A competência para a declaração de utildiade pública em terrenos necessários à implementação de infraestrutura de energia

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Introdução

A Declaração de Utilidade Pública (DUP) é o ato administrativo, motivado pelo reconhecimento de determinanda atividade como útil e relevante para o interesse público, que permite que os meios/bens para o alcance pleno da atividade possam ser exigidos pelo Estado. Tal ato administrativo é utilizado em determinadas situações em que a utilização de uma propriedade para determinadada finalidade é considerada vantajosa ao interesse público, mesmo se trantando de um imperativo removível. São atos administrativos expedidos tipicamente nos casos de transmissão de energia, atividades de socorro público, atividades de segurança nacional, dentre outros. Uma vez declarada a utilidade pública é possível vislumbrar isenções tributárias, indenizações, dentre outros benefícios como a possibilidade de se desapropriar os bens necessários ao exercício da atividade.

“ (…) concernente à utilidade pública, pode ser verificado quando a utilização da propriedade for considerada conveniente e vantajosa ao interesse público, não constituindo um imperativo irremovível. Exemplos de tais situações seriam: a segurança nacional, obras de higiene, casas de saúde, assistência pública, conservação ou exploração de serviços públicos, conservação e melhoramento de vias e logradouros públicos e outros.” (ABAGGE,2007, p.5)

No caso específico sobre o processo de declaração de utilidade pública para fins de desapropriação ou constituição de servidão administrativa em terrenos necessários à infraestrutura de energia, foco do estudo, é mister realizar algumas considerações de forma a clarificar se, para o ente estadual, existem restrições para realizar tais declarações ou se elas podem ser utilizadas de forma ampla visando o alcance do interesse público.

Tais considerações se iniciam a partir do levantamento realizado com base nos decretos que foram instruídos pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico (SEDE) (anexo 1). Nesses decretos observa-se que o estado de Minas Gerais decreta a utilidade pública, predominantemente, de forma a permitir a supressão de mata atlântica para fins de construção de PCHs[1], CGHs[2], LDs[3], LTs[4], subestações e termoelétricas. Em 2009 foram 28 declarações de utilidade pública para a supressão de mata atlântica que foram instruídas pela SEDE voltadas à atividade energética, enquanto em 2010 foram 25 e em 2012 foram 34.

Se estes mesmos dados forem filtrados a partir da finalidade do empreendimento, observa-se que quase a totalidade das declarações de utilidade pública para a supressão de mata atlântica foi motivada para a construção de PCHs e CGHs. Foram 45 destinadas a PCHs, 29 destinadas a CGHs, 11 destinadas a LDs, 3 destinadas a LTs, 4 para subestações, 1 para saneamento com produção de biogás e 1 para UHE.

É possível visualizar também alguns poucos decretos (Anexo 2), em que a instrução não passou pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, que possuiram finalidades diversa da de suprimir mata atlântica. Tais decretos versam sobre desapropriações (para construção de subestações, para o reassentamento de expropriados e para o aproveitamento hidrelétrico) e sobre a instituição de servidão administrativa.

Ciente destes decretos mais raros, que declararam utilidade pública para fins diversos que não o de suprimir mata atlântica (anexo 2), surgem dois questionamentos. A competência dos estados para decretação de utilidade pública para fins energéticos se restringe à questão da supressão da mata atlântica ou é possível extender também tal competência visando à desapropriação ou instituição de servidão? Há conflito de competência entre o Estado e a ANEEL quanto à decretação de utilidade pública para fins de desapropriação ou constituição de servidão administrativa em terrenos necessários à infraestrutura de energia?

1. A Competência para declaração de utilidade pública para fins de desapropriação ou constituição de servidão administrativa em terrenos necessários à infraestrutura de energia

Inicialmente, há que se considerar que o fundamento geral que permite o município, estado ou federação declarar a utilidade pública é a supremacia do interesse público sobre o interesse privado.

“(…) pode-se dizer que o direito público somente começou a se desenvolver quando, depois de superados o primado do Direito Civil (que durou muitos séculos) (…), substituiu-se a ideia do homem como fim único do direito pelo princípio que hoje serve de fundamento para todo o direito público e que vincula a Adminstração em todas as suas decisões: o de que os interesses públicos tê supremacia sobre os individuaus.” (DI PIETRO, 2006, pág. 83)

 No caso em estudo, o de aperfeiçoamento e construção do sistema de energia, tal presunção de supremacia do interesse público se verifica. O direito à propriedade do titularde um terreno rural não pode se sobrepor ao direito de vários outros indivíduos de terem acesso à energia elétrica. Observa-se também que, assim como a supremacia do interesse público, a função social da propriedade, marcada nos termos dos arts. 5º inciso XXIII e, 170 inciso III, da Constituição da República, também deve ser observada.

Feita estas considerações iniciais, há de se estudar detalhadamente o embasamento legal que cria a competência de declarar a utilidade pública. São elas o Decreto-Lei n°. 3.365 de 21 de junho de 1941 e a Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995.

1.1. Decreto-Lei n° 3.365 de 21 de junho de 1941

O Decreto-Lei entende por uma competência ampla e abstrata, próprio do Presidente da República, governador, interventor ou prefeito (nos termos do artigo 6º do decreto-lei) e feita mediante a declaração de utilidade pública.

“Art. 2º Mediante declaração de utilidade pública, todos os bens poderão ser desapropriados pela União, pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios.” (Decreto-Lei n° 3.365, de 1941)

A referida competência, apesar de ampla e abstrata, estaria ligada às hipóteses específicas, enumeradas no artigo 5º do decreto-lei.

“Art. 5o  Consideram-se casos de utilidade pública: a) a segurança nacional; b) a defesa do Estado; c) o socorro público em caso de calamidade; d) a salubridade pública; e) a criação e melhoramento de centros de população, seu abastecimento regular de meios de subsistência;  f) o aproveitamento industrial das minas e das jazidas minerais, das águas e da energia hidráulica; g) a assistência pública, as obras de higiene e decoração, casas de saude, clínicas, estações de clima e fontes medicinais; h) a exploração ou a conservação dos serviços públicos; i) a abertura, conservação e melhoramento de vias ou logradouros públicos; a execução de planos de urbanização; o parcelamento do solo, com ou sem edificação, para sua melhor utilização econômica, higiênica ou estética; a construção ou ampliação de distritos industriais; j) o funcionamento dos meios de transporte coletivo; k) a preservação e conservação dos monumentos históricos e artísticos, isolados ou integrados em conjuntos urbanos ou rurais, bem como as medidas necessárias a manter-lhes e realçar-lhes os aspectos mais valiosos ou característicos e, ainda, a proteção de paisagens e locais particularmente dotados pela natureza; l) a preservação e a conservação adequada de arquivos, documentos e outros bens moveis de valor histórico ou artístico; m) a construção de edifícios públicos, monumentos comemorativos e cemitérios;  n) a criação de estádios, aeródromos ou campos de pouso para aeronaves; o) a reedição ou divulgação de obra ou invento de natureza científica, artística ou literária; p) os demais casos previstos por leis especiais.” (DECRETO-LEI Nº 3.365, DE 21 DE JUNHO DE 1941.)

Assim, o fundamento legal do estado de Minas Gerais (ou de qualquer ente federado) para declarar utilidade pública para fins energéticos pode ser extraído a partir da letra “f’” do artigo 5º do Decreto-Lei n°. 3.365, de 1941, sendo este, inclusive, o pensamento demonstrado no parecer n° 12.265 de 28 de agosto de 2013 da Advocacia Geral do Estado de Minas Gerais.

A declaração de utilidade pública para fins de aproveitamento das águas e da energia hidráulica seria uma competência complementar, isto é, qualquer um dos estes poderia fazê-lo.

1.2. Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995

O segundo entendimento, por sua vez, pode ser retirado a partir de uma rápida leitrua da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Por meio dele visualiza-se a declaração de utilidade pública para fins de desapropriação ou constituição de servidão administrativa como uma competência do poder concedente.

“Art. 29 Incumbe ao poder concedente: IX – declarar de necessidade ou utilidade pública, para fins de instituição de servidãoa dministrativa, os bens necessários à execução de serviço ou obra pública, promovendo-a diretamente ou mediante outorga de poderes à concessionária, caso em que será desta a responsabilidade pelas indenizações cabíveis;” (Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995).

No caso do serviço de transmissão de energia elétrica, a Constituição da República, em seu artigo 21, inciso XII, letra b, afirma que a competência é da União.

“Art. 21. Compete à União: XII – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos;” (Constituição Federal 1988)

 A União por sua vez, em legislação especial, expõe com nitidez que a ANEEL, por sua delegação, detém a competência para declarar bens de utilidade pública, para fins de instituição de servidão administrativa, quando se tratar de obra ou serviço de energia elétrica.

“Art. 1º Ficam delegadas à Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL: Parágrafo único. As competências referidas no caput compreendem as outorgas de autorização de empreendimentos de energia elétrica e as declarações de necessidade ou de utilidade pública, previstas nos incisos VIII e IX do art. 29 da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995.”  (Medida Provisória no 144, de 10 de dezembro de 2003)

Por meio desta rápida leitura, parece que a competência para a realização DUPs caberia exclusivamente ao “poder concedente”, vez que é este o ente que detém a competência e o planejamento do setor como um todo. Reforça tal posicionamento o artigo 10 da Lei n° 9.074, o artigo 1º e o 2º da Lei n° 8.987/1995.

“Art. 1º As concessões de serviços públicos e de obras públicas e as permissões de serviços públicos reger-se-ão pelos termos do art. 175 da Constituição Federal, por esta Lei, pelas normas legais pertinentes e pelas cláusulas dos indispensáveis contratos.” (Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995).

“Art. 2º Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se: I – poder concedente: a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Município, em cuja competência se encontre o serviço público, precedido ou não da execução de obra pública, objeto de concessão ou permissão;” (Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995).

“Art. 10. Cabe à Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, declarar a utilidade pública, para fins de desapropriação ou instituição de servidão administrativa, das áreas necessárias à implantação de instalações de concessionários, permissio-nários e autorizados de energia elétrica.” (Lei nº 9.074, de 7 de julho de 1995).

Por meio dos artigos aqui apresentados, o fato de a União deter a titularidade da “concessão de aproveitamento hidráulico” significa dizer que lhe será atribuida a competência exclusiva de declarar a utilidade pública dos meios necessários que viabilizem as obras de infraestrutura energética. Corrobora com tal entendimento, o parecer apresentado em Nota Técnica Nº 380/2011 – ATL, elaborado pela Casa Civil do Estado de Minas Gerais.

2. Declaração de utilidade pública para fins de desapropriação ou constituição de servidão administrativa em terrenos necessários à infraestrutura de energia, competência privativa ou complementar?

Em vista detes dois posicionamentos, o que demonstra melhor funamentação é o primeiro deles – da competência não exclusiva da união para declarar utilidade pública. A atribuição de competência à ANEEL, por meio da Lei n° 9.047, não exclui automaticamente a competência de todos os outros entes para declarar utilidade pública (que visem a desapropriação ou a instituição de servidão públcia para fins energéticos)

A técnica legislativa é considerada uma ciência, possuindo forma precisa e técninca de se escrever. Quando se pretende fixar privatividade ou exclusividade de competência, isso é feito de modo expresso e claro.

“Quando uma empresa obtém a “concessão para a exploração do aproveitamento hidrelétrico” (via Aneel) de uma UHE (usina hidrelétrica), a união (representada pela ANEEL) tem conhecimento da necessidade de construir de uma barragem e uma estrutura própria nos terrenos adjacentes, vez que é esse o objetivo da concessão. Não é factível contestar o fato de que uma empresa, ao aproveitar o curso de água para fins energéticos por meio da construção das estrtruturas necessárias, faz isso em nome da União. Realizar uma concessão para a “exploração do aproveitamento hidrelétrico” (geração e transmissão) e, em um momento seguinte, criar barreiras burocráticas (exigir um longo período para declarar a utilidade pública, exclusivamente pela ANEEL) para implementação de fato das obras necessárias para aproveitamento hidrelétrico não nos parece razoável.” (Ofício n° 368/2013 da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais, documento interno)

Assim, quando o ente federado visualiza certa prioridade em determinada obra que necessita da declaração de utilidade púlbica (para fins de desapropriação ou constituição de servidão administrativa em terrenos necessários à infraestrutura de energia) não haveria nenhum impedimento para tanto. Tal competência não se encontra na seara exclusiva da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL. O ente estaria simplesmente levando celeridade à implementação das obras necessárias de forma inclusive prevista na Constituição Federal de 1988.

“Art. 21. Compete à União:XII – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos;” (Constituição Federal 1988, grifo nosso)

Considerações finais

Os estados federativos possuem a competência para declarar utilidade pública para fins energéticos que visem não só a supressão da mata atlântica como também a desapropriação e a instituição de servidão administrativa. Tal afirmação possui como fundamento todos os artigos legais citados e os métodos interpretativos aqui discutidos.

No entanto, há que se compreender que tal competência deve ser utilizada cuidadosamente nos projetos que realmente forem prioritários no governo dos estados, sob pena de se perder o foco e o planejamento do setor energético. É a ANEEL a detentora do planejamento do sistema nacional de energia elétrica, cabendo a ela, portanto, a realização das DUPs necessárias à implementação de algum empreendimento energético que não for prioriatário aos estados.

Por fim há que se pensar se a competência para declarar utilidade pública com finalidade de desapropriação e instituição de servidão, vista nos exemplos de empreendimentos de energia, também se aplicaria a outros casos como o da mineração, por exemplo.

Referências
ABAGGE, Yasmine de Resende. Breves comentários sobre o instituto da Desapropriação, 2007.  Disponível em: http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/20007-20008-1-PB.pdf, acessado em 16/10/2013, às 11h00.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
Decreto-Lei n°. 3.365 de 21 de junho de 1941. Dispõe sobre desapropriações por utilidade pública. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3365.htm
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 19 ed. – São Paulo: Atlas, 2006.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 13 ed. – São Paulo:
Malheiros Editores, 2001.
Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previstos no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências. Disponível em:
 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8987compilada.htm
Lei nº 9.074, de 7 de julho de 1995. Estabelece normas para outorga e prorrogações das concessões e permissões de serviços públicos e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9074cons.htm
NOTA TÉCNICA N° 380/2011 – ATL. Secretaria de Estado de Casa Civil de Relações Institucionais
OFÍCIO SEDE/GAB/N°368/2013. Belo Horizonte, 9 de julho de 2013. Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico. Gabinente da Secretária.
PARECER Nº 15.265, de 28 de agosto de 2013. Advocacia Geral do Estado. Resposta à consulta formulada pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Economica.

Anexos:

Notas:

[1] PCH: Pequena Central Hidrelétrica- Usinas com potencia instalada superior a 1 MW e igual ou inferior a 30 MW e com o reservatório com área igual ou inferior a 3 km2. (ANEEL)
[2] CGH: Centrais de Geração Hidrelétrica – Usinas com potência instalada de até 1.000 kw (1 MW)
[3] LD: Linha de distribuição
[4] LT: Linha de Transmissão.

Informações Sobre os Autores

Vítor Augusto Martins da Costa

Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental pela Escola de Governo Professor Paulo Neves de Carvalho Fundação João Pinheiro

Guilherme Augusto Duarte de Faria

Superintendente de Política Energética da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais Graduado em Administração Pública pela Escola de Governo da Fundação João Pinheiro – Governo de Minas Gerais

Stefani Ferreira de Matos

Diretor de Metalurgia na Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais SEDE. Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental pela Escola de Governo Professor Paulo Neves de Carvalho Fundação João Pinheiro

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Equipe Âmbito Jurídico

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