Resumo: No presente trabalho abordamos a Constituição, seu processo evolutivo, seus desafios diante do fenômeno da globalização além do seu status nos dias atuais. Chegamos à conclusão de que deve ser repensado o Direito no sentido de que as constituições nacionais devem se adaptar à proposta atual de criação de uma constituição supranacional.
Palavras-Chave: Constituição. Globalização. Neoconstitucionalismo. Constitucionalização do Direito. Constitucionalismo Moderno.
Abstract: In this paper we address the Constitution, its evolutionary process, its challenges to the phenomenon of globalization, in addition to its status today. We conclude that must be rethought the law in the sense that national constitutions must conform to the current proposal to create a supranational constitution.
Sumário: Introdução. 1. Constituição: Conceito, Origem e Evolução. 2. Desafios Constitucionais da Globalização. 3. O Direito Constitucional na Atualidade. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Neste sucinto trabalho será abordada a Constituição no contexto histórico do seu surgimento, o seu processo de evolução e os desafios postos pelo fenômeno da globalização. Para melhor compreensão, foi estabelecida uma estrutura seqüencial que vai desde a sua conceituação, passando pela origem, evolução e desafios para, em seguida, chegar à sua situação nos dias atuais.
Consideramos de extrema importância esse breve estudo histórico-evolutivo da Constituição como forma de compreensão e aprimoramento do Direito Constitucional. É curioso e fantástico acompanhar tanta mudança em tão curto espaço de tempo.
Espera-se que essa modesta pesquisa possa contribuir de alguma forma para um melhor esclarecimento a respeito do tema.
1. CONSTITUIÇÃO: CONCEITO, ORIGEM E EVOLUÇÃO
Inicialmente é preciso fazer uma abordagem acerca do conceito de Constituição. Basicamente Constituição é uma norma superior que regulamenta a organização do Estado e as garantias e direitos individuais do cidadão, além de outros assuntos mais importantes da sociedade para a qual foi promulgada. [1]
José Emílio Medauar Ommati, fazendo uma breve introdução histórica a respeito do surgimento da Constituição, comenta que a partir das revoluções burguesas surgiu a noção de indivíduo e a necessidade do estabelecimento de uma ordem social. [2]
Numa referência ao pensamento de Luhmann, ele relata que o grande problema existente na sociedade Pré-moderna era como se limitar o poder do rei, daí decorrendo a interpretação de que os movimentos revolucionários burgueses foram uma forma de se positivar os princípios do Direito Natural. (LUHMANN, Niklas. La Costituzione come Acquisizione Evolutiva. In: ZAGREBELSKY, Gustavo et.al. Il Futuro della Costituzione. Torino, Einaudi, 1996, p.83 a 128.). Ainda segundo aquele autor, para Luhmann essa positivação foi uma conquista dos movimentos revolucionários, mas ao mesmo tempo e em contradição, foi também uma derrota uma vez que a partir da positivação dos direitos naturais passou-se a distinguir Direito da Moral, Religião, Economia etc, ou seja, a partir de então somente o Direito é que poderia dizer acerca do seu objeto, tornando-se um sistema fechado em si, enquanto para José Emílio a Constituição é um mecanismo de acoplamento que liga o Direito à Política e à Moral.
José Carlos Vasconcelos dos Reis (2003. p. 11/34) relata que por muito tempo foi negada força normativa aos direitos fundamentais expressos nos textos constitucionais, demonstrando que as Constituições, a exemplo das Declarações de Direitos, padeciam da ausência de juridicidade e, portanto, de eficácia quanto à aplicação dos seus enunciados.
Referido autor faz na mesma obra uma comparação entre as Constituições surgidas após a Primeira Grande Guerra, enfatizando o surgimento do constitucionalismo social no século XX, tido como segunda fase do constitucionalismo moderno, e as suas implicações decorrentes a partir da denominada “positivação” dos direitos sociais e das normas programáticas que passaram a usufruir do status constitucional. Atribui-se essa mudança a uma enorme influência dos movimentos intelectuais de origem filosófica, religiosa, socialista entre outros. Essa transição de pensamentos teria ocorrido concomitantemente à passagem do Estado Liberal para o Estado Social. [3]
Na visão de muitos doutrinadores, normas constitucionais programáticas são consideradas como sendo normas-fim, que impõem uma atividade e dirigem materialmente a concretização constitucional.
Como já referido na conceituação de Constituição, sua evolução se dá de acordo com a mudança na concepção dos valores pela sociedade. É verdade que infelizmente em alguns países ela foi ou tem sido utilizada como pretexto para uma legitimação da dominação existente.
Para David Wilson de Abreu Pardo (SC 2000. p. 253/281), o surgimento da doutrina constitucional se deu com a declaração de direitos da pessoa humana, sendo que na antiguidade o homem encontrava-se “balizado” pelas explicações de caráter teológico, onde tudo era explicado pelo além, predominando a teoria do Teocentrismo, segundo a qual Deus é o centro do universo, tudo foi criado por ele, por ele é dirigido e não há outra razão além do desejo divino sobre a vontade humana. [4]
Para ele, com o rompimento dessa cultura e em contraposição a essa forma de pensar, chegou-se à modernidade, onde se passou a considerar o homem como centro das explicações acerca de si e do mundo, o enaltecimento do individualismo. Também, uma vez superada a teoria teocentrista, surge então a teoria do poder constituinte, calcada na razão humana e que considera a Nação como titular da soberania.
Ainda segundo esse autor, uma vez insculpidos os direitos fundamentais do homem num texto constitucional, temos inicialmente um Estado Liberal que com o passar do tempo e a evolução do constitucionalismo, assume a forma de Estado Social. Conclui que essas novas teorias sustentam a passagem de uma direção estatal autoritária e centralizada para uma mais flexível e de orientadora das condutas sociais, concebendo a existência de subsistemas distintos cada qual com poder de regulação.
2. DESAFIOS CONSTITUCIONAIS DA GLOBALIZAÇÃO
Vivemos num tempo classificado como pós-moderno, onde as mudanças têm ocorrido de forma crescente, rápida e sem fronteiras, em parte como conseqüência do fenômeno denominado “globalização”.
Para o Professor Juventino de Castro Aguado (Revista Nacional de Direito e Jurisprudência, n.° 81, ano 7, Setembro/2006) as realidades locais de cada Estado estão dando lugar a uma realidade cada vez mais universal e, por conseguinte, o Direito de cada país está gradativamente sendo internacionalizado.
De acordo com referido autor, nesse cenário globalizado estão surgindo, sob o manto da ideologia do Neoliberalismo, “novos poderes políticos e jurídicos” materializados em instituições de caráter multinacional e gigantescas corporações empresariais que em concorrência com os Estados são responsáveis pelo enfraquecimento do seu poder de intervenção. [5]
O grande problema apontado por ele é o fato de que essa perda de autonomia só acontece nos Estados pobres, ou seja, o comando das decisões políticas, econômicas e jurídicas está ficando a cargo das grandes potências. A idéia inicial de que a abertura dos mercados incentivaria o desenvolvimento dos países menos desenvolvidos não passou de uma ilusão se consideradas as barreiras impostas pelos países ricos.
Não obstante essas questões apresentadas, é quase que unânime que pelos menos alguns pontos positivos são decorrentes da globalização, tais como a valorização dos direitos humanos, a conscientização da preservação do meio ambiente, entre outros.
Ocorre, entretanto, que diante da situação de pobreza de muitos países, estão sendo formados “blocos econômicos” de nações ricas com a imposição de medidas protecionistas, as chamadas barreiras comerciais. Isso não só tem prejudicado o desenvolvimento dos países menos favorecidos, como também muitas das vezes tem provocado até a crise e recessão deles, que não tendo para quem exportar consequentemente não terão recursos para importar os produtos necessários ao seu desenvolvimento, prejudicando a economia, geração de empregos, distribuição de renda, políticas públicas etc.
Peter Häberle (2007, p. 01/25) aponta para a necessidade da ciência jurídica permanecer em constante análise do próprio objeto de estudo como forma demonstrativa para escolha de um método e cita como exemplos dos novos desafios: a economicização de quase todos os domínios da vida, invertendo-se os valores entre o homem e o mercado; a prevenção dos riscos rumo ao perigo de uma teoria da insuficiência do sistema; a conservação do Estado social positivado em inúmeras constituições frente ao momento de crise econômica, além da reforma da ONU, notadamente do Conselho de Segurança, de maneira a se permitir a participação de outras nações.
Sem embargo de suas críticas ao direito internacional, à ONU etc, esse autor reconhece que há um desenvolvimento do constitucionalismo no sentido de se agrupar o Estado Constitucional com o Direito Internacional. [6]
A globalização está presente em praticamente todas as áreas e não só na economia, mas principalmente no Direito, enquanto ciência reguladora da vida em sociedade, esse fenômeno deve ser regulamentado como forma de se evitar a exploração humana, a formação de novos impérios com a colonização dos países menos favorecidos.
3. O DIREITO CONSTITUCIONAL NA ATUALIDADE
Nos tempos atuais temos assistido ao surgimento dos fenômenos caracterizados como neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito.
Luís Roberto Barroso (jan.-mar./2007. p. 129/173) aborda esse assunto ao trazer como marco histórico do neoconstitucionalismo o cenário da Europa Ocidental no período pós-guerra e no Brasil com a promulgação da Constituição Federal de 1988. No primeiro caso tem-se como principal referência a Constituição Alemã de 1949.
Para referido autor o marco filosófico desse neoconstitucionalismo foi o pós-positivismo que provocou uma evolução no Direito a partir da sua leitura moral, atribuindo-se normatividade aos princípios constitucionais e, por conseguinte, formando-se uma nova hermenêutica constitucional.
Como marcos teóricos esse mesmo autor cita três grandes transformações que seriam o reconhecimento de força normativa à Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional. [7] Interessante a sua colocação no sentido de que a Constituição teria passado do status de documento político para documento jurídico, ocorrendo a constitucionalização dos direitos fundamentais e a aplicação dos métodos de interpretação tradicionais do Direito na seara constitucional. [8]
Muitos doutrinadores têm classificado esses acontecimentos como a constitucionalização do direito, ou seja, a partir dos valores e princípios contidos no documento constitucional e de uma crescente judicialização das relações sociais surgida por meio da conscientização popular dos seus direitos, as leis devem ser interpretadas a partir de uma leitura da constituição, sob a ótica do seu conteúdo e finalidade.
Para Barroso essa constitucionalização do direito tem repercussão na atuação dos três Poderes, ponderando que com relação ao Legislativo ocorreria limitação da sua discricionariedade na elaboração das leis, com a imposição de deveres de atuação conforme os programas constitucionais; Para o Executivo, além dessas mesmas limitações impostas ao Legislativo, forneceria fundamento de validade para a prática de atos de aplicação direta e imediata da Constituição, independente da “intermediação” do legislador ordinário; Para o Judiciário, serviria de parâmetro para o controle de constitucionalidade, condicionando a interpretação de todas as normas do sistema. [9]
O autor José Emílio Medauar Ommati (ob. pág. citadas) discute a concretização dos direitos sociais diante do paradigma do Estado Democrático de Direito, abordando a função da Constituição no Direito Moderno; faz um paralelo entre os direitos sociais e os demais direitos constitucionais, comentando a possibilidade de concretização desses direitos através do Judiciário, respeitados os limites impostos pelo princípio da separação dos poderes. [10] Para ele a importância da reflexão acerca da implementação dos direitos sociais se justifica, dentre outros motivos, porque esses direitos ainda são muito mal compreendidos.
Várias questões são colocadas por esse autor, entre elas: “…como levar a sério os direitos sociais? E qual seria o papel do Judiciário Brasileiro?”. Apresentando algumas soluções, o mesmo propõe que para se levar a sério esses direitos deve-se oportunizar aos seus destinatários a possibilidade de discussão do teor daqueles. Propõe ainda que os mecanismos processuais seriam o instrumento para a discussão pública de questões de interesse geral, mas que seria inadmissível que o Judiciário elaborasse políticas públicas, função essa que continuaria a ser exercida pelos Poderes Executivo e Legislativo, mas com a participação dos mais diversos movimentos sociais.
Concordamos com esse respeito ao princípio da separação dos Poderes, mas até que ponto deve-se atentar a esse modelo quando diversos outros princípios como dignidade da pessoa humana, do acesso à justiça etc. estão sendo violados por uma omissão às vezes até intencional por parte dos Poderes Executivo e Legislativo. Quando não acontece o descumprimento da sua função ocorre o cumprimento irregular, arbitrário das funções constitucionalmente previstas. Nesses casos entendo não haver usurpação de função por parte do Judiciário, mas uma ponderação de princípios constitucionais, principalmente o de que nenhuma lesão ou ameaça a direito será excluída da apreciação do Poder Judiciário. Lamentavelmente ou, dependendo do ponto de vista, de forma louvável, o Judiciário tem sido o último refúgio, recurso dos cidadãos diante das situações de desrespeito aos seus direitos.
Como bem salientado por Arturo Uslar Petri, citado pelo autor argentino Ernesto Grün:
“Habrá que repensar las estructuras del gobierno y del Estado que, en lo esencial, son las mismas que la civilización occidental adoptó em los siglo XVIII y XIX y que evidentemente no corresponden a la compleja estructura de las sociedades actuales. Hay que repensar el gobierno, hay que repensar el Estado y hay que repensar la sociedad para encontrar maneras valederas de hacerlos más eficaces y más adecuados a la complejidad de nuestro tiempo.”[11]
Precisamos sim repensar o Direito Constitucional como um todo em atenção ao que está acontecendo globalmente, pois não se concebe mais ser possível um país se desenvolver – ele e seu povo – de maneira isolada do resto do mundo.
CONCLUSÃO.
Mostrou-se neste resumido trabalho que a constituição teve uma considerável evolução desde o seu surgimento, enquanto forma de positivação dos direitos e garantias do homem frente ao absolutismo de outras épocas, passando de documento político para norma jurídica, com status superior e de observância necessária para interpretação das demais normas.
Diante do atual estágio da globalização, com a regulamentação internacional de direitos universalmente reconhecidos, tais como a preservação do meio ambiente, o respeito aos direitos humanos, o combate ao tráfico internacional de drogas e de armas etc. nos vemos numa necessária normatização supranacional das constituições, talvez uma carta constitucional soberana e superior a todas as constituições nacionais sem, contudo, representar uma revogação das constituições e leis de cada país, nem quebrar com a soberania nacional de cada um deles.
A proposta aqui levantada e que encontra apoio de muitos doutrinadores é a de criação de uma ordem constitucional superior as já existentes, mas em harmonia com elas, capaz de regulamentar a vida sem fronteiras, os problemas que não são mais locais, mas ao contrário, repercutem crescentemente nos “quatro cantos do mundo”.
É ainda tímida, mas promissora a abertura que a nossa Constituição Federal de 1988 dá a essa nova ordem mundial quando através da Emenda Constitucional n.º 45 prevê a adesão brasileira ao Tribunal Penal Internacional, bem como a equiparação dos Tratados sobre Direitos Humanos às emendas constitucionais segundo as regras de aprovação legislativa nacionais.
Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU. Mestrando em Direitos Coletivos – Cidadania – Função Social pela Universidade de Ribeirão Preto – UNAERP. Servidor público federal do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais TRE-MG – Chefe de Cartório da 277ª Zona Eleitoral de Uberaba.
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