Ana Clara Ribeiro – Advogada, pós-graduada em Direito Civil e Processo Civil, membro do Conselho Editorial da Revista The Rhizomatic Revolution Review [20130613] . (ana.clara.alves.ribeiro@gmail.com)
Shirley Lins Silva – Advogada, pós-graduada em Direitos Humanos, Econômicos e Sociais, pós-graduanda em Propriedade Intelectual, Direito e Ética (MBA). (shirleylinns@gmail.com)
Resumo: A legislação de Direitos Autorais brasileira, consubstanciada, não somente mas principalmente, na Lei n.º 9.610/98, define como obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tais como as obras artísticas e literárias; além de outras. Entre essas obras, perguntamo-nos se podem ser incluídas as obras de curadoria. O conceito da curadoria, inclusive, nasceu do mundo das artes; e assim, perguntamo-nos se ela pode ser considerada como uma forma de arte de per si, ou, um trabalho intelectual de outra natureza que não artística, que ainda assim possa merecer proteção jurídica como obra intelectual, nos termos do art. 7º da Lei n.º 9.610/98. Com este artigo, propomos uma reflexão sobre a posição do trabalho do curador dentro do espectro dos direitos de autor, além de refletir sobre as consequências e demais implicações jurídicas decorrentes da moderna tendência de democratização da curadoria e flexibilização dos conceitos de curar e de curador.
Palavras-chave: curadoria; arte; Propriedade Intelectual; Direitos Autorais.
Curatorship as Object of Copyrights’ Protection: Definitions and Trends’ Analysis According to Brazilian Law
Abstract: The Brazilian Copyright Law, embodied, not only but mostly, in the Law n.º 9.610/98, defines the creations of the spirit as protected intellectual works, expressed by any means or fixed in any medium, such as artistic and literary works, and others. Among these works, we wonder if we can include curatorial works. The concept of curatorship, as a matter of fact, was born from the world of the arts; and therefore we wonder if it can be considered as an art form per se, or, an intellectual work of a nature other than artistic, which would still deserve legal protection as an intellectual work, under the terms of article. 7 of Law n.º 9.610/98. In this article, we propose a reflection on the position of the work of the curator within the spectrum of authors’ rights, in addition to reflecting on the consequences and other legal implications arising from the modern tendency to democratize curation and to flexibilize the concepts of curating and curator.
Keywords: curatorship; art; Intellectual Property; Copyrights.
Sumário: Introdução. 1. Conceito e histórico da curadoria. 2. As criações protegidas pela Lei de Direitos Autorais. 3. A curadoria como obra intelectual à luz da Lei n.º 9.610/98. 3.1 Natureza jurídica da curadoria e do curador dentro das espécies trazidas pela Lei n.º 9.610/98. 3.2 Os direitos dos autores das obras expostas na curadoria, em face dos direitos dos curadores. 3.3 A curadoria como obra intelectual produzida sob encomenda. 3.4 A responsabilidade civil e criminal do curador. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Os direitos morais e patrimoniais dos autores sobre as suas obras intelectuais têm sua proteção garantida nos termos da Lei n.º 9.610/98. Entre essas obras intelectuais protegidas, estão os textos de obras literárias, artísticas, científicas, obras dramáticas, fotográficas, audiovisuais, composições musicais, ilustrações, desenhos, pinturas, esculturas, entre outras. Perguntamo-nos, então, se as obras de curadoria[1] podem ser incluídas neste rol.
Conceito nascido no mundo dos museus, galerias de arte, fundações e exposições artísticas, a curadoria está umbilicalmente ligada a obras obviamente merecedoras de proteção pela legislação de Direitos Autorais; mas pouco se discute sobre o possível enquadramento da curadoria como obra intelectual de per si. Raras são as discussões nesse sentido, tampouco se encontra posicionamentos doutrinários ou jurisprudenciais.
Se tal lacuna, por si só, já justificaria a necessidade de produção sobre o comentado assunto, ele também ganha importância na medida em que o conceito de curadoria tem se estendido para além das artes visuais e plásticas.
No século XX, o termo “curador” ganhou notoriedade ao designar os empregados de museus e profissionais autônomos que se dedicavam a selecionar trabalhos de arte. Hoje, vemos exemplos de usos do referido termo para designar qualquer pessoa que seleciona praticamente qualquer tipo de conteúdo ou peça: músicas, roupas, comida, blog posts ou notícias de veículos de comunicação digitais.
Em artigo publicado em 02 de outubro de 2009 no jornal New York Times, com o título “A palavra ‘curar’ não pertence mais aos museus”, Alex Williams escreve:
“The Tipping Point, uma loja em Houston que chama a si mesma de uma loja de estilo de vida de sneakers, não apenas vende uma coleção de solas de borracha de cores diferentes, juntamente a livros, música e vestuário. Não, seu website declara, a loja “cura” sua merchandise.
Promotores de evento no Piano’s, um clube noturno em Lower East Side, anunciou em seu website que eles irão ‘curar uma curiosa noite burlesca’.
(…) E pensar que, até pouco tempo, curadores trabalhavam em museus.
A palavra ‘curar’, sublime e outrora falada fora de corredores de exposições ou paróquias britânicas, tornou-se um código de moda entre as pessoas de mente estética, que parecem colá-la em qualquer atividade que envolva seleção. Em tempos mais centrados na mídia impressa, o termo de arte era ‘editar’, como uma boutique edita suas coleções de vestidos cuidadosamente. Mas agora, entre designers, DJs, promotores de eventos, bloggers e proprietários de brechó, curar é código para ‘Eu tenho um olho perspicaz e um ótimo gosto’.”
Em que pese não nos caber adentrar no mérito de quem pode ou não ser considerado um curador, ou o que pode ou não ser curado, por se tratar de profissão não regulamentada, ainda assim entendemos que é preciso dar tratamento jurídico adequado ao produto do trabalho dos curadores.
Destarte, este artigo tem o objetivo de oferecer respostas à emergente questão da possibilidade de proteção dos direitos autorais sobre as obras de curadoria, dentro das diretrizes da legislação brasileira de Direitos Autorais; além de levantar novas questões, decorrentes da análise de tendências presentes e futuras da curadoria, e sobretudo, do processo de democratização pelo qual ela tem passado.
O conceito de curadoria vem do mundo da arte, com base na figura do curador, o profissional que organiza as obras de uma galeria de arte ou museu.
Segundo Tom Morton:
“Na Roma Antiga, curatores eram funcionários públicos encarregados de vários departamentos de serviços públicos, supervisionando os arquedutos, casas de banho e esgotos. Avançando para o período medieval, encontramos o curatus, um padre dedicado ao cuidado (ou ‘cura’) de almas.
No fim do século XX, ‘curador’ veio para descrever uma larga categoria de realizadores de exibições, desde empregados de museus que passaram anos trabalhando em modestas e escrupulosamente pesquisadas amostras de cerâmica sumérica, até freelancers que abordavam largas escalas de Bienais de arte contemporânea como uma oportunidade de limpar sua garganta auteurial.”
A curadoria, enquanto trabalho determinante para a organização de mostras e exibições, desempenhou papel crucial no crescimento e propagação das artes, conforme narra Christophe Cherix, apud OBRIST (2011):
“A arte do final do 19º século e do 20º século é profundamente interligada com a história de suas exibições. As realizações predominantes dos avant-gardes da década de 1910 e 1920 pode ser vista – do ponto de vista de hoje – como uma série de reuniões e exibições coletivas. Esses grupos seguiram o caminho traçado por seus predecessores, permitindo que um número cada vez maior de artistas emergentes agissem como seus próprios mediadores.
(…) Durante o curso do 20º século, exibições se tornaram o medio pelo qual a maioria das artes se torna conhecida. Não somente o número e o alcance de exibições cresceu dramaticamente nos anos recentes, mas museus e galerias como Tate, em Londres, e Whitney, em Nova York, agora exibem suas coleções permanentes como uma série de exibições temporárias. Exibições são o principal local de intercâmbio na economia política da arte (…)” (p. 5/6)
De fato, o trabalho dos curadores sempre consistiu em uma poderosa oportunidade para trazer visibilidade a pintores e escultores até então pouco conhecidos.
O próprio Hans Ulrich Obrist, acima citado, crítico, historiador e curador que se tornou referência em curadoria de arte, entende o curador como um conector tanto de objetos e conceitos, como de pessoas. Em entrevista ao website Expresso, publicada em 12 de novembro de 2016, disse ele:
“Temos de ir à origem da palavra: “curare”. Tomar a cuidado. Penso que esse papel é relevante. Se olhar para a história da arte constatará que do século XIX até os anos 60 temos fundamentalmente a história dos objetos. Nos anos 60 há a desmaterialização da arte e muitos autores procuram a arte conceptual. Temos não apenas a curadoria de objetos, mas também de não-objetos, de conceitos. Podemos trabalhar com objetos, não-objetos, ou os quasi-objetos de Michel Serres. Mais recentemente, Timothy Morton fala dos hiper-objetos. A definição mais satisfatória de curadoria veio do escritor J. G. Ballard. Dizia-me ele que o curador era uma espécie de fazedor de ligações. Mas também há as ligações entre pessoas, que vejo como uma parte fundamental do meu trabalho.”
Outrossim, não se pode ignorar a perspectiva museológica na definição da curadoria. Os museus são, aos olhos da sociedade, os principais curadores; por eles se popularizou a ideia de espaços curados.
Os museus também tiveram, e seguem tendo, um papel determinante na aplicação de significado às obras neles expostas, contextualizando-as para o público. Como consequência da consolidação desses papéis, os museus também assumiram uma função de estímulo à produção artística, como leciona Oliveira (2018):
“Com o aparecimento de obras que não mais reivindicam uma presença diante de nossos olhos, como as pinturas de outras épocas que nos alcançaram, mas que fundam um “discurso da presença”, pois são recorrentemente obras em perpetua reconstrução, reapresentação; readaptação. Uma obra em diferentes versões (OLIVEIRA, 2015). Tal conjunto de obras realinha uma história da arte diante de uma história da apresentação da arte. Ou seja, o museu está diante de obras que não mais expressam apenas um passado re-significado, mas instauram uma potente expectativa do devir. Assim, a dimensão heterocrônica do museu ganha novo horizonte diante de obras que não mais existem em suas reservas técnicas, nem em outro lugar qualquer, mas são instrutivamente dependentes da negociação entre distintos narradores e “manipuladores” de imagens e representações.
Essa contingência da obra que se encontra no “passado-futuro” tem aguçado a obsessão documentária das instituições museológicas. Elisa Noronha Nascimento (2014) lembra-nos que os museus de arte contemporânea operam numa circularidade, pois reinventam-se na medida que musealizam a arte que desejam colecionar e expor; a arte a qual estão identificados. Assim, quanto mais dependente for a arte de sua lógica operadora, mas bem quista esta será para a instituição. No museu, o registro da obra passa pelo registro de si. Há alguns anos, Anne Cauquelin refletia que “a galeria ou o museu permanecem como o pivô do movimento de exportação das obras e recolhem piedosamente as pistas documentadas do exílio” (2008, p.68), as obras lhe eram exteriores; hoje, as obras parecem continuamente a “renascer” dentro do museu e a partir dele. Nada novo a princípio uma vez que Jean-Marc Poinsot reclama que é essa a própria condição do museu de arte no ocidente: a capacidade de expor e colecionar objetos que chamamos de “arte”, mas que uma vez no museu, preservam, contra os ataques alheios, sua dimensão estética. O que temos, nas últimas décadas, é uma arte que nasce como demanda do museu.
(…) Independente das linguagens e suportes adotados e graças as tramas narrativas, as instituições museológicas tornaram-se parte do ateliê do artista, passaram a ser um “pressuposto” de boa parte da arte produzida nas últimas décadas.” (p. 176/177)
Contudo, o conceito de curadoria acabou transpondo o universo das galerias e museus.
Nos anos 2000, o termo “curadoria” foi apropriado pelo marketing, e depois veio a ser usado em diversas outras áreas, correlatas ou não, mas especialmente em relação a trabalhos ligados ao prazer e ao belo, ganhando uma conotação vanguardista, a ponto de estudiosos registrarem a tendência de “chamar-se de curador” como sendo “a próxima grande jogada” (BURDICK et al, 2012).
Em artigo publicado em 02 de outubro de 2009 no jornal New York Times, com o título “A palavra ‘curar’ não pertence mais aos museus”, Alex Williams escreve:
“Para muitos que adotam o termo, ou concedem-no a outros, ‘é uma forma inocente de autoinflação’, disse John H. McWhorter, um linguista e senior fellow no Instituto Manhattan. ‘Você está sugerindo que há alguma similaridade entre o que você faz e o que alguém com um diploma avançado que trabalha em um museu faz’.
De fato, nos dias de hoje, servir como um curador convidado de um blog de design, uma feira de artesanato ou uma loja de departamento é uma honra.
(…) O termo ‘curador’ não foi pensado para ser uma hipérbole, disse Tom Kalenderian, o diretor de moda masculina da Barneys.
(…) No caso de curar, que o dicionário Oxford simplesmente define como ‘cuidar e preservar’, seu significado padrão de ‘museu’ dominou até a metade dos anos ‘90, quando referências a curar livrarias de hotel e clubes de CD do mês começaram a surgir em periódicos, disse Jesse Sheidlower, um lexicógrafo do Oxford English Dictionary.
Depois de 2000, usos não tradicionais da palavra decolaram.”
Hoje, várias outras atividades podem ser curadas: música (curadoria musical), obras literárias (curadoria de biblioteca), conteúdos literários e visuais para jornalismo ou marketing (curadoria de conteúdo); entre outras.
As possibilidades são infinitas, pois não se trata de um ofício regulamentado, ou cujo âmbito seja delimitado por qualquer campo de conhecimento – embora o maior número de tentativas de definição venha, de fato, da arte.
Segundo Burdick et al (2012), “curar é filtrar, organizar, aperfeiçoar, e em última análise, cuidar de uma história composta de – ou até mesmo resgatada de – uma infinita disposição de potenciais contos, relíquias e vozes” (p. 34).
O verbo “curar”, nesse contexto, é usado com a conotação referente a selecionar, escolher, agrupar, administrar. Mas a curadoria não diz respeito somente aos aspectos formais da organização de obras.
Segundo Peter Taub, curador de artes performáticas no Museu de Arte Contemporânea de Chicago: “curar é mais que uma reflexão dos interesses de uma pessoa. É sabedoria, enquadrar ideias, contar histórias – mostrar o abismo que existe entre a coisa curada e o resto de nós.”
Já para John Corbett, cocurador da galeria de arte Corbett vs. Dempsey, “um curador provê contexto, conhecimento. Um curador escolhe, mas não apenas escolhe”.
Destas definições, podemos ver que a curadoria não se restringe a uma atividade de organização, sendo, na verdade, também permeada por um olhar artístico do próprio curador, além de seguir critérios para a exprimir um determinado conceito – critérios subjetivos, mas que, ainda assim, são critérios.
2. AS CRIAÇÕES PROTEGIDAS PELA LEI DE DIREITOS AUTORAIS
A Lei n.º 9.610/98 confere proteção às obras intelectuais, as quais, conforme o art. 7º, são:
“(…) as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:
I – os textos de obras literárias, artísticas ou científicas;
II – as conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza;
III – as obras dramáticas e dramático-musicais;
IV – as obras coreográficas e pantomímicas, cuja execução cênica se fixe por escrito ou por outra qualquer forma;
V – as composições musicais, tenham ou não letra;
VI – as obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as cinematográficas;
VII – as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao da fotografia;
VIII – as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cinética;
IX – as ilustrações, cartas geográficas e outras obras da mesma natureza;
X – os projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e ciência;
XI – as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova;
XII – os programas de computador;
XIII – as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual.”
Por exclusão, também podemos identificar obras intelectuais ao analisar aquilo que a Lei não reconhece como tal:
“Art. 8º Não são objeto de proteção como direitos autorais de que trata esta Lei:
I – as idéias, procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos ou conceitos matemáticos como tais;
II – os esquemas, planos ou regras para realizar atos mentais, jogos ou negócios;
III – os formulários em branco para serem preenchidos por qualquer tipo de informação, científica ou não, e suas instruções;
IV – os textos de tratados ou convenções, leis, decretos, regulamentos, decisões judiciais e demais atos oficiais;
V – as informações de uso comum tais como calendários, agendas, cadastros ou legendas;
VI – os nomes e títulos isolados;
VII – o aproveitamento industrial ou comercial das idéias contidas nas obras.”
Questão interessante é que o legislador não define – provavelmente até mesmo por se tratar de definição de questionável possibilidade – a extensão ou os parâmetros daquilo que pode ser considerado uma criação, razão pela qual deduz-se que a criação terá os limites que o autor quiser conferi-la.
Fato é que a legislação de Direitos Autorais não protege ideias, mas sim, formas de expressão das ideias, consoante ensina Denis Barbosa (1997). Até por isto:
“(…) o que recebe proteção não e o objeto em si (livros, escultura, etc.), nem a idéia ou a solução de um problema técnico, mas a expressão do autor. Portanto, o tema da obra, as informações nela contidas, o meio físico no qual esta fixada, os dados científicos, etc., todos estes elementos estão excluídos da incidência do Direito.” (Ob. Cit., p. 5)
Vale ressaltar que o sistema brasileiro de proteção de Direitos Autorais, seguindo a tradição latina, confere um duplo aspecto aos direitos de autor: os direitos morais e os direitos patrimoniais.
Os direitos morais estão atrelados à personalidade do autor. Trata-se do respeito ao criador, respeito ao direito dele de estar associado à sua criação e de ter a palavra final quanto à fruição não-econômica daquilo que criou. Por isso, estabelece o art. 24 da Lei n.º 9.610/98 que são direitos morais do autor:
“I – o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra;
II – o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra;
III – o de conservar a obra inédita;
IV – o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra;
V – o de modificar a obra, antes ou depois de utilizada;
VI – o de retirar de circulação a obra ou de suspender qualquer forma de utilização já autorizada, quando a circulação ou utilização implicarem afronta à sua reputação e imagem;
VII – o de ter acesso a exemplar único e raro da obra, quando se encontre legitimamente em poder de outrem, para o fim de, por meio de processo fotográfico ou assemelhado, ou audiovisual, preservar sua memória, de forma que cause o menor inconveniente possível a seu detentor, que, em todo caso, será indenizado de qualquer dano ou prejuízo que lhe seja causado.”
Os direitos morais de autor estão muito ligados aos direitos da personalidade, conforme dispostos no art. 5º, X, da Constituição Federal e nos arts. 11 a 21 do Código Civil.
Orlando Gomes (1987) chega a considerar os direitos morais do autor como verdadeiros direitos da personalidade (p. 133).
Fato é que os direitos morais do autor são personalíssimos, sendo inalienáveis e irrenunciáveis, segundo o art. 27 da Lei n.º 9.610/98.
Já os direitos patrimoniais dizem respeito ao direito do autor de obter proveitos econômicos decorrentes da exploração da obra.
Pode o autor auferir receitas com as obras, assim como pode: transferir, ceder, distribuir os direitos patrimoniais sobre elas – não são personalíssimos, como os direitos morais.
Outra importante característica dos direitos patrimoniais do autor, nos termos do art. 29 da comentada lei, é a necessidade de autorização dele para que haja:
“I – a reprodução parcial ou integral;
II – a edição;
III – a adaptação, o arranjo musical e quaisquer outras transformações;
IV – a tradução para qualquer idioma;
V – a inclusão em fonograma ou produção audiovisual;
VI – a distribuição, quando não intrínseca ao contrato firmado pelo autor com terceiros para uso ou exploração da obra;
VII – a distribuição para oferta de obras ou produções mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para percebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, e nos casos em que o acesso às obras ou produções se faça por qualquer sistema que importe em pagamento pelo usuário;
VIII – a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou científica, mediante:
IX – a inclusão em base de dados, o armazenamento em computador, a microfilmagem e as demais formas de arquivamento do gênero;
X – quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que venham a ser inventadas.”
Observa-se, então, que em que pese ser importante arrolar as espécies de criações que merecem a proteção do legislador de direitos autorais, a fim de delimitar o âmbito de aplicação da(s) lei(s), a verdadeira proteção não recai exatamente sobre as obras, e sim sobre o autor delas.
3. A CURADORIA COMO OBRA INTELECTUAL À LUZ DA LEI N.º 9.610/98
Escolhido para ser o curador da 33ª Bienal de São Paulo, de 2017, o espanhol Gabriel Pérez-Barreiro, doutor em História e Teoria de Arte e Mestre em História da Arte, curador de vários outros eventos e trabalhos artísticos, disse ser “uma honra orquestrar uma mostra com o porte e a repercussão da Bienal de São Paulo”. O uso do verbo “orquestrar” por Pérez-Barreiro fornece uma boa ideia de como atua um curador: coordenando um trabalho a fim de que ele produza um resultado final harmônico.
Ou seja: a curadoria segue uma proposta específica, a ser designada e executada pelo curador.
Porém, não se trata de mero trabalho de execução, conforme abordado em linhas volvidas (item 1).
A curadoria tem, também, um quê de criação e de arte de per si, uma vez que os curadores usavam da arte produzida por terceiros para transmitir uma mensagem ou expressar um conceito, tal qual um artista faz.
Há, obviamente, interpretações distintas – há quem entenda o trabalho do curador como sendo de proporcionar um contexto neutro para a exposição das obras de arte, tendo o único objetivo de levá-las ao público, com o mínimo de interferência possível na experiência dos apreciadores.
Diz Menotti (2012):
“Por outro lado (‘experiência’), haveria o esforço de exibir a obra da maneira a mais desimpedida possível, de modo que nada viesse a intervir entre a percepção do público e a essência (ou a presença) do trabalho. Nesse sentido, o papel da curadoria seria o de estabelecer um ambiente alegadamente neutro e livre de distrações – um canal transparente em que a obra pudesse se mostrar por completo. De acordo com o vocabulário de Latour, poderíamos dizer que esse segundo paradigma ressaltaria o papel da exposição como uma intermediária passiva do fazer artístico, enquanto que o enfoque interpretativo indicaria a sua função mediadora.
Serota chama a atenção para as condições históricas de cada uma dessas abordagens, a primeira das quais teria acompanhado a curadoria desde meados do século XIX, enquanto a segunda emergiria com o modernismo, por volta da década de 1930 (ibid., p. 9).” (p. 44)
Sobre esta segunda corrente, a qual nos parece mais condizente com o ofício exercido pelos curadores, convém também ressaltar as declarações de Christophe Cherix, em OBRIST (2011):
“(…) no final dos anos 1960, ‘a ascensão do curador como criador’, como Bruce Altshuler chamou, não apenas mudou nossa percepção sobre as exibições, mas também criou uma necessidade de documentá-las mais completamente. Se o contexto da apresentação de um trabalho artístico sempre foi importante, a segunda parte do 20º século mostrou que trabalhos artísticos são tão sistematicamente associados com sua primeira exibição que uma ausência de documentação desta coloca as intenções originais do artista sob risco de serem incompreendidas.” (p. 8)
Como se vê, o curador tem, sim, um papel de mediador entre os artistas e o público; mas ele não é apenas um meio para transmitir a mensagem de outros artistas. O curador tem, também, a sua própria mensagem.
Ao estabelecer os conceitos que embasarão a obra de curadoria, ao tomar decisões criativas estratégicas sobre as obras que serão expostas, o curador está também criando um novo trabalho artístico.
Em razão da ausência de definição técnica do ofício, entendemos ser propício tomar a opinião de curadores da vida real como elementos para a compreensão do que significa “curar”:
“Porque há mais coisas para colocar juntas”, ela [Virginia Postrel, crítica cultural e autora de “The Substance of Style] disse, ‘a justaposição se torna uma grande parte da interessante experiência dessas coisas. É uma atividade criativa em si mesma’.
O talento para escolher entre incontáveis objetos não é muito diferente do trabalho de artistas de colagem ou top DJs, explicou Scott Plagenhoef, editor chefe da Pitchfork, o website de música.” (WILLIAMS, ob. Cit.)
Neste sentido, vislumbra-se a possibilidade de compreender o resultado do trabalho do curador como uma criação intelectual autônoma, porque:
“(…) há uma essência subjetiva norteadora da seleção de obras na curadoria, o que faz com que o conjunto delas tenha um valor agregado diferente do que teria se a seleção houvesse sido feita de forma aleatória e descriteriada.” (RIBEIRO, 2017)
Seguindo essa linha de pensamento, uma obra de curadoria seria também digna de proteção jurídica, do ponto de vista dos direitos autorais, sendo considerada uma criação intelectual, propriedade intelectual do(s) curador(es), nos termos da Lei de Direitos Autorais (Lei n.º 9.610/98).
3.1 Natureza jurídica da curadoria e do curador dentro das espécies trazidas pela Lei n.º 9.610/98
A Lei n.º 9.610/98, embora não tenha se referido expressamente à curadoria, elenca em seu art. 7º, como obras intelectuais protegidas:
“XIII – as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual.”
Entendemos que a curadoria caberia dentro desse conceito, haja vista que segue os mesmos princípios de organização e seleção das coletâneas.
Ademais, a mesma lei, no art. 5º, VIII, conceitua as seguintes espécies de obra:
“g) derivada – a que, constituindo criação intelectual nova, resulta da transformação de obra originária;
Em que pese ser de mais fácil visualização o enquadramento da curadoria como “obra coletiva”, a possibilidade de considerá-la também como “obra derivada” partiria da mesma premissa lógica básica de qualquer outra criação artística, literária, científica, que combina elementos diferentes para formar uma nova obra.
Não estaria o músico, ao compor canções, fazendo uma curadoria de notas musicais e acordes, segundo um critério de preferência pessoal, para criar um resultado específico, original, que não deve fidelidade a mais nada além da sua própria vontade de criar e transmitir sensações? Não estaria o escritor fazendo uma curadoria de palavras quando escreve?
Se se apoiar nessa linha de raciocínio é ir longe demais, na filosofia proposta neste texto, sobeja, pelo menos, o conceito da “obra coletiva” como argumento jurídico com condão de enquadrar a curadoria como obra intelectual, nos termos da Lei n.º 9.610/98.
Como consectário lógico desta definição, assim como a curadoria pode ser enquadrada no conceito de obra coletiva, os curadores enquadram-se no conceito de organizadores, cabendo a eles o direito moral de gozar do status de autor da obra (nos termos do art. 11), e o direito patrimonial aos proveitos econômicos da obra (nos termos do artigo 17, § 2º).
3.2 Os direitos dos autores das obras expostas na curadoria, em face dos direitos dos curadores
Assim como há respaldo na lei para a proteção dos direitos do organizador/curador, a lei também dispõe que os direitos dos autores de cada uma das obras que compõem a curadoria devem ser igualmente preservados.
Dessa forma, dentro da obra de curadoria, permanece a obrigação do curador de dar os devidos créditos a cada um dos autores, mencionando seus nomes, os títulos das obras e ano de publicação delas.
Caso, porém, um autor não queira ter sua obra incluída na curadoria, o artigo 17, § 1º, assegura que:
“(…) qualquer dos participantes, no exercício de seus direitos morais, poderá proibir que se indique ou anuncie seu nome na obra coletiva, sem prejuízo do direito de haver a remuneração contratada.”
Verifica-se, então, que a lei buscou um equilíbrio entre os direitos dos autores de todas as obras – tanto as obras autonomamente consideradas, como as obras coletivas que são formadas pelo agrupamento daquelas.
3.3 A curadoria como obra intelectual produzida sob encomenda
Há casos em que a produção de uma obra intelectual se dá no âmbito de um contrato de trabalho, ou contrato de prestação de serviço. A doutrina chama essas situações de “obra intelectual produzida sob encomenda”.
Em que pese a Lei n.º 9.610/98 não dispor expressamente a respeito destas possibilidades, encontramo-las em outras áreas da Propriedade Intelectual, como na Lei n.º 9.279/96, que trata das criações passíveis de registro de patente, realizadas no ofício de trabalho realizado nos moldes da Consolidação das Leis do Trabalho:
“Art. 88. A invenção e o modelo de utilidade pertencem exclusivamente ao empregador quando decorrerem de contrato de trabalho cuja execução ocorra no Brasil e que tenha por objeto a pesquisa ou a atividade inventiva, ou resulte esta da natureza dos serviços para os quais foi o empregado contratado.
Art. 89. O empregador, titular da patente, poderá conceder ao empregado, autor de invento ou aperfeiçoamento, participação nos ganhos econômicos resultantes da exploração da patente, mediante negociação com o interessado ou conforme disposto em norma da empresa.
Parágrafo único. A participação referida neste artigo não se incorpora, a qualquer título, ao salário do empregado.
Art. 90. Pertencerá exclusivamente ao empregado a invenção ou o modelo de utilidade por ele desenvolvido, desde que desvinculado do contrato de trabalho e não decorrente da utilização de recursos, meios, dados, materiais, instalações ou equipamentos do empregador.”
Na Lei n.º 9.609/98, encontramos disposição pertinente ao programa de computador desenvolvido mediante contrato de trabalho ou contrato de prestação de serviços; vejamos:
“Art. 4º Salvo estipulação em contrário, pertencerão exclusivamente ao empregador, contratante de serviços ou órgão público, os direitos relativos ao programa de computador, desenvolvido e elaborado durante a vigência de contrato ou de vínculo estatutário, expressamente destinado à pesquisa e desenvolvimento, ou em que a atividade do empregado, contratado de serviço ou servidor seja prevista, ou ainda, que decorra da própria natureza dos encargos concernentes a esses vínculos.
No entanto, importar os conceitos acima colacionados para o âmbito dos Direitos Autorais requer cuidados mais especiais, diante da dupla face destes direitos.
Assim, afigura-se possível que um contratante ou empregador seja titular de direitos patrimoniais, em relação à obra intelectual produzida pelo contratado ou empregado, pois que a Lei n.º 9.610/98 admite a cessão total ou parcial dos direitos, desde que obedecidos todos os requisitos dos arts. 49 a 52.
Todavia, a titularidade moral segue sendo do contratado ou empregado, pois que, nos termos do art. 27 da Lei n.º 9.610/98, os direitos morais do autor são personalíssimos, sendo inalienáveis e irrenunciáveis, segundo o art. 27 da Lei n.º 9.610/98.
Nessa seara, compreendendo a curadoria como obra intelectual, ela também pode ser realizada dentro de um contrato de trabalho, ou mediante prestação de serviço, com cessão total ou parcial dos direitos patrimoniais, mas mantidos os direitos morais do curador, entre eles, o direito de ter seu nome divulgado e associado à obra.
Interessante notar que, na curadoria produzida sob encomenda, o encomendante geralmente tem ideias preconcebidas dos conceitos que deseja transmitir, apresentadas ao curador contratado por meio de um briefing. Apesar de, com isto, a liberdade de criação do curador estar, de certa forma, limitada, entendemos que o aspecto autoral da curadoria permanece, não havendo que se negar os direitos morais do curador – sendo, porém, admitida a possibilidade de cocuradoria, em nossa opinião.
3. 4 A responsabilidade civil e criminal do curador
O curador também está sujeito à responsabilização civil nos termos dos arts. 186 e 927 do Código Civil, além das eventuais responsabilidades contratuais decorrentes do contrato de trabalho ou contrato de prestação de serviços.
Insta ressaltar que, ao não cumprir as obrigações que têm em relação às obras dos artistas selecionados para a sua curadoria, conforme dissertamos no item 3.2, o curador pode estar incorrendo em ato ilícito.
Quanto à responsabilização criminal do curador na sua condição de autor de obra intelectual, complexa se torna a discussão sobre esta possibilidade, em face da colidência dos tipos penais com a liberdade de “expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”, garantida no art. 5º, IX, da Constituição Federal.
É cediço que a liberdade de expressão não pode funcionar como um “cheque em branco”, concedendo aval para que o artista pratique ilícitos penais.
Entretanto, enquanto determinados tipos penais serem de caracterização óbvia e indiscutível, por outro lado, o caso concreto nos mostra atos cuja caracterização da ilicitude é mais enevoada, sobretudo no que tange aos crimes que tutelam bens de subjetiva definição, e sem atingir bens materiais, como os crimes contra a paz pública, por exemplo.
Destacamos, neste mister, o episódio em que restou investigado Gaudêncio Cardoso Fidélis, curador da mostra denominada “Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira”, exposta no espaço Santander Cultural, em Porto Alegre, no ano de 2017.
Considerada por muitas como um espetáculo que faria apologia da pedofilia e abuso sexual de crianças e adolescentes, a mostra entrou no âmbito das investigações de uma Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado Federal.
Segundo os impetrantes do Habeas Corpus n.º 148.615/RS, impetrado em favor de Gaudêncio para suspender “a convocação do paciente à CPI dos Maus Tratos”, “tendo em vista a plausibilidade de tal convocação estar eivada de vícios constitucionais formais e materiais insuperáveis”:
“A exposição em comento conta com cerca de 270 obras de arte e busca promover a reflexão de questões atinentes a gênero, diversidade sexual e questão LGBT, reunindo artistas brasileiros consagrados internacionalmente, (…) que tiveram sua produção artística de excelência subitamente transformada em ‘pedofilia’ ou ‘zoofilia’ em meio ao obscurantismo desta polêmica.
(…) em face da polêmica desencadeada, o próprio Ministério Público do Rio Grande do Sul, por meio da promotoria de defesa da infância e da juventude, constatou não haver qualquer indício de crime na referida exposição (…)
A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal no Rio Grande do Sul, recomendou, aliás, em 28/09/2017, ao Santander Cultural, em Porto Alegre, a ‘imediata reabertura’ da exposição Queermuseu”
(HC n.º 148.615/RS, mencionado em decisão liminar proferida em Cautelar ao referido HC, pelo STF, Ministro Relator Alexandre de Moraes, proferida em 03.10.2017)
Como se percebe, o episódio provocou discussões no Brasil sobre o conceito e os limites da atividade artística, bem como, sobre a possibilidade de responsabilização criminal de artistas.
As questões relativas à liberdade de expressão, e aos limites entre censura e regular aplicação da lei penal, conquanto assumam relevante papel dentro do contexto da responsabilização criminal do curador, consistem em discussão com existência autônoma, merecedora de análise profunda à luz do Direito Constitucional e dos Direitos Humanos.
CONCLUSÃO
Como ficou claro ao longo deste trabalho, a curadoria sempre assumiu papel de relevância no mundo das artes, e tem passado por um processo de ressignificação, operando grandes transformações em diversas indústrias e campos de conhecimento.
No passado, a curadoria apresentava contornos elitistas e era realizada por e para pessoas com acesso a espaços restritos. Isto porque a arte era tida como “um luxo” para poucos, e os espaços curados propiciavam uma experiência ainda mais seleta – somente “o melhor do melhor”.
A tendência de democratização da arte, bem como do acesso à arte, são relativamente recentes. Nas palavras do curador Lee Daehyung: “Nós não queremos manter a arte em uma torre de marfim, nós queremos compartilhá-la amplamente” (LEE, 2020).
Interessantemente, ao passo em que o acesso à arte e a diversas outras formas de conteúdo são democratizados, a curadoria não perde seu papel – ela é, também, democratizada.
Há quem veja esse processo de democratização como uma banalização da nomenclatura e do ato de curar, como se os termos “curar”, “curadoria” e “curador” fossem apenas palavras bonitas para designar atividades comuns.
O que parece ser inquestionável é que, se é capaz de ter aplicação em diferentes contextos históricos, artísticos e sociais, a curadoria consiste em atividade para a qual existe inegável demanda. Destarte, a discussão sobre a sua existência em contextos diversos além daqueles nas quais ela nasceu e se consagrou, é de grande relevância.
Ademais, não se afigura razoável separar a discussão sobre o conceito e os limites da curadoria, da intrincada discussão sobre os contextos socioculturais em que tais conceitos e limites são cunhados.
A que interesses serve a restrição do âmbito da curadoria? Ainda que o conceito de curadoria seja elasticizado até o ponto de contemplar praticamente toda e qualquer coisa ou pessoa, que critérios podem ser usados para avaliar se isto é beneficial ou prejudicial aos artistas e às artes ou campos de conhecimento envolvidos? São questionamentos que fogem do campo dos Direitos Autorais, levantando discussões acerca da interseção entre Propriedade Intelectual e Direitos Humanos, que requerem também uma visão sociológica e antropológica da situação; além, é claro, das peculiaridades e variáveis eventualmente encontradas em cada arte ou campo de conhecimento.
O fato é que, ainda que não haja definições precisas ou regulamentação para a curadoria e o ofício de curador no Brasil, a curadoria é uma realidade na qual diversos direitos estão envolvidos, fazendo-se necessário definir, ao menos, se esses direitos serão reconhecidos à luz da legislação de Direitos Autorais; tendo em vista, sobretudo, os riscos impingidos aos criadores, que, na falta de perspectivas legais para a proteção de suas obras, estão sujeitos à apropriação e exploração de seu trabalho, sem a devida recompensa ou reconhecimento.
Buscamos, neste trabalho, contribuir com o debate sobre as definições jurídicas possíveis à luz da Lei n.º 9.610/98. Embora seja discutível colocar o Direito como protagonista da discussão sobre o conceito de curadoria, esperamos que ele possa ser, pelo menos, um aliado na proteção dos justos interesses envolvidos nesta discussão.
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[1] Não confundir com o conceitos de curadorias, curatela e curador do Código Civil, que também aparecem na legislação esparsa, como na Lei 13.146/15 e outras.
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