Resumo: No transcorrer desse trabalho, buscaremos demonstrar que a efetiva erradicação do trabalho infantil explorado é uma tarefa praticamente impossível para o Estado e para a sociedade brasileira. Embora existam diversos programas públicos e privados que almejam eliminar o trabalho de crianças e adolescentes nas suas diversas formas, como é o exemplo do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), a cultura brasileira, principalmente da classe mais empobrecida, admite-o, pois serve para evitar a desocupação, a ociosidade e, com isso, a marginalização dos meninos e meninas. Durante o estudo, verificaremos as características e malefícios do trabalho de crianças e adolescentes, como também o marco legal que proíbe essa prática. Analisaremos, mesmo que brevemente, alguns programas públicos e sociais de tentativa de acabar com a exploração do trabalho infantil e para a proteção do trabalho adolescente. Por fim, buscaremos demonstrar como a cultura brasileira interfere, negativamente, na política pública de tentativa de eliminar as formas de trabalho infantil.
Sumário: 1. Introdução. 2. Fontes normativas que proíbem o trabalho das crianças e protegem o trabalho dos adolescentes. 3. Características danosas do trabalho precoce. 4. Programas públicos de erradicação do trabalho infantil e de proteção ao trabalhador adolescente. 4.1. Programa de Erradicação do Trabalho Infantil. 4.2. Projeto Escola de Fábrica. 5. Cultura e trabalho infantil. 6. Considerações finais. Referências
1. INTRODUÇÃO
Em todo o mundo, um dos maiores problemas a ser superado é o trabalho explorado das crianças e adolescentes. Os daquelas prezando por sua efetiva erradicação e destes para garantir uma maior e mais eficiente proteção. Em dados recentes da Organização Internacional do Trabalho, existem, no mundo, aproximadamente 191 milhões de crianças (entre 5 e 14 anos de idade) que exercem algum tipo de atividade econômica, e destas, cerca de 74 milhões praticam algum tipo de trabalho que necessita ser abolido, trabalhos que estão incluídos entre os piores e mais perigosos[1].
Dia após dia, o mundo reconhece a necessidade de combater a larga e crescente escalada de participação de crianças, cada vez mais jovens, em atividades econômicas, especificamente àquelas consideradas perigosas, insalubres ou penosas. Diversos organismos multilaterais, como é o caso da Organização Internacional do Trabalho (OIT), do Fundo das nações Unidas para a Infância (UNICEF) e do Banco Mundial, investem em programas públicos e sociais que buscam erradicar o trabalho de crianças e proteger o trabalho de adolescentes pelo mundo, inclusive no Brasil.
O trabalho precoce ocorre em todos os cantos, não somente em países sub-desenvolvidos, como se acredita, entretanto, as crianças exploradas nos países ricos são, em sua grande maioria, as advindas de minorias étnicas ou de comunidades de imigrantes, ou seja, sempre as mais pobres. Valéria Nepomuceno, ao comentar sobre esse fato, relata que “no Norte da Europa, as crianças que trabalham são africanas ou turcas; nos Estados Unidos, asiáticas ou latino-americanas e na Grécia, ciganas”[2].
No Brasil, existem 2.934.724 crianças, entre 5 e 15 anos, com algum tipo de ocupação laboral. Além disso, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio de 2005 (PNAD 2005), demonstrou que entre os anos de 2004 e 2005, a população de 5 a 17 anos economicamente ocupada, cresceu num quantitativo de 148 mil, passando de 5,3 milhões para 5,45 milhões[3]. Mesmo com o investimento público e privado na tentativa de por termo ao trabalho infantil explorado, confirma-se uma ideologia social que o aceita, escondendo o verdadeiro problema e garantindo a sua perpetuação.
De uma maneira geral, a população mais carente do Brasil, considera o trabalho prematuro dignificante, educador e, até, salvador, das mazelas sociais, pois acreditam que meninos e meninas estando ocupados, ficarão distantes dos perigos da rua, “da dura realidade da vida”[4].
É com esse enfoque que, ao final, intentaremos demonstrar que o povo brasileiro, culturalmente, especificamente aqueles mais pobres, admite a ocorrência de trabalho infanto-juvenil, mesmo os mais perigosos, os mais cruéis e insalubres como forma de livrar as crianças e os adolescentes da marginalização e das drogas, salvaguardando-os dos males que a vida da rua pode trazer.
2. FONTES NORMATIVAS QUE PROÍBEM O TRABALHO DAS CRIANÇAS E PROTEGEM O TRABALHO DOS ADOLESCENTES
Possuímos uma legislação das mais completas do mundo quando tratamos da proteção ao trabalho de crianças e jovens. A Constituição Federal de 1988, após a Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, no inciso XXXIII, do art. 7º, enfatiza a “proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos”.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECAd)[5], que regulamenta as diversas conquistas sociais de crianças e adolescentes e que se encontram constitucionalmente normatizadas no art. 227, reserva um capítulo inteiro para tratar do direito à profissionalização e à proteção no trabalho. Nos artigos 60 usque 69, discorre, recepcionando o texto constitucional, sobre a proibição do trabalho de pessoas menores de 16 anos, a não ser na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos. Trata, também, dos direitos garantidos aos trabalhadores adolescentes e aos aprendizes, proibindo-lhes os trabalhos noturnos, perigosos, insalubres, penosos, realizados em locais prejudiciais à sua formação e desenvolvimento físico, moral, psíquico e social e àqueles que impeçam a freqüência escolar.
No tocante à proteção do adolescente trabalhador e aprendiz, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com as devidas alterações feitas pela Lei Federal nº 10.097, de 19 de dezembro de 2000, trata do assunto no capítulo IV – “Da proteção ao Trabalho do Menor”, onde estabelece que o “menor”, para efeitos de proteção trabalhista, é aquela pessoa com idades compreendidas entre os 14 e 18 anos.
Neste capítulo, o legislador trabalhista estabeleceu diversos critérios e deveres do empregador para com o adolescente empregado na sua empresa. Dentre essas obrigações a de permitir que o adolescente tenha tempo necessário para que possa freqüentar aulas (art. 427), bem assim
“são obrigados a empregar e matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem número de aprendizes equivalente a cinco por cento, no mínimo, e quinze por cento, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional” (art. 429).
A Lei Federal nº 11.180, de 23 de setembro de 2005, que instituiu o Projeto Escola de Fábrica, que tem “a finalidade de prover formação profissional inicial e continuada a jovens de baixa renda” (art. 1º), atendendo jovens com idades entre 16 e 24 anos e que estejam devidamente matriculados na educação básica, prioritariamente no ensino de nível médio, da rede pública ou na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (art. 2º), é outro marco importantíssimo para garantir a proteção ao adolescente trabalhador, inclusive possibilitando o seu ingresso no mercado de trabalho, através do processo de estágio aprendizagem.
Para a erradicação do trabalho infantil e proteção do trabalho adolescente, decisões relevantes foram as ratificações, pelo Brasil, das Convenções nº 138, através do Decreto nº 4.134, de 15 de fevereiro de 2002, e 182, pelo decreto nº 3.597, de 12 de setembro de 2000, as quais versam sobre a idade mínima para admissão em emprego e relativa à interdição das piores formas de trabalho das crianças e ação imediata com vistas à sua eliminação, respectivamente.
Cabe ressaltar, que essas Convenções já haviam entrado em vigor, junto a Organização Internacional, a primeira, em junho de 1979 e a segunda em novembro de 2000. Demonstrando que no primeiro caso, o Estado brasileiro tardou em limitar uma idade para ingresso ao trabalho, enquanto que, mesmo antes de entrar em vigor em âmbito internacional, já estava vigorando internamente o teor da segunda.
3. CARACTERÍSTICAS DANOSAS DO TRABALHO PRECOCE
Não é de hoje que o mundo convive com o trabalho infanto-juvenil. Desde tempos imemoráveis tomamos conhecimento que a criança e o adolescente exercem atividades laborativas. Elvira Cosendley diz que
“Historicamente, crianças e adolescentes sempre trabalharam. Desde os tempos bíblicos, há relatos de Jesus ajudando o pai carpinteiro. Os índios mantêm em sua cultura a participação das crianças em atividades laborativas, como caça, pesca, afazeres domésticos e artesanato. Na nossa cultura, também as crianças e adolescentes sempre exerceram atividades laborativas para auxiliar a renda, desde a arrumação da casa até nas atividades produtivas que sustentam financeiramente a família”.[6]
Há, evidentemente, extrema importância para o desenvolvimento saudável da criança, dentro de uma situação familiar, na participação e contribuição para os afazeres domésticos, inclusive porque aviva a responsabilidade e auxilia ao cooperativismo, podendo, assim, fortalecer os vínculos e o conseqüente equilíbrio familiar, pois é a verdadeira “expressão de solidariedade entre os membros da família”[7]. Contudo, para a nossa abordagem interessa o trabalho infanto-juvenil explorado, aquele que inadmite a freqüência escolar e a rica e maravilhosa hora da brincadeira. Aquele trabalho que impede o desenvolvimento social, cultural e profissional da criança, que proíbe o estudo, o aprendizado e as boas horas de sono.
O trabalho deixa de ser uma forma de educação, de iniciação ao mundo do trabalho com a orientação dos pais, para se transformar, a partir da Revolução Industrial, numa relação de mercado e o pior, com aspectos extremamente exploratórios.
Para Elvira Cosendey, “o trabalho infantil tira oportunidade dos jovens de se desenvolverem em sua plenitude, tornando-se adultos”[8] e mais ainda, os desprepara para um mundo do trabalho que, a cada dia, exige mais competitividade e conhecimento técnico. Segundo Maurício Antunes Tavares, a experiência do trabalho de meninos e meninas das classes trabalhadoras “fincou profundas raízes no universo simbólico dessas classes e da sociedade como um todo, a ponto do trabalho adquirir uma importância equivalente à educação”[9], isso fez com que os pais afastassem seus filhos das escolas. Esse afastamento prematuro da educação formal, imposto pelos pais aos filhos, impossibilita a concretização dos direitos à educação e à profissionalização garantidos pelo ECAd. Nesse sentido, Antônia Loguercio diz:
“Todo o trabalho infantil é altamente prejudicial à formação física, psíquica e emocional da criança e ainda é responsável por reproduzir um ciclo de miséria absoluta, pois, além de impedir à criança o acesso à educação formal que lhe permitiria mudar de vida, os meninos que trabalham estão ocupando o lugar dos trabalhadores pais de família. As crianças trabalhadoras se tornam alvo das piores explorações, dos trabalhos mais pesados e impróprios para seus frágeis organismos, da absoluta negação de qualquer proteção legal ou fática.”[10]
Em razão desses prejuízos, é cada vez mais difícil às classes inferiores alcançarem níveis elevados de empoderamento econômico, o que faz o paradigma da pobreza persistir no Brasil e, mais ainda, persistir a utilização da mão de obra precoce de crianças e adolescentes.
Não obstante os prejuízos morais, psíquicos e emocionais que afetam as crianças e adolescentes trabalhadores, os maiores problemas surgem quando analisamos os acidentes ocorridos durante a execução desses trabalhos. Como sabemos, o trabalho das crianças, por ser proibido legalmente, não possui qualquer proteção das leis do trabalho, dessa forma não aparecem nas estatísticas dos infortúnios ocorridos durante o seu exercício. Só no Brasil, todos os dias, aproximadamente 50 empregados, legalmente registrados, deixam o mundo do trabalho definitivamente; muitos por incapacidade permanente, outros por morte.
Não é raro vermos, nos telejornais, notícias de crianças mutiladas nas olarias, nas fábricas de sisal ou nas muitas plantações de cana-de-açúcar dos estados nordestinos. Adoecidas pela fumaça tóxica das carvoarias baianas ou mineiras, exploradas sexualmente nas diversas estradas brasileiras ou, ainda, mortas nas favelas do Rio de Janeiro, em confrontos com a polícia ou com traficantes rivais por “trabalharem” no narcotráfico.
A cada dia a criança e o adolescente assumem, com a conivência da sociedade, os postos de trabalho dos adultos. Com essa prática, os filhos passam a ser provedores dos pais, passam a sustentar a família toda. Consideramos que essa inversão de papéis, onde são os filhos, cada vez mais jovens, quem trazem o “pão de cada dia” para casa é contrária a natureza dos animais – racionais ou não, uma vez que é dever dos pais e das mães trazerem os alimentos para suas crianças até a integral independência destas e não o inverso.
4. PROGRAMAS PÚBLICOS DE ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL E DE PROTEÇÃO AO TRABALHADOR ADOLESCENTE
Várias são as causas que levam crianças e adolescentes ao mercado de trabalho explorado. Dentre elas estão a pobreza, a exploração da mão de obra barata, a aceitação da sociedade de um trabalho que acaba com a ociosidade e garante sociabilidade à criança e ao jovem, entre outros diversos motivos.
Valéria Nepomuceno comenta que
“a participação de crianças e adolescentes no mercado de trabalho é inversamente proporcional à renda familiar (…) Em alguns tipos de trabalho, as habilidades ligadas a sua condição de infante pode levá-las a uma produção algumas vezes maior que a dos adultos (…) Um outro aspecto que, sem dúvida, influi na aceitação do trabalho infantil e principalmente do trabalho adolescente é a idéia de que tanto a criança quanto o jovem precisam ocupar o seu tempo e não ficar ‘vadiando’.”[11]
Esses e outros tantos motivos, infelizmente, são consistentes e fazem com que o trabalho infantil seja tão difícil de ser combatido e praticamente impossível de ser erradicado. Embora estejamos em terceiro lugar na América Latina, na exploração da mão de obra infanto-adolescente, perdendo, apenas, para o Haiti e a Guatemala, o Brasil é um dos únicos a possuir políticas públicas voltadas contra esta mão de obra, investindo em programas que visam erradicar o trabalho infantil e proteger o trabalho juvenil. Dentre eles, destacamos o PETI, o Projeto Escola de Fábrica, programas que comentaremos, mesmo que superficialmente, abaixo e o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, que consiste num espaço permanente e articulado de mobilização dos agentes institucionais envolvidos (governo, ONG’s, organismos internacionais, representantes de trabalhadores e de empregadores) para a criação e execução de políticas e programas de enfrentamento ao trabalho infantil e de proteção ao adolescente trabalhador. Cabe ressaltar que cada estado da federação possui o Fórum Estadual de Erradicação do Trabalho Infantil.
4.1. Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
A partir de 1996, o Brasil criou o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), hoje, gerido pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, desenvolvido em parceria com os diversos setores dos governos estaduais, municipais e da sociedade civil. O programa tem como objetivo principal erradicar as consideradas piores formas de trabalho precoce. Aquelas consideradas perigosas, penosas, insalubres ou degradantes. Para isso, o PETI concede uma bolsa, no valor de R$ 40,00, nas capitais, e de R$ 25,00, no interior, por criança inserida no programa, às famílias de meninos e meninas com idades entre 7 e 16 anos, para suprir os valores que levavam, anteriormente, para casa.
Para participar do PETI, a família deve garantir que a criança ou o jovem tenha freqüência mínima na escola e na jornada ampliada equivalente a 75% do período total, precisa, também, garantir, definitivamente, o afastamento dos filhos menores de 16 anos do trabalho, deve participar das ações socioeducativas e de ampliação e geração de renda que lhes forem oferecidas, como é o caso da participação em cursos profissionalizantes.
4.2. Projeto Escola de Fábrica
Criado através da Lei Federal nº 11.180, de 23 de setembro de 2005, o Programa visa oportunizar, inicial e continuadamente, a formação profissional de jovens entre 16 e 24 anos que se encontrem em situação de risco social, engajando-os em espaço de empresas que desejem combinar aos seus interesses de formação de trabalhadores qualificados, à responsabilidade social, instituindo um ambiente escolar de aprendizagem na própria empresa.
Para participar, o jovem precisa ter renda per capita de até um salário mínimo e meio, ter entre 16 e 24 anos e estar matriculado no ensino médio público, prioritariamente. Para a seleção dos alunos, há necessidade, ainda, da realização de uma entrevista ou atividade lúdica, o candidato deve, também, fazer uma redação de próprio punho e se submeter a uma prova classificatória. Para inclusão nesse projeto, precisam ser devidamente consideradas as minorias sociais (raciais, de gênero e pessoas com deficiência)[12], no intuito de proporcionar uma ação afirmativa a esses grupos.
Além destes programas citados, existem diversos outros de geração e transferência de renda, de capacitação profissional, de combate à ociosidade e de fiscalização do trabalho adolescente, tanto geridos pelo poder público, como por entidades da sociedade civil e organismos internacionais, mas que, nem assim, são suficientemente capazes de findar com a exploração do trabalho infanto-adolescente, em virtude da manifesta aceitação da população, principalmente, àquela das classes mais empobrecidas.
5. CULTURA E TRABALHO INFANTIL
Para Roberto DaMatta, os brasileiros consideram o trabalho uma coisa terrível, principalmente porque não foram criados numa formação calvinista, que considera, ao contrário, o trabalho como algo bíblico, divino, como uma atividade voltada à salvação. Continua o antropólogo dizendo que:
“(…) o nosso panteão de heróis oscila entre uma imagem deificada do malandro (aquele que vive na rua sem trabalhar e ganha o máximo com um mínimo de esforço), o renunciador ou o santo (aquele que abandona o trabalho neste e deste mundo e vai trabalhar para o outro, como fazem os santos e líderes religiosos) e o caxias, que talvez não seja o trabalhador, mas o cumpridor de leis que devem obrigar os outros a trabalhar…”[13]
Mas essa máxima de que o trabalho é um castigo, uma coisa ruim, “um horror”, não é aceita, infelizmente, quando falamos do trabalho das crianças pobres, pois, a elas, deve haver sim ocupações que as retire das ruas, sendo o trabalho a principal delas. A sociedade, de qualquer classe econômica, não admite que as crianças e jovens fiquem ociosos, entretanto, vêem de forma diferente esse preenchimento do tempo ocioso: para os ricos o lazer, a cultura, a profissionalização, o descanso, as brincadeiras; já para os pobres, o trabalho. Valéria Nepomuceno, tratando do assunto, diz que um grande aspecto que influencia a aceitabilidade de crianças trabalhadoras é, exatamente, a possibilidade de acabar com a “vadiagem”, alertando para o fato de que
“Para as famílias de poder aquisitivo elevado, a forma de seus filhos e filhas ocuparem esse tempo é com lazer, esportes, estudando ou em reuniões com amigos. Para as crianças e jovens de baixa renda, no entanto, não existem essas opções e assim o trabalho é o ‘remédio’ indicado tanto para suprir a necessidade de sobrevivência quanto para afastar os riscos da ‘vadiagem’.”[14]
Não são, apenas, a pobreza e a má distribuição de renda, como já visto anteriormente, que contribuem para a perpetuação do trabalho precoce. Há outras questões culturais e
“Esta ‘cultura’ do trabalho pode ser pensada a partir de três tradições intrinsecamente vinculadas: em primeiro lugar estaria uma ideologia, amplamente difundida, de que apenas o trabalho enobrece – qualquer trabalho e em qualquer idade -, em segundo lugar, que a criança trabalhadora não rouba e nem se entrega aos vícios; por fim, e talvez mais grave, que a atividade remunerada de crianças e adolescentes não seria um problema, mas uma solução para a pobreza. É de se ressaltar, porém, que tal discurso é utilizado – e aceito – preferencialmente por e para os segmentos mais pobres da sociedade”.[15] (grifos nossos)
Segundo Walter Marques, a concordância natural do trabalho infantil como subsídio para melhorar a vida da família fará com que, pelo menos, as três próximas gerações desses meninos e meninas trabalhadores, continuem explorando seus filhos[16]. É evidente que a cultura do povo pobre brasileiro contribui para a continuação do trabalho infantil, inclusive porque é essa mesma cultura quem incute na cabeça das nossas crianças e jovens, a necessidade de trabalhar para poderem “virar homens ou mulheres de bem” e mais ainda, os transformam em “naturais” provedores do grupo familiar.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não basta unicamente distribuir renda às famílias pobres, para solucionar o problema. A relação entre cultura e trabalho deve ser profundamente trabalhada. É necessário investigar a fundo a questão cultural, simbólica e histórica da realidade do trabalho infantil no Brasil. Não há mais como se pensar em trabalho infantil, apenas enfatizando os aspectos jurídicos, demográficos e econômicos.
Precisamos encarar, de frente, essa verdadeira missão mundial que é erradicar a exploração do trabalho infantil. É verdade que nos últimos 15 anos, o Brasil conseguiu reduzir sobremaneira o trabalho infantil, chegando a diminuir, no período de 1992 a 2004, em até 60,9% o trabalho de crianças com idades entre 5 e 9 anos e em 36,4% os de crianças e adolescentes de 10 a 17 anos[17], entretanto isso não significa que algum dia chegaremos a por termo, definitivamente, a essa prática, já que a cultura do pobre no Brasil aceita, “naturalmente”, o trabalho prematuro.
É necessário investir maciçamente em políticas públicas voltadas para a quebra do paradigma cultural de que o trabalho é bom e importante para o crescimento “saudável” da criança e do jovem, pois se assim não ocorrer, continuaremos a ver meninos e meninas explorados. Continuaremos a ver pais retirando seus filhos muito cedo da escola para que eles possam “sustentar os irmãos”, continuaremos a ver brasileirinhos perdendo seus bons anos de juventude escondidos atrás da fuligem da cana de açúcar.
Sociólogo, bacharel em Direito e especialista em Direitos Humanos. Professor de Direito da Criança e do Adolescente da Faculdade Professor Osman da Costa Lins – FACOL, da Cidade da Vitória de Santo Antão e ex-coordenador do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) da Cidade de Gravatá-PE
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