Resumo: O presente trabalho objetiva apresentar os estudos criminológicos de Edwin Hardin Sutherland e sua contribuição para a definição do crime de “colarinho branco”. Produzido mediante pesquisa bibliográfica e análise documental, mas se propõe também a uma análise crítica dos seus estudos e sua importância para a criminologia contemporânea. A fixação do conceito de crime de colarinho branco e suas divergências foi o principal problema analisado no presente estudo.
Palavras-chave: Crime de Colarinho Branco; Criminologia; Cultura de Classe
Abstract: The present work aims to show the criminological studies of Edwin Hardin Sutherland and his contribute for the concept of white collar crime. This work was done by a bibliographic research and a documental analysis, but also proposes a critical analysis about the studies of Sutherland and their importance for the contemporary criminology. The firming of the white collar crime concept and its divergences was the main problem observed on this study.
Keywords: White Collar Crime; Criminology; Class Culture
Sumário: 1.Introdução; 2. A base sociológica de Sutherland; 3. Decifrando o Colarinho Branco: uma abordagem criminológica original; 4. Conclusão. Referências
1. Introdução:
O reconhecimento da existência de “crimes de colarinho branco” instala, no âmbito penal e criminológico, novas perspectivas de análise do crime e da criminalidade. Certamente, produz uma superação das formas tradicionais de explicação do crime como um problema antropológico e pessoal (modelo positivista europeu) ou um problema e disfunção social (modelo funcional norte-americano). Afinal, é intrigante nos questionarmos como pessoas muito bem inseridas no contexto social, provenientes de estruturas familiares sadias e com uma escolaridade acima de média, se envolvem em práticas criminais? Na hipótese dos “crimes de colarinho branco”, a explicação da prática criminal não poderia mais se restringir a uma análise de “patologia pessoal” ou de “patologia social”.
O Positivismo Italiano, por intermédio de Lombroso (2001), havia proposto uma análise etiológica criminal centrada no “homem delinquente”. Os dados coletados para a pesquisa do médico italiano foram extraídos das penitenciárias europeias. Retratavam, sobretudo, características fisionômicas e psíquicas do delinquente recolhido nas prisões. Entretanto, a pesquisa possuía a fragilidade de se ater, exclusivamente, ao público selecionado para a execução penal. Com isto, desconhecia a análise crítica da subnotificação delinquente e do problema da seletividade penal, uma vez que a estrutura dos órgãos de controle social, normalmente, alcança somente as pessoas mais pobres e desprovidas de condições de defesa. Abaixo uma importante constatação, a partir de uma pesquisa estatística desenvolvida por um médico inglês, que corrobora as críticas supramencionadas às investigações criminológicas que se fundamentem apenas nos indivíduos detidos nas prisões, refutando, portanto, as análises feitas por Lombroso:
“Göring não encontrou estigmas degenerativos nem diferenças sensíveis entre o grupo dos criminosos e o de não-criminosos (…) Göring não detectou no grupo de delinquentes mais anomalias que no grupo integrado por oficiais da “Royal Engineers”. Em todo o caso, não haveria mais traços diferenciais que os pudessem derivar do “efeito seletivo” do fator ambiental”. Não existe – foi sua conclusão – um tipo físico de delinquente” (MOLINA, 2002: 220)
Nos Estados Unidos, as pesquisas criminológicas passam a dar ênfase aos dados sociais e, inicialmente, também se vinculam ao público penitenciário. A análise do perfil socioeconômico das pessoas encarceradas criou, sociologicamente, um entendimento de que a criminalidade e a pobreza estavam umbilicalmente correlacionadas. A partir de então, começaram a aparecer as propostas funcionais de correção ou ampliação dos meios disponíveis na estrutura econômica da sociedade, a fim de serem estimulados comportamentos conformistas e se reduzirem os comportamentos de inovação e de rebelião e, consequentemente, a criminalidade. Entretanto, na década de 30 do século XX, a Escola Ecológica de Chicago mudou o cenário de análise criminológica. Esta escola propôs a análise dos vários movimentos, humanos e sociais, de ocupação do território urbano, compreendendo-o como uma unidade ecológica onde se situavam diversas competições e conflitos. Embora, mantendo-se no âmbito do Paradigma Etiológico da criminologia pela busca das causas da criminalidade, a realização das pesquisas de cunho criminológico fora do ambiente comum das prisões se tornou uma mudança relevante apresentada pela Escola de Chicago quanto ao ponto de partida para a análise criminal. As ruas e ambientes urbanos passam a serem estudadas como elementos criminógenos. Assim, a “criminologia da cidade grande” instalou um modelo de análise que antecedeu à perspectiva do geoprocessamento com relação ao “ambiente do crime”. O crime passou a ser uma questão relacionada à forma de ocupação do território urbano e as relações de competição estabelecidas neste território, em especial, entre os diversos grupos sociais que disputavam esta ocupação territorial. A análise da Escola Ecológica descreve ambientes estabelecidos e ambientes outsiders: zonas limbo urbanas que se apresentam como propícias para a prática criminal devido tanto à degradação da área quanto à “invisibilidade dos sujeitos” que habitam estes territórios. No mais, sobre os estudos da Escola Ecológica de Chicago, podemos ressaltar que:
“Acreditavam que a grande cidade se caracterizava por uma elevada taxa de comportamentos anormais ou imorais, como alcoolismo, toxicomania, prostituição, jogo, vagabundagem e, é claro, delinquência. Ainda que tudo isso ocorresse principalmente pela dificuldade para se criar laços sociais sólidos entre as pessoas dessocializadas, foram esses estudiosos os primeiros a revelar que muitos destes comportamentos estavam adaptados às normas de subculturas de pequenas comunidades que toleravam, estimulavam ou recompensavam esses comportamentos” (Anitua, 2008: 427)
A Escola Ecológica de Chicago instala novas perspectivas de análise do fator criminal que permitem o desenvolvimento de diversas teorias, inclusive, aquelas referentes às subculturas delinquentes e a teoria do aprendizado social defendida por Sutherland. Esta última objeto de estudo no presente trabalho.
2. A base sociológica de Sutherland
Edwin Hardin Sutherland foi aluno da Universidade de Chicago recebendo forte influência das pesquisas sociológicas que se desenvolviam naquele ambiente acadêmico. Muito embora, inicialmente, nem tenha se interessado sobre a questão criminal, haja visto, por exemplo, sua tese de doutoramento retratar a questão do desemprego na América: Unemployment and Public Employment Agencies (LEMOS, 2015: 8). Posteriormente, principia pesquisas na área criminal de maneira tradicional, visitando as prisões e coletando dados (LEMOS, 2015: 9). Quando possuiu a oportunidade de fazer uma pesquisa com base na entrevista que deu origem ao livro intitulado “O Ladrão Profissional”, financiado pela Universidade de Chicago, principiou o seu questionamento acerca de como uma pessoa bem educada, que tinha acessado todas as benesses de uma sociedade de consumo, poderia delinquir? Era impressionante descobrir a delinquência fora do âmbito das prisões e de sua correlação comum com a pobreza. Neste sentido:
“Os rumos de sua pesquisa passaram a se relacionar com a criminalidade dos ricos sobretudo, a partir de um estudo bibliográfico, aparentemente influenciado pelo sucesso do livro The Jack-Roller (1930) escrito por Clifford R. Shaw. Em 1932, a Universidade de Chicago decide pagar R$ 100,00 mensais, pelo período de três meses, para que Broadway Jones narrasse a Sutherland sua carreira criminosa. Sob o pseudônimo de Chic Conwell, as falas desse homem bem-vestido, portador da melhor etiqueta de sua sociedade e de oratória eloquente, seriam, então, a base para que Sutherland escrevesse o “O Ladrão Profissional” (The Professional Thief – 1937) (LEMOS, 2015: 9)
No decorrer do estudo apresentado pelo texto “O Ladrão Profissional”, surgiram vários elementos explicativos da teoria do aprendizado social e da associação diferencial, demonstrando os vínculos e pautas de conduta a partir da ideia de pertencimento a uma classe de pessoas e a comunhão de experiências e valores em virtude da introdução neste grupo. Assim sendo:
“De acordo com as próprias palavras desse profissional do roubo, Sutherland demonstrava como os membros desse ofício adquirem, pouco a pouco, algumas técnicas específicas relacionadas com as diferentes atividades, através da associação e da cooperação com outros ladrões, no bairros pobres e mesmo nas prisões. Ao estabilizar-se em sua profissão, o ladrão adquire também os valores e o espírito de corpo que os separa de outras profissões e também dos amadores, aos quais vê de forma depreciativa, por carecerem de tais códigos. Os valores diferentes são acompanhados de formas de comportamento também diferentes” (ANITUA, 2008: 494)
Dissociar crime e pobreza foi um resultado importante para a análise do “colarinho branco”, porque, trata-se do crime praticado pelas pessoas respeitáveis e que convivem no ambiente próprio das elites sociais. É uma criminalidade forjada dentro dos escritórios e bem diferente do modelo corpóreo ou físico da criminalidade encontrada nas ruas e praticada pelas classes sociais inferiores. Estipular um modelo de análise que explicasse a criminalidade de “colarinho branco” foi o grande desafio enfrentado por Sutherland. Invertia a ordem de análise criminológica a reflexão acerca de existirem pessoas socialmente estabelecidas e bem incluídas que delinquem. Logo, não eram as carências ou necessidades econômicas e humanas que justificavam a prática criminal nestes casos. Por outro lado, uma parcela do discurso criminológico havia se construído determinando a superioridade psíquica e humana dos indivíduos pertencentes às classes sociais favorecidas (MOLINA, 2002: 221-223). A ideia de uma criminalidade de "colarinho branco” contrariou frontalmente este discurso, porque demonstrava que o crime poderia não ser produto de uma patologia pessoal ou social. Enfim, a identificação de uma prática criminal das elites punha em xeque o princípio meritocrático que justificava a hegemonia social dos homens de negócio e donos do capital.
3. Decifrando o Colarinho Branco: uma abordagem criminológica original
Estabelecida a ideia de que o crime poderia ser praticado por indivíduos das classes favorecidas e sem haver vínculo com uma patologia pessoal ou social, percebemos que estava ausente o manancial de explicações plausíveis para a criminalidade dentro desta nova perspectiva. Portanto, Sutherland passa a desenvolver aquela que viria ser sua principal contribuição teórica para a criminologia: a teoria do aprendizado social. Da mesma forma como reproduzimos as ações socialmente corretas e louváveis, o crime era produto de um aprendizado. Em geral, as pessoas interagem entre si, produzindo ações a partir dos símbolos refletidos nestas interações. Os grupos sociais possuem, portanto, um volume de experiências e tipologias de ações comuns que permite a aprendizagem por parte do indivíduo que participa do grupo de tais comportamentos. Dependendo do grupo social, haverá o estímulo para determinados comportamentos e a contenção para outros. Normalmente, isto é estipulado dentro de pautas de ações comuns, da mesma forma com a qual podem ser observadas pautas criminais comuns a um determinado agrupamento social. Mudam-se os grupos, modificam-se as pautas, embora elas sempre podem ser aprendidas a partir do convívio social. A teoria do aprendizado social sugere que a “criminalidade do colarinho branco” é produto de uma pauta criminal comum, aprendida pelos integrantes dos grupos sociais favorecidos.
Sutherland recebeu muitas críticas, em especial, buscando minimizar os desvios praticados pelos sujeitos socialmente incluídos e negando a sua atuação criminal. Para estes críticos, Sutherland buscava demonstrar que a criminalidade do “colarinho branco” era bastante lesiva, desviando altas somas em dinheiro, em especial, do setor público e dos investimentos nos serviços públicos essenciais. Foi produzido pelo autor, inclusive, um quadro comparativo entre as somas e cifras dos crimes patrimoniais comuns e aquela referente à criminalidade de “colarinho branco”, demonstrando-se o quanto os últimos superavam os primeiros em termos de danos financeiros. Assim:
“Há vários indicativos ao longo do livro informando que os Crimes de Colarinho Branco geravam graves consequências na organização social dos EUA. São citados crimes cujo valor isolado do prejuízo causado ao Estado ou a uma empresa representava a cifra superior à somatória de todos os crimes patrimoniais ordinários (roubos, furtos, extorsões e estelionato) cometidos no mesmo ano” (LEMOS, 2015: 19)
Também observava Sutherland que, no processo de aprendizado social, as justificativas para as ações desviantes praticadas são aprendidas de tal forma que a “culpa ou o remorso” pelas práticas desaparecem: são consideradas ações normais e comuns para o grupo que as pratica. Em geral, nem se percebe a contradição entre os valores proclamados e as ações efetivamente praticadas, porque esta neutralização da culpa é psicologicamente produzida. Tanto assim que, em geral, os grupos sociais são aptos a criticarem as ações e crimes praticados pelos indivíduos pertencentes a outros grupos, mas não efetivam uma autocrítica valorativa quanto às suas próprias ações desviantes, consideradas dentro da normalidade de ação. Esta contradição também é parte do aprendizado e obnubila qualquer sentimento de responsabilidade com relação aos atos desviantes praticados. Desta forma:
“O ladrão profissional concebe a si mesmo como um criminoso e é assim considerado pelo público em geral. Uma vez que ele não tem nenhum desejo de sustentar uma reputação pública favorável, orgulha-se de sua reputação como criminoso. O homem de negócios, por outro lado, se enxerga como um cidadão respeitável e, normalmente, também é assim considerado pelo público em geral (…) Mesmo quando violam as leis eles não se veem como criminosos” (SUTHERLAND, 2015: 338)
Posteriormente, aceita a terminologia de “crimes do colarinho branco” surgiram novas críticas com relação ao conceito. Sutherland possuía um conceito próprio que restringia o reconhecimento do sujeito ativo destes crimes às pessoas integrantes da classe empresarial e socialmente respeitáveis. Desta forma, de acordo com Sutherland:(o crime de colarinho branco) é um crime cometido por uma pessoa respeitável e de alta posição social no decurso de sua atividade profissional (apud COLEMAN, 2005: 3).
As críticas, inclusive, sugeriam que aspectos da criminalidade comum, como assassinatos e extorsões, também poderiam ser praticados dentro da atuação do “colarinho branco”. Neste sentido, Sutherland passou a admitir a possibilidade de, eventualmente, crimes comuns serem praticados para o favorecimento dos objetivos pretendidos pelo “colarinho branco” (LEMOS, 2015: 12). Em 1970, um promotor vinculado ao Departamento de Justiça norte-americano, Herbert Edelhertz questionou a definição de Sutherland no tocante ao fato do crime de colarinho branco somente ser passível de prática por parte de homens de negócio socialmente respeitáveis. De acordo com ele, o “colarinho branco” poderia ser definido como um ato ilegal, ou uma série desses atos, cometido por meios não físicos e por encobrimento ou fraude, a fim de se obter dinheiro ou bens, evitar o pagamento de dinheiro ou bens, ou ainda vantagens pessoais ou empresariais (COLEMAN, 2004: 4). Esta definição de Edelhertz esvazia, por completo, o significado original do “colarinho branco” como crime das elites, uma vez que a fraude, praticada por meios não físicos, é possível para qualquer categoria social. Por sua vez:
“(…) muitos estudos que empregam a definição semelhante à de Edelhertz não seriam possíveis com uma abordagem similar à de Sutherland. A razão é simples: a maior parte das estatísticas oficiais não fornece informações sobre a posição social dos transgressores. Além disso, muitos crimes centrais para a definição de Sutherland são tão pouco citados nos dados oficiais que praticamente inviabilizam sua análise estatística” (COLEMAN, 2004: 6)
Logicamente, o termo “colarinho branco” se propõe à descrição criminológica do crime praticado por pessoas integrantes das classes sociais abastadas, distinguindo-se do “colarinho azul” que, comumente, define a classe operária nos Estados Unidos em virtude dos macacões azuis utilizados nas Fábricas (COLEMAN, 2004: 6). Por isso, a definição atribuída por Sutherland é adequada e designa uma série de fenômenos criminais estipulados na pauta de ação social de um grupo integrante das classes favorecidas. A dimensão corporativa destes crimes deve ser observada com a reserva da respeitabilidade dos homens de negócio e não sobre o prisma comum da análise das máfias ou corporações voltadas para a prática habitual de crimes (ZIEGLER, 2003). Afinal, os crimes de máfia e outras organizações criminosas podem muito bem serem identificados como crimes corporativos, mas o que delimita o conceito do “colarinho branco” é exatamente a identidade respeitável e socialmente favorecida e aceita dos seus agentes, atributos inaplicáveis no tocante aos mafiosos (COLEMAN, 2004: 7-9).
4. Conclusão:
Não é fácil estabelecer um conceito criminológico que defina o crime praticado pelas elites. Trata-se de um desafio epistemológico e, propriamente, acadêmico delimitar tais conceitos. Imaginemos que para Sutherland a realização destes estudos implicou diversos custos, lembrando que, em geral, são as empresas (agentes corporativos vinculados à criminalidade de “colarinho branco”) que financiam boa parte dos trabalhos acadêmicos nos Estados Unidos. Desta forma:
“O desenvolvimento posterior da criminologia e do direito penal relativo às pessoas de existência ideal deve muito a Edwin Surtherland e à sua corajosa demarcação deste objeto de estudo. Para dar conta dessa coragem, devemos levar em conta que a versão original do seu trabalho foi censurada, e os nomes das companhias estudadas não foram publicados, ainda que eles tenham sido revelados na tradução para o espanhol feita por Rosa del Olmo” (ANITUA, 2008: 497).
A teoria de Sutherland inova em vários aspectos, em especial: estipula o crime como o produto de um processo de aprendizado social, foge do lugar comum das prisões como base para a captura dos dados criminológicos, põe em xeque a análise das carências e das necessidades como motivos para a prática criminal, questiona a pobreza como motivação para o crime e propõe a existência de uma perspectiva de anomia e dissociação presentes também nas classes econômicas favorecidas, abrindo os canais para as práticas criminais comuns ao “colarinho branco”, em especial, as fraudes e violações de monopólio. Atualmente, não podemos esquecer a função dos doleiros e outros agentes econômicos em correlação à criminalidade comum e organizada pelo fenômeno da Lavagem de Dinheiro (BRAGA, 2010).
Entretanto, no fim, se trata muito mais de uma teoria psicossocial do crime que uma teoria crítica e denunciadora dos conflitos sociais, uma vez que não se põe a análise dos conflitos como alimentadores das pautas criminais presentes nos diversos grupos sociais. Antes, retrata as práticas criminais como produto da associação diferencial e do interacionismo simbólico de que, propriamente, da existência de um conflito entre grupos sociais ou da busca de uma identidade socialmente divergente. Obviamente, quando denuncia as práticas do “colarinho branco” apresenta os fundamentos de uma crítica da “cultura das elites” como “cultura de classe” no sentido de demonstrar a gravidade das violações, o seu perfil corriqueiro e os discursos ocultos compartilhados pela classe social que justificam tais delitos e promovem uma insensibilidade no tocante às suas consequências. Nesta análise, mesmo sem uma intenção direta, é produzida uma profunda crítica dos valores do capitalismo, em especial, da meritocracia e do modelo ideal de concorrência, estabelecendo uma perspectiva de entendimento em que se demonstra que os homens de negócio discursam de uma forma perante o público e agem de outra completamente diferente. Veja por exemplo, a fala de um grande empresário e investidor norte-americano, sobre a vantagem de selecionar vítimas fracas para os seus comportamentos infracionais e de como isto se tornava lucrativo:
“Eu comecei a ver que a luta entre si é uma política ruim para os grandes homens de Wall Street. Quando eu estou lutando contra um Rei do Capital, até mesmo as minhas vitórias são perigosas (…) Isso sempre acontece quando você toma dinheiro de um homem do mesmo nível que o seu. Por outro lado, se eu tivesse lucrado em cima dos outsiders, teria atingido no máximo o mesmo montante, mas os perdedores seriam de diversos lugares do país e, portanto, não seriam capazes de se reunir para dar o troco. Ao ganhar dinheiro em cima dos outsiders, um insider como eu poderia lucrar o mesmo tanto a longo prazo, e não levantar qualquer inimigo poderoso o suficiente para causar desconfortos futuros” (SUTHERLAND, 2015: 346)
A contribuição de Sutherland para a análise do crime do “colarinho branco” é genealógica e fundamental. Descortinar o universo das práticas criminais do meio empresarial, a extensão dos seus males e a noção de indeterminação vitimaria foi revolucionário para o campo criminológico, afastando-se do lugar comum das disfunções pessoais ou sociais como “causas do crime”. A atualidade dos seus estudos é evidente e podemos extrair grandes lições a partir deles para o cenário brasileiro contemporâneo.
Professor de Direito Penal do CCJ/UFPB e de Política Criminal e Criminologia do PPGDH/NCDH/UFPB Doutor em Teoria Dogmática do Direito pela UFPE e Mestre em Direito Econômico pela UFPB
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