Wilson Feitosa de Brito Neto[1]
Resumo: Apesar da amplitude do projeto integracionista do Mercosul, ainda não se pode falar, vinte e oito anos depois da celebração do Tratado de Assunção, em resultados conclusivos quanto aos propósitos iniciais do Bloco. Evidente, pois, a ocorrência de falhas no processo de integração, de modo que se impõe a necessidade de discutir o tema e buscar caminhos para a efetivação do projeto inicial do Mercosul. A questão que se coloca não é relativa à ocorrência ou não de tais falhas no processo de integração, mas relativas à formulação de mecanismos capazes de promover a integração pretendida com a formação do Bloco e, notadamente, o aprofundamento de tal integração para além do grau de mercado comum, podendo se chegar ao grau de união política (ou união de estados).
Palavras-chave: Tribunal Internacional. Integração. MERCOSUL.
Abstract: Despite the breadth of Mercosur’s integrative project, it’s imposible to afirm, twenty-eight years after the conclusion of the Treaty of Asuncion, on the results concluded regarding the Bloc’s recent purposes. It is evident, therefore, the occurrence of failures in the integration process, the way that imposes the need to discuss the theme and seek ways for the realization of the initial Mercosur’s project. The question that arises is not related to the occurrence or not of such failures in the integration process, but how to apply the promotion of mechanisms which may allow the intended integration with the formation of the Bloc and, notably, the improvment of the integration, beyond the common market level, becoming posible to upgrade to the level of political union (or union of Nations).
Keywords: International court. Integration. MERCOSUR.
Sumário: Introdução. 1. A tríplice atuação de um tribunal internacional. 1.1. O tribunal que julga. 1.2. A fiscalização do bloco. 1.3. A atividade de criação. 2. O atual modelo de dissolução de litígios no MERCOSUL e sua imperfeição. 3. O acordo para a consolidação do MERCOSUL e proposições correspondentes – a ideia do Bloco no tocante à criação do seu tribunal de justiça. Notas conclusivas. Referências bibliográficas.
Introdução
Desde o começo da década de noventa do século passado o mundo presenciou a criação de um novo bloco comercial que se apresentou com pretensões de mais tarde cumprir outras finalidades. O bloco de que vamos falar é o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) que surge como um mercado comum entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, tendendo – ou ao menos tencionando – vir a ser uma união econômica em todas as suas acepções – algo muito mais abrangente do que a movimentação monetária e as transações comerciais entre os “Estados-Partes” (como são chamados os quatro já referidos aderentes ao MERCOSUL).
O que é preciso ter em atenção num primeiro momento é que o MERCOSUL não conseguiu, ao menos não no período esperado, dar segmento às suas intenções. Vejamos: não podemos falar hoje, quase vinte anos depois do Tratado de Assunção, que constituiu este Mercado, em nenhum fortalecimento significativo das relações institucionais entre os Estados-Partes (com relevo prático), nem mesmo num crescimento comercial de um desses estados em razão exclusivamente da ação desse Mercado Comum – os estados que cresceram economicamente conseguiram esse objetivo com sua ação e estratégia econômica própria. Desde 1995 se fala em acordo aduaneiro, mas só em 2004 se delibera dar segmento com tal projeto e com a dupla tributação – o que ainda não foi posto em prática por não estarem cumpridos os requisitos[2].
É natural que houve falhas no processo de integração econômica desse espaço, o que passa, claramente, pelo fraquíssimo vínculo institucional, quer dentro da própria estrutura do Mercado (entre as instituições), quer entre essa estrutura e os estados envolvidos. Podemos ainda referir a falta de expressão de tal mercado junto à comunidade – não existe nada que faça com que as pessoas envoltas por esse espaço comum queiram seguir o referido modelo de mercado (nem a título de motivação-estímulo, nem mesmo a título de afirmação da presença do bloco por ele mesmo através da sua atuação).
Chegamos então ao ponto que nos interessa e que será o objeto central desse trabalho: é importante haver uma instituição jurisdicional internacional que faça com que sejam respeitados os objetivos (por isso também os meios para tais objetivos) do Mercado, fiscalize a atuação das outras instituições e interprete o pouco e lacunoso ordenamento jurídico desse bloco a fim de disciplinar a comunidade. Não precisamente nessa linha de entendimento, já existe um acordo no MERCOSUL que reconhece a importância de um órgão assim, conforme veremos no curso do presente trabalho. Agora, debruçados sobre a nossa questão, podemos dar segmento a esse estudo.
Seguiremos o seguinte roteiro: identificaremos a importância institucional da atuação (tripla) de um tribunal internacional em um bloco, tendo em vista o modelo do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE); a seguir veremos o modelo que hoje se aplica no Mercado objeto do nosso estudo, segundo o Tratado de Olivos e seu modificativo; o próximo passo será a aplicabilidade de se instituir uma corte em moldes parecidos com o TJUE no Cone Sul, que o Parlamento deste grupo já denomina de Tribunal de Justiça do MERCOSUL; e, finalmente, faremos uma exposição de breves notas conclusivas. É preciso ter em atenção que o objetivo do presente texto não é uma “descoberta da pólvora”, mas identificar uma problemática existente no MERCOSUL, ou seja, o pouco relevo que esse Mercado possui junto à comunidade e sugerir uma possível via de solução a essa deficiência.
Como o próprio título do presente trabalho indica, o nosso enfoque à atuação de um Tribunal Internacional será mais restrito ao que diga respeito ao fortalecimento institucional do bloco em que esse tribunal se apresente. Por isso, não vamos ficar aqui restritos ou limitados à atividade de julgamento e decisão de litígios. Vamos pontificar uma tríplice atuação e identificar de que forma cada uma dessas modalidades interfere para o resultado pretendido, que seja o fortalecimento e o maior vínculo institucional de um conglomerado internacional – no nosso caso, o Mercado Comum do Sul.
Eis os três modelos de atividade que, combinados, melhor atingem o fim buscado: a) primeiro temos uma atuação padrão das outras casas judiciais, isto é, a atividade de julgar e dissolver conflitos em casos concretos – no nosso caso podemos falar de conflitos entre o bloco em questão e os países, aquele e particulares destinatários do seu direito, ou ainda entre particulares e Estados-Partes em matéria disciplinada pelo bloco; b) a segunda forma de atuação diz respeito à necessidade de disciplinar e exigir alguma seriedade aos órgãos do bloco na sua atuação, trata-se da fiscalização do trabalho dos órgãos do Grupo; c) finalmente, a terceira modalidade diz respeito à interpretação do direito da comunidade e chega a ser uma atividade criadora de direito.
É imprescindível referir aqui, uma vez mais, que, não podendo partir de um modelo inexistente, o utilizado como paradigma neste trabalho é o TJUE, haja vista ser essa a corte internacional que melhor resulta no globo. Assim, quando seja feita referência no presente texto a um tribunal internacional como se quer e que cumpra o objetivo que buscamos, devemos ter em mente a ideia desse Tribunal comunitário, sobretudo em razão da sua estrutura e funcionamento. É de destacar que não se pretende com isso transpor puramente um modelo comunitário para o outro, haja vista a série de diferenças sociais e culturais dos dois contextos, mas ressaltar o que está bem feito e trabalhar com sua aplicação no formato em que se insere e aplicabilidade no modelo sobre o que trabalhamos agora.
1.1 O tribunal que julga
Quanto a esse exercício, parece não haver nenhuma novidade, afinal, um paço do judiciário, quer nacional, quer internacional, julga e dissolve litígios, esta é sua atividade essencial. Porém, nada é tão superficial quanto isso. Temos que estabelecer, com brevidade e de forma bastante genérica, a legitimidade de acesso a esse tipo de corte e sua situação junto ao judiciário de cada estado envolvido no grupo. Façamos duas notas como ponto de situação:
Quanto ao primeiro ponto, parece não haver necessidade de grandes colocações, sendo necessário referir apenas que, para o efeito, o bloco deve ser entendido como todas as instituições que compõem o conglomerado; estado é um termo que abrange toda a administração pública, em todas as suas vertentes, bem como os particulares concessionários de atividade pública (sentido latíssimo); e, finalmente, o particular é toda e qualquer pessoa, singular ou coletiva, de um dos estados[6].
Contudo, no tocante ao segundo ponto, é imprescindível que se faça aqui uma observação. Permitir qualquer hierarquização entre tribunais nacionais e o tribunal internacional acaba por contrariar a idéia de soberania – conceito cada vez mais apagado pela globalização[7] – dos estados haja vista a invasão que isso representa ao direito interno. Tal invasão contraria as conquistas de libertação porque a maioria dos estados soberanos de hoje passaram em relação aos seus colonizadores (uns mais cedo, outros mais tarde…), vai de encontro ainda a uma identidade construída ao longo desse tempo de afirmação da sua independência. As considerações relativas à soberania nacional, ao direito interno de cada estado, ao respeito às decisões dos tribunais nacionais são muitas e não têm total pertinência aqui, por isso mesmo vamos seguir com o que entendemos ser mais relevante para chegarmos às conclusões a que nos propusemos. Devemos ter em mente que, no caso que admitimos como modelo, o respeito ao direito interno de cada país é demonstrado com o fato da impossibilidade de reforma das cortes nacionais pelo TJUE[8].
Tentando remediar a falta de vias de solução de conflitos e controvérsias no bloco, temos o Protocolo de Olivos[9] (e o seu modificativo[10]), abordados mais detidamente no próximo tópico. Porém, podemos antecipar que esta via não parece a mais adequada, tampouco a mais funcional e, menos ainda, coerente com a idéia de bloco-comunidade.
Assim, temos esclarecida a primeira forma de atuação de um tribunal internacional como se pretende. Aquele que, respeitando o direito interno de cada estado, julga em matéria disciplinada pelo bloco comunitário e prevista no seu ordenamento jurídico. Não podemos esquecer que os que podem figurar como parte nessa esfera são as instituições do bloco, os estados e os particulares, como já vimos acima.
A título de fortalecimento institucional, essa atuação é indispensável porque faz com que se sinta o “contrato” que cria a comunidade e o seu ordenamento jurídico. Assim, sabendo que existe uma instituição judicial atenta e atuante no sentido de que o direito do conglomerado se cumpra – ou, havendo incumprimento haja também uma sanção –, existe uma maior vinculação desse direito junto a todas as entidades envolvidas no grupo. É essa atividade que regula, de forma mais eficaz (mais até mesmo do que o ordenamento jurídico), o comportamento no âmbito da comunidade por parte de todos os seus destinatários[11].
1.2 A fiscalização do bloco
No Protocolo de Ouro Preto, adicional ao Tratado de Assunção, que institui o Mercado Comum do Sul, estão relacionados, no seu art. 1, os órgãos que compõem a estrutura institucional deste mercado. Naturalmente, como poderemos ver nos artigos seguintes do mesmo texto, cada um desses órgãos tem suas funções e, como é óbvio, devem seguir o ordenamento jurídico do Bloco (art. 41 do Protocolo de Ouro Preto) no cumprimento dessas atividades – afinal, são também destinatários desse direito comunitário. O que não é óbvio nem natural aqui é o conjunto de consequências para o uso de qualquer irregularidade na atuação desses órgãos (ou mesmo na sua inação) – nenhuma, o Tratado e o Protocolo referidos não estabelecem consequências para o seu incumprimento pelos órgãos do Grupo.
No intuito de que os corpos componentes do MERCOSUL atuem de forma regular, deve haver algum meio de cobrança e de fiscalização acessível aos Estados-Partes[12], o que só pode ser conseguido através de um Tribunal. É de observar que é inadmissível falarmos aqui de uma “ouvidoria” ou algo assemelhado, haja vista não ter esta modalidade capacitação técnica capaz de apurar a veracidade das reclamações destes Estados, não tem competência para determinar uma apreciação técnica quando seja necessária, e muito menos tem legitimidade para determinar a correta atuação dos órgãos do bloco.
De referir que o Tribunal não deve atuar nesse caso de ofício, sob pena de assumir posição de parte, quando em verdade o órgão jurisdicional deve se colocar em posição de fazer cumprir a fiscalização pretendida por outros destinatários desse ramo específico do direito internacional público.
Desta forma, faz-se imprescindível a presença de um tribunal internacional que fiscalize, ou faça fiscalizar, toda a estrutura institucional do conglomerado em que esteja inserido. Sem essa vertente, o órgão jurisdicional que buscamos está incompleto e não cumpre sua função de integração quanto ao aspecto jurídico entre o bloco e a comunidade.
1.3 A atividade de criação
É sabido que, num estado, a atividade de criação do direito compete, ordinariamente e na generalidade dos estados ocidentais alheios ao modelo de common law, ao poder legislativo. Ocorre, porém, que o direito de uma comunidade internacional recente (como todas que hoje o mundo conhece) não é abundante, chegando a ser, em algumas dessas organizações internacionais, insuficiente, vago e lacunoso. O resultado disso parece claro: a produção normativa não é satisfatória para todas as situações em que o direito deve estar presente. Seja por esta aplicação prática, seja em razão de a generalidade das organizações internacionais hoje admitirem a atividade de criação por suas cortes[13], o modelo de órgão judiciário que seguimos e entendemos como mais apropriado de um tribunal internacional também deve cumprir a atividade criadora de direito.
É de mencionar ainda que essa criação pode vir a acontecer por duas vias: a partir das decisões em casos individuais e concretos, isto é, por via jurisprudencial; ou ainda através das respostas a consultas formuladas ao tribunal em questão acerca da interpretação de determinado direito. Mesmo quando essas decisões ou soluções venham a abranger a generalidade da comunidade e de forma abstrata, não podemos falar de produção normativa – essas decisões não são nem orgânica, nem funcionalmente normativas – mas de criação de direito em sentido mais lato do que o entendimento que restringe essa criação ao ordenamento jurídico.
Como o título do presente trabalho sugere, a nossa proposta gira em torno de uma possível forma de fortalecer, através de uma corte – a partir da institucionalização concretizada em uma corte – num determinado conglomerado internacional. Por isso mesmo, ganha relevo falarmos de uma casa que cria direito, haja vista que qualquer comunidade emana de um combinado jurídico e existe-funciona com base nele. Assim, faz-se imprescindível, para que um bloco se afirme junto à população, que exista constante construção de regras em resposta aos anseios da comunidade, sob pena de o bloco nunca passar de um acordo entre corpos diplomáticos sem reflexo na vida da comunidade – inútil e desconforme com aquilo a que se propõe.
Nunca se esquecer de referir que isso é devido ao fato de os tribunais internacionais como hoje conhecemos estarem estruturados em conformidade com a idéia do modelo de comon law, modelo em que a jurisprudência é importantíssima fonte de direito – sobretudo pela mesma razão que se verifica nos conglomerados internacionais e, especificamente, no MERCOSUL de forma acentuada: escasso ordenamento jurídico. Assim, não parece que haja nenhum conflito de competências entre poder legislativo e judiciário.
Desta forma, conseguimos facilmente detectar a importância da atividade de criação de um tribunal internacional: por um lado complementa o ordenamento jurídico do bloco em que atua; por outro, dá a mais adequada interpretação[14] – isto é dizer a interpretação mais conforme com os objetivos da unidade comunitária em vista – e fortalece o conjunto de regras já existente.
2. O atual modelo de dissolução de litígios no MERCOSUL: Sua imperfeição
O primeiro modelo de solução de controvérsias no MERCOSUL era o estabelecido no Protocolo de Brasília, conforme previa o art. 43 do Protocolo de Ouro Preto. Porém, e sem a necessidade de maior referência quanto àquele protocolo, visto que fora de vigência, nos dias que correm o Bloco utiliza o modelo estabelecido no modelo do Protocolo de Olivos e do seu Protocolo modificativo (de que não faremos uso por não abranger em suas alterações os nossos pontos de interesse no presente trabalho).
Entre as principais características do atual mecanismo tem uma que pede maior destaque: a via ordinária de solução dos conflitos entre Estados-Partes é fundada na idéia de livre negociação entre os envolvidos na questão, conforme disciplina o art. 4 do texto supracitado. Ora, se por um lado essa modalidade parece trazer alguma liberdade aos estados envolvidos em conflitos relativos ao direito do Mercado, por outro, enfraquece claramente não só uma das partes envolvidas – visto que não podemos falar, no âmbito de uma controvérsia, em pleno equilíbrio entre as partes sem a presença de uma figura supra partes alheia à controvérsia que traga tal equilíbrio – bem como no enfraquecimento do bloco por lhe retirar poder e converter esse tal poder subtraído num poder negocial excessivamente delegado aos estados (resultado contrário ao fim que agora buscamos relativamente à integração).
Outro ponto a assinalar é que, uma vez que a negociação não chegue a resultados satisfatórios às partes na controvérsia, o bloco é convidado a atuar, através do Grupo Mercado Comum, conforme a previsão do art. 6 do protocolo submetido à análise. Aqui temos duas notas de altíssimo relevo. A primeira faz referência à natureza jurídica deste órgão: trata-se do órgão executivo do MERCOSUL – é o que estabelece taxativamente o art. 10 do Protocolo de Ouro Preto –, não tendo, por isso mesmo, qualquer legitimidade jurisdicional. O outro ponto a destacar é que essa atuação está limitada à função de arbitragem, o que não pode assegurar o cumprimento do direito das partes. Trata-se de um mecanismo frágil e inadequado para qualquer conglomerado, e, portanto não pode ser utilizado como mecanismo de solução de controvérsias sem que represente um desvio de competências.
Situações excepcionais a esta são as que admitem as medidas provisórias, que acabam por ter, em essência, o caráter de decisões liminares. Tais medidas são admissíveis nos casos em que haja risco de mal irreparável para uma das partes na controvérsia e que esta parte aparente ter direito – estamos diante dos requisitos das medidas liminares: periculum in mora e fumus boni iuris. Esse instrumento deve ser decidido pelo Tribunal Arbitral Ad Hoc, nos termos do art. 15 do Protocolo de Olivos, e esse tribunal pode anular essa decisão a qualquer momento desde que desapareça qualquer um dos requisitos referidos.
Em instância recursal será buscado o Tribunal Permanente de Revisão, que atua nos moldes estabelecidos pelo art. 17 ss. do multi citado texto de Olivos. De referir que os recursos em face de laudos do Tribunal Arbitral estão restritos a matéria de direito, sendo vetada a aquela corte uma nova apreciação da matéria já apreciada por esta outra Casa. Além disso, também existe a possibilidade de que e o Tribunal Permanente de Revisão atue em primeira instância – situação prevista no art. 23, segundo o qual esse acesso direto estará submetido ao acordo das partes e funciona em substituição ao Tribunal Arbitral Ad Hoc. Quanto a este Tribunal, devemos referir finalmente que suas decisões não admitem recursos, mesmo quando figure como órgão de primeira instância, é sempre também o órgão de última.
Lembrando que os Estados-Partes não são os únicos destinatários do ordenamento jurídico do Bloco, é preciso ter em atenção também o mecanismo de defesa dos direitos das pessoas (tanto singulares como coletivas)[15]. Tal mecanismo está disciplinado em nosso texto base no seu CAPÍTULO XI. Vejamos. O primeiro passo nessa modalidade é, assim como na outra, tentar chegar a uma solução sem necessidade da intervenção do Grupo Mercado Comum, de modo em que o particular e os representantes do seu Estado junto ao Mercado consigam dissolver a problemática. Não conduzindo essa fase a nenhum resultado, é necessária a intervenção do Órgão Executivo e, no mais, o procedimento é bastante parecido ao relativo às controvérsias entre Estados-Partes.
Desta forma, podemos concluir que, falhando a negociação direta entre os Estados e, subsidiariamente, a arbitragem pelo órgão (indevidamente) incumbido dessa tarefa, não existe nenhuma garantia efetiva do cumprimento do direito do Mercado Comum do Sul. Podemos mesmo referir que não existe uma via de se fazer notar a presença institucional efetiva do bloco quanto à aplicação do direito e a necessidade de seu cumprimento. Temos em vista que somente um tribunal legalmente constituído e com a função de julgar estabelecida pode ter competência para a solução de conflitos, não sendo, por isso mesmo, suficiente a previsão do Protocolo de Olivos estabelecendo diferentemente para que essa legitimidade apareça conferida a um órgão estruturalmente distinto.
3. O Acordo para a consolidação do MERCOSUL e proposições correspondentes – a ideia do Mercado no tocante à criação do seu Tribunal de Justiça
Em 28 de Abril de 2009 foi firmado o Acordo em epígrafe. Tal texto, conforme seu nome já esclarece, tem a finalidade de fazer com que, como dizemos desde o início deste trabalho, o Mercado Comum do Sul passe a ter relevo junto à comunidade inserida no seu contexto. Assim, ao longo do Acordo podemos perceber o reconhecimento da urgência de um novo órgão jurisdicional no Bloco – o Tribunal de Justiça do MERCOSUL – para que haja verdadeira integração no seio desse Mercado, visto que, segundo o Texto agora em apreço, “…la institucionalidad es un tema clave para el futuro del proceso de integración…”[16]. Além de reconhecer a sua urgência, estabelece prazos para a sua concretização – o que não tem sido seguido – como veremos mais adiante. Em resumo, o que esse texto nos esclarece é a preocupação que têm os órgãos do MERCOSUL em relação à integração e o reconhecimento da importância de uma corte para esse fim.
Um ponto de importância em meio ao texto é que, para que seja alcançado o objetivo da concretização de uma casa judiciária, não se pretende uma completa ruptura com a atual estrutura – situação mais custosa, em todos os sentidos, para o Bloco – mas o Acordo trabalha com a idéia de harmonização entre o presente modelo e o que se deseja estabelecer. Podemos constatar esse entendimento com a parte do texto que diz que
“…sin perjuicio de la urgencia de concretar la creación del Tribunal de Justicia del MERCOSUR, de forma transitoria se deben afianzar las actuales atribuciones del Tribunal Permanente de Revisión y dotarlo de nuevas competencias, a través de reformas al Protocolo de Olivos y de las normas reglamentarias correspondientes.”[17].
Assim, não podemos concluir que haja uma grande barreira que obstaculize a realização desse projeto – já há uma estrutura judiciária, mesmo com as falhas supra referidas, que serve de apoio à nova –, nem muito menos podemos pensar em um abismo de insegurança jurídica até a conclusão desse feito, já que a idéia é, no entretanto, alargar as competências do Tribunal já existente de modo que este atenda melhor às necessidades da comunidade.
Muito embora, como pudemos perceber, o Acordo estabeleça meios suficientes para o estabelecimento desse objetivo, que seja o Tribunal de Justiça do MERCOSUL, é preciso ter em atenção a validade jurídica que tem esse modelo de textos. O material agora submetido a estudo tem poder vinculativo sobre as instituições – visto que está relacionado entre as fontes jurídicas do MERCOSUL, previstas no art. 41, II do Protocolo de Ouro Preto – mas em sentido mais pragmático, não podemos falar em mais do que um plano de intenções entre os órgãos nele envolvidos. Tal idéia pode ser detectada no fato de que o incumprimento de qualquer dos termos estabelecidos no curso do texto – como exemplo podemos citar os prazos e objetivos para a conclusão dos trabalhos na constituição desse novo órgão, que não são seguidos – não culmina em nenhum tipo de sanção.
Assim, não havendo efetiva execução do planejado, não há qualquer instrumentalidade no Acordo além de iniciar a cogitação a respeito de algum projeto. Por isso mesmo podemos dizer que esse texto não é determinante de um resultado, mas, ao menos, torna claro o sentido de orientação institucional do Mercado relativamente a essa matéria, que é claramente favorável à institucionalização como instrumento hábil e necessário à integração.
Notas conclusivas
Por todo o exposto ao longo do presente texto, podemos apontar algumas notas de maior relevo para que se chegue ao objetivo estabelecido no início do trabalho. Primeiramente não podemos deixar de admitir, mesmo que com pesar, que o Mercado Comum do Sul tem falhado ao longo dos seus quase vinte anos não só no seu projeto de um futuro alargamento do campo de atuação – seja funcional, seja territorial – como vem falhando, sobretudo, no que diz respeito a cumprir e fazer com que se torne efetivo e prático o seu universo de atividade já estabelecido por força do Tratado, dos diversos protocolos e de todas as demais fontes estabelecidas no art. 41 do Protocolo de Ouro Preto.
Essa condição nos conduz a outra das nossas notas. Urge a necessidade de afirmação desta Organização Internacional para que ela cumpra os seus objetivos, tanto os atualmente previstos como aqueles a que se propôs quando da sua criação. Essa urgência não constitui uma questão de diplomacia, mas de melhoria para os Estados Partes e, por via natural de consequência, aos particulares. Nessa guisa, concluímos ainda que a melhor forma de dar amplitude e vigor ao Bloco será por via da institucionalização, sem a qual não poderemos sequer sonhar com uma verdadeira idéia de integração.
Finalmente, devemos referir que, a exemplo do modelo europeu que tantos frutos já trouxe – e ainda tem muitos mais a trazer – à sua comunidade, uma instituição judiciária tem atuação de extremo relevo. Possivelmente um dos principais pilares do processo de integração melhor sucedido que o globo até hoje experimentou foi justamente o atualmente conhecido como TJUE – tendo passado por larga evolução ao lado da evolução e construção da União Europeia como hoje conhecemos, mas que sempre esteve atuante ladeando e tangenciando os objetivos de cada um dos contextos do bloco a que está adstrito. Não resta dúvida de que a produção normativa e órgãos de governo são imprescindíveis, mas sem segurança jurídica toda essa estrutura organizacional perde sentido.
Em prol da efetiva integração no MERCOSUL, é imperativo dizer sim à concretização do seu Tribunal de Justiça.
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[1] Graduado em direito pela Universidade de Coimbra (2012), com diploma revalidado pela UFRJ, specialista em Direito Penal Econômico e Europeu pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (2012) e especialista em Direito do Estado pela Universidade Católica do Salvador (2015).
[2] Os relatórios acerca da agenda do MERCOSUL podem ser consultados em sua página oficial brasileira: www.mercosul.gov.br
[3] TRABUCO, Cláudia Maria S., Working Paper 5/99 – A importância de um tribunal supranacional no contexto de um processo de integração: O dilema do MERCOSUL, p. 12. Todo esse ponto será baseado nas idéias expressas nesse Trabalho.
[4] CAMPOS, João Mota de. e CAMPOS, J. Luiz Mota de., Manual de Direito Comunitário, 5ª ed., Coimbra Editora, p. 180, 2007.
[5] V. nota 2.
[6] Essa idéia tão alargada é extraída dos processos em espécie previsto no Tratado sobre o funcionamento da União Europeia – art. 258 e ss..
[7] ALMEIDA, Elizabeth Accioly Pinto de. In Mercosul & união européia: estrutura jurídico-institucional. Curitiba: Juruá, 1996, p. 15 ss.. Entendimento de que o conceito de soberania está ultrapassado e mostra-se inútil a um bom funcionamento das Organizações Internacionais.
[8] V. nota 3.
[9] http://www.mercosul.gov.br/tratados-e-protocolos/protocolo-de-olivos-1/, página consultada em 07 de Novembro de 2010 às 20h45min.
[10] http://www.mercosul.gov.br/tratados-e-protocolos/protocolo-modificativo-ao-protocolo-de-olivos/, página consultada em 07 de Novembro de 2010 às 20h50min.
[11] MONTESQUIEU. Do Espírito das Leis. São Paulo: Ed. Editora Martin Claret Ltda., 2007.
[12] Num mercado com o que estamos estudando não podemos falar em fiscalização do bloco a pedido dos particulares em razão da estrutura com que este funciona, uma estrutura que põe os Estados-Partes entre o Bloco e os particulares.
[13] GORJÃO-HENRIQUES, Miguel, in Direito Comunitário, 4ª ed., pp. 299-300 Almedina, 2007. O Autor utiliza termos como “construção do ordenamento jurídico (…) da Comunidade Europeia” e “métodos de interpretação”, fazendo referência à contribuição da jurisprudência para tal construção.
[14] Devemos referir que além de ser a mais adequada é também uma aplicação uniforme do direito, o que é um dos objetivos da comunidade que estamos utilizando como referência, como se vê no art. 267, a título de reenvio prejudicial, em que o Tribunal está sempre atuando para que se cumpra, mesmo que por via indireta, o direito do bloco nos estados envolvidos.
[15] O texto normativo utiliza os termos “pessoas físicas” e “pessoas jurídicas” por serem os adotados pelo direito brasileiro.
[16] Trecho do Acordo para a consolidação do MERCOSUL e proposições correspondentes, que segue em anexo.
[17] V. nota 15.
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