A constitucionalidade do art. 28 da Lei 11.343/06: a imputabilidade do usuário de drogas pela nova lei de tóxicos

Resumo: Em 23 de agosto de 2006 entrou em vigor a nova Lei de Tóxicos (Lei 11.343/06), vindo, assim, a substituir a anterior Lei 6.386/76. Embora a nova lei não seja perfeita,  ela tem o mérito de estabelecer um novo sistema, de modo que trata de forma distinta o usuário, o dependente e o traficante. Uma das polêmicas questões que envolvem a atual legislação, diz respeito ao seu art. 28, o qual trata do porte de substâncias entorpecentes para uso próprio. Parte da doutrina defende a sua inconstitucionalidade ao argumento de que há violação da intimidade, da vida privada, bem como que o uso de substância entorpecente configura autolesão. Entretanto, será a melhor interpretação a ser dada?

Palavras Chaves: Lei de Entorpecentes. Drogas. Porte.

Resumen: El 23 de agosto 2006 entró en vigor la nueva Ley de Sustancias Tóxicas (Ley 11.343/06), que viene sustituyendo así las 6.386/76 ley anterior. Aunque la nueva ley no es perfecta,  tiene el mérito de establecer un nuevo sistema, por lo que es claramente usuario, dependiente y el distribuidor. Uno de los temas controvertidos que rodean a la legislación vigente relacionada con su arte. 28, que se refiere a la posesión de drogas para uso personal. Una parte de la doctrina defiende su inconstitucionalidad ante el argumento de que existe violación de la intimidad, la privacidad, y que el uso de la sustancia estupefaciente configura auto-lesión. Sin embargo, la mejor interpretación que ha de darse?

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Palabras clave: Ley de Estupefacientes. Narcóticos. La posesión.

Sumário: 1. Introdução. 2. Desenvolvimento. 2.1 Breve revisão histórica. 2.2 O art. 28 da Lei de Tóxicos e a divergência em sua interpretação. 2.3 Da não ofensa aos direitos e garantias fundamentais. 2.4 Da não aplicação do princípio da insignificância em crimes de porte de drogas. 2.5 Do posicionamento do Supremo Tribunal Federal. 3. Considerações Finais.

1. INTRODUÇÃO

O presente estudo tem por objetivo fazer uma análise das decisões proferidas por nossos Tribunais, bem como dos pareceres Doutrinários acerca da constitucionalidade do art. 28 da Lei 11.343/06 (Lei de Tóxicos).

O estudo sobre tema se mostra interessante quando consideramos o grau de complexidade dos problemas advindos do uso de tóxicos, os quais já se mostravam alvo de preocupação nas Ordenações das Filipinas.

 O título 89 das Ordenações Filipinas dizia “que ninguém tenha em casa rosalgar, nem o venda, nem outro material venenoso”. A julgar o fato de que esse é apenas o ponto de partida de uma longa caminhada legislativa – que irá culminar na mais recente Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006 – e considerando o visível aumento de conteúdo normativo – se compararmos aquela antiga norma ao mais recente diploma legal – pode-se, com total liberdade e sem incorrer em qualquer equívoco, concluir que o problema do uso inapropriado de entorpecentes e o tráfico das drogas ilícitas, longe de ter sido solucionado, apenas ganhou proporções maiores.

Tal juízo nos vem a lume ao considerarmos o grau de complexidade das situações oriundas do problema ora abordado, explicitadas pela maneira com que o legislador as descreve por meio de normas. Logo, nos é forçoso reconhecer a dinamicidade inerente a estes mesmos fatos, motivados, sobretudo, pelas mudanças de caráter social, inevitáveis às sociedades humanas. Tudo isso sem olvidarmos o aperfeiçoamento da tecnologia e ciências naturais – referimo-nos aqui especificamente à química – cuja evolução possibilitou o aparecimento das chamadas drogas sintéticas – sintetizadas pela química farmacêutica moderna ou mesmo pelos próprios toxicômanos.

É, portanto, notório o fato de que o uso indevido de tóxicos sempre foi – e, ao que parece, sempre será – motivo de preocupação do legislador pátrio.

Indubitável, destarte, a necessidade, sempre urgente, de soluções de caráter legislativo que visem a prevenção e a repressão do uso e proliferação por meio do tráfico das drogas ilícitas, visto as consequências que essa doença social acarreta ao homem civilizado.

Assim, o que se busca com o presente trabalho é uma melhor elucidação a respeito da polêmica sobre a (in)constitucionalidade do art. 28 da Lei de Tóxicos.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1 Breve revisão histórica

O uso de substâncias tóxicas é tão antigo quanto a humanidade e sempre fez parte do cotidiano das sociedades. Richard Bucher, psicanalista, doutor em Psicologia pela Universidade Católica de Lovaina, Bélgica, enfatiza que:

“em todas as sociedades sempre existiram drogas, utilizadas com fins religiosos ou culturais, curativos, relaxantes ou simplesmente prazerosos. Graças às suas propriedades farmacológicas, certas substâncias naturais propiciam modificações das sensações do humor e das percepções. Na verdade, o homem desde sempre tenta modificar suas percepções e sensações, bem como a relação consigo mesmo e com seus meios naturais e sociais. Recorrer a drogas psicoativas representa uma das inúmeras maneiras de atingir este objetivo, presente na história de todos os povos, no mundo inteiro. Antigamente, tais usos eram determinados pelos costumes e hábitos sociais, e ajudaram a integrar pessoas na comunidade, através de cerimônias coletivas, rituais e festas. Nessas circunstâncias consumir drogas não representava perigo para a comunidade, pois estava sob o seu controle. Posteriormente, as drogas passaram a ter outra conotação, devido ao desregulamento destes costumes, em consequências das grandes mudanças sociais e econômicas”[1]

O consumo dessas substâncias psicoativas tornou-se, do ponto de vista do Estado e, de maneira geral, da sociedade, uma questão relevante ao mundo ocidental, quando somente a partir do século XIX passou a ser considerado um problema social. Tal rotulagem se deve a inúmeros fatores, os quais não constituem compartimentos estanques, sejam eles religiosos, políticos, econômicos ou morais.

O abundante e indevido uso de substâncias entorpecentes passou a ser alvo de preocupação de todas as nações civilizadas, tendo como corolário as tentativas de controle e repressão em âmbito polinacional.

Malgrado o uso de substâncias entorpecentes seja tão antigo quanto à humanidade, apenas no início do século passado é que foram feitas as primeiras tentativas de controle e repressão em âmbito internacional.

A primeira delas foi a chamada Conferência de Xangai, em 1909, onde reuniram-se 13 países para tratar do problema do ópio, sem, contudo, obter resultados práticos.

Dois anos depois, em dezembro de 1911, realizou-se a Conferência Internacional do Ópio, em Haia, sendo, contudo, interrompida sua execução pela I Guerra Mundial, entrando em vigor somente em 1921.

Em 21 de fevereiro de 1971, em Viena, foi firmada a Convenção sobre substâncias Psicotrópicas, visando atualizar a fiscalização e abranger os entorpecentes de repressão recente, como, por exemplo, as anfetaminas e o LSD.

Em 26 de março de 1972, em Genebra, firmou-se protocolo que modifica e aperfeiçoa a Convenção Única sobre Entorpecentes, de 1961. O mencionado protocolo altera a composição e as funções do Órgão Internacional de Controle de Entorpecentes, amplia as informações que devem ser fornecidas para o controle da produção de entorpecentes naturais e sintéticos e salienta a necessidade de tratamento que deve ser fornecida ao toxicômano.

Papel importante na repressão e no combate ao tráfico de entorpecentes é o da Organização Internacional de Polícia Criminal – INTERPOL – criada com o nome de Comissão Internacional de Polícia Criminal, no Congresso Internacional de Polícia Criminal, em Viena, de 3 a 6 de setembro de 1923.

Em 20 de dezembro de 1988 foi concluída em Viena nova Convenção, que entrou em vigor internacional em 11 de novembro de 1990. Esta Convenção, objetivando fortalecer os meios jurídicos efetivos de combate ao tráfico ilícito, complementou as Convenções de 1961 e 1972, acrescentando, entre outras coisas, o éter etílico e a acetona no rol das substâncias controladas.

No Brasil, até o final do século XIX, não havia preocupação direta do Estado, bem como a existência de um debate sobre a o controle do uso de qualquer substância psicoativa. Entretanto, essa realidade mudou, de modo que a primeira legislação a se preocupar com o problema de tóxicos vinha contemplada nas Ordenações Filipinas, que em seu Título LXXXIX dispunha “que ninguém tenha em casa rosalgar, nem o venda, nem outro material venenoso”.

O Código de 1890 considerou crime “expor à venda, ou ministrar substâncias venenosas sem legítima autorização e sem as formalidades prescriptas nos regulamentos sanitários”. Entretanto, tal dispositivo, isoladamente, tornou-se insuficiente para combater a onda de toxicomania.

À míngua de condições de efetivação da legislação brasileira, os resultados da repressão foram extremamente precários.

Em 4 de novembro de 1964, a Lei n.º 4.451 introduziu modificação no art. 281 do Código Penal, consistente no acréscimo, ao tipo penal, da ação de “plantar”.

As Leis 5.726/71 e 6.368/76 procuraram ressaltar a importância da educação e da conscientização geral na luta contra os tóxicos, único instrumento realmente válido para se obter resultados no combate ao vício, representando, assim, as iniciativas mais completas e válidas na repressão aos tóxicos no âmbito mundial na sua época.

No ano de 2002, o Congresso Nacional aprovou a Lei 10.409/2002, que foi elaborada com o fim de substituir a Lei 6.368/76. Entretanto, aquela estava repleta de incorreções e foi duramente criticada pelos doutrinadores e operadores do Direito. Por conta disso, sofreu vários vetos e entrou em vigor totalmente descaracterizada. Diante dos vetos, a lei anterior não foi revogada por inteiro, sendo que ambas continuavam vigendo conjuntamente, isto é, aplicava-se parte de uma e de outra, o que trazia intrincados problemas de interpretação. Assim é que o capítulo que tratava dos tipos penais foi inteiramente vetado, aplicando-se, por conseguinte, os artigos pertinentes da Lei n.º 6.368/76.

A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 243 e parágrafo único, dispôs que as glebas cultivadas com plantações ilícitas serão expropriadas, bem como todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins será confiscado e reverterá em benefício de instituições e pessoal especializados no tratamento e custeio de atividades de fiscalização, controle, prevenção e repressão do crime de tráfico dessas substâncias.

Note-se que a Lex Mater, com o objetivo de se evitar e reprimir a disseminação de substâncias entorpecentes, devido aos seus efeitos devastadores, condenou a conduta do cultivo de plantas psicotrópicas, demonstrando, assim, que a referida conduta, bem como aquelas que vão além desta, serão incansavelmente reprimidas, dado o senso de reprovabilidade delas.

Conforme pode ser facilmente vislumbrado da leitura do parágrafo anterior, a Constituição Federal de 1988 objetivou “cortar o mal pela raiz” de modo que, se o mero cultivo de plantas psicotrópicas é uma conduta altamente reprovada, quanto mais se falarmos em importação, exportação, preparo, produção, fabricação, aquisição, venda, exposição à venda, transporte, posse, guarda, prescrição, ministração, entrega a consumo ou fornecimento de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, ou, ainda, qualquer outra conduta que possa facilitar a sua disseminação.

Por fim, após a apresentação de inúmeros anteprojetos tratando da matéria, sobreveio a Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006. Com a nova lei, usuário, dependente e traficante de drogas são tratados de maneira diferenciada. Para os primeiros, não há mais possibilidade de prisão ou detenção, aplicando-lhes penas restritivas de direitos. Para o último, a lei prevê sanções penais mais severas. Mesmo para traficantes, há distinção entre o pequeno e eventual traficante e o profissional do tráfico, que terá penas mais duras. Para o dependente, pode ser imposto tratamento médico ou atenuar a sua pena.

2.2 O art. 28 da Lei de Tóxicos e a divergência em sua interpretação

A partir da entrada em vigor da Lei 6.368/76, a posse de entorpecente para uso próprio passou a ser considerada crime.

Assim dispunha o art. 16 da referida Lei, in verbis:

“Art. 16. Adquirir, guardar, ou trazer consigo, para uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Pena – Detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de 30 (trinta) a 100 (cem) dias-multa.”

Essa norma penal incriminadora acabou sendo alterada pela Lei 11.343/06, de modo que a nova redação, embora com maior abrangência, restou abrandada, no entanto, quanto ao seu preceito secundário, deixando de estabelecer pena privativa de liberdade e multa, que acabaram dando lugar às penas mais educativas de advertência, prestação de serviços à comunidade e medida de comparecimento a programa ou curso. Analisamos, pois, a atual redação do dispositivo legal, in verbis:

“Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I – advertência sobre os efeitos das drogas;

II – prestação de serviços à comunidade;

III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

§ 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva

ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou

produto capaz de causar dependência física ou psíquica.

§ 2º Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à

natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se

desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos

antecedentes do agente.

§ 3º As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo

prazo máximo de 5 (cinco) meses.

§ 4º Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.

§ 5º A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários,

entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas.

§ 6º Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos

incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a:

I – admoestação verbal;

II – multa.”

A manutenção do denominado porte de entorpecente para uso próprio, atualmente aplicado à conduta de adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar encontra justificativa por não ser considerado um atentado contra a saúde individual daquele que pratica tal conduta, mas sim por considerar-se um atentado contra a saúde pública.

Em que pese o fato do usuário da droga prejudicar sua própria saúde, não podemos nos olvidar de que a coletividade, como um todo, também é colocada em risco. O vício das drogas tem o potencial de desestabilizar o sistema vigente.

Nessa linha de raciocínio, necessário se faz consignar elucidativa lição do eminente Vicente Greco Filho (2011):

“(…) a punição do simples porte se insere, como parte no todo, no quadro geral e no ciclo operativo completo, da luta, com meios legais, em todas as frentes, contra o alto poder destrutivo do uso de estupefacientes e contra a difusão de seu contágio que alcançam o nível de manifestações criminosas tais que suscitam, em medida cada vez mais preocupante, a perturbação da ordem”. (grifo nosso).

E continua o renomado autor (2011):

“A razão jurídica da punição daquele que adquire, guarda ou traz consigo para uso próprio é o perigo social que sua conduta representa. Mesmo o viciado, quando traz consigo a droga, antes de consumi-la, coloca a saúde pública em perigo, porque é fato decisivo na difusão dos tóxicos. Já vimos ao abordar a psicodinâmica do vício que o toxicômano normalmente acaba traficando, a fim de obter dinheiro para aquisição da droga, além de psicologicamente estar predisposto a levar outros ao vício, para que compartilhem ou de seu paraíso artificial ou de seu inferno”.

Sobre o tema, assim se pronunciou o Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, in verbis:

“POSSE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. ART. 28, "CAPUT", DA LEI 11.343/06. INEXISTÊNCIA DE INCONSTITUCIONALIDADE QUANTO AO DELITO. ABOLITIO CRIMINIS INOCORRENTE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AFASTADO. TIPO PENAL COMPOSTO. 1. Não há inconstitucionalidade a ser reconhecida quanto ao delito de posse de substância entorpecente. a disposição prevista no art. 28 da lei n. 11.343/06 busca coibir a difusão da droga, resguardando a saúde pública, sem afronta a qualquer das franquias constitucionais. 2. a lei n. 11.343/2006 não descriminalizou a conduta de porte de substância entorpecente para uso próprio, vindo apenas a cominar novas modalidades de sanção para o tipo penal previsto em seu artigo 28, inexistindo impedimento legal a que penas restritivas de direito sejam a única sanção cominada ao tipo penal. conduta, por sinal, lesiva, por extrapolar a esfera da discricionariedade do indivíduo em causar dano próprio para atingir o coletivo. 3. princípio da insignificância afastado. a insignificância não está na quantidade da substância apreendida, mas na qualidade desta e na circunstância de perigo decorrente do fato. 4. a confissão espontânea sempre é causa atenuante da pena, a ser considerada na segunda fase de sua aplicação, autorizada, segundo entendimento da turma recursal, sua compensação com a agravante da reincidência. 5. impossibilidade de substituição da pena de prestação de serviços à comunidade por advertência. como a mais branda das medidas previstas na legislação de regência, essa pena, que visa a incentivar o despertamento de uma consciência que desestimule a continuidade do uso de drogas, deve ser reservada àquele que não apresente envolvimento anterior nessa área, e não ao reincidente específico, como no caso. RECURSO PROVIDO EM PARTE. (Recurso Crime Nº 71003642618, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Edson Jorge Cechet, Julgado em 07/05/2012).” (grifo nosso)

“TÓXICO. PORTE PARA USO PRÓPRIO. PEQUENA QUANTIDADE. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA OU DO CRIME DE BAGATELA. o texto legal não faz limitação de ordem quantitativa do objeto material. desimporta a caracterização dos tipos penais descritos na lei antitóxicos a quantidade de substância apreendida, como reiteradamente vem decidindo o egrégio Supremo Tribunal Federal, bem como outros pretórios, pois a tipicidade está vinculada às propriedades da droga, ao risco social e a saúde pública, e não à lesividade comprovada em cada caso concreto. apelo do ministério público provido para condenar o réu e declarar extinta a punibilidade pela prescrição. (ACR nº 70001391200, primeira câmara criminal, TJRS, Relator: Des. Ranolfo Vieira, julgado em 04/10/2000)”. (grifo nosso).

Como pode ser facilmente vislumbrado, o porte de substância entorpecente está relacionado aos riscos provenientes da droga frente à sociedade e à saúde pública. Assim, o argumento dos que entendem que o referido porte para consumo pessoal constitui uma autolesão, alegando em consequência a inconstitucionalidade do art. 28 da Lei 11.343/06, em que pese a sua força, data maxima venia, não merece prosperar.

O uso e o fornecimento ilícito de drogas são condutas extremamente prejudiciais, não somente para a vida, saúde, integridade física e segurança dos cidadãos considerados individualmente, mas para toda a coletividade.

Ora, seria um contrassenso enorme afirmar que estaria, aqui, incriminando-se uma autolesão, o que não condiz com o caráter fragmentário do Direito Penal, o qual se preocupa em proteger e salvaguardar os bens jurídicos de maior importância para a própria existência, conservação e o desenvolvimento da sociedade.

Por oportuno, é necessário ressaltar que entender dessa forma é fazer uma interpretação literal e fria do texto legal.

Com essa modalidade de interpretação, exclusivamente, não conseguimos descobrir a vontade da lei, de modo que se valêssemos dela, estaríamos permitindo que toda a coletividade fosse acometida dos enormes malefícios causados pelo uso de drogas. A realidade da sociedade brasileira seria um verdadeiro caos.

É por isso que o método teleológico ou finalístico é o melhor caminho a ser seguido pelos operadores do Direito.

Com este método, o intérprete vai descobrir a vontade da lei, perguntando quais seus objetivos, qual a sua finalidade.

Será que foi intenção do legislador proteger a integridade física do usuário em detrimento da saúde de toda uma coletividade? Optou o legislador por salvaguardar um interesse exclusivamente privado daquele que faz uso de substância entorpecente em detrimento de um interesse coletivo em se prevenir o combate aos efeitos devastadores do uso de drogas? A resposta a esta indagação, sem sombra de dúvidas, só pode ser negativa.

Lado outro, o art. 28 da Lei de Tóxicos não teve como objetivo a pessoa do delinquente, tanto que não tipificou a conduta de fumar, usar ou, de um modo geral, consumir substância entorpecente. Em outras palavras, a conduta típica não é, em si, a de consumir droga, não se tratando, portanto, de incriminar alguém por autolesão.

Além disso, poder-se-ia dizer que, para usar, alguém necessariamente deveria trazer consigo substância entorpecente. Entretanto, isso nem sempre é verdadeiro, uma vez que alguém pode, perfeitamente, receber uma injeção de tóxico, sendo ministrado, portanto, de forma direta, o que, nesse caso, não restaria configurado o crime do art. 28 da lei de tóxicos, sendo esta conduta, portanto, atípica.

Nesse sentido, entende o ilustre doutrinador Guilherme de Souza Nucci (2006, p.755) que “outro ponto analisado diz respeito ao uso do entorpecente, que não consta no tipo, logo, não é incriminado”.

E continua o renomado autor asseverando que “a despeito de se ter editado uma nova lei antitóxicos, se alguém for surpreendido usando a droga (ex.: cocaína injetada na veia), sem possibilidade de se encontrar a substância entorpecente em seu poder, não pode ser punido”.

Portanto, a simples posse, ainda que para consumo pessoal, representa perigo à coletividade. Em outras palavras, o bem juridicamente protegido pela normal penal incriminadora contida no art. 28 da Lei 11.343/06 é a saúde pública.

2.3 Da não ofensa aos direitos e garantias fundamentais

Com efeito, a Constituição Federal de 1988 garante a todos a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem.

Analisemos, pois, a redação do art. 5.º, X da Constituição Federal:

“Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes termos: (…)

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”

Os direitos à intimidade e a própria imagem formam a proteção constitucional à vida privada, salvaguardando e tutelando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas.

A intimidade é tudo aquilo quanto diga respeito única e exclusivamente à pessoa em si mesma, a seu modo de ser e de agir, ou seja, envolve as relações familiares e de amizades. Ao passo que a vida privada diz respeito ao modo de viver de cada pessoa. É o reconhecimento de que cada um tem direito a seu próprio estilo de vida.

A liberdade da vida privada envolve a possibilidade de realização da vida sem ser molestado por terceiros, ou seja, sem ser agredido por intromissão alheia. Isso implica a uma proibição, dirigida tanto à sociedade quando ao Poder Público, de imiscuir-se na vida privada.

Entretanto, mister se faz ressaltar de que os direitos e garantias fundamentais, consagrados no art. 5.º da Constituição Federal não são absolutos. Em outras palavras, referidos direitos e garantias sofrem limitações.

Nesse linha, vejamos o entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, in verbis:

APELAÇÃO CRIME. ART. 28, CAPUT, DA LEI Nº 11.343/06. 1. A criminalização das condutas descritas no art. 28 da Lei nº 11.343/06 visa a coibir a difusão da droga, resguardando a saúde pública e, sendo norma de interesse social. Assim, não afronta a garantia constitucional da liberdade individual, não havendo falar em inconstitucionalidade do aludido dispositivo. É inadmissível que o direito à intimidade sobreponha-se ao interesse coletivo de proteção da saúde pública. 2. Encontrando-se convergentes e idôneos os elementos coligidos a apontar a veracidade dos fatos noticiados na incoativa, a manutenção da condenação imposta na sentença é medida que se impõe. 3. A circunstância de ser defendido por Defensoria Pública não significa que o réu não tenha condições de pagar custas judiciais. Taxas, despesas pagas com verbas oriundas dos cofres públicos e pagas pelo contribuinte não podem ser isentadas, salvo motivos comprovados. Eventual insolvência deverá ser encaminhada pelo juiz da Execução. APELO IMPROVIDO, VENCIDO, EM PARTE, O RELATOR. (Apelação Crime Nº 70019033141, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Antônio Hirt Preiss, Julgado em 05/07/2007). (grifo nosso).

Além disso, o argumento de que a norma penal incriminadora contida no art. 28 da Lei de Tóxicos afronta o princípio da igualdade na medida em que estabelece distinção de tratamento penal a drogas ilícitas e, não-penal a drogas lícitas, com efeitos psicotrópicos mais lesivos que muitas drogas ilícitas, a exemplo do tabaco e das bebidas alcoólicas, não merece prosperar.

Punir aquele que tem a posse da droga para uso próprio, como a cocaína, não implica em tratar com desigualdade os iguais, de modo que aquele que a possuísse legalmente, embora com a mesma potencialidade lesiva, estaria praticando conduta lícita.

Nessa mesma linha de raciocínio é o entendimento de Guilherme de Souza Nucci (2006, p.756):

“A expressão sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar constitui fator vinculado à ilicitude, porém inserido no tipo incriminador torna-se elemento deste e, uma vez que não seja preenchido, transforma o fato em atípico. Portanto, adquirir, guardar, ter em depósito (etc.) drogas, para consumo pessoal, devidamente autorizado, é fato atípico.”

É que, na verdade, são desiguais e estão sendo tratados nos limites de sua desigualdade.

Os princípios garantidores da intimidade e da vida privada não podem servir de salvo-conduto para a prática de infrações penais, evitando, com isso, a sensação de impunidade, bem como conferindo um caráter de prevenção geral, no sentido de compreender a punição do agente que, porta substância entorpecente, para consumo pessoal, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, como um instrumento de intimidação geral dos indivíduos que, diante da ameaça abstrata e concreta da imposição de pena, malgrado não seja privativa de liberdade, ficariam motivados a não transgredir a norma penal.

Sobre esse ponto, precisa é a lição do eminente Alexandre de Moraes (2009, p. 32):

“Os direitos humanos fundamentais, dentre eles os direitos e garantias individuais e coletivos consagrados no art. 5.º da Constituição Federal, não podem ser utilizados como um verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito.”

2.4 Da não aplicação do princípio da insignificância em crimes de porte de drogas

O tipo penal do art. 28 da Lei de Tóxicos não exige a ocorrência de um resultado danoso, ou seja, é de perigo abstrato, deixando clara a intenção do legislador em coibir, por todos os meios, a difusão e a disseminação do uso de drogas, não havendo que se falar, em consequência, na aplicação do princípio da insignificância em relação à quantidade de substância entorpecente encontrada com o agente.

O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou sobre o tema, in verbis:

“PENAL – PEQUENA QUANTIDADE DE DROGA – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – INAPLICABILIDADE – DELITO DE PERIGO PRESUMIDO – SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO – REQUISITOS – NÃO PREENCHIMENTO.

O delito inscrito no art. 16, da Lei n.º 6.368/76 (posse ilegal de substância entorpecente) é delito de perigo presumido ou abstrato, não importando, para sua caracterização, a quantidade apreendida em poder do infrator, esgotando-se o tipo simplesmente no fato de carregar consigo, para uso próprio, substância entorpecente.

– Da análise dos autos, verifica-se que o Ministério Público deixou de propor a suspensão condicional, por constatar, que o paciente não merecia receber o benefício diante dos maus antecedentes criminais ostentados. Ademais, consta que o acusado já foi condenado em outro processo, inviabilizando, portanto, o preenchimento do pressuposto subjetivo. Recurso desprovido.” (RHC 9483/SP; Rel. Min. JORGE SCARTEZZINI, Data da Decisão 08/06/2000, QUINTA TURMA – STJ  )”. (grifo nosso).

Note-se que o legislador não exigiu que o usuário tenha em seu poder esta ou aquela quantidade, superior ou inferior a determinado peso para a caracterização do delito, de modo que ocorrida a apreensão de substância entorpecente, configurado está o delito contido no art. 28 da Lei de Tóxicos.

Em que pese a sedutora tese de atipicidade, por insignificância da conduta, doutrina e jurisprudência têm sistematicamente refutado a aplicação do referido princípio em crimes de drogas.

Talvez à vista da certeza de que porções ínfimas de droga eventualmente encontradas (o suficiente para configurar o corpo de delito) são apenas parte de quantidades maiores, escondidas ou já consumidas, talvez por falta de um critério objetivo para mensurar a quantidade de droga necessária para atingir o bem jurídico tutelado, mas certamente à vista do caráter difuso de tal bem (não se considerando, portanto, o dano específico que aquela droga causou à saúde do usuário, mas o dano que o consumo de drogas causa à saúde pública), consolidou-se o entendimento de que não se aplica o princípio da insignificância quando se trata de porte de substância entorpecente para consumo próprio, senão vejamos:

“APELAÇÃO – CRIME DE USO – ABSOLVIÇÃO – NÃO-CABIMENTO – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – INAPLICABILIDADE – APLICAÇÃO DA NOVEL LEI MAIS BENÉFICA – ADMISSIBILIDADE – ISENÇÃO DAS CUSTAS – POSSIBILIDADE. Não há que se falar em absolvição na hipótese se o conjunto probatório é firme e consistente em apontar a participação dos apelantes no crime narrado na denúncia, emergindo clara a responsabilidade penal de todos à vista da prova trazida aos autos. A pequena quantidade de droga não implica a aplicação do princípio da bagatela, mormente em razão de se tratar de delito que coloca em risco potencial a saúde pública e a sociedade. Condenado por crime de uso de tóxicos, nos termos do art.16 da Lei 6.368/76, deve-se aplicar a regra dos §§ 3º e 5º, do art. 28 da nova Lei Antitóxicos, por consistir lei penal mais benéfica. Em razão da Lei 14.939/03, no Estado de Minas Gerais, os assistidos pela Defensoria Pública fazem jus à isenção das custas processuais, nos termos do art. 10, inciso II, da aludida lei.” (TJMG – Ap. 1.0223.05.167245-7/001(1) – Rel. Des. Vieira de Brito – j. 09-10-07).

“TÓXICO – USUÁRIO – ABSOLVIÇÃO – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E DA IRRELEVÂNCIA PENAL DO FATO – INADMISSIBILIDADE – COMPORTAMENTO SOCIALMENTE REPROVÁVEL – 'NOVATIO LEGIS IN MELIUS' – PRINCIPIO DA RETROATIVIDADE – POSSIBILIDADE. 1. Não se aplicam aos delitos de tóxicos, o princípio da insignificância e da irrelevância penal do fato, ainda que a quantidade de droga apreendida seja ínfima, pois além de serem crimes de perigo abstrato e presumido, a norma visa tutelar bem jurídico maior, a saúde pública, sendo certo que os malefícios causados pela disseminação do uso de drogas afetam não só o usuário em particular, mas a sociedade como um todo. 2. Não prevendo a nova Lei Antidrogas pena privativa de liberdade para usuários de drogas, sendo, portanto, mais benéfica, tem aplicação imediata e retroage para beneficiar o agente (no art. 5.°, XL, da CF e no art. 2.° § único, do CP). 3. Recurso parcialmente provido.” (TJMG – Ap. 1.0145.02.013635-7/001(1) – Rel. Des. Antônio Armando dos Anjos – j. 29-05-07).

Até aqui, inclusive porque a quantidade que se considera ínfima parece ser assumida aleatoriamente pelos julgadores que aplicam o princípio em tela, sem levar em consideração qualquer estudo científico acerca da lesividade da conduta, o melhor caminho parece ser o de seguir o entendimento dominante, a fim de refutar a tese da atipicidade.

Pontofinalizando, vejamos o que ensina Guilherme de Souza Nucci (2006, p.757), in verbis:

“o delito de porte de drogas para consumo próprio adquiriu caráter de infração de ínfimo potencial ofensivo, tanto que as penas são brandas, comportando, inclusive, mera advertência. Por isso, o ideal é haver, pelo menos, a aplicação de sanção amena, por menor que seja a quantidade de tóxico. Evita-se, com isso, o crescimento da atividade do agente, podendo tornar-se traficante ou viciado.”

2.5 Do posicionamento do Supremo Tribunal Federal

No ano de 2007, ao apreciar o RE 430105/QO/RJ (Relator Min. Sepúlveda Pertence) o Pretório Excelso se posicionou sobre a matéria em apreço. Veja-se:

“A Turma, resolvendo questão de ordem no sentido de que o art. 28 da Lei 11.343/2006 (Nova Lei de Tóxicos) não implicou abolitio criminis do delito de posse de drogas para consumo pessoal, então previsto no art. 16 da Lei 6.368/76, julgou prejudicado recurso extraordinário em que o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro alegava a incompetência dos juizados especiais para processar e julgar conduta capitulada no art. 16 da Lei 6.368/76. Considerou-se que a conduta antes descrita neste artigo continua sendo crime sob a égide da lei nova, tendo ocorrido, isto sim, uma despenalização, cuja característica marcante seria a exclusão de penas privativas de liberdade como sanção principal ou substitutiva da infração penal. Afastou-se, também, o entendimento de parte da doutrina de que o fato, agora, constituir-se-ia infração penal sui generis, pois esta posição acarretaria sérias consequências, tais como a impossibilidade de a conduta ser enquadrada como ato infracional, já que não seria crime nem contravenção penal, e a dificuldade na definição de seu regime jurídico. Ademais, rejeitou-se o argumento de que o art. 1º do DL 3.914/41 (Lei de Introdução ao Código Penal e à Lei de Contravenções Penais) seria óbice a que a novel lei criasse crime sem a imposição de pena de reclusão ou de detenção, uma vez que esse dispositivo apenas estabelece critério para a distinção entre crime e contravenção, o que não impediria que lei ordinária superveniente adotasse outros requisitos gerais de diferenciação ou escolhesse para determinado delito pena diversa da privação ou restrição da liberdade. Aduziu-se, ainda, que, embora os termos da Nova Lei de Tóxicos não sejam inequívocos, não se poderia partir da premissa de mero equívoco na colocação das infrações relativas ao usuário em capítulo chamado ‘Dos Crimes e das Penas’. Por outro lado, salientou-se a previsão, como regra geral, do rito processual estabelecido pela Lei 9.099/95. Por fim, tendo em conta que o art. 30 da Lei 11.343/2006 fixou em 2 anos o prazo de prescrição da pretensão punitiva e que já transcorrera tempo superior a esse período, sem qualquer causa interruptiva da prescrição, reconheceu-se a extinção da punibilidade do fato e, em consequência, concluiu-se pela perda de objeto do recurso extraordinário” (STF, 1º Turma, RE 430105 QO/RJ, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 13.2.2007.  Informativo n. 456. Brasília, 12 a 23 de fevereiro de 2007).

Ao apreciar o RE 635660 SP (Relator Min. Carlos Ayres Britto) a Suprema Corte ratificou o entendimento, acima mencionado, sobre a matéria objeto do presente ensaio. Vejamos:

“A punição, na hipótese, é de rigor para salvaguardar a sociedade do mal potencial causado pelo porte de droga, apto a ensejar o incremento do tráfico de entorpecentes, a par de outros delitos associados ao uso indevido da droga. Ademais, deve ser ponderado que o E. Supremo Tribunal Federal, a quem compete o controle de constitucionalidade das normas, em momento algum reconheceu a indigitada inconstitucionalidade, razão pela qual o dispositivo de lei há que ser observado e cumprido.” (STF, RE 635660 SP, rel. Min. Carlos Ayres Britto, 22.3.2011).

Conforme se vê da análise dos pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria tratada no presente ensaio, não paira qualquer dúvida acerca da constitucionalidade do art. 28 da Lei de Tóxicos. A suprema corte brasileira, data máxima venia, deixou de joelhos qualquer argumento contrário, malgrado a força com que é defendido.

Linhas acima, afirmou-se que o uso de substâncias entorpecentes é tão antigo quanto a humanidade. Naquela época, dado o seu contexto histórico e cultural, fazia-se o uso de substâncias entorpecentes em rituais, festas etc., entretanto, de forma moderada e de acordo com as necessidades de cada caso.

Ao longo dos anos, o uso dessas substâncias passou a se dar de forma desregrada e, em razão do mal potencial causado pelo uso a torto e a direito, viu-se a necessidade de uma regulamentação, não podendo, assim, o Poder Público manter-se inerte ante o anseio da coletividade de pôr fim – se possível – a tal situação . Daí é que acabou-se por considerar o porte de substâncias entorpecentes para consumo pessoal, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, crime.

O próprio Supremo Tribunal Federal, detentor do controle concentrado de constitucionalidade, não declarou, em momento algum, a suposta inconstitucionalidade do dispositivo sob análise, sendo, portanto, plenamente constitucional.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Finalmente se nota a identificação no sentido de que o dispositivo que cuida do porte de substância entorpecente para consumo próprio (art. 28 da Lei 11.343/06) é constitucional, identificando-se, este entendimento, com as decisões dos tribunais pátrios, destacando-se o posicionamento fincado pelo Supremo Tribunal Federal, em razão da não aplicação do princípio da insignificância, bem como considerando que a norma instituída no dispositivo sob análise cuida de interesse coletivo, e não individual, não perdendo de vista, por fim, que se trata de infração de mera conduta,  a qual descreve, pura e simplesmente, um comportamento, sem qualquer menção a qualquer resultado, consumando-se, portanto, com a mera prática de qualquer das condutas previstas no referido dispositivo legal.

Conforme foi exaustivamente demonstrado, o bem juridicamente tutelado pela norma contida no art. 28 da Lei 11.343/06 é a saúde pública.

Assim, no Estado Democrático de Direito em que vivemos é completamente inadmissível que um mero interesse privado em fazer uso de substâncias entorpecentes se sobreponha a um interesse coletivo de se combater o uso das drogas e de seus malefícios.

Dessa forma, o interesse privado sucumbe ante ao interesse de toda uma coletividade em se combater a difusão do uso de drogas.

A norma tutela interesse coletivo, que se sobrepõe ao direito individual de liberdade, constitucionalmente assegurado. A posse de substância entorpecente representa perigo para a saúde pública, o que autoriza o apenamento da conduta do agente sem que resulte ferido o seu direito à intimidade, como bem entendeu o Supremo Tribunal Federal.

 

Referências
ARRUDA, Samuel Miranda. Drogas: aspectos penais e processuais penais. São Paulo: Método, 2007.
DARIO MARIANO DA SILVA, César. Lei de Drogas Comentada. São Paulo. Ed. Atlas, 2011.
GIACOMOLLI, Nereu José. Análise crítica da problemática das drogas e a Lei 11.343/2006. Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM): revista bimestral, ano 16, nº. 71, mar-abr. 08.
GRECO FILHO, Vicente. Tóxicos: Prevenção e repressão. Comentários à Lei 11.343/2006 – Lei de Drogas. São Paulo. Ed. Saraiva, 2011.
LEAL, João José. Política criminal e a Lei nº 11.343./2006: Descriminalização da conduta de porte para consumo pessoal de drogas? Artigo disponível em: http://www.jusnavigandi.com.br Acesso em 20 Dez 2012.
MARCÃO, Renato. TÓXICOSLei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006, anotada e interpretada, 4ª ed. Reformulada, 2006.
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. São Paulo. Ed. Revista dos Tribunais, 2006.
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal: parte geral. V.1; 4. ed.; São Paulo: Editora Revista dos Tribunais; 2004.
_________________. Comentários ao código penal: conexão lógica com os vários ramos do direito. 4. ed.; São Paulo: Saraiva; 2007
Notas:
[1] Drogas: o que é preciso saber para prevenir, 4ª ed. São Paulo, Imprensa Oficial, 1994, p.10.

Informações Sobre os Autores

Jonathas Baia Andolphi de Souza

Acadêmico de Direito pela Faculdade de Minas FAMINAS

Ricardo Resende Bersan

Mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília – UCB/DF. Especialista em Direito Público pela Faculdade Projeção FAPRO/DF. Especialista em Direito Militar pela Universidade Castelo Branco UCB/RJ. Procurador Jurídico do Município de Muriaé/MG. Professor Adjunto da Faculdade de Minas FAMINAS/MG. Advogado


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Equipe Âmbito Jurídico

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