar, sempre, pela regularidade do processo, em todas as suas fases), ora ligadas à vedação da não surpresa (no fundo, o próprio contraditório) para a defesa; esta, diante da ausência de impugnação da irregularidade no recurso da acusação, não teria como se manifestar sobre a mesma”. (2017, p.37) (Grifo nosso).

Como foi exposto nas palavras de Eugênio Pacelli é tão importante esse princípio para o processo penal que a sua inobservância é passível de nulidade absoluta.

PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA

Mais um princípio basilar do processo penal a ampla defesa é nas palavras do doutrinador Fernando Capez (2016, p. 98) “(…) o dever de o Estado proporcionar a todo acusado a mais completa defesa, seja pessoal (autodefesa), seja técnica (efetuada por defensor) (CF, art. 5º, LV), e o de prestar assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados (CF, art. 5º, LXXIV). ”

Como visto, a ampla defesa é subdividida em autodefesa e defesa técnica. Como dispõe o art. 261 do CPP, é irrenunciável a defesa técnica, quando no dispositivo legal diz que “nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor.” Deixando claro que para haver processo é imprescindível um defensor. Dessa forma a constituição federal garante a observância desse princípio a acusado hipossuficiente em seu artigo art. 5º, inciso LXXIV, quando diz que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. Já a autodefesa, que como o próprio termo sugere, é a defesa pessoal que é exercida pelo próprio acusado.

O direito de audiência é o direito que o acusado tem de ser ouvido pelo juiz, por meio de seu interrogatório. Esse é o primeiro momento que o acusado tem para se autodefender o momento de expor possível motivo, ou negar autoria do crime. Nesse sentido, como o ônus do exercício de tal direito recai totalmente sobre o acusado é renunciável a autodefesa, bem como pode se mantiver em silêncio como uma forma de se defender, cabe apenas ao acusado decidir, não sendo ele obrigado a responder o interrogatório evitando assim a autoincriminação.

E a capacidade postulatória autônoma e distinta do acusado significa dizer que ainda que o acusado não seja advogado, o ordenamento jurídico confere a ele capacidade para praticar certos atos, a exemplo impetrar um Habeas Corpus.

AS PROVAS NA FASE PRÉ-PROCESSUAL

O Art. 155 do CPP traz a seguinte redação:

“O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.” (BRASIL, Código de Processo Penal, 1941).

Como já foi dito, uma vez que a decisão do julgador deve ser baseada em provas, é certo dizer, com uma simples leitura do artigo supracitado, que as provas só serão produzidas na fase processual e não na investigação criminal, uma vez que não pode se valer o julgador destas, de base para uma decisão.

Isto em regra porque no próprio texto legal trás as exceções quais sejam: as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. Que serão conceituadas nos tópicos a seguir.

AS PROVAS CAUTELARES

As provas cautelares, segundo o professor Renato Brasileiro5, são aquelas que, uma vez produzidas, não tem como ser novamente coletada, por decurso de tempo. Podem ser produzidas no curso da fase investigatória ou durante a fase judicial, sendo que, em regra, dependem de autorização judicial.

Por esse motivo o contraditório é postergado para a fase processual (no caso da prova ser produzida da fase investigatória), com a possibilidade das partes argumentarem contra a prova, impugnarem e/ou oferecerem contraprova, é o chamado contraditório diferido.

PROVAS NÃO REPETÍVEL

As provas não repetíveis, como o próprio nome sugere, são aquelas que uma vez produzidas, não se pode repetir, em virtude do desaparecimento ou por perecimento da fonte probatória.

Imaginemos a seguinte situação, onde a vítima tenha sofrido uma lesão corporal de natureza leve, conforme predispõe o art. 6º, inciso VII, do CPP, logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá, dentre outras diligências, determinar que se proceda a exame de corpo de delito e quaisquer outras perícias. (Concluindo-se assim que não necessita de prévia autorização judicial). Se o exame não for feito logo em seguida, provavelmente haverá o desaparecimento da prova, vez que lesões dessa natureza tendem a “sumir” com facilidade.

De ante da natureza da prova não repetível, e como já foi dito que toda prova deve ser submetida ao contraditório, nesse caso uma vez posta em juízo será a oportunidade para que seja refutada, sendo assim, como acontece com as provas cautelares o seu contraditório também é diferido ou postergado.

CONCEITO DE PROVAS

Diante do nosso objeto de estudo fica evidente a necessidade de se conceituar o que é prova, bem como os tipos e a quem se destina.

A prova é a maneira com a qual o julgador terá conhecimento dos fatos e formulará seu julgamento, ou seja, o destinatário das provas é o magistrado já que ela se destina à formação da convicção dele.

Para NUCCI[4], há três sentidos para o termo prova, sendo eles: Ato de provar, que é o processo pelo qual se verificar a exatidão ou veracidade do fato alegado no processo (fase probatória); Meio, que é o instrumento pelo qual se demonstra a verdade de algo (ex.: prova testemunhal) e resultado da ação de provar, ou seja, produto extraído da análise dos instrumentos de prova oferecida, demonstrando a verdade de um fato.

MEIOS DE PROVA

Como dito anteriormente as provas são os meios com o qual o julgador formará sua convicção a respeito de determinado fato. Desta feita é crucial sabermos quais são os meios de provas. De acordo com o doutrinador Tourinho Filho meios de prova: “É tudo quanto possa servir, direta e indiretamente, à comprovação da verdade que se procura no processo: testemunha, documento, pericia, […], tudo são meio de prova(TOURINHO FILHO, 2009, p. 524). (Grifei).

No Código de Processo Penal Brasileiro são admitidas todas as provas obtidas por meio lícito, uma vez que a vedação probatória se refere apenas as provas ilícitas. Sendo assim, pode ser usadas inclusive filmagens, fotografias, cartas, interceptações telefônicas, enfim, tudo que possa aproximar da verdade do ocorrido.

Então, os meios de provas são tudo aquilo que pode ser utilizado, direta ou indiretamente para demonstrar com mais exatidão a veracidade daquilo que foi alegado no processo, e que serão utilizados para o livre convencimento do juiz.

Dispõe o art. 155 do Código de Processo Penal Brasileiro sobre a formação da convicção do juiz, baseados nas provas.

“Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvados as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”. (BRASIL, Código de Processo Penal, 1941. Grifo nosso).

Assim sendo, toda a prova produzia e sendo assegurado o direito ao contraditório será a base para a decisão judicial em uso de seu livre convencimento motivado.

VEDAÇÃO PROBATÓRIO (PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DO USO DE PROVAS ILÍCITAS)

Este princípio é o foco principal do presente estudo, e como mencionado o art. 5º, inciso LVI, da constituição federal diz que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. Reafirmado pela norma infraconstitucional, qual seja, o código de processo penal, mas especificamente em seu artigo 157, caput, quando diz que “são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”.

Além disso, destarte, nas palavras do professor Eugênio Pacelli:

“Mais que uma afirmação de propósitos éticos no trato das questões do Direito, as aludidas normas, constitucional e legal, cumprem uma função ainda mais relevante, particularmente no que diz respeito ao processo penal, a saber: a vedação das provas ilícitas atua no controle da regularidade da atividade estatal persecutória, inibindo e desestimulando a adoção de práticas probatórias ilegais por parte de quem é o grande responsável pela sua produção. Nesse sentido, cumpre função eminentemente pedagógica, ao mesmo tempo em que tutela determinados valores reconhecidos pela ordem jurídica”. (2017, p.37).

Defendendo ele que é uma forma de desestimular a produção de provas por meio ilegal, ou seja, tendo um caráter pedagógico.

Nesse tópico será explanado o que o ordenamento jurídico brasileiro veda, na produção de provas, no âmbito do processo penal. Para tanto, se faz necessário que seja dado o conceito de tipos de provas, ao menos os tipos mais importantes para a elucidação do tema.

PROVA ILEGÍTIMA

Quando ocorre uma violação de uma regra de direito processual no momento da sua produção em juízo, no processo. A proibição tem natureza exclusivamente processual, quando for imposta em função de interesses atinentes à lógica e à finalidade do processo. Ex.: juntada fora do prazo (…);

PROVA ILÍCITA

É aquela que viola regra de direito material ou a Constituição no momento da sua coleta, anterior ou concomitante ao processo, mas sempre exterior a este (fora do processo) […]. Em geral, ocorre uma violação da intimidade, privacidade ou dignidade (exemplos: interceptação telefônica ilegal quebra ilegal do sigilo bancário, fiscal etc.).

PROVA ILÍCITA POR DERIVAÇÃO

A questão das provas ilícitas por derivação, também gera instabilidade doutrinária e jurisprudencial, quanto à natureza dessas provas e a sua consequência no âmbito do processo penal.

As chamadas provas ilícitas por derivação se referem às hipóteses em que as provas foram colhidas de forma lícita, porém colhidas a partir da informação extraída de uma prova captada ilicitamente.

Exemplo clássico é o da confissão obtida mediante tortura, em que o acusado aponta o local em que está o produto do crime, por exemplo, um depósito de drogas ilícitas, que vem a ser regularmente apreendido, mediante mandado de busca e apreensão.

Ou seja, sempre que houver o nexo entre a prova ilícita e a prova que dela decorra, mesmo que aparentemente lícita, haverá a prova ilícita por derivação.

Nesse contexto, surge a dúvida se essas provas, formalmente lícitas, mas derivadas de provas materialmente ilícitas, podem ser aproveitadas no processo, já que evidentemente será usada em prejuízo do réu.

TEORIA DA FONTE INDEPENDENTE

Já que uma nova prova, derivada de prova ilícita é também considerada ilícita, conforme a teria dos frutos a árvore envenenada mencionada anteriormente. Há de se observar que não havendo nexo entre as duas provas deverá ser considerada lícita uma vez que não se faz “fruto” ou derivação da prova tida como ilícita.

O parágrafo primeiro do artigo 157 do código de processo penal traz a seguinte redação: “São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras”.

Já o parágrafo segundo do mesmo artigo supracitado dispõe que “considera- se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova”.

A teoria da fonte independente parte da premissa de que, existindo duas fontes das quais pode ser colhida a prova, sendo uma admissível e outra ilícita, é de se reconhecer a admissibilidade e não a contaminação da prova derivada.

TEORIA DA DESCOBERTA INEVITÁVEL (SERENDIPIDADE)

Essa teoria se assemelha bastante com a teoria de fontes independentes, por isso a necessidade de ser abordada, já que há a possibilidade de que se a há a possibilidade da obtenção de prova por meio lícito no caso concreto, há de se aproveitar a prova devido a essa possibilidade.

Esta teoria, também chamada pelo autor Thiago André Pierbom Ávila de Exceção da Fonte Hipoteticamente Independente, pressupõe que, se a prova derivada seria descoberta de qualquer forma, com ou sem a prova ilícita, então não há o que se falar em contaminação da prova derivada.

O autor Thiago André Pierbom Ávila esclarece esta teoria citando o Leading case Nix. V. Williams, julgado em 1984:

“Nesse precedente, o acusado havia matado uma criança e escondido o corpo; iniciado um processo de busca por 200 voluntários, os municípios vizinhos foram divididos em zona de busca; durante a busca, o acusado realizou uma confissão, obtida ilegalmente, na qual especificou o local onde se encontrava o corpo; foi paralisada a busca, que estava algumas horas de descobrir onde o corpo estava dirigindo- se a polícia ao lugar indicado na confissão e apreendido o corpo. A Corte considerou que a confissão do acusado sobre o local onde o corpo se encontrava era uma prova ilícita, mas a pressão do corpo era válida, pois sua descoberta era inevitável. Também se entendeu pelo voto concorrente do Juiz Stevens, que o ônus da prova sobre conjectura da descoberta inevitável recai sobre a acusação”. (ÁVILA, 2007)

Pode-se verificar que, no caso supracitado não havia a necessidade da determinação de forma legal para a realização da busca do corpo, após a confissão forçada do réu, pois em razão da força tarefa realizada pelos moradores, o corpo seria descoberto de qualquer forma, mesmo sem a confissão ilícita do réu e mesmo sem a busca realizada pelas autoridades policiais.

O entendimento da Suprema Corte Norte Americana é que o fato, descoberto através de prova derivada da ilícita, seria apurado de qualquer maneira, por isso, não havia, portanto, motivo para o desentranhamento da prova, pois não houve verdadeiramente a contaminação desta.

Como mencionado acima, nesta teoria a situação concreta é apurada e verificada e, nos casos em que se chega à conclusão de que existe uma hipótese em que, inevitavelmente, levaria a descoberta da mesma prova, já encontrada por um meio ilícito, se afastaria então a inadmissibilidade desta prova.

Definido o conceito e a abrangência da Teoria da Exceção da Descoberta Inevitável, fica mais fácil perceber que o legislador brasileiro na elaboração do parágrafo 2º do artigo 175 do Código de Processo Penal, utilizou-se do conceito do mecanismo ora debatido, instituto este não inserido em nosso ordenamento.

Ao observar o artigo 157 e seus parágrafos, conclui-se que a intenção do legislador era tratar da Teoria da Fonte Independente, porém, utilizou-se erroneamente da Teoria da Exceção da Descoberta Inevitável, ou seja, o legislador.

utilizou-se de mecanismos diversos com fundamentos diferentes, com o fim de criar e definir uma mesma teoria para afastar a inadmissibilidade da prova ilícita por derivação.

TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA

A teoria dos fruits of the poisonous tree, ou teoria dos frutos da árvore envenenada, cuja origem é atribuída à jurisprudência norte-americana, nada mais é que uma consequência lógica da aplicação do princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma vez que é inadmissível tal prova, uma prova decorrente desta, também será considerada ilícita e, portanto, de igual forma, inadmissível no processo.

Nas palavras do doutrinador Renato Brasileiro (2016, p. 841) “a teoria dos frutos da árvore envenenada são meios de probatórios que, não obstante produzidos validamente em momento posterior encontram-se afetados pelo vício da ilicitude originária, que a eles se transmite em virtude do nexo causal. ”

Conforme Grinover, Fernandes, Magalhães:

“Na posição mais sensível às garantias da pessoa humana, e consequentemente mais intransigente, com os princípios e normas constitucionais, a ilicitude da obtenção da prova transite-se às provas derivadas, que são, assim, igualmente banidas do processo.” (2001, p. 137)

Exemplificando, um policial pode conseguir uma confissão por meio de tortur a (o que é ilícito) de uma testemunha que pudesse apontar outra testemunha para o ocorrido, essa nova testemunha poderia ser intimida de forma legal e colhido seu depoimento licitamente. Porém segundo essa teoria o nexo existente entre a informação obtida sob tortura e a descoberta da nova testemunha torna ambos os depoimentos ilícitos.

A ADMISSIBILIDADE E INADIMISSIBILIDADE DE PROVAS ILÍCITAS NO SISTEMA PENAL BRASILEIRO

Quanto à possibilidade da produção de provas obtidas por meios ilícitos, porém, que não sejam consideradas ilegítimas pelo ordenamento jurídico, a jurisprudência e a doutrina sempre se posicionaram com decisões e opiniões diversas.

É importante que fique enfatizado que provas ilícitas não se confundem com provas ilegais ou ilegítimas. Como será esclarecida no próximo tópico a diferença entre os tipos de provas, porém, já adiantando, basta entender que enquanto as provas ilícitas são aquelas obtidas com violação ao direito material, as provas ilegítimas são as obtidas com desobediência ao direito processual. Por sua vez, a provas ilegais seria os gêneros do qual as espécies provas ilícitas e ilegítimas, pois se configuram pela obtenção com violação de natureza material ou processual ao ordenamento jurídico.

Quanto às posições doutrinárias existem no mínimo três: uma corrente doutrinária que defende a produção de provas ilícitas no processo; outra que entende ser juridicamente impossível essa produção; outra, que se posiciona de modo conciliador.

Os defensores dessa tese argumentam que a prova obtida por meios ilícitos, não poderá ser retirada do feito, a não ser no caso de a própria lei assim ordenar. Desta forma, a prova para ser afastada há de ser ao mesmo tempo ilícita e ilegítima.

Essa corrente defende que o problema da admissibilidade ou inadmissibilidade da prova não se refere ao modo de como foi obtida. Se ela no processo for consentida pela lei, in abstracto, sendo totalmente sem relevância o emprego dos meios para a sua obtenção.

Dentre os nacionais, se destaca o doutrinador FERNANDO DE  ALMEIDA[5]

PEDROSO, adepto a essa corrente, apoiando-se no argumento que se o fim do processo é a descoberta da verdade real, é aceitável que se a prova for obtida de meio ilícito demonstrar essa verdade, que ela seja admitida, uma vez que esse seja o objetivo do processo, resguardada o dever de o Estado responsabilizar o agente que infringiu as disposições legais e os direitos do réu.

A crítica a essa corrente nasce exatamente dessa incoerência onde a prova, diante da ilicitude com que foi obtida, seria considerada como fundamento para uma possível condenação para quem violou o direito do réu para a sua produção e, ao mesmo tempo, seria perfeitamente válido para produzir efeitos no processo penal. Por isso é uma posição que não encontra mais qualquer abrigo na jurisprudência.[6] 13

DA INADMISSIBILIDADE ABSOLUTA

Esta corrente é pautada na ideia que toda prova obtida por meios ilícitos deve ser rejeitada desde logo no processo.

Um dos grandes defensores dessa corrente é o Ministro do Supremo Tribunal Federal, CELSO DE MELLO[7], que no julgamento da AÇÃO PENAL Nº 307-3- DISTRITO FEDERAL, naquela corte de justiça proferiu voto em que ratifica sua posição a respeito deste tema. Argumenta ele nesse voto que “a absoluta invalidade da prova ilícita lhe infira, de modo radical, a eficácia demonstrativa dos fatos e eventos cuja realidade material ela pretende evidenciar. Trata-se de consequência que deriva, necessariamente, da garantia constitucional que tutela a situação jurídica dos acusados em juízo penal e que exclui de modo peremptório, a possibilidade de uso, em sede processual, da prova – de qualquer prova – cuja ilicitude venha a ser reconhecida pelo Poder Judiciário. A prova ilícita é prova inidônea. Mais do que isso, prova ilícita é prova imprestável. Não se reveste, por essa explícita razão, de qualquer aptidão jurídico-material. Prova ilícita, sendo providência instrutória eivada de inconstitucionalidade, apresenta-se destituída de qualquer grau, por mínimo que seja de eficácia jurídica”.

A crítica é exatamente em relação a essa vedação ser absoluta, num momento em que a ciência, desde a teoria da relatividade, e o próprio direito constitucional nega o caráter absoluto de regras e direitos. Ou seja, não há uma regra absoluta, uma vez que devem se enquadrar no momento histórico-social para produzir efeitos.

DA PROPORCIONALIDADE

Os defensores dessa corrente entendem que a prova obtida por meios que violem os direitos fundamentais do homem é totalmente inconstitucional e, consequentemente, devem ser inadmissíveis no processo uma vez que seja incapaz de fundamentar uma decisão judicial. Porém, há uma exceção: quando a vedação é relativizada para acolher a prova contaminada, tendo em vista a relevância do interesse público a ser preservado e protegido, poderia ser admitida excepcionalmente e em casos extremamente graves, se a sua aquisição puder ser sopesada como a única forma, possível e admissível, para o abrigo de outros valores fundamentais, considerados mais urgentes na concreta avaliação do caso.

No ordenamento jurídico brasileiro, essa é a teoria adotada, com reservas, pela jurisprudência, mais acentuadamente em matéria processual civil, sobretudo nas causas de direito de família, em matéria penal, são raras as decisões que a adotam.

Porém, essa teoria é duramente criticada por alguns doutrinadores, pois quando adotada, acarreta a possibilidade de dar margem em demasia a influência de fatores meramente subjetivos pelo julgador, uma vez que em nome da razoabilidade atende os mais diversos interesses, principalmente o interesse público sobre o interesse privado, justificando a restrição de direitos fundamentais e, por consequente, até a condenação a partir da “prevalência” do interesse público.

NELSON NERY JÚNIOR disserta que

"Não devem ser aceitos os extremos: nem a negativa peremptória de emprestar-se validade e eficácia à prova obtida sem o conhecimento do protagonizada gravação sub-reptícia, nem a admissão pura e simples de qualquer gravação fonográfica ou televisiva. (A propositura da doutrina quanto à tese intermediária é a que mais se coaduna com o que se denomina modernamente de princípio da proporcionalidade), devendo prevalecer, destarte, sobre as radicais". (NERY JR, 1997)

Há também, uma corrente tida como proporcional modulada qual seja:

CORRENTE DA PROVA ILÍCITA PRO RÉU

De acordo com os defensores dessa corrente, como o processo penal tem a natureza de proteção ao acusado, advindo do princípio do favor rei, uma prova mesmo que obtida por meio ilícito deverá ser aceita, desde que venha a favorecer o réu. Seria talvez, uma condição de estado de necessidade que se encontraria o réu, sendo que o estado de necessidade por si só elimina a antijuridicidade da conduta, conforme o artigo 23, inciso I.

É importante salientar que a prova não deixa de ser ilícita, uma vez que é retirada a antijuridicidade apenas da conduta do agente para obtê-la, não sendo possível uma convalidação para uma futura condenação de terceiro, por exemplo.

Com certeza, diante das demais teorias expostas, é a que mais se adéqua ao processo penal e ao conteúdo de sua instrumentalidade, vez que o processo penal é um instrumento a serviço da máxima eficácia dos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição. A jurisprudência não é pacífica, mas há acórdãos acolhendo esse entendimento.

A IMPORTÂNCIA DAS PROVAS PARA O LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO

As provas no processo penal, assim como em qualquer processo, é sem dúvida o principal meio para que o juiz tome conhecimento da "verdade" dos fatos. Podendo assim motivar sua decisão de uma maneira sólida. Verdade essa que será sempre relativa tendo em vista que é impossível que conste nos autos a reprodução exata do fato ocorrido. Busca-se então encontrar o que a doutrina denomina de verdade real dos fatos que na visão do professor Guilherme de Souza Nucci:

“Material ou real é a verdade que mais se aproxima da realidade. Aparentemente, trata-se de um paradoxo dizer que pode haver uma verdade mais próxima da realidade e outra menos. Entretanto, o próprio conceito de verdade é relativo, de forma que é impossível falar em verdade absoluta ou ontológica, mormente no processo, julgado e conduzido por homens, perfeitamente falíveis em suas análises e cujos instrumentos de busca do que realmente aconteceu podem ser insuficientes. Ainda assim, falar em verdade real implica provocar no espírito do juiz um sentimento de busca, de inconformidade com o que lhe é apresentado pelas partes, enfim, um impulso contrário à passividade. Afinal, estando em jogo direitos fundamentais do homem, tais como liberdade, vida, integridade física e psicológica e até mesmo honra, que podem ser afetados seriamente por uma condenação criminal, deve o juiz sair em busca da verdade material, aquela que mais se aproxima do que realmente aconteceu” (NUCCI, O valor da confissão como meio de prova no processo penal, p. 65).

Dessa forma é evidenciado que diante da relativização do conceito de verdade fica muito difícil que se encontre com máxima precisão a fiel cópia dos fatos, até porque se é conduzida a produção por homens que, como mencionado, são falíveis.

Portanto, é imprescindível a produção de uma prova convincente no processo evitando assim provas nebulosas ou inadmissíveis em processo.

A POSSÍVEL ALTERAÇÃO NA ADMISSIBLIDADE DAS PROVAS ILICITAS NO PROCESSO PENAL

O Ministério Público Federal pretende alterar o processo penal para que seja relativizado o entendimento a respeito da aceitação do uso das provas obtidas de meios ilícitos.

A proposta do MPF consiste na aceitação quando “os benefícios decorrentes do aproveitamento forem maiores do que o potencial efeito preventivo”. A medida está em um pacote anticorrupção apresentado pelo MPF e faz ressalvas, para casos de tortura, ameaça e interceptações sem ordem judicial, por exemplo.

Ficando evidente o interesse punitivo desse órgão uma vez que devido à gravidade de alguns crimes venha a ser superados alguns princípios constitucionais, a exemplo da intimidade.

O projeto de lei n.º 4.850, de 2016 que tramita no Senado Federal, propõe a alteração do art. 157 do CPP, para a seguinte leitura:

Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação de direitos e garantias constitucionais ou legais.

§ 1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas.

§ 2º Exclui-se a ilicitude da prova quando:

I – não evidenciado o nexo de causalidade com as ilícitas;

II – as derivadas puderem ser obtidas de uma fonte independente das primeiras, assim entendida aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova;

III – o agente público houver obtido a prova de boa-fé ou por erro escusável, assim entendida a existência ou inexistência de circunstância ou fato que o levou a crer que a diligência estava legalmente amparada;

IV – a relação de causalidade entre a ilicitude e a prova dela derivada for remota ou tiver sido atenuada ou purgada por ato posterior à violação;

V – derivada de decisão judicial posteriormente anulada, salvo se a nulidade decorrer de evidente abuso de poder, flagrante ilegalidade ou má-fé;

VI  – obtida em legítima defesa própria ou de terceiros ou no estrito cumprimento de dever legal exercidos com a finalidade de obstar a prática atual ou iminente de crime ou fazer cessar sua continuidade ou permanência;

VII – usada pela acusação com o propósito exclusivo de refutar álibi, fazer contraprova de fato inverídico deduzido pela defesa ou demonstrar a falsidade ou inidoneidade de prova por ela produzida, não podendo, contudo, servir para demonstrar culpa ou agravar a pena;

VIII – necessária para provar a inocência do réu ou reduzir-lhe a pena;

IX obtidas no exercício regular de direito próprio, com ou sem intervenção ou auxílio de agente público;

– obtida de boa-fé por quem dê notícia-crime de fato que teve conhecimento no exercício de profissão, atividade, mandato, função, cargo ou emprego públicos ou privados.

XI – não evidenciado o nexo de causalidade com as ilícitas;

XII  – as derivadas puderem ser obtidas de uma fonte independente das primeiras, assim entendida aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova;

XIII – o agente público houver obtido a prova de boa-fé ou por erro escusável, assim entendida a existência ou inexistência de circunstância ou fato que o levou a crer que a diligência estava legalmente amparada;

XIV – a relação de causalidade entre a ilicitude e a prova dela derivada for remota ou tiver sido atenuada ou purgada por ato posterior à violação;

XV – derivada de decisão judicial posteriormente anulada, salvo se a nulidade decorrer de evidente abuso de poder, flagrante ilegalidade ou má-fé;

XVI – obtida em legítima defesa própria ou de terceiros ou no estrito cumprimento de dever legal exercidos com a finalidade de obstar a prática atual ou iminente de crime ou fazer cessar sua continuidade ou permanência;

XVII – usada pela acusação com o propósito exclusivo de refutar álibi, fazer contraprova de fato inverídico deduzido pela defesa ou demonstrar a falsidade ou inidoneidade de prova por ela produzida, não podendo, contudo, servir para demonstrar culpa ou agravar a pena;

XVIII  – necessária para provar a inocência do réu ou reduzir-lhe a pena;

XIX – obtidas no exercício regular de direito próprio, com ou sem intervenção ou auxílio de agente público;

XX  – obtida de boa-fé por quem dê notícia-crime de fato que teve conhecimento no exercício de profissão, atividade, mandato, função, cargo ou emprego públicos ou privados.

§ 3º Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente.

§ 4º O juiz ou tribunal que declarar a ilicitude da prova indicará as que dela são derivadas, demonstrando expressa e individualizadamente a relação de dependência ou de consequência, e ordenará as providências necessárias para a sua retificação ou renovação, quando possível.

§ 5º O agente público que dolosamente obtiver ou produzir prova ilícita e utilizá-la de má fé em investigação ou processo, fora das  hipóteses

legais, sujeita-se a responsabilidade administrativa disciplinar, sem prejuízo do que dispuser a lei penal.” (NR)

Modificando o parágrafo segundo ao acrescentar os incisos de I a X, excetuando a ilicitude de provas.

Devemos nos atentaras mudanças nas regras já vigentes, o inciso III diz que o agente público houver obtido a prova de boa-fé ou por erro escusável, de modo que “leve a crer que a diligência estava legalmente amparada” excluiria a ilicitude de tal prova.

Ou seja, de uma maneira extremamente subjetiva legitima violações a direitos fundamentais, o que, diante da gravidade com que o processo penal lida, deve ser inadmissível tal fragilidade em uma norma processual penal.

Já o inciso IV do projeto de lei que visa alterar o CPP, onde diz que a relação de causalidade entre ilicitude e a prova que dela deriva se for remota ou tiver sido atenuada após a violação, vai ser considerada licita, trazendo uma modulação a teoria do fruto das árvores envenenadas.

Segundo Helio Telho

“[…] no direito norte-americano (onde a regra nasceu e de onde veio importada para o direito brasileiro) as “exclusionary rules” se aplicam tão somente aos processoscriminais e se destinam a prevenir que os agentes do Estado violem direitos constitucionais para obter provas e delas se utilizem contra o suspeito da prática de crime (deterrent). Em outras palavras, as regras de inadmissibilidade das provas ilícitas objetivam dissuadir os policiais de violar direitos constitucionais e, ao mesmo tempo, fornecem remédio aos réus ou investigados que tiveram seus direitos violados.” (FILHO, p. 2)

Justificando a proposta do MPF com o argumento que na importação dessa regra ao direito brasileiro ficou confusa sua definição e “[…] que criou um estranho sistema de regras que, além de disfuncional, possui caráter extremamente subjetivo, que se traduz em insegurança jurídica, conduz a decisões seletivas […]”, o que traz uma insegurança jurídica e resultando em impunidade.

Porém na visão de Badaró18:

“O dispositivo proposto, contudo, não é suficientemente preciso para que se compreenda, em termos estritos, o seu alcance. O qualificativo “remoto”, que se atribui à relação de causalidade, não esclarece em que sentido se dará tal relação não imediata. Será remoto por ter ocorrido há muito tempo, ou por que está distante no espaço? A questão não é terminológica. Do ponto de vista da relação de causalidade, é possível que haja uma distância temporal longa, entre causa e efeito, mas sem a ocorrência de eventos supervenientes. Por outro lado, o evento e seu resultado podem ser temporalmente próximos, mas intermediados por fatos intervenientes. Não se sabe qual o sentido da proposta. (BADARÓ, Gustavo. Boletim IBCCRIM”. São Paulo, v. 23, n. 277, p. 17-19, dez. 2015).

Evidente que deixa a desejar por não se usar uma expressão terminativa, o que sem dúvida alguma dará margem a erros. O que a proposta do MPF traz é uma maior equivalência da origem da regra de provas ilícitas, qual seja o direito norte-americano, e o ordenamento jurídico brasileiro.

Nesse sentido o próprio Helio Telho, explica da seguinte forma:

Há diversas outras causas excludentes de ilicitude da prova, já admitidas pela Scotus (Suprema Corte dos Estados unidos da América), que ainda não foram positivadas no direito brasileiro.

São elas:

1 – A exceção de boa-fé (good faith exception): em Arizona v. Evans, 514 U.S. 1 (1995), Davis v. U.S.131 S.Ct. 2419 (2011) e Herring v. U.S., 555 U.S. 135

(2009), a Scotus decidiu que não se deve excluir a prova quando o policial a houver obtido de boa-fé ou por erro escusável, assim entendido a existência ou inexistência de circunstância ou fato que o levou a crer que a diligência estava legalmente amparada, como quando o mandado contiver dados incorretos ou vier a ser posteriormente anulado

Entendeu-se que, nessas circunstâncias, o policial agiu de boa-fé e a exclusão da prova não produziria o efeito dissuasório desejado, de evitar que os policiais, no futuro, voltassem a violar direitos constitucionais dos investigados.

Essa excludente é, inclusive, compatível com a regra do nosso Código de Processo Penal segundo a qual a incompetência do juiz não anula os atos probatórios, somente os decisórios.

2- Causaremota, atenuada ou descontaminada (attenuation doctrine): quando tiver decorrido muito tempo entre a violação da garantia e a obtenção da prova, tornando remota a relação de dependência ou consequência, ou quando fato posterior a houver descontaminado ou atenuado essa relação, como por exemplo, quando o investigado resolver se tornar colaborador, passando a se constituir, ele próprio, uma fonte de prova.

3 – Contraprova (evidence admissible for impeachment):Quando a prova for utilizada pela acusação para refutar álibi, fazer contraprova de fato inverídico deduzido pela defesa ou demonstrar a falsidade ou inidoneidade de prova por ela produzida, não podendo, contudo, servir para demonstrar culpa ou agravar a pena. Uma vez que foi admitida pela jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos para evitar o perjúrio19, embora, assim como propõe o MPF, não seja admitida para provar a culpa.”

Como podemos observar é evidente que a ideia do MPF, apoia a corrente da proporcionalidade como vimos anteriormente, tal corrente, quando adota, acarreta a possibilidade de dar margem a fatores meramente subjetivos pelo julgador, uma vez

que em nome da razoabilidade atende os mais diversos interesses, principalmente o interesse público sobre o interesse privado, justificando a restrição de direitos fundamentais e, por consequente, até a condenação a partir da “prevalência” do interesse público.

Uma vez que não se pode dizer que a inadmissibilidade de provas ilícitas seja uma norma absoluta, como vimos o sistema adotado no Brasil é justamente o da proporcionalidade, uma vez que é incontroversa a admissão da prova ilícita pro reo.

Nessa esteira, disserta Helio que:

“Com efeito, a interpretação do texto constitucional que assegura a garantia da inadmissibilidade das provas ilícitas não pode ser divorciada das razões que levaram à sua adoção, que, como visto acima, se destinou a prevenir que os agentes do estado violem direitos constitucionais para obter provas e delas se utilizem contra o suspeito da prática de crime (deterrent)”. (FILHO, 2017)

Assim sendo, uma vez que o agente público houver obtido a prova de boa-fé ou por erro escusável, assim entendida a existência ou inexistência de circunstância ou fato que o levou a crer que a diligência estava legalmente amparada, como leciona o inciso III, do §2 do artigo 157 (no projeto de lei), não estaria ferindo o objetivo da criação da vedação probatória.

Além dessas excludentes de ilicitude consagrada pelo sistema jurídico estadunidense, Helio ainda defende que outras causas de excludentes devem também ser incluídas no ordenamento jurídico brasileiro, tendo em vista a “relevância de seus objetivos ou o fato de estarem sobre o pálio de circunstância protegida pela lei penal.”

São elas:

“Destinadas a provar a inocência do réu ou reduzir-lhe a pena (aqui sim, porém apenas em favor do réu, propõe-se aplicar o princípio da proporcionalidade, segundo o qual o sacrifício de direito ou garantia individual é justificado pelo objetivo maior, que é o de evitar que um inocente seja condenado ou que fique mais tempo preso do que o devido)”; (FILHO, 2017)

Ou seja, embora sendo destinada a inocentar o réu, para Helio, é preciso relativizar tal aceitação usando-se do princípio da proporcionalidade.

E rebate a crítica de que tal excludente poderia influenciar a obtenção de prova por meio de tortura, com o argumento que não se pode torturar amparado por nenhuma excludente de ilicitude.

Porém, como Badaró pontua a respeito desse acréscimo:

“É óbvio ululante que se uma prova (rectius: uma fonte de prova) foi obtida em legítima defesa ou no estrito cumprimento de dever legal (inc. VI), ou ainda no exercício regular de direito (inc. IX), essa prova não é ilícita! Legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal e exercício regular de um direito – e acrescentamos – em estado de necessidade são excludentes de ilicitude (CP, art. 23) e, como tais, fazem com que os atos praticados sob sua incidência sejam lícitos. A prova, portanto, em tais casos, será lícita, e não ilícita. (BADARÓ, Gustavo. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v. 23, n. 277, p. 17-19, dez. 2015)”.

Não há que se falar em convalidar prova obtida sob uma excludente de ilicitude (art. 23 do CP), ama vez que tal prova nunca foi ilícita.

Ainda sobre a excludente de ilicitude das provas obtidas por meio de excludente de ilicitude penal elencada no art. 23 do CP, diz Helio:

“Na verdade, o que se pretende é afastar as dúvidas quanto à validade da prova quando, por exemplo, a vítima de achaque ou de corrupção ativa ou passiva ou de obstrução de Justiça filmar ou gravar, com ou sem a ajuda da autoridade pública, a investida criminosa; ou que durante o atendimento de uma ocorrência, bombeiros ou paramédicos encontrem na casa do suspeito, grande quantidade de dinheiro, ou drogas, ou armas, ou o corpo da vítima e outras provas de crime; ou o policial, efetuando prisão em flagrante, cheque o celular apreendido com o infrator e localize provas que identifiquem comparsas; ou rastreando o telefone de vítima de sequestro, a localize e prenda os infratores; ou atenda a um chamado por abuso de instrumento sonoro em festa promovida pelo infrator, e identifique fornecimento de drogas ou de bebidas alcoólicas a menores ou prostituição infantil”. (FILHO, 2017)

Já o inciso V do projeto de lei diz que a prova “derivada de decisão judicial posteriormente anulada, salvo se a nulidade decorrer de evidente abuso de poder, flagrante ilegalidade ou má-fé;” sobre essa proposta explica Badaró:

“[…] havia uma decisão judicial aparentemente lícita, que autoriza a atuação dos agentes estatais, que sob esse aparente manto de legalidade obtém a prova. Todavia, posteriormente, essa decisão judicial que autorizou o meio invasivo vem a ser anulada. A Suprema Corte dos EUA admitiu a exceção da boa-fé, pela primeira vez, no ano de 1984, no caso United States v. Leon, afastando a aplicação das regras de exclusão da prova.(12) Leon foi preso com base no depoimento de um informante da polícia que declarou que o investigado era um grande traficante de drogas. A polícia obteve um mandado judicial de busca e apreensão, ingressou na residência do investigado e encontrou grande quantidade de droga. Posteriormente, a defesa alegou, no tribunal, que no momento da busca, não havia probable cause para a expedição do mandado de busca e apreensão, o que foi admitido pelo juiz. Diante de tal decisão, requereu-se a exclusão da prova consistente na droga apreendida. A Suprema Corte dos EUA considerou, contudo, que a aplicação da exclusionary rule somente tem lugar quando a violação da 4.ª Emenda, que protege o cidadão de buscas arbitrárias, ocorre de forma deliberada, o que não era o caso, pois quando a polícia realizou a busca, confiava na legalidade do mandado. Acrescentou, ainda, que a finalidade das regras de exclusão probatória é impedir o mau comportamento policial, mas não o comportamento do policial que age de acordo com um senso comum de razoabilidade. O posicionamento por trás de tal teoria é que a finalidade das exclusionaries rules não é proteger cidadãos, para que seus direitos individuais não sejam violados, mas dissuadir os agentes policiais de cometerem violações a tais  direitos.

Depois disso, a “exceção da boa-fé” foi aplicada em outros casos alargando demasiadamente seu campo de aplicação: Em Massachusetts v. Shepherd, a Suprema Corte norte-americana admitiu as provas obtidas com base em mandado judicial de busca que não descrevia os itens a serem apreendidos. Em Illinois v. Krull,(13) a Corte validou os resultados probatórios de apreensão administrativa realizada sem mandado judicial, mas autorizada por lei estadual que, tempos depois, veio a ser declarada inconstitucional. Em Arizona v. Evans,(14) a Suprema Corte admitiu a exceção da boa-fé e considerou válidos elementos probatórios decorrentes de prisão realizada com base em informação incorretamente passada pelo sistema informático do Poder Judiciário, segundo o qual teria sido legalmente expedido mandado de prisão. Por fim, em 2009, no julgamento de Herring v. United States,(15) a Corte validou os resultados probatórios decorrentes de abordagem policial efetuada com base em mandado judicial de prisão, na verdade inexistente, incorretamente registrado no sistema informático mantido pela polícia. O poder de manobra seria imenso. A jurisprudência poderia se posicionar no sentido de que, para a manutenção da prova, caberá à acusação demonstrar que o agente estatal agiu de boa-fé. No entanto, não se estranharia que adotasse o caminho oposto, fazendo pesar sobre os ombros da defesa o ônus de demonstrar que o agente estatal agiu de má-fé.[…]” (BADARÓ, Gustavo. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v. 23, n. 277, p. 17-19, dez. 2015).

Ou seja, caso isso ocorra, não há como medir o poder de manobra e nem dizer ao certo, como a jurisprudência irá se posicionar. Uma vez que seria quase que impossível para a defesa provar a má-fé do agente público. Sem dúvida alguma trazendo uma insegurança jurídica tremenda ao processo penal.

Bem sabemos que a CRFB não admite, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos, que sejam destinadas a provar culpa, agravar a pena ou refutar qualquer fato alegado pela defesa.

Prosseguindo com a análise do texto do projeto de lei nº4.850, DE 2016, Badaró conclui:

“[…] o inc. X propõe o afastamento do caráter ilícito da prova que seja “obtida de boa-fé por quem dênotícia-crime de fato que teve conhecimento no exercício de profissão, atividade, mandato, função, cargo ou emprego públicos ou privados”. Primeiro, é preciso distinguir: dar notícia-crime e fornecer elementos ilicitamente obtidos, junto com a notícia do crime.

Simplesmente dar a notícia de um crime não gera qualquer prova ilícita, mas apenas desencadeará uma investigação que deverá seguir os trâmites legais. Coisa distinta é dar notícia de um crime, fazendo-a acompanhar de elementos obtidos com o exercício da atividade (por exemplo: dados protegidos por sigilo fiscal que acompanham uma representação fiscal para fins penais).

Pressupondo tratar-se dessa segunda situação o que se pretende normatizar, o dispositivo é ou claramente inconstitucional, ou desnecessário! Tertium non datur. Não terá sentido se o sujeito, em atividade pública ou privada, de boa ou de má-fé, dá notícia-crime, fundamentando-a em elementos ilicitamente obtidos. Por outro lado, se a ideia é autorizar que um meio de prova obtido ilicitamente possa acompanhar uma notícia-crime, somente porque o agente que a transmite, seja ele público o privado, está de boa-fé, a inconstitucionalidade é insofismável.

A Constituição não assegura: “são inadmissíveis, no processo, as prova ilícitas obtidas de má-fé”. O que determina a natureza lícita ou ilícita da prova não é a intenção de quem a obtém. Isso poderá servir para isentar o agente público ou o particular do cometimento de algum crime, por ocasião da obtenção de tal elemento. Mas não pode servir para afastar a violação da garantia constitucional na obtenção da prova e, consequentemente, sua inadmissibilidade no processo”. (BADARÓ, Gustavo. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v. 23, n. 277, p. 17-19, dez. 2015).

Onde é evidenciado que a constituição federal não excetua as provas ilícitas obtidas de boa-fé, sendo de total inconstitucionalidade a aprovação de tal inciso no ordenamento jurídico brasileiro.

De outro lado, segundo Helio:

“[…] o princípio da boa-fé e da lealdade processual veda que o réu possa se valer de provas, testemunhos ou álibis falsos para atentar contra a administração da Justiça. Se ele assim o faz, é lícito ao Estado se valer de todas as provas de que dispõe para legitimamente se defender e defender a Administração da Justiça, barrando a produção dos efeitos dos atos atentatórios à dignidade da Justiça praticados pelo réu.” (FILHO, 2017).

Na visão de Helio o Estado teria condições de se valer de igual prerrogativa ao que se atem o réu, o que podemos concluir que se seja, no mínimo, arriscado, vez que a capacidade probatória e de recursos do Estado é bem maior.

O processo penal em termos simples é, sobretudo, feito para a proteção do réu de arbitrariedade estatal, para criar regras a serem seguidas por ambos os lados. Colocar réu e Estado em igual patamar seria desleal ao princípio protecionista do atual código de processo penal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento do presente estudo possibilitou uma análise mais profunda acerca das provas ilícitas no processo penal, considerando-a como um princípio de fundamental importância para o processo penal, eis que é decorrente de uma busca por direitos e garantias fundamentais que objetiva proteger o indivíduo frente às arbitrariedades cometidas pelo Estado decorrente de seu jus puniendi.

Nesse contexto, ressaltou-se que o referido princípio encontra previsão na legislação estadunidense e, no ordenamento jurídico pátrio, está insculpido expressamente no art. 5º, inciso LVI, da constituição federal que preleciona “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.

Ademais, foi analisado como funciona o andamento do processo penal, a respeito de provas e das garantias inerentes ao réu. Tendo como seu foco principal como serão tratadas as provas obtidas por meios ilícitos, sobre a sua possível admissibilidade.

Posto que haja a possibilidade de aceitação de provas obtidas por meio ilícito, contanto que seja para inocentar o réu, de modo que o processo penal tem teor de proteção às garantias do réu, não sendo admitido nenhum tipo de exceção que venha a prejudicá-lo.

Há de se observar como a sociedade encara tal preceito, uma vez que caso tenha sido obtida uma prova por meio ilícito que tende a incriminar o réu não seria apreciada, tendo que ser desentranhada do processo desde logo. Não havendo a preocupação devida com a busca da tão mencionada “verdade real”, uma vez que para condenar o réu o julgador não se valerá de provas que sejam obtidas por meios ilícitos, por mais que essa prova demonstre o mais próximo da verdade dos fatos.

Discutimos também os dois pontos de vista a respeito da proposta do Ministério Público Federal, para a alteração de tal princípio com o projeto de lei n.º 4.850, de 2016.

De um lado como defende o professor Gustavo Badaró, que como cláusula pétrea e que não deve ser relativizada de tal forma, criticando a forma como a proposta do MPF é apresentada, temendo o risco que se traz ao relativizar tal norma.

Doutro lado, temos Helio Telho, defendendo que nenhum princípio pode ser tido como absoluto e que com a proposta do MPF o ordenamento jurídico brasileiro se aproximaria mais, nesse quesito da vedação probatória, ao ordenamento que lhe deu origem, qual seja, o ordenamento jurídico estadunidense.

É fato que uma relativização da admissibilidade de provas ilícitas baseada em proporcionalidade, do bem tutelado é muito perigosa, uma vez que é levado a um subjetivismo muito grande, e em processo penal, subjetivismo é equivalente a lesão a garantias constitucionais.

Uma vez relativizado esse princípio em nome da proporcionalidade e em busca de uma “verdade”, a tendência seria que virasse a regra a obtenção de prova por tal meio ilícito e que de convalidação em convalidação esqueça-se os meios legítimos para a obtenção de tal prova.

Cabe frisar que o princípio da proporcionalidade pro reo, ou seja, quando a prova ilícita é utilizada em favor do acusado, é aceito sem problemas pela doutrina, uma vez que, sem dúvida, o que se é buscado pelo Estado não é punição de um inocente e sim a obrigação de não sair impune o verdadeiro culpado. Entretanto, o princípio da proporcionalidade em proveito da sociedade, que é representada pelo Estado, não é aceito pela doutrina, à medida que o Estado possui inúmeras maneiras legítimas de realizar a persecução penal e repreender um criminoso, assim, o Estado não poderia utilizar uma prova ilícita para condenar um indivíduo apenas para absolver, consagrando o princípio da prova ilícita pro reo.

Por oportuno, cabe lembrar, que o princípio da proporcionalidade deve ser utilizado somente em casos excepcionais e de extrema gravidade, que poderia causar um dano muito maior ao indivíduo, desde que a verdade dos fatos não pudesse ser alcançada por outros meios, pois por ter caráter subjetivo poderia abalar a segurança jurídica do ordenamento.

Enfim, não há que se falar em princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas sem ressalvas, pois, conforme foi elucidado não existe direito absoluto, e o princípio da proporcionalidade existe justamente para proteger outros direitos fundamentais previstos na Constituição Federal.

Portanto, entendemos ser o princípio da proporcionalidade importante para a busca da correta aplicação da justiça e da paz social.

 

Referências
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Notas
[1] Acadêmica do Curso de Direito das Faculdades Integradas do Brasil (UNIBRASIL) – Orientada pela Profª Drª Clara Roman Borges.
[2] Derecho y Razón, p. 550
[3] Derecho y Razón, p. 550
[4] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 5ª Ed. São Paulo: Ed. RT, 2006. P. 349
[5] PEDROSO, Fernando de Almeida – Prova penal, Rio de Janeiro, AIDE, 1994, p. 163, e Processo penal: O direito de defesa: Repercussão, amplitude e limites, Rio de Janeiro. Forense, 1986.
[6] LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 9ª ed. São Paulo: Ed. Saraiva 2012. p. 427
[7]STF. Ação Penal 307-3/DF, Plenário, relator Min. Celso de Mello, DJU 13/10/1995

Informações Sobre o Autor

Gladston de Jesus Marques

Advogado. Bacharel em Direito pela Faculdade “Pio Décimo”.


Equipe Âmbito Jurídico

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