A constitucionalização processual no novo Código de Processo Civil

Resumo: Este artigo visa apresentar uma constitucionalização processual no Novo Código de Processo Civil enquanto fenômeno do Estado Democrático de Direito e uma nova teoria que tem ganhado relevante acolhimento no mundo jurídico. A pesquisa utilizou-se do método de pesquisa bibliográfico e hermenêutico para o desenvolvimento do trabalho. A relevância do presente projeto está na inovação da temática na doutrina brasileira, justificativa esta que será trabalhada através da concepção de poucos especialistas que tratam o tema na academia. Como será observado, com o advento do novo código processual civil (Lei 13.105 / 2015) foi notado que um de seus objetivos foi de que o processo civil brasileiro seja ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e normas fundamentais da Constituição Federal, o que demonstra a pertinência não somente acadêmica, mas também de uma nova forma de interpretação legal e condução do processo guiado pela processualística constitucional. [1]

Palavras-chave: Constitucionalização. Código processual civil. Interpretação.

Abstract: This article aims to present a procedural constitutionalization in the New Code of Civil Procedure as a phenomenon of the Democratic State of Law and a new theory that has gained relevant reception in the legal world. The research used the method of bibliographical and hermeneutical research for the development of the work. The relevance of the present project lies in the innovation of the theme in Brazilian doctrine, a justification that will be worked through the conception of few specialists who treat the theme in the academy. As it will be observed, with the advent of the new civil procedural code (Law 13.105 / 2015), it was noted that one of its objectives was that Brazilian civil procedure be ordered, disciplined and interpreted according to the fundamental values ​​and norms of the Federal Constitution, which demonstrates the relevance not only of academic but also of a new form of legal interpretation and conduction of the process guided by constitutional proceduralism.

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Keywords: Constitutionalisation. Civil procedural code. Interpretation.

Sumário: Introdução. 1 A constitucionalização do novo Código de Processo Civil. Conclusão.
Referências.

Introdução

Segundo Dias (2016) os estudos de processo e Constituição foram intensificados a partir da segunda metade do século XX, ocasionando o início do direito processual constitucional. O processo constitucional[2], não é ainda um ramo autônomo do Direito, estando mais para uma visão técnica e científica que se intensificou com a propensão da constitucionalização do ordenamento jurídico originada após a segunda guerra mundial quando surgiu constitucionalmente o Estado Democrático de Direito.

“Portanto, em noção ampla, pode-se considerar o processo constitucional o estudo metodológico e sistemático pelo qual o processo é examinado em suas relações diretas com as normas da Constituição, formatando a principiologia normativa do devido processo constitucional (ou modelo constitucional do processo), o que abrange o processo constitucional jurisdicional, o processo constitucional legislativo e o processo constitucional administrativo” (DIAS, 2016, p. 60).

Segundo Freire & Cunha (2016) processo civil precisa ser interpretado e utilizado sob a concepção dos valores e das normas fundamentais da Constituição Federal, em linhas gerais os princípios e garantias processuais da Magna Carta, como por exemplo o devido processo legal, a inafastabilidade do controle jurisdicional, a organização judiciária e etc.

“Note que a vinculação do Código à Constituição não se limita aos princípios e garantias processuais típicos. Citemos, como exemplo, a cláusula geral do negócio jurídico-processual inserida no art. 190 do Código. Por mais que os princípios e as garantias processuais típicos, consagrados na Constituição, sirvam como balizas à validade do negócio jurídico processual, a admissão deste deve primariamente levar em conta o princípio do respeito ao autorregramento da vontade, cuja fonte é o direito fundamental à liberdade” (FREIRE & CUNHA, 2016, p. 15).

Na lição de Medina (2017) as normas da Constituição Federal são o ponto inicial do trabalho do processualista, desse modo a atuação das partes e a função jurisdicional precisam ser analisadas a partir do entendimento de que o processo é um local em que devem se concretizar os princípios intrínsecos a um Estado que se denomina “Democrático de Direito” (cf. art. 1ª da CF). Segundo o mesmo autor o CPC/2015 reproduz e detalha vários princípios constitucionais, como podemos encontrar na Parte Geral, os quais possuem um papel pedagógico no NCPC.

Feita essa apresentação em aspectos gerais, o presente trabalho buscará através de renomados especialistas apresentar a temática do novo Código de Processo Civil já em vigor de acordo com sua a principiologia segundo o devido processo constitucional.

1 A constitucionalização do novo Código de Processo Civil

O Novo Código de Processo Civil, Lei 13.105 de 16 de março de 2015, trouxe novidades consideráveis se comparado com o Código de Processo Civil de 1973, uma delas foi o fenômeno da constitucionalização processual mais perceptível no CPC/15, diante disso este trabalho tem como objetivo apresentar a existência da constitucionalização no Novo Código de Processo Civil através de especialistas na área para demonstrar esse caso.

No início da Exposição de Motivos do CPC/15 um dos objetivos que o nortearam foi que este novo código servisse para resolver problemas, mas isso exigiria uma nova mentalidade de deixar de “ver o processo como teoria descomprometida de sua natureza fundamental de método de resolução de conflitos, por meio do qual se realizam valores constitucionais” (BRASIL, 2017, p. 25). Dentre os cinco objetivos que orientaram os trabalhos da Comissão o primeiro foi justamente “estabelecer expressa e implicitamente verdadeira sintonia fina com a Constituição Federal” (BRASIL, 2017, p. 26), sobre esse primeiro objetivo a Comissão asseverou que:

“1) A necessidade de que fique evidente a harmonia da lei ordinária em relação à Constituição Federal da República fez com que se incluíssem no Código, expressamente, princípios constitucionais, na sua versão processual. Por outro lado, muitas regras foram concebidas, dando concreção a princípios constitucionais, como, por exemplo, as que preveem um procedimento, com contraditório e produção de provas, prévio à decisão que desconsidera da pessoa jurídica, em sua versão tradicional, ou às avessas” (BRASIL, 2017, p. 26).

Dessa forma essa necessidade de harmonização da lei ordinária com a Constituição parece demonstrar uma constitucionalização do processo civil e sua obediência a um modelo constitucional do processo, ou um método constitucionalista como defendido por Cândido Dinamarco (2016):

“Direito processual constitucional é o método consistente em examinar o sistema processual e os institutos do processo à luz da Constituição e das relações mantidas com ela. Não é mais um entre os diversos ramos do direito processual, como o direito processual civil, o trabalhista, o penal etc. O método constitucionalista inclui o estudo das recíprocas influências existentes entre Constituição e processo – relações que se expressam na tutela constitucional do processo, representada pelos princípios e garantias que, vindos da Constituição, ditam padrões políticos para a vida daquele (DINAMARCO, 2016, p. 53)”.

Com isso o processo terá de ser analisado, estudado e entendido de acordo com a Constituição na busca por proporcionar um garantia mais eficaz aos seus princípios fundamentais, acerca dessa nova perspectiva, Dinamarco nos ensina que:

“Ao se conceber e interpretar os institutos de direito processual, portanto, os princípios constitucionais devem sempre ser tomados como superiores premissas de todo o sistema, ponderando-se a importância concreta de cada um e buscando uma solução que, na medida do possível, confira a máxima efetividade a todos eles. Para os casos de eventuais colisões entre princípios o sistema constitucional impõe a regra da proporcionalidade, reafirmada nos arts. 8º e 489, § 2º, do novo Código de Processo Civil e responsável pela harmonização dos princípios e pelo justo equilíbrio entre os meios empregados e os fins a serem alcançados. É a proporcionalidade que autoriza e legitima a concessão de medidas urgentes antes da citação do réu [medidas liminares concedidas inaudita altera parte] e portanto sem a prévia efetivação da garantia constitucional do contraditório [infra, n. 33] – sendo essa aparente violação um culto a um valor também elevadíssimo e de igual modo amparado pela Constituição Federal, que é o do acesso à justiça mediante a efetividade e tempestividade da tutela jurisdicional [Const., art. 5º, inc. XXXV – infra, n. 28] (DINAMARCO, 2016, p. 53)”.

Ainda segundo Dinamarco (2016), o CPC/15 demonstrou zelo com os princípios constitucionais do processo por dispor de uma boa quantidade de dispositivos reafirmando assim os princípios e impondo sua observância, não somente recomendando sua observância desde o artigo 1º, como também ao disciplinar os institutos que o formam, isso pode ser notado nas repetições da exigência dessa observância, principalmente quanto ao princípio do contraditório. Em resumo o doutrinador conclui que:

“A Constituição formula princípios, oferece garantias e impõe exigências em relação ao sistema processual com um único objetivo final, que se pode qualificar como uma garantia-síntese e é o acesso à justiça, mediante a concessão, "em tempo razoável", de uma "decisão de mérito justa e efetiva" (Const., art. 5º, incs. XXXV e LXXVIII – CPC, art. 6º). Mediante esse conjunto de disposições a Constituição Federal quer afeiçoar o processo a si mesma, de modo que ele reflita, em menor escala, o que em escala maior está à base do próprio Estado de direito (legalidade, devido processo legal, participação em contraditório). Ela quer um processo pluralista, de acesso universal, participativo, isonômico, liberal, transparente, conduzido com impessoalidade por agentes previamente definidos e observância das regras, sem excessos etc. – porque assim ela mesma exige que seja o próprio Estado e assim é o modelo político da democracia” (DINAMARCO, 2016, p. 54).

Segundo Marinoni et al (2017) as normas fundamentais dispostas pelo legislador formam as linhas gerais do CPC/15, elas são os eixos normativos segundo as quais o processo civil deve ser interpretado, aplicado e estruturado. O mesmo autor entende que:

“As normas fundamentais do processo civil estão obviamente na Constituição e podem ser integralmente reconduzi das ao direito fundamental ao processo justo [art. 5º, LIV, CF]. O Código não reproduz a título de normas fundamentais todos os direitos fundamentais processuais que compõem o direito ao processo justo. Isso obviamente não quer dizer que esses direitos fundamentais tenham perdido esse status normativo: o direito ao juiz natural, o direito à defesa e o direito à prova, por exemplo, permanecem como normas fundamentais do processo civil brasileiro, nada obstante a ausência de reprodução no Código a esse título. A abertura de um Código de Processo Civil pela introdução de suas normas fundamentais constitui uma tendência que ressai do direito comparado desde a segunda metade dos Novecentos [o Code francês principia enunciando principes directuers du proceseas Civil Procedure Rufes inglesas começam pela exposição do seu overriding objective]” (MARINONI et al, 2017, p. 152).

Freire & Cunha (2016) por sua vez, trazem um destaque que pode passar desapercebido, é que o CPC/15, diferente do CPC/73 tem uma parte geral que começa pelas normas fundamentais, levando os demais artigos do Código a serem lidos à luz dessas normas. Lembrando que essas normas referem-se às normas fundamentais da Constituição como deixa claro o artigo 1º CPC/15 “O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código” (BRASIL, 2017, p. 38), demonstrando o vínculo com o processo constitucional tal como Paulo Carneiro expõe:

“O novo Código, logo em sua primeira disposição, deixa claro a adoção da teoria do direito processual constitucional. Assim, longe de parecer simplesmente um enunciado, o dispositivo possui importante aplicação prática: vale de garantia eficaz contra qualquer dispositivo que contrarie a Constituição, bem como é fator de interpretação para aplicação dos dispositivos processuais. Aqui, a lei processual e a própria atividade jurisdicional em si, submetem-se às normas e aos valores constitucionais, os quais lhes servem de fonte e legitimam o seu exercício, ao tempo em que impedem o autoritarismo e o abuso” (CARNEIRO, 2015, p. 8).

Com isso, Carneiro (2015) pontua que o processo civil vem a proporcionar mais efetividade à Constituição, o processo no cumprimento de suas atribuições sob a tutela da Constituição, o qual pretende dinamizar e dar vida aos princípios fundamentais. Carneiro (2015) cita um exemplo interessante em relação aos dois códigos de processo civil em relação aos direitos fundamentais constitucionais:

“Imagine, como ocorreu no passado, no início da vigência do Código de 1973, uma interpretação literal do art. 488, II, que previa o depósito de 5% (cinco por cento) do valor da causa como requisito para a propositura de ação rescisória. A interpretação do então Tribunal de Alçada do Estado do Rio de Janeiro era no sentido de que, por se tratar de uma condição da ação, a aplicação da norma estender-se-ia inclusive para aqueles beneficiários da justiça gratuita. Este entendimento só foi desfeito tempos depois, a partir do julgamento de um mandado de segurança para o tribunal pleno à época. Hoje, não teríamos a menor dúvida de que o dispositivo do então Código de 1973 não poderia ser aplicado literalmente, na medida em que existem situações nas quais é necessário a interpretação à luz de valores ou normas fundamentais, como, no caso concreto, a que trata do acesso à justiça, estabelecido no art. 5.º, XXXV, da nossa Constituição” (CARNEIRO, 2015, p. 9).

Conforme os objetivos deste trabalho, Júnior (2016) comenta que na Parte Geral o CPC/15 concedeu grande importância à constitucionalização do processo, consagrando os doze primeiros artigos para caracterizar aquilo que denominou de “Normas Fundamentais do Processo Civil”, como os princípios do contraditório sem surpresas, da sujeição de todos os participantes do processo ao comportamento de acordo com a boa-fé, da dignidade da pessoa humana, da submissão do próprio juiz ao contraditório, da fundamentação adequada das decisões judiciais e muitas outras, lembrando que entre as normas fundamentais está também a que incita a prática da justiça coexistencial (juízo arbitral, conciliação e mediação).

Neves (2016) por sua vez defende que, apesar de ser elogiável o artigo primeiro por positivar a força normativa da Constituição, seu conteúdo não é novo nem traz inovação, para ele isso é o óbvio pois não é exclusividade da norma processual a imposição de que esta seja construída e interpretada conforme a Constituição devido isso já ser aplicável para todo tipo de norma infraconstitucional.

Para Neves (2016) sua crítica reside que no direito pátrio é necessário se dizer o óbvio de forma direta para que os operadores do direito passem a notar e a aceitar a obviedade, apesar disso o artigo 1º CPC/15 possui relevância por consagrar expressamente o direito processual constitucional. Assim, de acordo com o citado autor, o novo código de processo civil ao dispor que este precisa ser interpretado de acordo com a Carta Magna o dispositivo em estudo impõe que as dúvidas interpretativas sejam sanadas a favor da otimização dos valores e das normas fundamentais constitucionais.

A crítica de Neves (2016) mais instigante ao artigo 1º refere-se que, apesar do CPC/15 conceder um amplo respeito à Constituição pode-se encontrar dispositivos que são contrários a certas normas constitucionais:

“Alguns exemplos demonstram de forma clara tal paradoxo. O art. 927 do Novo CPC cria uma série de hipóteses de precedente vinculantes, o que tem duvidosa constitucionalidade, considerando-se que esse tipo de eficácia depende de norma constitucional, como ocorre com a súmula vinculante e com o controle concentrado de constitucionalidade. O inciso IV do dispositivo ora analisado é o mais intrigante, ao prever que as súmulas de direito constitucional editadas pelo Supremo Tribunal Federal e as súmulas de direito infraconstitucional editadas pelo Superior Tribunal de Justiça têm eficácia vinculante. Não são súmulas vinculantes essas previstas no inciso II do art. 927 do Novo CPC, mas têm o mesmo efeito vinculante. O sistema agora passa a ter súmula vinculante prevista em texto constitucional e súmula com eficácia vinculante prevista em texto infraconstitucional.

O art. 987, caput, do Novo CPC prevê o cabimento de recurso especial e extraordinário contra a decisão do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR, enquanto os arts. 102, III, caput, e 105, III, caput, ambos da CF, preveem que só são cabíveis tais espécies de recursos quando houver decisão da causa. E obviamente incidente processual não é uma causa, pelo menos não era até o advento do Novo Código de Processo Civil” (NEVES, 2016, p. 2).

Em que pese a crítica, isso não desqualifica a ideia de um processo constitucional influenciando o CPC/15, fato inclusive aceito por Neves (2016), mas que o código possui incongruências como citado pelo autor, tais inconvenientes poderão ser objeto de um eventual controle de constitucionalidade se for o caso, mas há por outra parte exemplos positivos também, senão vejamos:

“Outro exemplo que evidencia a interpretação de dispositivo processual à luz da Constituição pode ser visto em uma hipotética situação que condicionasse a concessão de tutela provisória à apresentação de uma garantia. A leitura do eventual artigo que impusesse referida condicionante, sob a óptica do artigo em estudo, seria, necessariamente, a de dispensar tal exigência quando excessivamente onerosa para uma das partes, garantindo, portanto, o pleno acesso à justiça. Mais do que isso, a todo momento o juiz se depara com situações nas quais pode existir mais de uma resposta adequada para um só caso; é justamente nestas hipóteses que a interpretação deve levar em conta os valores e as normas fundamentais estabelecidas na Constituição, servindo-se o magistrado dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade” (CARNEIRO, 2015, p. 9-10).

De acordo com o exposto, Carneiro (2015) aponta que o processo não é um fim em si mesmo, mas um meio para a concretização de valores constitucionais que no exercício da atividade jurisdicional deve produzir, em regra, em um julgamento de mérito, justo, eficaz e célere.

Na doutrina de Marinoni (2017) ele observa que a ênfase dada a certos direitos fundamentais processuais no CPC/15 em detrimento de outros é justamente por força da respectiva previsão de que as normas fundamentais do processo civil derivam da circunstância desses constituírem compromissos fundamentais do legislador, como: respeitar a liberdade e a igualdade dos cidadãos perante a ordem jurídica (arts. 1º, 2º, 3º e 8º, CPC), prestar uma tutela tempestiva aos direitos (arts. 4º e 12º, CPC) e gerir a justiça civil a partir de uma concepção democrática (arts. 5º, 6º, 7º, 9º, 10 e 11 CPC).

Marinoni (2017) comenta que alguns dispositivos do CPC/15 somente reproduzem o texto da Constituição, mas há outros que procuram densificar os direitos fundamentais que formam o direito ao processo justo, com a junção de texto e de sentido. Quando estiver em causa o significado de um direito fundamental reproduzido no código processual, caberá recurso especial para o STJ, mas se estiver em causa uma discussão sobre a injusta proteção ao direito fundamental processual pelo Código, caberá recurso extraordinário para o STF.

“O processo civil é estruturado a partir dos direitos fundamentais que compõem o direito fundamental ao processo justo, o que significa dizer que o legislador infraconstitucional tem o dever de desenhá-lo a partir do seu conteúdo. Em outras palavras, o processo civil é ordenado e disciplinado pela Constituição, sendo o Código de Processo Civil uma tentativa do legislador infraconstitucional de adimplir. Com o seu dever de organizar um processo justo. Vale dizer: o Código de Processo Civil constitui direito constitucional aplicado. O Código deve ser interpretado de acordo com a Constituição e com os direitos fundamentais, o que significa que as dúvidas interpretativas devem ser resolvidas a favor da otimização do alcance da Constituição e do processo civil como meio para tutela dos direitos (MARINONI, 2017, p. 153)”.

Essa explicação reforça o artigo primeiro do CPC/15 que o processo civil deve ser ordenado, disciplinado e interpretado de acordo com a Constituição, demonstrando uma concordância com o fenômeno da constitucionalização no CPC/15, acontecimento esse que Torres (2015) entende ser o início do constitucionalismo processual brasileiro:

“Tem-se por ponto comum, atualmente, que o start para o constitucionalismo processual brasileiro derivou, grosso modo, da percepção de que o fenômeno processual não mais poderia (nem deveria) ser compreendido como um fim em si mesmo, nada obstante, sublinhe-se, a primeira fase da aludida constitucionalização tenha, ao fim e ao cabo, laborado com pouco mais do que a singela noção de subserviência do instrumento aos desígnios constitucionais, vislumbrando-se em toda e qualquer matéria de natureza processual, caráter meramente instrumental” (TORRES, 2015, p. 22).

Para Torres (2015) a surgimento da ideia da eficácia imediata dos direitos fundamentais, junto com a percepção do compromisso, sustentado pelos ordenamentos jurídicos contemporâneos, com a promoção da dignidade estimularam a doutrina para a imprescindibilidade de uma nova leitura dos ordenamentos processuais. Essa releitura seria orientada pelo fenômeno processual comprometido com a concreção
dos direitos fundamentais, em outras palavras seria um processo constitucional processual:

“Reconhece-se, por assim dizer, a existência de um modelo constitucional de processo (a) comprometido com a concreção dos direitos fundamentais substanciais (mas também revelador de outras posições jurídicas, de idêntica natureza, inerentes, única e exclusivamente, ao mundo do processo); e, por definição, (b) soberano em relação aos ditames processuais infraconstitucionais. Admite-se, contemporaneamente, segundo tal linha de pensamento, haver um rol de direitos, igualmente fundamentais, que, ainda que tenham valia/aplicação limitada ao fenômeno processual, isto é, sensíveis apenas no e em razão do processo, compõem, ao lado de outros tantos, o núcleo das posições jurídicas mínimas asseguradas aos cidadãos, devendo, em tudo e sempre, orientar interpretações, bem como a regulamentação de quaisquer regimes processuais, independentemente de sua natureza” (TORRES, 2015, p. 22-23).

Torres (2016) entende que devido a Constituição possuir um conteúdo processual, a doutrina brasileira resolveu sistematizá-la em grande medida com base em alguns direitos fundamentais, tais como a isonomia, a contraditório, a ampla defesa, a prova, a assistência jurídica integral e gratuita, embora existam outros que derivam de uma análise sistemática das normas constitucionais. O fato é que o CPC/15 não é pleno nem central em si mesmo, ele parte da Constituição tal como nos ensina Marinoni (2017):

“O Código de Processo Civil não é pleno e nem central, nada obstante sirva, enquanto densificação infraconstitucional do direito ao processo justo, como direito processual geral isto é, transetorial, sendo aplicável naquilo que não conflite em toda disciplina processual no direito brasileiro (art.15, CPC). Não é pleno, porque o sistema é relativamente aberto e diferentes estatutos processuais previstos em leis extravagantes convivem com o Código. Não é central, porque a centralidade na ordem jurídica brasileira é da Constituição. Isso quer dizer que a construção e a reconstrução do sistema processual civil parte da Constituição, vai à legislação e volta para a Constituição: o direito fundamental ao processo justo principia e enfeixa o processo civil brasileiro. Por essa razão é que o processo tem de ser interpretado de acordo com a Constituição, observando-se as disposições do Código que de seu turno não estão imunes ao controle de constitucionalidade” (MARINONI, 2017, p. 153).

Para Marinoni (2017) o direito ao processo justo é um princípio fundamental para a estruturação do processo no Estado Constitucional, e o modelo básico de atuação processual do Estado e até dos particulares em certas situações substanciais, segui-lo é uma condição necessária e imprescindível para a obtenção de sentenças justas. Segundo o citado autor, o direito ao processo justo é um direito de natureza processual, ele estabelece deveres estruturais ao Estado na sua função legislativa, judiciária e executiva, daí a razão de se enquadrar dentro da classe dos direitos à organização e ao procedimento.

“A legislação infraconstitucional constitui um meio de densificação do direito ao processo justo pelo legislador. É a forma pela qual esse cumpre com o seu dever de organizar um processo idôneo à tutela dos direitos. As leis processuais não são nada mais nada menos do que concretizações do direito ao processo justo. O mesmo se passa com a atuação do Executivo e do Judiciário. A atuação da administração judiciária tem de ser compreendida como uma forma de concretização do direito ao processo justo. O juiz tem o dever de interpretar e aplicar a legislação processual em conformidade com o direito fundamental ao processo justo. O Estado Constitucional tem o dever de tutelar de forma efetiva os direitos. Se essa proteção depende do processo, ela só pode ocorrer mediante processo justo. No Estado Constitucional, o processo só pode ser compreendido como o meio pelo qual se tutela os direitos na dimensão da Constituição” (MARINONI, 2017, p. 153-154).

Dessa forma, na concepção de Marinoni (2017) o direito ao processo justo tem por objetivo a assegurar a consecução de uma decisão justa, o processo é o instrumento pelo qual se desempenha a reivindicação à tutela dos direitos, sendo esse a sua função central dentro do Estado Constitucional.

Conclusão

Como visto, a partir da segunda metade do século XX os estudos sobre processo e Constituição derivaram o que hoje pode-se denominar de direito processual constitucional ou processo constitucional, essa nova concepção de ordenamento jurídico surgiu após a segunda guerra mundial com o advento do Estado Democrático de Direito. O processo constitucional enquanto vertente dos estudos jurídicos é um método sistêmico através do qual o processo é analisado em suas relações com as normas da Carta Magna.

Sob essa nova concepção o processo civil precisa ser analisado e utilizado sob a égide dos valores e das normas fundamentais da Constituição Federal, que em aspectos gerais são os princípios e garantias processuais constitucionais, como por exemplo o devido processo legal, a inafastabilidade do controle jurisdicional, a organização judiciária e etc.

As normas constitucionais passam a ser vistas como a base do trabalho do processualista, assim sendo a atuação das partes e a função jurisdicional necessitam ser estudadas a partir do entendimento de que o processo é um local em que devem se concretizar os princípios intrínsecos a um Estado Democrático de Direito.

O Novo Código de Processo Civil aderiu ao fenômeno da constitucionalização processual como ficou claro na Exposição de Motivos do código, tendo em vista que um dos objetivos que o nortearam foi deixar de entender o processo como uma teoria descomprometida de sua natureza fundamental de método de resolução de conflitos, por meio do qual se realizam valores constitucionais, e mais, dentre os cinco objetivos que orientaram os trabalhos da Comissão idealizadora do CPC/15 o primeiro foi justamente o de estabelecer expressamente uma verdadeira sintonia com a Constituição Federal, o que evidencia que o novo código de processo civil vem a viabilizar maior efetividade à Constituição, principalmente às suas normas fundamentais para garantir um processo civil constitucional justo, célere e eficaz.

 

Referências:
BRASIL. Código de processo civil e normas correlatas. – 11. ed. – Brasília: Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2017.
CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Capítulo I. Das Normas Fundamentais Do Processo Civil. In: WAMBIER, Tereza Arruda Alvim. et al. Breves comentários do código de processo civil [livro eletrônico]. – 1.ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.
DIAS, Ronaldo Bretas Carvalho. A constitucionalização do novo Código de Processo Civil. In: Normas Fundamentais. Coord. Ger. Fredie Didier Jr. [et al.]. – Salvador :
Juspodivm, 2016.
DINAMARCO, Cândido Rangel; LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Teoria geral do novo processo civil. – São Paulo: Malheiros, 2016.
FREIRE, Rodrigo Cunha Lima & CUNHA, Maurício Ferreira. Novo Código de Processo Civil – CPC para concursos: Doutrina, Jurisprudência e questões de concursos. – 6. ed. rev., ampl. e atual. – Salvador: Juspodivm, 2016
JÚNIOR, Humberto Theodoro. Código de Processo Civil anotado. – 20. ed. revista e atualizada – Rio de Janeiro: Forense, 2016.
MARINONI, Luiz Guilherme. et al. Novo Código de Processo Civil comentado. – 3. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017.
MEDINA, José Miguel. Direito processual civil moderno. – 3. ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. – Salvador: Ed. Juspodivm, 2016.
TORRES, Artur. Anotações aos artigos 1º a 12. In: Novo código de processo civil anotado. OAB-RS. – Porto Alegre: OAB RS, 2015.
Nota
[1] Artigo apresentado para a Faculdade Legale como requisito para obtenção do título de especialista em Direito civil e processo civil, sob a orientação do professor Joseval Martins Viana.
[2] Quando falamos em processo constitucional é pertinente a diferenciação feita por Araken de Assis “… o direito processual constitucional, do qual se origina o modelo que conforma a legislação infraconstitucional, dividido em dois aspectos: (a) jurisdição constitucional, através da qual o STF, e, residualmente, os TJ (art. 125, § 1.º, da CF/1988), no chamado controle concentrado, influencia o processo civil contemporâneo, às vezes criando normas processuais; (b) tutela constitucional do processo, decorrente do complexo de princípios, regras e garantias previstas na CF/1988 para dar efetividade aos direitos fundamentais e ao direito substantivo, e tornar previsíveis os provimentos judiciais em casos similares” (ASSIS, 2015, p.114).


Informações Sobre os Autores

Jader de Moura Fontenele

Advogado. Bacharel em Teologia FEB e em Direito UESPI

Joseval Martins Viana

Graduado em Letras e em Direito. Mestre em Comunicação e Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie


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Equipe Âmbito Jurídico

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