Sabe-se que o art. 620 do Código de Processo Civil prevê que a execução deve ser realizada da maneira menos onerosa possível para o devedor. De acordo com o Superior Tribunal de Justiça, o objetivo dessa norma é “evitar a prática de atos executivos desnecessariamente onerosos ao executado” (AGA 483.789/MG). Assim, o devedor, a despeito de já condenado em sentença transitada em julgado, tem o direito de preservar seu patrimônio e mesmo sua subsistência contra ingerências indevidas e desnecessárias. Nesse sentido, o executado não pode ter, por exemplo, todos os seus imóveis hipotecados para o pagamento de uma dívida de valor bastante inferior a eles.
Porém, o princípio do “favor debitoris” não pode, como qualquer outra norma, ser interpretado de forma absoluta. Se assim o fosse, a satisfação do crédito (objetivo do processo de execução) tornar-se-ia inviável. Por isso mesmo, o STJ tem entendido que se deve levar em conta “a harmonia entre o objetivo de satisfação do crédito e a forma menos onerosa para o devedor” (AgRg no Ag 777.351/SP). Na esteira desse entendimento, há vários julgados que deixam explícito o caráter relativo desse dispositivo:“O princípio da menor onerosidade não é absoluto e deve ser ponderado à luz dos interesses de cada parte”. (AgRg no Ag 773.796 / SP)“Fora do sistema da execução fiscal (LEF, Art. 15), a penhora sobre dinheiro (créditos de conta-corrente) não pode ser substituída por fiança bancária sem a concordância do exeqüente mesmo em nome do princípio da menor onerosidade da execução (CPC, Art. 620)”. (REsp 796.734 / RJ)“RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA. TÍTULOS PÚBLICOS FEDERAIS. NOTAS DO BANCO CENTRAL DO BRASIL. AUSÊNCIA DE COTAÇÃO EM BOLSA. AUSÊNCIA DE LIQUIDEZ. POSSIBILIDADE DE RECUSA”.(AgRg no Ag 727.021 / SP)
Particularmente importante, é a correlação entre o art. 620 e o art. 655, recentemente modificado pela Lei 11.382, de 6 de dezembro de 2006. Esse último artigo prevê a ordem preferencial de penhora dos bens do devedor, e o primeiro item é “dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira” (grifou-se). Depois, são relacionados veículos terrestres, bens móveis em geral, bens imóveis, etc.
A primeira opção tornou-se tão importante com a nova lei que foi incluído o art. 655-A, dispondo que:
“Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exeqüente, requisitará à autoridade supervisora do sistema bancário, preferencialmente por meio eletrônico, informações sobre a existência de ativos em nome do executado, podendo no mesmo ato determinar sua indisponibilidade, até o valor indicado na execução.” (grifou-se)
Nesse ponto, insta salientar que, nos termos do art. 1º da Resolução 524 do Conselho da Justiça Federal, de 28 de setembro de 2006, no processo de execução, em face da inexistência de pagamento da dívida ou garantia do débito, o bloqueio de ativos financeiros de contas correntes precede as outras modalidades de constrição judicial, in verbis:
“Art. 1º Em se tratando de execução definitiva de título judicial ou extrajudicial, ou em ações criminais, de improbidade administrativa ou mesmo em feitos originários do Tribunal Regional Federal poderá o magistrado, via Sistema BACEN-JUD 2.0, solicitar o bloqueio/desbloqueio de contas e de ativos financeiros ou a pesquisa de informações bancárias.
Parágrafo único. No processo de execução, a emissão da ordem em comento poderá ocorrer desde que requerida pelo exeqüente, face à inexistência de pagamento da dívida ou garantia do débito (arts. 659 do CPC e 10 da Lei nº 6.830, de 22 setembro de 1980), com precedência sobre outras modalidades de constrição judicial; podendo, nas demais, tal medida deve ser adotada inclusive ex officio”. (grifou-se)
Seria possível desobedecer a essa ordem de preferência em nome da menor onerosidade para o executado? Sim, pois a lei utiliza a palavra “preferencialmente”, o que não significa uma seqüência absoluta a ser seguida. Porém, isso só pode ocorrer em casos excepcionais, como na penhora que recaia sobre todos os ativos da empresa, impossibilitando o exercício de suas atividades. Deixar a escolha dos bens penhoráveis à livre escolha do executado seria simplesmente negar vigência ao art. 655 do CPC.
Tal interpretação está de acordo ao princípio da instrumentalidade do processo, que tem sido repetidamente reconhecido pela doutrina, há tempos clamando pela efetividade das decisões judiciais. O processo executivo é, geralmente, de extrema morosidade e de baixíssima eficácia. Os valores devidos, na maioria das vezes, nunca são pagos. A burocratização do processo torna-se um incentivo para fraudes – por exemplo, a transferência dos bens, para a titularidade de terceiros.
Em vista disso, a Emenda Constitucional 45/2004 incluiu no art. 5° da Constituição Federal o direito à duração razoável do processo. Dessa maneira, a prestação jurisdicional deve se dar em um tempo não tão exíguo que impossibilite o exercício do contraditório, nem tão prolongado que inviabilize o exercício do direito a que faz jus o pleiteante.
Verifica-se, portanto, que não há nenhuma necessidade do esgotamento de diligências para a utilização do sistema Bacenjud. Pelo contrário, as recentes alterações legais têm deixado clara a preferência pelo penhor dos ativos financeiros. Apenas se não for possível a penhora do dinheiro, é que deverão ser utilizados outros meios.
Procurador do banco Central em Brasília e professor de Direito Penal e Processual Penal na Universidade Paulista
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