A discussão sobre a ampliação da competência tem causado furor nos meios jurídicos e acadêmicos, de um lado, encontram-se verdadeiros defensores e de outro lado, opositores, que mesmo conhecendo a impossibilidade de negativa ao texto constitucional objeto da intervenção do poder constituinte derivado que redundou na alteração do artigo 114 da Constituição Federal, alardeiam a possibilidade de desnaturação da verdadeira finalidade da Justiça Laboral e a falta de estrutura para suportar um substancial aumento de demanda.
Quando o Direito trata de conflitos decorrentes de acidente do trabalho, quer no que se refere à competência para dirimir conflitos que tenham no pólo passivo o órgão previdenciário, quer aquelas demandas ajuizadas em face do empregador, a celeuma é ainda maior.
Ao se tratar do tema saúde do trabalhador, é de curial importância à análise sistemática do ordenamento jurídico pátrio, para que se possa obter de forma clara e precisa o alcance de sua verdadeira finalidade.
A Constituição Federal em seu artigo 7º estabelece: São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais: XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança XXVIII – seguro contra acidentes do trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que está obrigado, quando incorrer em dolo e culpa.
A Consolidação das Leis do Trabalho apresenta em seu Capitulo V, as disposições gerais e especificas relacionada à Medicina e Segurança do Trabalho, sem excluir outras disposições de caráter normativo do Ministério do Trabalho e ainda objeto de acervos legislativos de Estados e Municípios e normas decorrentes da autonomia privada coletiva, que tem reflexo imediato na imposição de penalidades administrativas, embargo ou interdição da empresa.
A lei 8213 de 1991 trata do acidente do trabalho e das doenças laborais a ele equiparadas do ponto de vista da infortunística, em apartada síntese, trata da caracterização do sinistro laboral e dos benefícios devidos ao empregado acidentado ou portador de moléstia laboral.
O Código Civil Brasileiro nos artigos 186 e 927 caracterizam a responsabilidade civil, através da verificação da existência de fato ilícito, seja ele decorrente de ação ou omissão do agente, bem como, o nexo de causal da conduta do agente e o dano sofrido[1].
Assim o ordenamento jurídico pátrio, especialmente dos diplomas acima referidos, estabelecem a real possibilidade de amparo do trabalhador em seu aspecto previdenciário bem como, da responsabilização civil do empregador, quer no que se refere ao dano material, quer no que se refere ao dano moral .
Na obra de Nehemias Domingos de Melo verifica-se que não se pode falar em indenizar, recompor ou compensar, se não puder provar a existência de um dano.
Como diz o magistrado Sergio Cavalieri Filho, “não haveria que se falar em indenização, ressarcimento, se não houvesse dano”. Para depois concluir que “pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem dano”.
A doutrina não encontra maiores dificuldades na definição de dano material, como aquele prejuízo causado na seara patrimonial de uma pessoa, desta forma é suscetível de mensuração e apreciação de caráter econômico.
No que toca ao dano moral como salienta Luiz Pinho Pedreira da Silva[2]… As definições de dano moral são de dois tipos: negativas e positivas ou substantivas. A posição negativista por um de seus mais altos representantes Adriano De Cupis·: O dano não patrimonial não pode ser definido senão em contraposição ao dano patrimonial. Dano não patrimonial, em consonância com o valor negativo de sua própria expressão literal, é todo o dano privado que não pode ser compreendido no dano patrimonial por ter objeto um interesse.
A responsabilidade de eventual empresa demandada com referência ao dano causado ao trabalhador é inconteste, a partir do momento em que não lhe proporcionou meios de segurança capazes de evitar o sinistro.
Ao empregador incumbe a proteção, seleção e capacitação de seus empregados o que lhe possibilitará maior competitividade e principalmente prevenirá possíveis danos que certamente lhes serão atribuídos.
O elemento danoso à saúde não decorre do simples risco da atividade econômica desenvolvido pelo empregador, mais sim, se não da vontade de lesar, da total omissão do diretor das atividades empresariais.
Antes da Emenda Constitucional 45/04 muito se discutiu acerca da competência da Justiça do Trabalho para análise de questões que embora afetas a relação de emprego, envolviam a indenização por dano moral e material decorrentes de acidente do trabalho por aplicabilidade ou não do artigo 114 da Constituição Federal em sua redação original[3].
O Excelso Pretório, em entendimento contrário ao preconizado pelo Colendo Tribunal Superior do Trabalho, manifestava-se no sentido de aplicabilidade do artigo 109 I da Constituição Federal[4] para as ações de reparação de dano por ato ilícito[5], decorrentes de acidente do trabalho e doença profissional e doença do trabalho que tivessem o empregador no pólo passivo, deveriam ser processadas perante a Justiça Estadual, a exemplo do que ocorre com as demandas que têm no pólo passivo o órgão previdenciário.
Com a nova redação do artigo 114 da Constituição Federal a partir da edição da Emenda Constitucional 45/04 em um primeiro momento nos meios jurídicos e acadêmicos pairou a expectativa que a controvérsia até então existente estava encerrada, no entanto, essa presunção durou poucos dias, até nova manifestação do Supremo Tribunal Federal, que mantinha seu entendimento anterior, qual seja, tratando-se de acidente do trabalho, a competência era da Justiça Comum independentemente de constar no pólo passivo da demanda do órgão previdenciário ou o empregador.
A manutenção desse entendimento pela Suprema da Corte verificou-se no julgamento ocorrido em março de 2005 do Recurso Extraordinário 438639, que dava por competente a Justiça Comum na vigência da nova redação do artigo 114 da Constituição Federal, tal posicionamento causou grande celeuma, inclusive no seio do Excelso Pretório em face de divergência dos Ministros Carlos Ayres de Brito e Marco Aurélio de Mello, no julgamento do recurso[6].
A questão novamente foi levantada no julgamento do Conflito de Competência 7204[7] suscitado pelo Tribunal Superior do Trabalho em face do extinto Tribunal de Alçada de Minas Gerais, desta feita, reconhecendo-se a competência da Justiça do Trabalho para julgar as ações de reparação de danos morais e materiais decorrentes de acidente do trabalho.
De forma acertada foi o novo posicionamento do Excelso Pretório, que através de interpretação sistemática carreou a Justiça Especializada do Trabalho, tema de sua incontestável especialidade.
O artigo 5ºda Constituição da República Federativa do Brasil trata do acesso à Justiça, o que somente se efetiva de forma completa e lapidada pela experiência, através da atuação da Justiça do Trabalho em todos os seus órgãos, é verdade que não podemos esquecer dos Juizados Especiais, no entanto, a sua criação comparada a Justiça Especializada do Trabalho é muito recente.
Não existe trabalhador neste país que conhecendo seus direitos trabalhistas básicos não saiba o caminho de sua realização através dos “balcões de reclamação trabalhista”.
Com a devida escusa pela expressão, a existência da Justiça do Trabalho é “achada na rua, na boca do povo” e não somente nas bancas de advocacia, a exemplo dos outros órgãos do Poder Judiciário.
Hoje diferentemente do que ocorria até o início da década de 80 do século passado, nos defrontamos com a situação em que o empregado com contrato de trabalho anotado e sujeito de direito laborais mínimos é exceção à regra de milhões de trabalhadores que buscam o sustento próprio e de sua família através do mercado informal, assim, a ampliação da competência da Justiça do Trabalho da espécie “relação de emprego”, para o gênero “relação de trabalho”, muito mais que uma alteração de cunho processual, se traduz em verdadeira efetivação do princípio constitucional de acesso pleno ao Poder Judiciário, especialmente quando se trata da integridade física e mental e suas conseqüências.
O pior momento da vida de um empregado é quando se defronta com a perda ou redução de caráter temporário ou definitivo decorrente de acidente do trabalho, ou das doenças laborais por previsão legal a ele equiparadas.
Aos militantes da advocacia se solidificou a certeza que a despeito dos inúmeros problemas que podem ser constatados e necessitam de correção, somente a Justiça do Trabalho tem apresentado soluções práticas, eficazes e comprometidas no cumprimento do seu verdadeiro papel institucional, isso se observa desde a utilização de tecnologia de ponta, que disponibiliza informações, via sistema push a possibilidade de peticionamento eletrônico, até a busca (é verdade árdua) de razoável duração do processo.
Nas hipóteses onde o empregado sofre um sinistro em decorrência de culpa do empregador que se descurou por ação ou omissão do cumprimento de normas elementares de Segurança e Medicina do Trabalho e a necessária efetivação de justiça, não somente do aspecto indenitário individual do trabalhador sequelado, mas no papel corretivo que o Poder Judiciário deve exercer em prol de toda a coletividade.
A recente mudança deverá também trazer a baila se a competência para análise de demandas acidentárias que têm no pólo passivo o órgão previdenciário deverá ou não ser mantida na Justiça Comum.
A Associação Nacional dos Magistrados Trabalhista, por ocasião do trâmite da E.C 45/04, empreendeu esforços no sentido de atrair para a competência da Justiça do Trabalho da ações previdenciárias na hipótese do artigo 109 parágrafo terceiro, no entanto, sem sucesso.
A Justiça Especializada do Trabalho afeta de forma umbilical ao mundo do trabalho, possui maior compreensão do alcance dos sinistros laborais, no que se refere a sua ocorrência e extensão, inclusive referente à caracterização dos sinistros laborais, para efeito de concessão de benefícios, afinal só há de se falar em acidente do trabalho definido na lei 8213/91, na existência de relação de trabalho.
A questão que envolve o acidente do trabalho em todas as suas interfaces, mais do que matéria de cunho estritamente processual deve ser entendida sob a ótica dos princípios e garantias constitucionais e sob uma ótica global a partir da figura do trabalhador, como será solucionado no plano do direito material a controvérsia de eventuais decisões proferidas por dois órgãos jurisdicionais envolvendo o mesmo fato jurídico?Esse questionamento foi objeto de discussão no Excelso Pretório[8] .
Assim,quando os operadores do Direito buscam o verdadeiro significado de um princípio ou garantia constitucional, muitas vezes se olvidam que a Constituição de um país democrático, muito mais que um texto legal que encerra o fundamento de validade de todo o ordenamento jurídico, se consubstancia verdadeiramente na alma de uma nação, princípios fundamentais da Carta Magna de vernáculo e sonoridade complexas a qualquer cidadão, geram infindáveis discussões sobre complicadíssimos institutos, teses e contra-teses são elaboradas nos meios jurídicos, o que por certo é de fundamental importância, no entanto, algumas vezes resta de lado qual a verdadeira função social do Direito, que no caso em tela, é a integridade e saúde física e mental do trabalhador e a verdadeira efetividade da Justiça.
Professora dos Cursos de Graduação e Pós Graduação em Direito e Processo do Trabalho do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU, Coordenadora do Curso de Especialização em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho da FMU, advogada militante em Santo André- SP
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